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domingo, 23 de março de 2008

A Ressurreição de Jesus como fato histórico: existe essa posibilidade?

A Ressurreição de Jesus como fato histórico: existe essa posibilidade?

de Charles Coffer Jr., graduando em História

Nos destituindo de todos os nossos sentimentos e emoções religiosas, apologéticas, céticas e crítica, gostaria de questionar: Será se há como estabelecer a ressurreição de Jesus como um acontecimento histórico?

Essa questão possui bastante relevancia para a História. No entanto, possui fortes implicações na fé. Cito-a porque está sendo objeto de disputa, especialmente entre Crossan (que defende que a ressurreição de Jesus é uma metafora que depois foi transformada em lenda e mito) e N. T. Wrigth (que defende que a ressurreição é um acontecimento histórico).

http://www.airtonjo.com/blog/2006/02/crossan-e-wright-conversam-sobre.html

N. T. Wright, um estudioso britânico eminente, conclui, “como um historiador, eu não posso explicar a ascensão do Cristianismo primitivo a menos que Jesus ressuscitasse e deixasse uma tumba vazia atrás dele”.

Já Crossan afirma que: "O movimento do reino não era o movimento de Jesus, e removê-lo não era remover o Reino. Quando ele foi executado, aqueles que o acompanhavam perderam a coragem e fugiram. Não perderam a fé e o abandonaram. [...] A fé na Páscoa [...] não começou no domingo de Páscoa. Iniciou-se entre aqueles primeiros seguidores de Jesus na Baixa Galiléia, muito antes da sua morte e [...] poderia sobreviver e, de fato, negar a execução do próprio Jesus. É absolutamente insultante para aqueles primeiros cristãos imaginar que a fé começou no domingo de Páscoa através de aparições ou que, tendo sido temporariamente perdida, foi restaurada [...] naquele mesmo domingo".

Gerd Ludemann (no qual estou realizando uma tradução de um artigo muito importante sobre a Ascensão do Cristianismo Primitivo), Professor de Cristianismo Primitivo em Gottigen, Alemanha (e que foi proibido de lecionar Novo Testamento, por causa de suas "idéias radicais", afirma que:

"Para os discípulos de Jesus, a sua morte foi um choque tão grave que exigiu um processo de reconceitualização- que começou na Galiléia e foi marcada por experiências visionárias. Pouco tempo depois da Sexta-Feira Santa, Pedro tinha uma experiência visual e auditiva da presença de Jesus que deu início a uma extraordinária reação em cadeia. [...] Aparições post-mortem de Jesus - tanto a Pedro, que havia repudiado Jesus e depois desertado e para os outros discípulos que tinham fugido anteriormente - foram certamente tomadas com o significado de perdão, e naturalmente o conteúdo dessas experiências foi transmitido aos outros. Sem dúvida, os relatos enfatizam que, longe de abandonar a Jesus, Deus lhe tinha levado para o céu".

O interessante, só para acirrar este debate, é que Ludemann faz essa declaração baseado no pressuposto de que NARRATIVAS DO TÚMULO VAZIO NÃO EXISTIAM NA ÉPOCA DE PAULO. Ou seja, que os relatos dos evangelhos sobre a descoberta do túmulo vazio são criações dos evangelistas.

De fato, há um concenso entre os estudiosos que o TÚMULO VAZIO é criação recente, e não pertence as TRADIÇÕES CRISTÃS ANTIGAS.

“... O túmulo vazio é uma lenda recente, introduzida pela primeira vez por Marcos na narrativa” (Fuller, 1971, p. 52).FULLER, Reginald. The Formation of the Resurrection Narratives, Fortress. 1971

“... critérios internos apóiam a hipótese de que a história do túmulo e a narrativa da Paixão no início não constituíam uma unidade orgânica” (Alsup, 1975, p. 96).ALSUP. John E. The Post-Resurrection Appearance Stories of the Gospel-Tradition Stuttgart: Calwer Verlag, 1975.

“... a narrativa do sepultamento em Marcos pertence à tradição da Paixão e é antiga. A visita ao túmulo é lendária” (Mann, 1986, p. 660). MANN, C.S. Mark. New York, NY: Doubleday, 1986.

“Eu posso assegurar que a história do túmulo vazio, com todos seus detalhes circunvizinhos, inclusive o cenário de Jerusalém, nada mais é que um recente acréscimo lendário à história da fé” (Spong, 1994, p. 180). SPONG, John Shelby. Resurrection: Myth or Reality? San Francisco: Harper Collins, 1994.

“Há um consenso de opinião entre estudiosos contemporâneos que as narrativas do túmulo vazio são acréscimos recentes às narrativas do evangelho e estão separadas dos relatos da paixão” (Thompson, 2006, p. 36).

Martin Hengel e outros afirmam que Paulo, em 1Co 15:4, com a expressão "ressuscitou ao terceiro dia" conhecia o Túmulo Vazio.

Já Crossan e Vermes:

"A tradição transmitida por Paulo ignora o túmulo vazio" (Vermes, 2006, p. 208).

"[...] Paulo não enfatiza um túmulo vazio. Pelo contrário, ele baseia sua confiança na ressurreição de Jesus, nas aparições de Jesus aos seus seguidores e, em última instância, no que ele próprio, Paulo, entende como visões."(Borg e Crossan, 2007, p. 253).

Ou seja, a declaração de Ludemann sobre as aparições do Senhor ressuscitado fazem referencia apenas ao testemunhos de visões em 1Co 15. Na minha opinião, descartando a "tradição" do Túmulo Vazio fica mais facil tormarmos um partido nessa questão. No entanto...

John P. Meier, no livro "Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor" (Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.) faz a seguinte afirmação:

"“Deus fez um milagre nesta cura em particular” é na verdade um julgamento teológico e não histórico. Um historiador pode examinar alegações quanto a milagres, rejeitar aquelas que têm explicações naturais óbvias e registrar casos em que não há explicação natural. Um julgamento puramente histórico não pode seguir além disso". (MEIER, 1996, p. 25).

e:

"[...] na Busca pelo Jesus Histórico, as “regras do jogo” não admitem apelo ao que é sabido ou sustentado pela fé; [...] a fé não pode ser usada como prova ou argumento nos limites extremamente restritos da pesquisa sobe o Jesus da história. (MEIER, 1996, p. 153).

Acho que Meier tem certa razão em tudo isso. Mas, porém, apelar para qualquer explicações externa ao relato sobre a ressurreição (como Ludemann faz ao afirmar que foram alucinações), já sai do âmbito da história para especulação filosófica. O que a tradição cristã antiga alega, do ponto de vista histórico, é que os discipulos simplesmente acreditaram ter visto uma aparição de seu Senhor ressuscitado. Notem as palavras "alegarram" e "acreditaram".

O julgamento histórico precisa ser maduro e crítico:

1) "Alegaram" porque o testemunho é de segunda-mão. Não possuimos fontes diretas para saber se os discipulos realmente disseram ter tido tais visões;

2) "Acreditaram" porque nem sempre o pensamos termos visto é o que é: Como no caso das aparições dos Boto Encantados em Parintins, no Amazonas - todos dizem ser o Boto, mas será que Boto se transforma em gente mesmo?Por isso, creio ser dificil tomar um julgamento nessa questão.

No entanto, também acredito que qualquer tentativa de se estabelecer a ressurreição como um FATO HISTÓRICO está fadada ao fracasso, como Willian Lane Craig e N. T. Wright querem tanto que seja. A questão ainda está em aberto.

Willian Lane Craig, que debateu com John Dominic Crossan em 1998 sobre a ressurreiçaõ de Jesus, coloca quatro "fatos" que indicam, HISTORICAMENTE, que Jesus, REALMENTE, ressuscitou dos mortos:

1) O Sepultamento de Jesus por José de Arimatéia;

2) O túmulo foi encontrado vazio por mulheres;

3) Desde muito cedo, os cristãos afirmaram terem experienciado aparições de Jesus ressuscitado;

4) Os discípulos vieram acreditar de repente e sinceramente que o Jesus foi ressuscitado dos mortos apesar do ter todo predisposição para o contrário.

Contra o fato 1, Crossan (1995. p. 202) afirma que:

"Considero José de Arimatéia como uma total criação de Marcos em nome, lugar e função".

André Chevitarese, professor da UFRJ, afirma que, para a maioria dos estudiosos, a figura de José de Arimatéia, é uma criação literária dos Evangelhos, sendo que o papel de José compreende os objetivos literários do escritor do evangelho de Marcos:

"Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas [e primeiramente o de Marcos] têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de José de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa - sua única função na história é essa".

Por isso, o sepultamento por José carece de historicidade.

No que se refere ao fato 2, Crossan (1995. p. 212-214) afirma que o relato das mulheres no túmulo não possui historicidade, não passando de uma criação marcana.
Crossan (1995. p. 214-217) afirma que o relato do túmulo vazio é fictício, criado por Marcos, e carece de historicidade. Sendo que Marcos é severa e consistentemente crítico dos três principais discípulos nomeados, Pedro, Tiago e João, e que seu tema principal é: aqueles mais próximos de Jesus lhe faltam mais profundamente, para Marcos todos os seguidores de Jesus, masculinos e femininos, são importantes como modelos de falha. Marcos sempre os relata como falhando em relação a Jesus e esse seu tema é peculiar seu – não sendo encontrado nos demais evangelhos – e Marcos, dessa forma, distorce ou mesmo cria relatos para que suas intenções literárias sejam corroboradas em suas narrativas.

O relato do túmulo vazio é um modelo desse tipo de falha dos discípulos – agora, dos do sexo feminino. Sendo que Jesus tinha dito aos discípulos três vezes, e muito claramente, que seria executado em Jerusalém e que se levantaria depois de três dias, se alguém acreditasse nessas profecias, o fato das mulheres terem vindo com ungüentos não foi um ato de fé, mas uma falha de crença.

A mulher do vaso de alabastro (Mc 14,3-9) acredita em Jesus e sabe que, se ela não untá-lo para enterro agora, nunca será capaz de fazê-lo depois. O centurião embaixo da cruz em 14,39b: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!”. Todos esses pessoas anônimas, mas os discípulos, para Marcos, nunca realizaram tais coisas.

Para Crossan, tudo isso é composição literária de Marcos e essa densidade teológica explica por que as mulheres que pretendiam untar o corpo são tão importantes para Marcos e por que a história do túmulo vazio é tão peculiarmente sua, própria.

Os demais evangelistas, ao copiarem para seus evangelhos a narrativa do túmulo vazio, seguiram Marcos apenas no relato, mas não no objetivo literário.
Desse modo, os fatos 1 e 2 podem ser descartados para a pesquisa histórica sobre a ressurreição, por serem acrescimos posteriores, correspondentes aos anos 70 d.C. em diante.

Eu pessoalmente, só considero os fatos 3 e 4 como pertinentes a pesquisa histórica sobre a ressurreição de Jesus e sobre o cristianismo pós-pascal.

Sendo que existe testemunho antigo ALEGANDO que os cristãos bem cedo ACREDITARAM ter tido visões de Jesus ressuscitado, a única conclusão realmente histórica que podemos chegar é:

Existe testemunho antigo ALEGANDO que os cristãos bem cedo ACREDITARAM ter tido visões de Jesus ressuscitado. Só isso.

No que se refere ao fato 4, não creio que uma ressurreição real deva ser invocada como ÚNICA EXPLICAÇÃO para um bando de discipulos desapontados possam ter levado o cristianismo aos quatro cantos do mundo, morrendo pela fé, como N. T. Wrigth afirma.

Notem que essa definição de Wrigth e Craig é errônea e limitada.

Exemplos existem na história de grupos que continuaram mesmo após o líder ter sido brutalmente assassinado. Scardelai (1998, p. 263), afirma que:

"A princípio, o fato de um herói popular, ou pretenso salvador, ser capturado e morto sem haver concluído sua missão, muitas vezes significava que seus propósitos, mais do que nunca, deveriam ser imediatamente retomados por sucessor fiel. [...] No caso de Jesus as evidências apontam para essa possibilidade".

Por isso, agora, acredito que o único "fato" histórico que conhecemos sobre a alegada ressurreição de Jesus seja o fato 3, ou seja, as aparições citadas em 1 Corintios 15 por Paulo. Alegou-se que os discipulos acreditaram ter tido uma visão de Jesus ressuscitado. Essa é a única coisa que temos e a única que sabemos, do ponto de vista histórico, sobre a ressurreição de nosso Senhor.

Resumindo a minha opinião:Os cristãos realmente podem ter 1) visto Jesus ressuscitado (Wrigth e Craig), ou podem ter tido 2) alucinações extáticas (Ludermann e Crossan) ou 3) poderiam estar mentindo. A história não pode fazer o julgamento sobre qual dessas três opções é a correta.
De fato, a única questão sobre a ressurreição de Jesus que importa é: Qual a natureza das visões dos discipulos de Jesus? No entanto, essa questão já foge o âmbito da pesquisa histórica. Assim como determinar o número de folhas que cairam de uma certa árvore da cidade no ano passado, determinar a natureza das visões que os discipulos tiveram é uma tarefa complicada. Afirmar serem alucinações, como Crossan e Ludemann fazem é oferecer apenas uma possibilidade, e mais nada. Da mesma forma, afirmar que ele realmente ressuscitou dos mortos é uma atitude acrítica e bastante problemática, sendo que não existem evidencias suficientes para se adotar essa posição.


FONTES:
MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.

SLATER, Candade. A festa do boto: transformações e desencanto na imaginação amazônica. Tradução: Astrid Figueiredo. Rio de Janeiro: Funarte, 2001.

VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.

SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.

CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus?: as raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.

LOPES, Reinaldo José. Jesus é 'invisível' no registro arqueológico. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/0,,PIO7819-5603,00.html . Acesso em 14 de março de 2008.

http://www.airtonjo.com/blog/2006/02/crossan-e-wright-conversam-sobre.html

LUDEMANN, Gerd. O QUE REALMENTE ACONTECEU? A ascensão do Cristianismo Primitivo, 30-70 EC. Free Inquiry, Abril/Maio de 2007. http://www.secularhumanism.org/ . (Tradução minha).

BORG, M. J.; CROSSAN, J. D. Última Semana: um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

Há evidências históricas da ressurreição de Cristo? (Debate W. L. Craig vs. Bart Ehrman). Disponivel na internet.
Outras fontes da internet retiradas de forma avulsa.

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