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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O MESSIAS FILHO DE JOSÉ: A “Revelação de Gabriel” e o nascimento de um novo modelo messiânico

O MESSIAS FILHO DE JOSÉ
A “Revelação de Gabriel” e o nascimento de um novo modelo messiânico


De: Israel Knohl
Fonte: Biblical Archaeology Review
http://bib-arch.org/bar/article.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=5&ArticleID=14
Traduzido por Charles Coffer Jr.

Uma nova inscrição, recentemente publicada no Biblical Archaeology Review pela primeira vez em inglês, pode ser a chave para desvendar uma nova compreensão de alguns fatos da história do messianismo judaico e cristão.

Escrito em uma pedra de 3 metros de altura, o novo texto tem muitas características dos fragmentados Manuscritos do Mar Morto, incluindo o fato de ser mal conservado. Com base na posição e forma das letras, o ilustre decifradores da inscrição (Ada Yardeni e Binyamin Elizur) datam-la no fim do primeiro século a.C. ou no início primeiro século d.C.

Yardeni descreve o texto como “uma composição literária semelhante à profecias bíblicas” A partir de uma palavra ou uma frase aqui e ali, ela observa que o texto é apocalíptico em caráter e vem de um grupo que acredita em um Messias Davídico. Ela chama o texto “Revelação de Gabriel”, ou Hazon Gabriel em hebraico.

Os Rolos do Mar Morto têm, em geral, revelado que muitos dos mesmos conceitos e crenças religiosas encontrados no cristianismo também são encontrados nos rolos, muitas vezes aparecendo primeiro nos rolos e, posteriormente, transparecendo no cristianismo antigo. Creio que isto também seja válido em relação ao messianismo da “Revelação de Gabriel”.

Como veremos, “Revelação de Gabriel” tem muita coisa a nos falar sobre um tipo diferente de um messias - o Messias filho de José, que é diferente do conceito bíblico de um Messias Davídico.

A tradição do “Messias filho de José” e sua morte aparece pela primeira vez no Talmude babilônico (Sukkah 52a).

Os rabinos ensinaram: O Messias ben David, que (como esperamos) vai aparecer em
um futuro próximo, o Santo, bendito seja Ele, irá dizer-lhe: Peça-me e dar-te-ei, como está escrito [Salmos 2:7-8]: “Vou anunciar o decreto ... Peça-me, e darei”, etc. Mas como o Messias ben David terá visto que o Messias ben Joseph, que o precedeu foi morto, ele vai dizer diante do Senhor: “Senhor do Universo, nada peço a Ti, senão a vida”. E o Senhor irá responder: “Isso já foi profetizado pelo teu pai Davi a ti, [Salmos 21:5]: ‘A vida que ele pediu a ti, tu deste a ele’”.


De acordo com o texto apocalíptico do sétimo século conhecido como Sefer Zerubabel, o “Messias filho de José”, foi morto pelo ímpio “Armilus” e foi posteriormente ressuscitado pelo Messias filho de David e pelo profeta Elijah. [1]

Essas tradições são claramente pós-cristãs, e muitos estudiosos consideram esta tradição judaica como um impacto do cristianismo sobre o Judaísmo. Algumas evidências, no entanto, indica que a figura do "Messias filho de José" é muito mais antiga. Em alguns textos da virada das eras para a era cristã, deparamo-nos com José como um filho de Deus que expia os pecados dos outros com o seu sofrimento. Por exemplo, em José e Aseneth, escrito entre 100 a.C. e 115 d.C. José é descrito como “filho de Deus” (6:3, 5, 13:13). José também é chamado de “filho primogênito de Deus” (18:11, 21:4, 23:10).

Em outro livro do período do Segundo Templo, O Testamento dos Doze Patriarcas, o testamento de Benjamin liga José a figura do Servo Sofredor de Isaías 52-53. Neste testamento, Jacob disse a José:

“‘Em você será cumprida a profecia celestial, que afirma que o imaculado será violado por homens sem lei e o sem pecado morrerá por causa dos homens ímpios’” [2] (ênfase acrescentada).

Essas citações sugerem que a designação do Messias sofredor como “filho de José” remonta ao período do Segundo Templo. [3]

Em outro Midrash posterior, Pesikta Rabbati, o Messias Efraim (um filho de José) é criado. Quanto a ele, os pecados dos outros "serão dobrados diante de seu jugo de ferro." O Santo, bendito seja ele, lhe pergunta se ele está disposto a tolerar este sofrimento. O Messias Efraim, filho de José, pergunta quanto tempo durará seu sofrimento. Sete anos, o Santo responde. Depois de mais diálogo, o Messias Efraim diz: “Mestre do Universo, com alegria em minha alma e alegria no meu coração eu tomo este sofrimento sobre mim mesmo, desde que nenhuma pessoa em Israel pereça; que não só aqueles que estão vivos sejam salvos em meus dias, mas também aqueles que estão mortos ...”. [4]

Nesse trecho da Pesikta Rabbati, o filho de Joseph (aqui Efraim) também aparece como o Messias identificado como o Servo Sofredor de Isaías.

Diversos estudiosos têm argumentado que essas passagens posteriores devem ser rastreadas a círculos cristãos. [5] Um erudito líder rabínico, Saul Lieberman, tem defendido a visão oposta. [6] Estou de acordo com Lieberman. [7] Penso que a “Revelação de Gabriel”, agora publicado na Biblical Archaeology Review, apóia a idéia de que a tradição do Messias filho de José que é morto remonta ao final do primeiro século a.C. ou dos primeiros primeiro século d.C. Embora grande parte do texto da “Revelação de Gabriel” não foi preservada ou é difícil de ler, existe o suficiente para fazer esses apontamentos.

Como Yardeni friza em seu artigo para a Biblical Archaeology Review, apesar da dificuldade na leitura do texto, o mesmo envolve “grupos messiânicos”. As personagens mencionadas são “claramente figuras apocalípticas”. Entre elas, duas que já foram citadas neste artigo: Davi e Efraim. Em “Revelação de Gabriel”, o Senhor fala com Davi, pedindo a ele que solicite a Efraim que coloque um sinal: "Meu servo Davi, peça a Efraim [que ele col]oque o sinal...” (linha 16-17 ). Infelizmente, a natureza do sinal não é especificado, mas parece ser o sinal de salvação. No entanto, o fato de que David é enviado por Deus para Efraim pedindo para colocar o sinal pode atestar que Efraim está em uma posição superior. Ele, e não Davi, é a pessoa-chave que é convidada a colocar o sinal; Davi é apenas o mensageiro!

A expressão “Meu servo David”, obviamente aparece muitas vezes na Bíblia como uma expressão de um líder escatológico (ver Ezequiel 34:23, 24, 37:24, 25). E, como temos observado, na Bíblia, Efraim é filho de Joseph. Os nomes “meu servo Davi” e “Efraim” mencionados em “Revelação de Gabriel” aparentemente são paralelos, respectivamente, aos títulos “Messias filho de Davi” e “Messias filho de José” no Talmude, que já chamamos atenção. E “Efraim” é o nome do Messias em Pesikta Rabbati, quando se diz que está prestes a sofrer a fim de expiar Israel. Assim, neste novo texto escrito sobre pedra, temos a mais antiga referência a figura messiânica de Efraim (embora em Jeremias 31:20, o Senhor diz Efraim: “Deveras, Efraim é um filho querido para mim” [ver também Oséias 11: 1-8]).

Também é interessante que este novo texto parece estar a predizer que em três dias o mal será derrotado pelos virtuosos. Eles têm a seguinte redação: “Em três dias você deve saber que, assim disse o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel, o mal foi quebrado pela justiça” (Linhas 19-21).

Mas há mais: A linha 80 começa com a frase “Em três dias”. Isso é seguido por outra palavra que os editores não puderam ler. Em seguida vem a frase “Eu, Gabriel”. Acredito que esta palavra “ilegível” é realmente legível. É a palavra ḥayeh, “viva” (חאיה). O arcanjo Gabriel está dando ordens para que alguém “viva”: “Em três dias, você deve viver”. Em outras palavras, em três dias, você deve retornar à vida (ser ressuscitado).

Existe ainda duas palavras adicionais que também são difíceis de ler. As letras não são fáceis de se entender, mas creio que a primeira palavra começa com um ג (Gimel) e um ו (vav). A próxima palavra é igualmente difícil. A letra ל (Lamed) é perfeitamente legível, e as letra anterior a ela parece ser uma ע (‘Ayin). Creio que a frase pode ser reconstruída da seguinte forma: “Em três dias, viva, eu, Gabriel, ordeno-te”. (Leshloshet Yamin ḥayeh, ani Gavriel, gozer alekha.) Ada Yardeni têm desde então concordado com essa leitura da ḥayeh e com o tradução “Em três dias, viva, eu, Gabriel ...”.

O arcanjo é alguém que ordena a ressurreição dos mortos em três dias.

Gabriel é naturalmente bem conhecido a partir do livro de Daniel, assim como do Evangelho de Lucas. Para Daniel, Gabriel aparece ao profeta em uma visão apocalíptica (Daniel 8:13-19). Na famosa cena em Anunciação do Evangelho de Lucas, o anjo Gabriel diz a Maria que ela terá um filho que será chamado Filho do Altíssimo:

“E eis que você vai conceber em seu ventre um filho, e deverá chamar seu nome de Jesus. Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e seu reino não terá fim” (Lucas 1:31-33).

De acordo com as listas genealógicas em Mateus 1:1-16 e Lucas 3:23-38, Jesus é um descendente de Davi. Fala-se explicitamente que José, o pai de Jesus, era “da casa e da linhagem de Davi” (Lucas 2:4; ver também 1:27, 32, Mateus 1:20).

Jesus também é referido como o “Filho de Davi” várias vezes em outra parte no Evangelho (Mc 10:46, 11:10, Mateus 9:27, 12:23, 15:22, 20:30, 21:9; Luke 18:38) e, posteriormente, noutras partes do Novo Testamento (Romanos 1:3; 2 Timóteo 2:8, Apocalipse 5:5, 22:16). E toda história da Natividade (Mateus 2:1-18; Lucas 2:1-29) é projetada para enfatizar Jesus como um “Filho de Davi”. De acordo com os relatos da Natividade, Jesus, como Rei Davi, nasceu em Belém. No entanto, o próprio Jesus nunca se refere ao Messias como “Filho de Davi”, e ele não menciona ter qualquer vínculo com uma linhagem Davídica.

Em “Revelação de Gabriel”, veremos que outro messias - Efraim, ou o “Messias filho de José” - já era conhecido no final do primeiro século a.C. O “Efraim” da “Revelação de Gabriel” foi provavelmente baseado nos versículos bíblicos alusivos ao seu sofrimento como Filho de Deus (cf. Jeremias 31:17-20; Oséias 11:1-8). E o conteúdo de “Revelação de Gabriel” reflete elementos de morte e derramamento de sangue.

A figura messiânica de Davi é tradicionalmente representada como envolvendo bravura, habilidade militar e triunfo. A figura de Efraim, ou Messias filho de José, simboliza uma nova espécie de messianismo bastante diferente. Efraim é um messias do sofrimento e da morte.

Isso pode trazer uma nova luz sobre aquilo que tem sido uma enigmática tradição evangélica. Em passagens paralelas dos evangelhos sinópticos [b] (Marcos 12:35-37, Mateus 22:41-46; Lucas 20:41-44), Jesus está ensinando no Templo. Surpreendentemente, ele rejeita a idéia de que o Messias seja filho de Davi: “Como podem os escribas afirmarem:” indaga Jesus, “que o Cristo é o filho de Davi?” (Marcos 12:35).

Para demonstrar que o Messias não é o filho de Davi, Jesus cita o Salmo 110, atribuído no Bíblia Hebraica ao próprio Davi. Como o texto de Marcos (12:36) recita, Davi fala no salmo: “O próprio Davi, inspirada pelo Espírito Santo, declarou...” Jesus, em seguida, recita uma passagem do salmo:

“Disse o Senhor ao meu Senhor,
Senta ao meu lado direito,

até que eu ponha teus inimigos sob teu pé”.


Jesus, então usa essa passagem para provar o seu ponto de vista: “Se Davi chama ele [o Messias] de ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho?” Ou seja, Davi fala do Messias como “meu Senhor”, e não como “meu filho”. O Messias, portanto, não pode ser um filho de Davi. Usando o Salmo 110 como prova de seu texto, Jesus refuta o ponto de vista dos escribas de que Cristo, o Messias, deveria ser um filho ou descendente de Davi.

Isso parece estranho, tendo em conta o fato de que, como já foi observado anteriormente, tanto em Mateus como em Lucas, a linhagem de Jesus está especificamente ligada a Davi. Estou inclinado a considerar a passagem em que Jesus cita Salmo 110 como uma passagem historicamente fiável em que Jesus rejeita a idéia de que o Messias será um descendente de Davi. Não só versões deste incidente aparecem em todos os três evangelhos sinópticos, mas o próprio fato de que ela contraria a genealogias de Jesus sugere que esta versão contraditória deve ser autêntica. Caso contrário, os autores dos Evangelhos não teria incluído uma coisa tão gritante que colide com as suas freqüentes referências a Jesus como o Filho de Davi. [8]

Alguns estudiosos têm sugerido que Jesus pretendia alegar que o Messias não é apenas um filho de Davi, mas que também um status superior - possivelmente de Filho de Deus. No entanto, se tal fosse o caso, esperaríamos que Jesus tivesse ancorado sua afirmação em Salmos 2:7, “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”, mais do que no primeiro versículo do Salmo 110, que não faz explícita referência ao Messias como o Filho de Deus.

Ao citar Salmo 110, Jesus pode muito bem estar a tentando dissipar as prevalentes expectativas de um messias triunfal, o tradicional “filho de Davi”.

Seu modelo ideal messiânico é diferente. Tal como acontece com o Messias Efraim, filho de José, o Messias Jesus envolve sofrimento e morte.

A nova inscrição descoberta, a “Revelação de Gabriel”, sugere que esse tipo diferente de Messias foi evoluindo na virada da era - diferente do Messias filho de Davi. Em vez de um militante Messias, prevê um Messias que sofre, morre e ressuscita. Jesus também entende o Messias como sendo um filho de José.

Como em “Revelação de Gabriel”, também no dizer de Jesus, Davi é secundário para o outro Messias. Em Nazaré, Jesus era conhecido como “filho de José” (Lucas 4:22, João 6:42). Assim, é perfeitamente possível que Jesus tenha se identificado como o Messias “Efraim”, o filho de José, que é mencionado em “Revelação de Gabriel”. [9]

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 4)

4 O IMPACTO DA “NOVA ARQUEOLOGIA” NO CRISTIANISMO CONTEMPORÂNEO

Quando se trata de analisar a religião sob o prisma da História, as pessoas são freqüentemente bastante mal informadas, e quase sempre parciais. Principalmente quando falamos do cristianismo, existe uma nuvem de obscuridade dogmática que impede a maior parte das pessoas, principalmente aquelas que são ao mesmo tempo religiosamente fundamentalistas e leigas, de penetrar as entranhas do processo histórico.

É nesse cenário que a Bíblia é vista como “verdade absoluta” e o cristianismo institucional é concebido como o grande portador das vontades de Deus. Essa visão limitada e distorcida dificilmente deixa alguma abertura para que o conhecimento científico entre trazendo alguma luz sobre as verdades históricas da religião.

Atualmente, é fato que a natureza literária e ideológica da Bíblia entrou em contradição com os dados arqueológicos, que rechaçam seu valor histórico mesmo a despeito do otimismo dos arqueólogos da primeira metade do século XX.

A hermenêutica e a exegese bíblica sempre estiveram condicionadas ao conhecimento externo dos fatos que as Escrituras Sagradas descrevem em seus textos, sendo que a arqueologia de campo tal como praticada no Oriente Próximo e, particularmente, no moderno estado do Israel, se torna um objeto importante e de grande interesse porque possui grandes implicações na hora de ler e compreender a Bíblia.

No entanto, tais mudanças, ou mesmo reformulações, na leitura e compreensão da Bíblia nem sempre é algo confortável de se aceitar.

De acordo com Vaux, “se a fé de Israel não se fundamente na História, tal fé é errônea e, portanto, o é, também, a nossa fé”. Isso reflete a preocupação em face as inúmeras e consistentes objeções que essas descobertas arqueológicas criaram, de forma tão direta e contundente, em relação aos episódios tidos como sagrados que se encontram associados com a crença pessoal de cada indivíduo que professe a fé cristã e judaica em nossa civilização, e com a forma como se lê a Bíblia.

Conforme afirma Laughlin:

[...] deve-se admitir que a arqueologia simplesmente não tem feito pela Bíblia o que antigos colegas profissionais esperaram que fizesse. Para um não crente este fato não é particularmente problemático. Mas para aqueles que fazem seu o judaísmo ou a fé cristã, o consenso que se está desenvolvendo hoje em arqueologia, assim como nos estudos de crítica literária, dá lugar a muitas e agudas questões sobre o uso da Bíblia como fonte de verdade religiosa.

De fato, as implicações que essas descobertas podem exercer para o pensamento cristão tradicional são imensas. No entanto, cada pessoa, ou grupo, ou seita religiosa, interpreta as implicações dessas descobertas como quiserem

No ano de 2007, o arqueólogo Zahi Hawass descobriu uma fortaleza militar egípcia em Qantara Sharq, na Península do Sinai, que seria mais uma evidência capaz de afirmar que o episódio bíblico do Êxodo judeu é apenas um mito, sendo que a descoberta coincide aproximadamente com a época em que o povo de Moisés teria migrado rumo à terra prometida.

Quando entrevistado, Hawass (apud TERRA, 2007 [on line]), afirmou que “Se alguém ficar chateado, eu não me importo. Às vezes, os arqueólogos têm de dizer que algo nunca aconteceu porque não há evidências históricas”.

De fato, para um arqueólogo sem vínculos com religião e comprometido apenas com o saber, tais descobertas são apenas uma luz para a compreensão do passado e uma nova forma de ler os textos bíblicos. Já para os religiosos, principalmente para os fundamentalistas, tais descobertas despertam reações que nem sempre são deixam de ser emotivas.

Da mesma forma que a fé cristã pode ser afetada pelas descobertas arqueológicas, a arqueologia pode ser afetada pela fé cristã de forma negativa. Quando os arqueólogos e historiadores derrubaram muitos mitos e inverdades históricas sem relação alguma com os textos bíblicos, não houve nenhuma manifestação ideológica contrária. Já no caso dos textos sagrados do cristianismo, as manifestações são constantes. Nenhum defensor veio fazer apologia à Ilíada ou à Eneida quando a arqueologia e a crítica histórica determinaram ser lendária a maior parte de seus relatos. No entanto, quando se trata da arqueologia e crítica histórica em face a Bíblia, as reações chegam a serem explosivas.

Essa “explosividade”, por sua vez, afeta a própria disciplina acadêmica, ao questionar a validade ou até mesmo a credibilidade dos pesquisadores unicamente com base em um sentimentalismo ao texto bíblico e de forma totalmente infundada, como vem ocorrendo muito.

Uma dessas reações, oriunda da parte cristandade – principalmente a da ala fundamentalista – se consiste em acusar os arqueólogos de “sensacionalismo” e dizer que tudo não passa de estratégia de Marketing. Já outros fundamentalistas afirmam que isso faz parte de uma conspiração mundial anticristã já profetizada no Apocalipse.

De acordo com a revista A Hebraica (2005 [on line]), Finkelstein foi acusado, em Israel, de arruinar a educação da juventude e até de dar munição intelectual aos palestinos, e continua a ser repreendido por abalar os alicerces da fé cristã. Ainda assim, Finkelstein afirma que suas idéias não abalarão a fé de ninguém e responde que:

Não há como provar que a Bíblia seja falsa porque sua verdade não está neste ou naquele evento histórico. Sua verdade está no grande valor das profecias e em sua moral. Não temo este colapso total, pois o edifício da fé não está construído em cima da arqueologia. Existe separação entre ciência e fé, que deve continuar havendo. Desde o século 19 pessoas achavam que Darwin levaria a religião à ruína. Claro que isto não acontecerá, pois há uma completa separação entre os dois campos.

Finkelstein (op. cit.) também postula como uma possível reação contra suas descobertas arqueológicas a falsificação de achados com o fim de confirmar os relatos bíblicos:

[...] prevejo a “descoberta” de novas falsificações arqueológicas. A direita cultural tentará produzir achados que sirvam de base para as afirmações dos arqueólogos conservadores. Não me surpreenderei se em breve “descobrirem” uma inscrição do Rei Salomão.

Falsificações e erros (deliberados ou acidentais) de interpretação, como já mostramos, fazem parte da história do cristianismo e suas reações diante das descobertas da arqueologia.

De fato, é bastante difícil para grande parte das pessoas abrir seus corações e suas mentes para um entendimento da história sem fantasias, sem devaneios, sem ilusões, um entendimento que não pode ser simplesmente descartado apenas porque entra em choque com os nossos conceitos estabelecidos sobre o cristianismo, sobre a Bíblia, sobre a Igreja, sobre a fé, e sobre Jesus.

4.1 A influência da “Nova Arqueologia” na leitura das Sagradas Escrituras

É fato que as descobertas arqueológicas – principalmente as apresentadas no presente trabalho – vêm influenciando, de várias formas, a nossa visão acerca dos textos sagrados. No entanto, resta-nos determinar de que forma.

No que se refere ao público em geral, a reação é ambígua. Por um lado, os estudiosos, principalmente os acadêmicos, estão entusiasmados por chegarem cada vez mais perto de uma compreensão mais profunda e aperfeiçoada da história de Israel. Por outro lado, as inúmeras contradições entre os dados arqueológicos e o texto bíblico estão deixando os religiosos judeus e cristãos, cada vez mais em estado de perplexidade, sendo que tais descobertas parecem desconstruir por completo textos inteiros da bíblia.

Nessa parte do trabalho, é imprescindível que se deixe bem claro os objetivos da arqueologia como disciplina acadêmica e científica diante dos textos bíblicos.

De acordo com Arens (2007, p. 18), as descobertas arqueológicas não “desconstruíram” os textos bíblicos. Muito pelo contrário: “a informação obtida das descobertas arqueológicas contribuiu muito para melhor situar e entender os textos bíblicos”.

A principal prioridade da arqueologia é adentrar nas conseqüências materiais dos eventos históricos com o fim de compreender as diversas dimensões desses acontecimentos. É um objetivo didático, vinculado apenas com a necessidade do saber.

De forma alguma, é missão da arqueologia desconstruir as narrativas bíblicas do ponto de vista histórico, muito menos de derrubar ideologias religiosas milenares criadas ao redor de um livro sagrado.

A principal tarefa da arqueologia é oferecer subsídios com os quais se possa melhor entender os textos bíblicos.

No entanto, essa busca por compreensão e entendimento por parte da arqueologia, inevitavelmente, traz consigo diversas implicações que, conseqüentemente, podem ou não serem concebidas de forma negativa ou positiva.

De acordo com Arens, é inevitável que exista, como conseqüência dessas descobertas, não uma desconstrução do texto bíblico, mas uma releitura ou uma nova forma de encarar o texto bíblico. Para exemplificar, Arens (2007, p. 225) enfatiza o papel de vários ramos da ciência para uma nova compreensão da Bíblia:

Desde um século atrás, os estudos bíblicos vêm-se enriquecendo com as contribuições da arqueologia, das ciências sociais, da antropologia, da lingüística, da hermenêutica, entre outros. [...] A partir do momento em que conhecemos e levamos a sério a variedade de fatores que intervieram na composição da Bíblia, não podemos continuar pensando como antes.

Essa mudança de pensamento é vital para que nossos conhecimentos sejam capazes de serem ampliados mais ainda.

Todas as descobertas arqueológicas, bem como outras contribuições multidisciplinares, nos têm trazido uma compreensão mais humana da Bíblia, enfatizando o lado humano da Bíblia em que a mesma se caracteriza como um livro humano, escrito por pessoas humanas e para pessoas humanas, dentro de um contexto humano, de modo que, como qualquer outro livro humano, possui estrutura peculiar e uma história que revela os processos de sua formação.
De acordo com Arens (2007, p. 17):

Enquanto se defendia a Bíblia literal e estritamente como a palavra de Deus comunicada por inspiração divina a determinadas pessoas, não se pensava em perguntar quando e por que se escreveu este ou aquele livro, quem foi o escritor, se ele utilizou alguma tradição ou fonte de informação, se ele esteve influenciado pela situação histórica e cultural na qual vivia etc.

Todas essas indagações apresentadas na citação acima são imprescindíveis em qualquer estudo histórico e/ou literário que se pretenda realizar em relação a qualquer livro. Nesse sentido, Arens (2007, p. 19) também faz a seguinte afirmação:

Só se começará a conhecer e compreender a Bíblia quando se estiver familiarizado com sua origem e com sua formação, quando se souber por que foram escritos os diferentes livros, e algo do mundo daqueles para os quais foram escritos diretamente, sua cultura e circunstâncias. Para conhecer e compreender a carta de São Paulo aos Gálatas, por exemplo, temos de familiarizar-nos com as circunstâncias sob as quais ele a escreveu, o que motivou o apóstolo (emissor) a fazê-lo, assim como as realidades culturais, políticas, religiosas e outras nas quais viviam os gálatas (receptores).

Como podemos notar, uma das mudanças de pensamento que essa nova visão traz através dessas novas descobertas é que idéias como inspiração divina, inerrância bíblica, entre outras, precisam ser reformuladas. O lado negativo em tudo isso é que são exatamente essas idéias que precisam ser revistas e reformuladas que constituem as principais crenças e ideologias fundamentalistas, sendo, desse modo, as que mais exercem resistência contra as novas tendências.

É preciso frisar que nenhuma leitura fundamentalista e literalista dos textos bíblicos se preocupa em se aprofundar em nenhuma das questões sobre composição, formação e sobre os contextos multidimensionais em que a Bíblia foi escrita. O fundamentalismo já possui respostas para tudo isso, respostas essas que, geralmente, andam em contra-mão ao desenvolvimento científico. O fundamentalismo, como um movimento mais ideológico do que científico (ou seja, que pregam verdades pré-estabelecidas, ao invés de buscá-las), é bem um instrumento de estagnação do conhecimento do que um mero movimento conservador.

O literalismo fundamentalista se preocupa unicamente em adequar suas visões de mundo e interpretações de natureza ideológica ao texto bíblico que - concebido não somente como a Palavra de Deus, mas também, e principalmente, como a verdade absoluta -, por sua vez, serve como um instrumento para legitimar essas interpretações e/ou ideologias.

Essa leitura fundamentalista e anti-histórica traz consigo erros e disparates que podem trazer, por si sós, várias conseqüências negativas para a sociedade: “A falta de estudo informado da Bíblia e de seus condicionamentos históricos e culturais leva, por exemplo, a proibir a transfusão de sangue (Testemunhas de Jeová). E pessoas morrem!” (Ibid, p. 23).

É por essa razão que a arqueologia se torna um elemento de suma importância para uma releitura dos textos bíblicos. Uma leitura nova e muito mais proveitosa, por ser mais científica e menos ideológica.

De acordo com Auerbach (1998, p. 28), filólogo alemão e estudioso de literatura comparada e crítico literário, afirma que a Bíblia, por si mesma, já é um forte instrumento ideológico de controle, e mão de todo o fundamentalismo religioso:

O mundo dos relatos das Sagradas Escrituras não se contenta com a pretensão de ser uma realidade histórica verdadeira – pretende ser o único verdadeiro, destinado ao domínio exclusivo. Qualquer outro cenário, quaisquer outros desfechos ou ordens não tem direito algum a se apresentar independentemente dele, e está escrito que todos eles, a história de toda a humanidade, se integrarão e se subordinarão aos seus quadros. Os relatos das Sagradas Escrituras não procuram o nosso favor [...], não nos lisonjeiam para nos agradar e encantar – o que querem é nos domina, e se nos negarmos a isso, então somos rebeldes.

Por outro lado, a arqueologia, ao questionar essa pretensão de verdade histórica absoluta, nos proporciona opções a mais, bem como uma maior liberdade de escolha. Sendo que a Bíblia descreve supostos acontecimentos que chamam para si o epíteto de “históricos”, é bem certo que alguns esses acontecimentos (que, como vimos, foram de grandes proporções) tenham deixado vestígios eternos na política e geografia da época, de modo que a arqueologia seja capaz de resgatá-los – caso exista historicidade nesses relatos.

A arqueologia, como instrumento científico capaz de “voltar no tempo” e trazer certezas à nossa era sobre o passado distante, é a disciplina mais apta a adentrar na realidade literária da Bíblia e, utilizando critérios científicos, realizar julgamentos históricos sobre determinadas narrativas.

Desse modo, a arqueologia, como disciplina autônoma e dotada de credibilidade científica, possui autoridade suficiente para desafiar a verdade histórica da Bíblia Sagrada, com o fim de determinar sua confiabilidade histórica ou falsidade.

No entanto, como já foi dito, o que para alguns significa “desafio” ou mesmo “perseguição”, para outros significa apenas uma “releitura” dos textos bíblicos e uma reformulação de nossas idéias.
Se, para os fundamentalistas, reformular suas idéias e preconceitos se consiste em uma ação tão difícil de ser realizada, a culpa disso, com certeza, não é da arqueologia.
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BIBLIOGRAFIA

AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1998.
A HEBRAICA. Arqueologia. As mais novas descobertas em Israel: entrevista com Israel Finkelstein. In: Revista “A HEBRAICA”. Edição: Jul. de 2005. Disponível em: http://www.hebraica.org.br/cabecalho/MateriaCompleta.asp?idMateria=104 Acesso em 17 de julho de 2008.
CPAD. Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Uma história de fé e trabalho. Disponível em: http://www.cpad.com.br/cpad/paginas/quem_cpad.htm Acesso em 12 de julho de 2008.
ESTADÃO. Placa de 700 a.C. traz relato de “destruição de Sodoma”. Disponível em http://www.estadao.com.br/vidae/not_vid148698,0.htm Acesso em 12 de julho de 2008.
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil. A Bíblia e seu tempo. Documentário em DVD da editora da História Viva.
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil. A Bíblia Não Tinha Razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2003.
FOX, Robin Lane. Bíblia: verdade e ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
FREE, Joseph P. Archaeology and Bible History. 1950, 1,2,134
MCNELLI, John R. et alii. Marés bárbaras: 1500-600 ac. Rio de Janeiro: Time-Life, 1989.
PRICE, Randall. As limitações da arqueologia. IBM – Igreja Batista Memorial. Disponível em: http://www.ibmac.com/limitacoes_arqueologia.htm. Acesso em 12 de julho de 2008.
TERRA. Arqueologia. Arqueólogo: fortaleza evidencia mito de Êxodo judeu. 3 de abril de 2007, Disponível em: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI1524676-EI295,00.html. Acesso em 17 de julho de 2008.

Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 3)

3 DESCOBERTAS ARQUEOLÓGICAS QUE DESMENTEM A SAGA DA “CONQUISTA DE CANAÔ

Durante muito tempo acreditou-se que as narrativas da “Conquistas de Canaã” por Israel eram relatos verídicos. Atualmente, essa visão tem caído por terra. Muitos esquecem que papel aceita tudo e que por isso qualquer texto, seja bíblico ou não, precisa ser comprovado externa e internamente para que possa ser usado em um inventário histórico.

Tradicionalmente, a “Conquistas de Canaã” é colocada entre os anos 1230 e 1220 a.C. A documentação referente a Canaã no final da Idade do Bronze (1550-1150 a.C.) é abundante: cartas do Tell el-Amama enviadas pelos senhores dos estados ao Egito, pelos hititas da Anatolia e pelos governantes de Babilônia. A maioria procede de governadores de cidades cananéias, como Jerusalém, Sichem, Megiddo, Hazor e Laquish. A capital da província egípcia de Canaã era Gaza. As guarnições egípcias estavam aquarteladas no Beth Shean e na Giafa. As cidades cananéias citadas neste período não eram verdadeiras cidades, mas apenas centros administrativos. Os cidadãos viviam em pequenas aldeias disseminadas pelo campo. As cidades tinham um palácio, um templo e poucos edifícios públicos.

3.1 A escravidão dos hebreus no Egito

Até certa época, a escravidão dos hebreus no Egito e o Êxodo não podiam ser questionados, pois textos egípcios testemunham que Ramsés II utilizou hapirus (= hebreus) na construção de fortalezas no delta do Nilo em regime de trabalho forçado. A Estela de Merneptah, faraó sucessor de Ramsés II, comprova a existência de israelitas na terra de Canaã na segunda metade do século XIII a.C., o que nos permitia fixar a data do êxodo aí por volta de 1250 a.C.

No entanto, Finkelstein e Silberman se perguntaram quem eram os semitas estabelecidos no Egito e se pode considerar que se trata de verdadeiros israelitas. Nenhuma inscrição egípcia ou documento do arquivo do Tell o-Amarna, composto por aproximadamente 400 cartas, datadas do século XIV a.C., e que descrevem detalhadamente a situação do Canaã, mencionam a presença de israelitas no Egito.

Hoje se sabe que a expulsão dos hicsos ocasionou a organização definitiva do Egito mediante um sistema de lugares fortificados com o passar da margem central do Delta, dentro das quais havia guarnições militares e administradores. Uma massa de israelitas fugitivos não poderiam atravessar esta linha defensiva. A esteira do Merneptah se refere a Israel como um grupo de pessoas que viviam em Canaã, e não à israelitas no Egito, que por outro lado não são mencionados em nenhum em qualquer documento do Egito.

Os israelitas foram relacionados com os hapirus, inclusive se pensou que a palavra tivesse alguma relação lingüística com o território ilri hebreu descrito nas cartas do Tell el-Amama, que viviam à margem da sociedade cananéia, desarraigados, ladrões, gente que viviam fora da lei e às vezes mercenários. No Egito trabalhavam em duas grandes obras públicas. O termo se propagou durante muitos séculos no Próximo Oriente. Não caracterizava a um grupo étnico, mas sim a uma situação sócio-econômica. Por isso, hapirus nada tem a ver com os israelitas.

Um dos maiores especialistas na história do Egito no Brasil, Julio Gralha, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita esteve no Egito, deu uma resposta incisiva: “Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito [...] a forma de servidão mostrada nos textos bíblicos em nada se parece com os indícios históricos e arqueológicos. Ou seja, é mais uma questão de fé”.
Por outro lado, é bastante significativo e muito interessante o fato dos egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.

3.2 Os quarenta anos no deserto do Sinai

Essas recentes pesquisas arqueológicas vêm demonstrando que vários relatos bíblicos não devem ser interpretados como eventos históricos, mas como lendas. Uma das mais impressionantes constatações arqueológicas versa sobre a impossibilidade dos israelitas terem passado quarenta anos no deserto do Sinai, e mais especificamente, em Kadesh-Barnea.

Kadesh-Barnea foi o lugar onde, segundo o relato bíblico, os israelitas acamparam por 38 anos dos 40 que estiveram no Sinai. A localidade, que é um oásis com abundante água, identificou-se com o Ein Gadis. Não se encontrou nenhum material arqueológico do Bronze Tardio, tão somente restos de uma fortificação de finais da Idade do Ferro. Até mesmo a indicação de Kadesh-Barnea (Cades-Barnea) não é anterior ao século X a.C.

Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que:
O oásis [de Kadesh-Barnea] foi sistematicamente cavado nos anos de 1950 e 1970. O sítio não revelou nenhum vestígio do século XIII, a suposta época do Êxodo. As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Entretanto, nenhum traço da longa estadia dos israelitas foi encontrado. A ausência de qualquer evidência dessa longa jornada neste oásis assim como em toda a península do Sinai é um dos enigmas do relato do Êxodo.

De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), as evidências arqueológicas são conclusivas, dada as inúmeras e intransponíveis dificuldades encontradas para a historicidade desses textos bíblicos:
No século XVI a.C., o Egito tinha construído em toda a região uma série de fortes militares, perfeitamente administrados e equipados. Nada, do litoral oriental do Nilo até o mais afastado dos povos do Canaã, escapava a seu controle. Quase dois milhões de israelitas que tivessem fugido pelo deserto durante 40 (quarenta) anos teriam que ter chamado a atenção dessas tropas. Entretanto, nenhuma esteira da época faz referência a essa gente. Tampouco existiam outros sítios célebres, como Bersheba ou Edom. Não havia nenhum rei no Edom para enfrentar os israelitas. Esses sítios existiram, mas muito tempo depois do Êxodo, muito depois da emergência do reino de Judá. Nem sequer há rastros deixados por essa gente em sua peregrinação de 40 anos. Fomos capazes de achar rastros de minúsculos casarios de 40 ou 50 pessoas. A menos que essa multidão nunca se deteve a dormir, comer ou descansar: não existe o menor indício de seu trajeto pelo deserto.
Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), também afirma que:

No leste do delta, no Sinai, no Negev e mais ao norte havia guarnições egípcias permanentes. Havia ainda postos de inspeção. Os beduínos eram vigiados pela polícia paramilitar egípcia ao longo de toda a fronteira. Um baixo relevo no templo de Karnak atesta a existência de um sofisticado sistema de fortalezas que assegurava a logística da rota ao longo da costa norte. Era um itinerante estratégico para os egípcios que os levavam para a Mesopotâmia e Anatólia. Uma multidão em fuga não poderia passar por aí sem ser notada e detida por uma das guarnições.

Muitos críticos (especialmente cristãos que negam tais pesquisas), tem alegado a conclusão de que os quarenta anos no deserto se trata de “argumento de silêncio” e que por isso esse argumento não pode ser válido. Sobre isso Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), comenta que:

Pode-se contestar que é um argumento baseado na ausência de evidências, mas, ainda assim, sabemos tanta coisa sobre o período que não encontrar nenhum sinal na tela do radar, por assim dizer, é fatal para a teoria [da estadia dos israelitas no Sinai]. Além disso, o relato bíblico fala de 600 mil homens deixando o Egito durante o Êxodo, o que totalizaria 2 milhões de almas. Imagine o que seriam 2 milhões de pessoas deixando uma região do tamanho do Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões. Isso teria causado uma enorme lacuna no sistema social e econômico que certamente estaria presente nos registros. O resultado teria sido uma imediata crise econômica e, socialmente, o abalo irremediável do Império. Nada equivalente a isso foi encontrado nos registros. Não consigo conceber a ocorrência do Êxodo tal como descrito na Bíblia.
Ou seja:

a) O Egito possuía guarnições militares permanentes por todo o litoral do Sinai, de modo que os israelitas seriam, sem dúvida, notados.

b) A Bíblia diz que “os dias que caminhamos, desde Cades-Barnéia até que passamos o ribeiro de Zerede, foram trinta e oito anos, até que toda aquela geração dos homens de guerra se consumiu do meio do arraial, como o SENHOR lhes jurara. - Deuteronômio 2.14. No entanto, escavações realizadas em Kadesh-Barnea não revelou nenhum vestígio da suposta passagem dos israelitas nesse lugar.

c) As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Mas no caso dos israelitas no deserto do Sinai, não existe um único sinal só, nem ao menos microscópico.

c) O Sinal é bastante pequeno. A distância entre o Egito e a Palestina é de menos de 400 km, de modo em que para atravessá-la, não se demoraria mais que uma semana de caminhada. Desse modo, os israelitas seriam obrigados a deixar quaisquer rastros de sua estadia nesse deserto.

d) O choque que seria 2 milhões de pessoas (os israelitas) deixando o Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões teria ocasionado grandes transformações tanto:
· Sociais;
· Econômicas;
· Políticas;
· Culturais, etc.

No entanto, nada disso ocorreu, e tanto o Egito quanto o Sinai da época continuaram a existir como se nada disso tivesse acontecido (como, de fato, não aconteceu).

e) Os arqueólogos possuem dados sólidos sobre o Sinai da suposta época da passagem dos israelitas, como registros, vestígios arqueológicos, etc.. No entanto, esses registros se apresentam como se tal passagem dos israelitas jamais tivesse ocorrido. Existem ricos vestígios e registros da época sobre os povos da região, mas não existe nenhum vestígio ou registro da passagem dos israelitas.

3.3 Exército de maltrapilhos

Uma das grandes dificuldades apontadas por Finkelstein e Silberman (2003) é que dificilmente andarilhos maltrapilhos seriam capazes de enfrentar grandes povos sedentários e militarmente treinados e armados como os cananeus de Retemu da época:
Como um exército em andrajos, viajando com mulheres, crianças e idosos, emergindo do deserto depois de décadas, poderia montar uma invasão efetiva? Como tal multidão desorganizada poderia vencer as grandes fortalezas de Canaã, com seus exércitos profissionais e suas bem treinadas unidades de bigas?

Pessoas sem treinamento militar, sem conhecimentos de estratégia de guerra e combate, etc. dificilmente seriam capazes de enfrentar (e muito menos vencer!) povos treinados militarmente que contavam, além do mais, com o poderio militar egípcio.

Mesmo em uma Canaã pateticamente fraca, como veremos a seguir, era praticamente impossível derrotá-los sem as condições prévias que o conhecimento militar proporciona – coisa que os israelitas da Conquista não tinham.

3.4 O silêncio das fontes históricas

Muitas pessoas não gostam ou simplesmente ignoram o Argumento do Silêncio, como se ele fosse totalmente falacioso. Porém, a falácia do Argumento do Silêncio vai depender muito dos dados que temos a mão. O Argumento do Silêncio é falho quando se trata de eventos não-mencionados que poderiam passar sem serem percebidos pelos comentaristas da época.

No entanto, quando se trata de Grandes Acontecimentos, o Argumento do Silêncio é verídico e muitas vezes certeiro. Por exemplo:

Suponhamos que se o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque se calassem a respeito da visita do Jô Soares a essa cidade, apelar para o Argumento do Silêncio para se afirmar que o Gordo nunca foi ou não esteve em Nova Iorque em certo período, é falho. A visita do Jô Soares a Nova Iorque não se caracteriza um evento de tamanho impacto para ser notado.
No entanto, quando falamos de um evento como o aparecimento e a subida do King Kong no Empire State, o assunto é outro. Nesse caso, dado a imprescindível e absoluta necessidade de se registrar um impacto de tão grandes proporções, além de exótico e espetacular, o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque jamais deixariam de relatar tal fato se o mesmo realmente tivesse ocorrido.

Do ponto de vista histórico, o fato do New York Times e os demais jornais de Nova Iorque nunca terem registrado absolutamente nada sobre suposto incidente, significa que o Argumento do Silêncio é prova de que tal incidente jamais ocorreu (como, de fato, jamais ocorreu, a não ser na literatura e no cinema). Nesse caso, a ausência da evidência é evidência da ausência, e isso é indiscutível.

Outra coisa que devemos abordar nesse mesmo contexto do parágrafo anterior é que, dada a existência de fontes como o New York Times e os demais jornais da cidade de Nova Iorque, somado com a inexistência de qualquer notícia sobre o incidente do King Kong, é totalmente lógico e correto afirmar a não-ocorrência do fenômeno King Kong. Se, por outro lado, não houvesse nenhum jornal na cidade, não teríamos fontes sobre nada e assim não poderíamos tirar nenhuma conclusão sobre o King Kong.

No caso dos grandes e pequenos acontecimentos sociais e políticos de Canaã na suposta época da Conquista, possuímos muitos dados. Se não possuíssemos dado nenhum, não poderíamos chegar a nenhuma conclusão sobre a ocorrência da Conquista. No entanto, o problema é exatamente a enorme quantidade de dados sobre o período citado, somado ao total silêncio de qualquer uma dessas fontes sobre a Conquista.

De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):

Existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550 – 1150 a.C.) sobre os assuntos de Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos no Egito, anais dos reis egípcios, obras literárias e hinos.

No entanto, não existe nenhuma evidência, nem arqueológica e nem escrita, da suposta Conquista de Canaã. Vale lembrar que a Conquista de Canaã, sendo um acontecimento de enorme magnitude para o Oriente da época, equivaleria ao aparecimento do King Kong em Nova Iorque, de modo que se esses dois grandes eventos tivessem realmente acontecido, de forma nenhuma deixariam de ser registrados.

É como se os jornalistas passassem de frente ao Empire State, mas não vissem o Kong ou simplesmente o ignorassem.

Mas no caso da Conquista de Canaã, possuímos documentos da época em que egípcios e cananeus se comunicam como se nada tivesse acontecendo. Uma coisa é não termos documentos; outra, é termos de sobra e mesmo assim os mesmos se omitirem sobre determinado fato.

É dentro desse contexto que Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) afirma que:

É inconcebível que a destruição pelos invasores de tantas cidades vassalas, leais, não tivesse deixado nenhum traço nos vastos registros do império egípcio. A única menção independente ao nome de Israel nesse período – a estela da vitória de Merneptah – anuncia apenas que, ao contrário, esse povo obscuro vivendo em Canaã sofrera derrota esmagadora. Nitidamente, alguma coisa não combina quando o relato bíblico, a evidência arqueológica e os registros egípcios são colocados lado a lado.

Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) frisam que, quando os “Povos do Mar” começaram a invadir a Ásia, encontrou-se diversas alusões literárias e evidencias arqueológicas. Os próprios egípcios fizeram alusões literárias a esse conjunto de invasões realizadas por esses “Povos do Mar”, o que se caracterizou como um grande acontecimento – que jamais deixaria de ser percebido e comentado. No entanto, um acontecimento da mesma proporção e da mesma época – a invasão israelita e sua conquista das terras de Canaã – não foi nem sequer aludido de passagem.

Sendo que nenhum documento ou indicio arqueológico menciona a Conquista na época apontada pela Bíblia como a da Conquista, e sendo que tal conquista se caracterizaria como um grande acontecimento para o Antigo Oriente Médio de modo que jamais poderia deixar de ser mencionada caso houvesse acontecido, o veredicto é um só: A Conquista de Canaã jamais aconteceu.

3.5 Canaã sob o domínio egípcio

A Bíblia, por um lado, e os documentos da época da Conquista, juntamente com as descobertas arqueológicas, por outro lado, se contradizem de modo marcante no que se refere ao domínio e influência egípcia em Canaã.

Por um lado, temos a arqueologia e os documentos:

[...] as cartas Amarna revelam que Canaã era uma província egípcia, firmemente controlada por administração egípcia. A capital provincial situava-se em Gaza, mas tropas egípcias estavam permanentemente estacionadas em lugares-chave por todo o país, como em Betsã, ao sul do mar da Galiléia, e no porto de Jaffa (hoje parte da cidade de Tel Aviv) (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).

Por um lado, temos a versão da Bíblia:

Na Bíblia, não existe o relato de nenhum egípcio fora das fronteiras de seu país, e nenhum é mencionado nas batalhas dentro de Canaã. Mesmo assim, textos contemporâneos e achados arqueológicos indicam que eles administravam e zelavam, de forma cuidadosa, pelos assuntos do país (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
De fato, nos textos bíblicos da Conquista, existe uma total ausência de referência aos egípcios que, caso houvesse ocorrido qualquer invasão israelita, teriam se manifestado e dizimado os israelitas prontamente. Essa falta de alusão equivale a narrar sobre aspectos políticos da Índia na época de Gandhi e se silenciar a respeito da hegemonia inglesa do país.

De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 41) desde a época do faraó Tutmés III (c. 1480-1425 a.C.) até muito tempo depois de Ramsés III, o Egito estava mantendo intenso domínio sobre Canaã, sendo que:

Para manter os domínios subjugados sob controle, considerava-se necessária a presença militar egípcia. Guarnições de arqueiros e condutores de carros de guerra, encarregados de manter a paz, ficavam estacionados em toda a Síria e a Palestina; recebiam suprimentos dos estados vassalos, dos quais se exigia que fornecessem aos soldados egípcios “comida e bebida, com gado, ovelhas, mel e óleo”.

Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) continuam, afirmando que:

No século XIII a.C., o controle do Egito sobre Canaã era mais forte do que nunca. A qualquer demonstração de agitação política, o exército egípcio cruzaria o deserto do Sinai ao longo da costa do Mediterrâneo e marcharia contra cidades rebeladas ou povos incômodos. [...] Depois de cruzar o deserto, o exército egípcio poderia derrotar facilmente qualquer força rebelde e impor seu domínio sobre a população local.

Outro agravante, de acordo com Finkelstein e Silberman (2003), se refere a índole militar do faraó Ramsés II:

O faraó Ramsés II, que governou durante a maior parte do século XIII a.C., não teria, com certeza, afrouxado seu domínio militar sobre Canaã; ele foi um rei poderoso, talvez o mais forte de todos os faraós, além de ser profundamente interessado em política externa.
De fato, Ramsés II foi o faraó mais poderoso de todos os tempos. Em sua vida, dedicou-se a guerrear povos invasores, dos quais se destacaram os povos hititas (Heteus). Essa guerra contra os hititas foi abundantemente relatada em diversos documentos da época, que afirmam que os hititas não deixaram de ter uma resposta egípcia aos seus atos. De forma nenhuma, Ramsés II teria deixado a Conquista de Canaã pelos israelitas acontecer, tal como não deixou sem os hititas invadirem seus domínios sem realizar uma cruzada bélica contra esse povo.

Da mesma forma, o filho de Ramsés II, o faraó Merneptah, era “punho de ferro”. De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 51):

Em 1220 a.C., veio do oeste uma confederação hostil de líbios e misteriosos aliados asiáticos. Merneptá enfrentou a ameaça de frente, conferindo uma completa derrota ao inimigo, numa batalha que durou seis horas. Em comemoração à vitória, erigiu-se um monumento perto de Tebas: “Os homens vêm e vão com cantos, e não há súplicas dos homens em apuros”.

Note que a data dessa batalha, 1220 a.C., está bem próxima da época em que, de acordo com o texto bíblico, Israel conquista Canaã. Merneptah consegue vencer uma “confederação” inteira em apenas seis horas e ainda afirma que não há súplicas de nenhum homem sob seu domínio pedindo sua ajuda diante da ameaça de grupos invasores. Com toda a certeza, se os israelitas de Josué tivessem tentado tomar Canaã das mãos dos egípcios, Merneptah teria feito com eles exatamente o que ele afirma ter feito na famosa Estela de Merneptah (in FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 144): “Israel está destruído e não tem mais descendência”.

3.6 Cidades fracas

De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), outra evidência que desmente os relatos bíblicos da Conquista de Canaã pelos israelitas se refere a estrutura e poder das cidades que foram supostamente invadidas:

Os príncipes das cidades de Canaã (descritos, no livro de Josué, como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que as cidades de Canaã, nesse período, não eram cidades regulares, do tipo que conhecemos na história posterior. Eram fortalezas administrativas para uma elite, abrigavam o rei, sua família e seu pequeno círculo de burocratas, com os camponeses vivendo espalhados pelas terras imediatamente vizinhas, em pequenas
aldeias. A típica cidade tinha apenas um palácio, um conjunto de edificações em torno de um templo e outros poucos prédios públicos, provavelmente residências para altos funcionários, hospedarias e outros edifícios administrativos.

Só para se ter uma idéia de tão pequenas e quão fracas era a maior parte das cidades cananéias, Finkelstein e Silberman (2003) apresentam textos da época em que reis cananeus pedem para seu suserano egípcio a quantia de apenas “Cinqüenta homens” para proteger a terra de invasões realizadas por outros povos cananeus:

Uma demonstração da pequena escala dessa sociedade é o pedido enviado pelo rei de Jerusalém ao faraó, em uma das cartas Amarna, solicitando cinqüenta homens ‘para proteger as terras’. A minúscula escala das forças armadas naquele período é confirmada por outra carta, enviada pelo rei de Megiddo, que pede ao faraó para mandar cem soldados a fim de proteger a cidade de um ataque de seu agressivo vizinho, o rei de Shechem.

De fato, se cidades como Jerusalém e Megiddo fossem realmente tão poderosas quanto a Bíblia quer que tivessem sido nesse período, teriam precisado de um número bem maior de soldados do que cinqüenta e cem homens. O ato de enviar uma carta pedindo auxilio ao suserano equivale a um ato de desespero e de extrema necessidade de ajuda. O interessante é que, no caso dessas cidades cananéias, esse desespero poderia ser sanado com o envio por parte dos egípcios de apenas menos de uma centena de homens.

3.7 A muralha invisível

A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII A.C., fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã.

No caso de Jericó e outras cidades, as descobertas arqueológicas comprovaram que as mesmas não possuíam muralhas no período alegado pela Bíblia.

De acordo com Finkelstein e Silberman (2003): “Não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades cananéias descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!”

E continua:

Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica.

A compreensão atual dos textos bíblicos que apresentam a estória da queda de Jericó pelas trombetas dos israelitas e pela intervenção divina, a luz das descobertas arqueológicas, nos revela que tais relatos devem ser lidos e interpretados como lendas folclóricas judaicas criadas no mesmo objetivo que as lendas romanas contidas em Ab Urbe Condita, de Tito Lívio e na Eneida de Virgílio: glorificação nacional.

A descoberta da inexistência histórica das muralhas de Jericó é até mais interessante do que as demais porque esta é uma das melhores evidências histórica que depõe diretamente contra a realização de um de milagre divino.

A constatação da ausência de muralhas nas cidades cananéias referidas na Bíblia como muradas é, de acordo com Fox (1993), totalizante, pois “Em todos os sítios, as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.

E continua:

Na década de 1930, um novo exame de sítio de Jericó deu a impressão de sugerir “vestígios claros de um imenso incêndio”, o colapso do circulo interior das muralhas e a destruição da cidade em torno de 1400 a.C. Outros logo transferiram a data para 1200 a.C., mas era um excesso de confiança. Inspeções posteriores fizeram a data recuar mil anos, a um ponto (2350 a.C.) fora de alcance de Josué. A parte mais alta do monte de Jericó [...] não deixou nenhum indício de uma grande muralha ou de uma cidade que, de qualquer maneira, precisaria ter sobrevivido entre as ruínas dos níveis inferiores da encosta ou do sopé do sítio (FOX, 1993).

Robin Lane Fox (1993) conclui sua revisão das descobertas arqueológicas com a seguinte declaração:

Pode ter havido uma aldeia de tamanho razoável em Jericó em torno de 1320 a.C., mas não havia nada que pudesse lembrar uma cidade ou muros intransponíveis. Depois de 1300 a.C., não houve qualquer ocupação humana no local: na data em geral atribuída ao Êxodo e à Conquista (c. 1250-1230 a.C.), os israelitas não teriam sequer a necessidade de tocar uma trombeta para tomar de assalto toda a área.

Finkelstein e Silberman (2003) explica porque as cidades cananéias daquela época não possuíam muralhas:

Com o Egito mantendo firme controle da segurança de toda a província, não havia necessidade de sólidas muralhas defensivas. Existia também uma razão econômica para a ausência de fortificações na maioria das cidades de Canaã. Com a imposição de pesados tributos pagos ao faraó pelos príncipes dessas cidades, os pequenos governantes locais não deviam ter os meios (ou autoridade) para se engajar em grandes obras públicas.

De fato, ao contrário do que a Bíblia relata, as cidades de Canaã da época da suposta “Conquista” não eram, definitivamente muradas, e muitas nem sequer habitadas. O anacronismo com o qual os autores dos textos sagrados escreveram essas estórias nos faz pensar no quanto a história pode ser prejudicada por uma ficção que se pretende ter sido verídica por seus defensores, e mais ainda o quanto a Civilização Ocidental vem sendo influenciada, tanto cultural, política, teológica e socialmente, por estórias destituídas de valor histórico, como essas.

3.8 Presença egípcia em Canaã e a continuidade dos povos cananeus

Outro fato que vem a deitar os relatos bíblicos por terra é o fato de que havia uma contínua interação entre o Egito e as cidades de Canaã mesmo após essas cidades terem sido totalmente destruídas por Josué de acordo com o texto bíblico.

Ou seja, cidades que supostamente foram destruídas no século XIII a.C., simplesmente continuaram a existir sem sequer um arranhão pelos séculos consecutivos. É como se existissem dois mundos paralelos: um em que essas cidades foram destruídas (o mundo da Bíblia) e outra em que essas cidades continuaram suas atividades com se nada tivesse acontecido.

A arqueologia descobriu evidências dramáticas da extensão da própria presença egípcia em Canaã. Uma fortaleza egípcia foi escavada no sítio de Betseã, ao sul do mar da Galiléia, por volta do ano de 1920; suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos com inscrições em hieróglifos, da época dos faraós Sethi (ou Seti) I (1294-1279 a.C.), Ramsés II (1279-1213 a.C.) e Ramsés III (1184-1153 a.C.). A antiga cidade de Megiddo, em Canaã, revelou indício de forte influência egípcia até a época do faraó Ramsés VI, que governou no final do século XII a.C. Isso foi muito depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).

Se as cidades cananéias foram realmente conquistadas e destruídas pelos israelitas como falam as narrativas bíblicas, por que essas mesmas cidades continuaram no mesmo lugar como se nada tivesse ocorrido? Por que seu rei continuou a governar normalmente como se não houvesse sido morto em batalha contra os israelitas? Por que as lavouras, os pastos e os rebanhos continuaram a ser administrados por seus donos se os israelitas conquistaram e destruíram tudo? Por que a religião local continuou a ser praticada se os israelitas a substituíram por seu egoísta monoteísmo? Por que essas mesmas cidades continuaram a se comunicar com os faraós egípcios até dezenas e centenas de anos depois da suposta “Conquista” sem relatar nada do ocorrido e como se nada tivesse acontecido? São coisas como essas que desmentem diretamente os relatos bíblicos.

3.9 A arqueologia das “cidade conquistadas” e a discrepância bíblica

A arqueologia vem derrubando, uma a uma, as várias narrativas bíblicas que discorrem sobre supostas invasões e conquistas que os israelitas realizaram supostamente a comando de Josué. Tais cidades são citadas no livro de Josué como ícones do triunfo de Israel, mas a arqueologia vem minando toda essa suposta glória.

De acordo com o historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993):

[Vários] problemas recorrem em vários sítios da Palestina mencionados nos livros de Josué e dos Juízes: ou não exibem sinais de ocupação urbana protegida por muralhas na data que se prefere para a chegada de Josué ou então não exibem sinais de uma onda única de destruição conjunta.

O que acontece é que os supostos acontecimentos bíblicos alegados em relação às várias cidades citadas na narrativa da Conquista simplesmente entram em contradição com os resultados das pesquisas arqueológicas.

Ø A cidade de Ai

De acordo com a Bíblia, Ai (ou Hai) foi uma das cidades que foram “completamente destruídas” pelos Israelitas. De acordo com Josué 8.27-28, de Ai os israelitas deixaram apenas um “montão de ruínas”. Essas ruínas, de fato, deveriam permanecer, como muitas outras ruínas, até os dias atuais para que os arqueólogos confirmassem o texto bíblico. No entanto, a arqueologia, mais uma vez, oferece um veredicto negativo em relação as narrativas bíblicas.

De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):

Pequena discrepância entre a arqueologia e a Bíblia foi encontrada no sítio da antiga Hai (ou Ai), onde Josué armou sua inteligente emboscada, de acordo com a Bíblia. [...] Entre 1933 e 1935, a arqueóloga judaico-palestina Judith Marquet-Krause, educada na França, realizou uma escavação em larga escala em et-Tell (sitio de Ai) e encontrou muitos remanescentes de uma imensa cidade da antiga Idade do Bronze, datada de mais de um milênio antes do colapso de Canaã, na Idade do Bronze posterior. Nenhum pedaço de cerâmica ou qualquer outra indicação de um povoamento da Idade do Bronze posterior foi encontrado. Escavações retomadas mais ou menos no ano de 1960 produziram o mesmo quadro. Como Jericó, lá não havia nenhum povoamento na época de sua suposta conquista pelos filhos de Israel.

O historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993), confirma esse fato, através da seguinte afirmação:
Em Ai, uma primeira escavação que durou até 1935 foi reescavada até 1972, mas em nenhum caso se encontrou nada que contribuísse para o crédito à versão do livro de Josué. Os escavadores encontraram uma primeira cidade destruída por volta de 2350 a.C. Depois, não havia mais sinal de ocupação humana da área, nada que pudesse frustrar os invasores israelitas, quanto mais obrigá-los a uma segunda tentativa e por fim reduzir a cidade a um monte de pedras e sangue. Em qualquer das datas que se possa atribuir a Josué, simplesmente não existia nada em Ai. Durante o século XI a.C., alguns camponeses começaram a construir uma aldeia no local, mas seus esforços foram muito tardios e esparsos para justificar os relatos da Bíblia. As tentativas de negar que o sítio escavado (ex-tell) fosse de fato o sítio de Ai não tiveram qualquer êxito.
Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que “As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores”.

No entanto, nada foi encontrado em Ai do período de 1400 a 1200 a.C. – nada que viesse a dar crédito às narrativas bíblicas.

O “grande” arqueólogo biblista e fundamentalista, Albright, que já tinha conhecimento dessas discrepâncias, mas ocultava isso, dando uma “desculpa esfarrapada”, afirmando que os textos bíblicos se corromperam, mas que na verdade, se referiam a outras cidades: “Olhando para Hai, Albright sugeriu que a história da sua conquista se referia originalmente a Betel, em sua vizinhança, pois as duas cidades eram estreitamente associadas, tanto geograficamente como tradicionalmente” (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).

No entanto, Albright também se equivocou com essa explicação, sendo que a destruição de Betel se deu não por causa dos israelitas, mais por causa de outros povos, muitos anos depois.

Ø A “saga dos gabaonitas”

No que se refere à suposta “saga dos gabaonitas” apresentada na Bíblia, Finkelstein e Silberman (2003) apresenta os seguintes fatos:

E a saga dos gabaonitas, com seu pedido de proteção e clemência? Escavações no cômoro da vila de el-Jib, ao norte de Jerusalém, que um consenso erudito identificou como o sítio da bíblica Gabaon, revelaram remanescentes da Idade do Bronze média e da Idade do Ferro, mas nenhum da Idade do Bronze posterior. E pesquisas arqueológicas nos sítios de outras três cidades dos gabaonitas, Cafira, Berot, e Cariat-Iarim, mostraram o mesmo quadro: em nenhum dos sítios existiam remanescentes da Idade do Bronze posterior. O mesmo vale para outras cidades citadas na narrativa da conquista e na lista resumida dos reis de Canaã (Josué 12). Entre elas, encontramos Arad, no Neguev, e Hesebon, na Transjordânia, mencionada no último capítulo.

Ø As cidades de Laquis e Megido

A Bíblia afirma que Lachish (Laquis) foi tomada em dois dias pelos israelitas e que todos os habitantes da cidade foram mortos a fio da espada (Josué 10.32). No entanto, as escavações demonstraram que a queda de Laquis se deu muito tempo depois da suposta Conquista por Josué, conforme Finkelstein e Silberman (2003) explica:

Escavações em Lachish encontraram nos destroços um fragmento de metal – provavelmente um encaixe do principal portão da cidade – que leva o nome de Ramsés III. O achado nos diz que Lachish não deve ter sido destruída antes do reinado desse monarca, que governou entre 1184 e 1153 a.C. Por fim, a base de metal de uma estátua com o nome do faraó Ramsés VI (1143-1136 a.C.), achada nas ruínas de Megiddo, indica que o grande centro do vale de Jezrael, em Canaã, foi aniquilado, provavelmente na segunda metade do século XII (ou seja, cem anos
depois da data bíblica da ‘Conquista’).

De fato, se essas cidades tivessem sido destruídas na época em que a Bíblia alega ter sido, jamais se teria encontrado objetos e estátuas que cultuavam os imperadores faraós Ramsés III e Ramsés VI, que datam aproximadamente de um século depois, mas sim de Ramsés II ou de Merneptah. O achado da estátua dos então imperadores egípcios de Canaã, prova que os habitantes dessas cidades não foram “dizimados” como a narrativa bíblica afirma, e que a destruição da cidade se deu apenas centenas de anos depois da suposta Conquista de Canaã perpetrada pelos israelitas.

Ø As cidades de Hazor e outras cidades

O mesmo, de acordo com as recentes pesquisas e com Finkelstein e Silberman (2003), pode-se dizer em relação as seguintes cidades:

Relatos [bíblicos] informam que os reis de cada uma dessas quatro cidades – Hazor, Afec, Lachish e Megiddo – foram derrotados pelos israelitas sob a liderança de Josué. Mas a evidência arqueológica mostra que a destruição daquelas cidades ocorreu durante espaço de tempo de mais de um século. As causas possíveis incluem invasão, colapso social e lutas civis. Nenhuma força militar isolada provocou tal destruição, e com certeza não o fez em uma única campanha militar.

O interessante é que a Bíblia afirma claramente que Hazor foi “destruída a fogo”, e que seus habitantes foram “destruídos totalmente” (Josué 11.11). No entanto, a cerâmica encontrada nas ruínas dessa cidade foram datas inequívocamente por especialistas em Grécia micênica e por arqueólogos do Oriente Próximo como pertencentes aos anos posteriores ao ano de 1190 a.C., ou seja, vários anos após a conquista de Canaã pelos israelitas. E a ruína dessa cidade, de forma nenhuma, aconteceu “de uma só vez”.

Ø A cidade de Gibeão

Sobre a cidade de Gibeão, que o livro de Josué afirma ter sido uma “grande cidade como uma das cidades reais, e ainda maior do que Ai”, a arqueologia foi bastante clara. De acordo com Lane Fox, um dos próprios escavadores afirmou enfaticamente que: “Não pode haver dúvidas com base nos melhores indícios disponíveis de que não havia ali [Gibeão] qualquer cidade de alguma importância na época de Josué”.

Robin Lane Fox (1993), totalmente embasado nas descobertas mais recentes da arqueologia, afirma definitivamente que: “Em todos os sítios [estudados pelos arqueólogos], as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.

Essas “negativas peremptórias” da arqueologia são gritantes o suficiente para que possamos compreender que essas narrativas bíblicas não são históricas, mas folclóricas. Não se referem a fatos históricos, mas a episódios criados pela mente dos israelitas para darem uma explicação sobre a origem de seu povo e para inspirar as gerações futuras no ideal nacionalista e religioso de Israel.

3.10 Como os israelitas inventaram essas estórias da “Conquista”?

A história do Israel depois da conquista é um ciclo de pecado, de castigo divino e de salvação. Nesse contexto, o Livro dos Juízes propõe uma interpretação teológica dos feitos que pretende descrever. As lutas dos israelitas contra os filisteus, os medianitas, os moabitas, etc., ilustram a difícil relação entre Deus e seu povo. Há muitos anos, os estudiosos aceitam que o Livro dos Juízes forma parte da História Deuteronômica, que é a expressão das aspirações políticas dos israelitas correntes em Judá durante o século VIII a.C., no tempo do governo do Josias.

Os autores do Deuteronômio consideram a idolatria como um perigo mortal para Israel. No primeiro capítulo do Livro do Josué, que se inclui na História Deuteronômica, as tribos do Judá e do Simeão, que formavam o reino meridional, tinham por missão sagrada conquistar as cidades cananéias. No entanto, a arqueologia provou que a origem dos israelitas se deve a profundas transformações sociais dos povos pastoris do altiplano e não aos conceitos bíblicos de pecado e de redenção.

Os antepassados dos israelitas eram na verdade um grupo étnico diferente e também possuíam concepções religiosas distintas.

Os anos do governo do Davi (c. 1005-970 a.C.) e do Salomão (c. 970-931 a.C.) consideraram-se como o século de ouro da História do Israel. No entanto, Recentemente se puseram em dúvida os dados arqueológicos que os apoiavam. O grande império do Davi e do Salomão não tem apojatura arqueológica. Os monumentos atribuídos ao Salomão parecem pertencer a outros reis. A leitura bíblica do império de Davi e Salomão se trata de um passado idealizado, de um século de ouro. Nenhum texto egípcio fala do Davi ou de Salomão, e nem sequer existem provas arqueológicas de construções de Davi ou de Salomão nem do palácio de Salomão em Jerusalém.

A Jerusalém da época de Davi, que segundo a Bíblia era uma grande cidade e cercada de muros, seria apenas uma aldeia. Deste fato se deduz que é improvável, para não dizer impossível, que Jerusalém tenha sido a capital de um império que se estendia desde mar Vermelho ao norte de Síria. A arqueologia não confirma a existência da riqueza, nem a organização administrativa, nem o número de soldados necessários para manter este império.

A arqueologia também constatou que país em época de Davi era rural. Não existem indícios de escrituras, nem de inscrições, nem de alfabetizados necessários para o funcionamento de uma monarquia. Tampouco há rastros de uma cultura unitária, nem de uma administração central. Jerusalém era uma típica aldeia do altiplano.

De fato, a arqueologia tem demonstrado que a visão bíblica do século de ouro de Davi e de Salomão não é exata; é uma projeção a tempos passados de Judá no século. VII a.C.

Finkelstein e Silberman estudaram, igualmente, as contribuições da arqueologia ao reino setentrional. Israel, em torno do ano de 900 a.C., tinha as características de um estado plenamente desenvolvido. Era governada por um bom aparelho burocrático. Tinha uma estratificação social baseada na distribuição de bens de luxo, uma importante atividade edilícia e um comércio próspero com as regiões próximas e assentamentos. Os centros administrativos regionais no Israel eram ativos no começo do século IX a.C. Estavam fortificados e contavam com palácios, como em Izreel, Samaria e Megiddo. A capital, Samaria, foi fundada no começos do século IX a.C. O urbanismo de Jerusalém data de finais do século VIII a.C.

Na opinião de Finkelstein e Silberman, não existe motivo para duvidar seriamente da confiabilidade do elenco bíblico dos reis da estirpe do Davi, que reinaram em Jerusalém depois de Davi. Em Jerusalém entre o final do século X e meados do século VIII a.C., reinaram 11 (onze) reis.

Ezequías (733-724 a.C.) governou 29 anos segundo o Segundo Livro dos Reis. O texto bíblico indica que restaurou a pureza do culto do Yahveh. A arqueologia sugere que o panorama real era muito diverso. Demonstra que a situação de Judá era totalmente diferente da de Israel. Não se tem descoberto nenhuma prova de atividade literária, nem religiosa, nem histórica no século X a.C.

No final do século VIII a.C., documentam-se em Judá as primeiras inscrições monumentais e os primeiros selos pessoais, sinais de um estado desenvolvido. Até o século VII a.C., não aparecem ostraka e pesos de pedra com inscrições, que demonstram a existência de registros burocráticos e de comércio.

Foi somente dentro desse desenvolvido contexto social, político, econômico e religioso que a Bíblia foi escrita.

O nome do rei Josias (639-609 a.C.) encontrou-se unido a um novo movimento religioso que deu um significado novo à identidade do cristianismo, em opinião de Finkelstein e Silberman. Foi deste movimento religioso que se originaram os documentos que constituem o núcleo da Bíblia.

O mais importante é o Livro da Lei, que foi “descoberto”, de acordo com a Bíblia, perto do ano de 622 no templo de Jerusalém é aceito como sendo o original do livro de Deuteronômio. Tal “descoberta” desencadeou uma revolução no ritual e uma radical reformulação da identidade israelita. De acordo com Finkelstein e Silberman, nele se encontram os elementos fundamentais do monoteísmo bíblico: o culto exclusivo a um deus e em um único lugar; a observância das festas da Páscoa e dos tabernáculos a nível nacional e centralizada; diferentes normas jurídicas referentes ao bem-estar; diversos aspectos sociais, assim como temas da justiça e da moral pessoal.

O Livro da Lei se converteu no código definitivo da Lei judaica. O Deuteronômio e a reforma religiosa de Josias tiveram a mesma ideologia. A aparição do Livro da Lei, como aponta Finkelstein e Silberman, coincide com os testemunhos arqueológicos, que provam a difusão do alfabetismo em Judá.

O Deuteronômio consagrou a unidade de Israel e colocou o centro de culto em Jerusalém. O Deuteronômio e algumas passagens do Pentateuco originaram uma saga épica para expressar o ressurgir de Judá. Os autores recolheram e reconstruíram as tradições mais importantes de Israel nos quatro primeiros livros da Torá, começando pelas histórias de Abraão, de Isaac e de Jacó, em um mundo que oferece reminiscências do século VII a.C. Criou-se uma grande epopéia nacional independente de um Egito que apresenta analogias geográficas com o da época do rei egípcio Psamético. Criou-se também a única epopéia da Conquista de Canaã. Condenou-se o próspero estado setentrional como aberração histórica. Também existe uma condenação expressa dos cananeus e dos matrimônios mistos.

Os estudiosos Albreth Alt e Martin Noth, sabendo da imensa discrepância entre os relatos bíblicos da Conquista e as evidencias históricas, e sabendo também da tendência universal entre todos os povos do mundo de inventar estórias fictícias para alimentarem seu ímpeto nacionalista e suas ideologias políticas e religiosas, afirmaram que as estórias bíblicas da Conquista não foram inventadas por acaso.

De acordo com esses dois estudiosos, as narrativas preservadas no Livro de Josué são “tradições etiológicas”, ou seja, contos e lendas sobre certas curiosidades que querem fornecer explicações para certos fatos regionais.

Finkelstein e Silberman (2003), fazendo alusão ao trabalho de Alt e Noth, afirma que:

[...] o povo, que vivia na cidade de Betel e em volta dela durante a Idade do Ferro indubitavelmente notou o imenso cômoro das ruínas da antiga Idade do Bronze, um pouco a leste. Essa ruína era quase dez vezes maior do que sua própria cidade, e os remanescentes de suas fortificações ainda impressionavam. Assim – argumentam Alt e Noth – as lendas podem ter começado a crescer em torno das ruínas, dos contos de vitórias de antigos heróis, que explicavam como foi possível tamanha destruição em uma cidade tão grande. Em outra região do país, o povo que vivia nos contrafortes de Shephelah pode ter ficado impressionado simplesmente pelo tamanho de um imenso bloco de pedra fechando a entrada da misteriosa caverna perto da cidade de Makkedah. Dessa forma, histórias que relacionavam o imenso bloco de pedra com atos heróicos do seu próprio passado nebuloso podem ter aparecido: a pedra selava a caverna onde cinco reis antigos se esconderam e mais tarde foram enterrados, como é explicado em Josué 10,16-27.
De acordo com esse ponto de vista, as histórias bíblicas, que terminam com a observação de que certo ponto de referência ainda podia ser visto ‘até mesmo hoje’, eram talvez lendas desse tipo. Num determinado ponto, essas histórias individuais foram coletadas e relacionadas a uma única campanha de um grande líder mítico da conquista de Canaã.

Foi desse modo que lendas como o Êxodo e a Conquista de Canaã foram sendo criadas e introduzidas no que mais tarde se constituiria o texto bíblico.

De fato, o Livro do Josué apresenta uma saga coerente com perspectiva teológica bem definida do livro de Deuteronômio, onde se apresenta o resultado de lendas e histórias acumuladas até o século VII a.C., no período de governo do rei Josias. Os topônimos são os desta região no século VII a.C. Geralmente se considerou o Livro do Josué como parte integrante da História Deuteronômica. Finkelstein e Silberman afirmam que nele se encontram o mesmo estilo, a mesma língua e a mesma mensagem do Deuteronômio. As aspirações de expansão territorial de Josias correspondem às conquistas do Josué.

Finkelstein e Silberman concluem sua análise, afirmando que:

[Desse modo] o que na verdade era uma série caótica de insurreições, causada por muitos fatores diferentes, e também por inúmeros grupos distintos, tornou-se, muitos séculos depois, uma saga brilhantemente elaborada a respeito de uma conquista territorial sob as bênçãos e o comando direto de Deus. a produção literária dessa saga realizou-se com propósitos muito diferentes da comemoração de lendas locais; foi passo importante para a criação da identidade pan-israelita.

Desse modo, concluem os arqueólogos israelitas, essas narrativas bíblicas não são História, mas uma criação ideológica e teológica, concebida para ser lida em público, inventadas e compiladas no contexto de uma revolução religioso-nacional.

Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 2)

2 DECLÍNIO E QUEDA DO MITO DA “CONFIRMAÇÃO HISTÓRICA” DA BÍBLIA

Mais do que nunca a fé cristã tem andado tão bem, sendo que o número de seguidores somente aumenta a cada ano. Este fato vai exatamente em direção oposta ao que se pensou no passado, como Voltaire, na época do Iluminismo, que afirmava que dentro de duzentos anos o cristianismo já teria desaparecido.
De fato, não é de admirar que a fé cristã esteja tão em alta. A decepção para com o racionalismo e ciência, oriundo dos eventos desencadeados pela Primeira e Segunda Guerra Mundial, realmente levou muitas pessoas a depositarem suas esperanças e sonhos em diversos “ismos”, os quais apelavam para o lado emocional do ser humano. No entanto, no caso do cristianismo do século XX, a situação é um pouco diferente. Foi exatamente dentro dessa crise da racionalidade que o cristianismo mais apelou para o racional (sem deixar, é claro o lado emocional no escanteio) para firmar a fé cristã.

Foi no século XX que os cristãos sentiram muito mais necessidade de apelar para a ciência, filosofia e história para confirmarem as bases de suas doutrinas.

O criacionismo, por exemplo, em uma nítida investida contra as conclusões darwinianas acerca da mutação das espécies, surgiu como uma forma de consolo científico com que seus adeptos poderiam dizer: “Não precisamos virar nossos rostos, calados e frustrados, diante dos argumentos científicos deles. Eles procuram por ciência, não é mesmo? Pois será ‘ciência’ que daremos a eles!”.

A partir de então temas antes vistos como inerentemente maniqueístas, como “ciência e fé” ou “fé e razão” se fundiram em “ciência da fé” e “fé racional”. A apologética do século XX foi uma nítida resposta a influencia ainda viva do pensamento iluminista antes e após as Grandes Guerras.

Foi no início do século XX que a “apologética cristã” sentiu a necessidade de ver as crenças que tanto ardentemente defendia confirmada pela arqueologia.

De modo que até nos dias atuais encontramos crentes usando a arqueologia bíblica para catequizar os fiéis e desmentir objeções dos críticos do cristianismo – tanto na igreja, no púlpito, nas missões, nos debates, enfim.

Foi assim que cristãos do mundo inteiro, num acesso descontrolado de entusiasmo, afirmaram que não somente que “a Bíblia é confirmada pela arqueologia”, mas que também a própria fé cristã é, por causa dessa mesma arqueologia, a verdade (historicamente) absoluta! Nunca a fé cristã havia sido tão amplamente confirmada por uma disciplina acadêmica.

Essas supostas descobertas arqueológicas não apenas impulsionaram o crescimento da fé cristã; elas também impulsionaram a fé cristã em direção a validação de alguns dos pressupostos da ciência e assim a mudarem sua visão de mundo. Se antes, não importando o que a ciência dissesse, ela nunca poderia ter a última palavra, agora a ciência era a juíza da fé cristã e a confirmava de forma surpreendente. Ou seja, se antes a fé era, per si, o meio-termo que confirmava a si mesma, agora a ciência estava incumbida de julgar a fé e de dar o veredicto – pelo menos na medida em que essa mesma ciência confirmava a fé cristã.

O lado irônico nessa história é que a ciência só passou a ter valor no meio cristão moderno se ela estivesse confirmando os relatos e/ou a fé bíblica. Caso contrário, a ciência era mandada novamente para o mundo do “o-diabo-está-tentando-nos-enganar-mais-uma-vez”. O que não é de Deus, é, com certeza, do diabo. Não existe meio termo. Se antes se afirmava que “a razão é a maior inimiga da fé”, como dizia Martinho Lutero, agora a razão é a maior aliada da fé, como diz Wiliam Lane Craig, um filósofo cristão contemporâneo.

Os cristãos fundamentalistas que ainda acreditam que a arqueologia corrobora sua fé continuam a colocar parte dessa fé na ciência, principalmente porque são capazes de ver nessa ciência – se usada como um instrumento de confirmação dos dogmas bíblicos - um requisito necessário e altamente sedutor para o processo de conversão de pessoas, principalmente, os incautos pertencentes à ala erudita das academias.

É fato que o público leigo cristão sempre foi condicionado a depositar sua confiança unicamente nas páginas das Escrituras como se fossem a única verdade e absoluta, e a rechaçar a cientificidade como “devaneio do homem”. No entanto, a mudança que ocorreu a nível popular no século XX foi surpreendente, onde pela primeira vez na história, os cristãos poderiam ser autorizados a ter acesso ao material acadêmico e laico para verem ali sua fé confirmada. Desse modo, disciplinas acadêmicas como arqueologia e história vinham confirmando os relatos bíblicos e motivando a fé dos cristãos, como veremos a seguir.


2.1 O papel da mídia na criação do mito da confirmação da Bíblia

Até os anos de 1950, e indo, no máximo, ao inicio dos anos de 1990, a concepção acerca da arqueologia em face a Bíblia Sagrada era a seguinte:

[...] a arqueologia tem confirmado inúmeras passagens que tinham sido rejeitadas por críticos como não-históricas ou contraditórias a fatos conhecidos. No entanto descobertas arqueológicas mostraram que estas acusações críticas [...] estão erradas e que a Bíblia é confiável justamente nas afirmações pelas quais foi deixada de lado por não ser confiável. Não sabemos de nenhum caso no qual a Bíblia foi provada errada (FREE, 1950, p. 134).
Ao compararmos essa afirmação com informações mais atuais, somos levados a um marcante choque de idéias:

O consenso arqueológico, pelo menos até o ano de 1990,
era de que a Bíblia poderia ser lida basicamente como um documento histórico
confiável. [...] Agora, é evidente que muitos eventos da história bíblica não
aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram escritos. Alguns
eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente (FINKELSTEIN;
SILBERMAN, 2003, p. ???).

O que aconteceu que, em menos de cinqüenta anos, a posição da arqueologia a respeito da confiabilidade histórica das Escrituras Sagrada mudaram tão drasticamente?

Na verdade, o que aconteceu foi que diversos arqueólogos e comentaristas interpretaram certas descobertas arqueológicas como achados que davam crédito as Escrituras. Mas a arqueologia nunca e jamais confirmou a veracidade da Bíblia por inteiro, como os conservadores querem.

Finkelstein (apud A HEBRAICA (2005 [on line]), afirma que: “Estamos vivendo um processo de liberação da arqueologia de uma leitura muito conservadora e ingênua do texto bíblico”. Foi essa leitura conservadora e ingênua do texto bíblico que motivou a criação do “mito” de que a arqueologia confirmava a Bíblia.

De acordo com Fox (1993), informações erradas, omitidas e até mesmo fraudadas foram difundidas entre o público leigo e especialmente entre o público cristão, de tal forma que se criou um mito de que a arqueologia confirmava a Bíblia.

Um exemplo de como informações sobre arqueologia bíblica podem ser inventadas e/ou omitidas é o caso das descobertas dos tabletes de argila de Ebla. Nos anos de 1970, foram encontradas várias inscrições em argila que supostamente traziam referências extra-bíblicas a respeito das cidades de Sodoma e Gomorra, outras cidades mencionadas no livro bíblico de Gênesis (especialmente as cinco cidades mencionadas no capítulo 14 de Gênesis), além de nomes de personagens bíblicos importantes, como Abraão e Birsa, rei de Gomorra. O marco das descobertas dos tabletes de Ebla seria a confirmação de que Abraão pudesse realmente ter existido.

No entanto, de acordo com Fox (1993, p.???), esse sonho caiu por terra – só que ninguém soube:
Entre 1978 e 1981, os livros de arqueologia bíblica tiveram um novo estímulo e um novo segundo capítulo; correu pela imprensa a notícia de que Abraão tinha um contexto histórico. O que aconteceu depois, contudo, não foi tão difundido. O nome do rei de Gomorra não sobreviveu a uma releitura da tabuleta; duas das cinco cidades tiveram rapidamente o mesmo destino (os nomes de todas as cinco nunca haviam sido identificados na mesma tabuleta); as menções a Sodoma, Gomorra e as outras revelaram-se uma interpretação indevida. Como os nomes baseados no de Jeová, o do ancestral de Abraão esfumou-se como uma miragem de estudiosos. [...] Nem o sítio e nem o arquivo [de Ebla] lançam qualquer luz sobre qualquer aspecto do texto da Bíblia.

Fox (1993, p.???), ao citar um estudioso do assunto, coloca a seguinte frase entre aspas: “Aqueles que trabalharam nas tabuletas de Ebla vêm hoje fazendo o possível para sepultar todo esse escândalo”. No entanto, em qualquer escola bíblica, igreja e grupos religiosos, especialmente protestantes, e principalmente no Brasil, Ebla ainda vem sendo usado como argumento para sustentar posições infundadas de confirmação bíblica. Para se ter uma idéia disso, basta ler o “suplemento arqueológico” da Bíblia de referência Thompson (editora Vida) e comparar com o número de cristãos em todo o Brasil que possuem essa Bíblia de estudos e a usam em seus debates sobre arqueologia e fé.

Um aspecto importante e que precisa ser enfatizado é que o mito da “confirmação histórica” da Bíblia não passa de uma construção da mídia e da indústria editorial - principalmente a indústria editorial cristã protestante, como no caso do Brasil. Enquanto editoras cristãs publicam apenas livros que “edifiquem a fé dos leitores” (não importando quantos erros e informações defasadas eles possam conter), a mídia simplesmente seleciona informações distorcidas ao divulgar notícias sensacionalistas de que a Bíblia é confirmada pela arqueologia.

Um recente caso implica um documento arqueológico e as cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra. A reportagem deixa transparecer a idéia de que o texto faz alusão a destruição dessa cidade, enquanto na verdade esse paralelo foi apenas uma invenção da mídia para fazer sensacionalismo.

A reportagem pode ser lida no site do Estadão, onde se publicou uma matéria (cujo título não tem nada a ver com a reportagem) intitulada “Placa de 700 a.C. traz relato de ‘destruição de Sodoma’” (ESTADÃO, 2008 [on line]).

Prontamente, essa reportagem foi lida em muitos meios da comunidade cristã protestante brasileira – ajudando com isso a “reforçar a fé na confiabilidade da Bíblia”.

O texto da reportagem afirma que foram descobertas: “[...] inscrições cuneiformes de um bloco de argila datado de 700 a.C. e descobriram que se trata do testemunho feito por um astrônomo sumério sobre a passagem de um asteróide...”. Até aqui nada de anormal.

No entanto, a próxima parte do parágrafo afirma categoricamente: “[...] um asteróide pode ter causado a destruição das cidades de Sodoma a e Gomorra” (ESTADÃO, 2008 [on line]).

Essa é uma afirmação muito forte até mesmo se usada a palavra “pode” antes do verbo. O texto precisa apresentar indícios no próprio texto, como os nomes de Sodoma e Gomorra, a queda do meteoro na Palestina, especificamente na região onde outrora havia sido essas duas cidades, etc. No entanto, o texto apenas apresenta uma análise do impacto do asteróide de mais de um quilômetro de diâmetro, que deve ter se dado no “dia 29 de junho de 3123 a.C. (calendário juliano)” nos Alpes austríacos, na região de Köfels causando um impacto cataclísmico.

Aqui, faremos uma pequena pausa para pergunta: o que um asteróide que caiu nos Alpes austríacos tem a ver com de Sodoma e Gomorra? Como logo veremos, não existe relação nenhuma entre ambos.
O texto acrescenta que:

[...] O pesquisador [Hempsell] sugere ainda que a nuvem de fumaça causada pela explosão do asteróide teria atingido o Sinai, algumas regiões do Oriente Médio e o norte do Egito. Hempsell afirma que mais pessoas teriam morrido por conta da fumaça do que pelo impacto da explosão nos Alpes (ESTADÃO, 2008 [on line]).

Até agora a reportagem não apresentou nenhuma razão para essa associação entre o asteróide, que caiu na zona central da Europa, e o “fogo ardente” que, segundo a Bíblia, desceu exatamente sobre as cidades de Sodoma e Gomorra.

Obviamente, se a razão desse paralelo entre a descoberta arqueológica e a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra esta na parte em que se fala sobre a “fumaça causada pela explosão do asteróide teria atingido o Sinai”, devemos dizer que isso é tolice. Fumaça não é a mesma coisa que fogo e, ainda que fosse, seria um absurdo afirmar que somente Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo enquanto a nuvem de fumaça (e, imaginativamente, de fogo) se estendeu desde a parte central da Europa até o monte as fronteiras do Egito.

O fato é que o pesquisador que fez a descoberta somente fez uma alusão poética à estória de Sodoma e Gomorra. De forma nenhuma está afirmando que a descoberta corresponde diretamente a estória de Sodoma e Gomorra. O que aconteceu aqui foi que a mídia, com o objetivo de “sensacionalizar” uma notícia, atribuiu essa descoberta como uma “comprovação dos relatos bíblicos”. Pelo teor vago da reportagem, diversos religiosos do Brasil (muitos que, diga-se de passagem, costumam ler essas reportagens apenas superficialmente) não hesitaram em afirmar que “mais um achado arqueológico confirma a Bíblia”.

Ao interpretar de forma distorcida e errônea informações arqueológicas, a mídia cria e ajuda a se desenvolver uma imagem falsa da realidade, onde a Bíblia é corroborada, página por página, pela arqueologia, quando a verdade é o oposto.

Fox (1993, p.???) aponta um dos grandes divulgadores do mito de que Bíblia é corroborada pela arqueologia, mais lidos em todo o Brasil e no mundo – e com certeza um dos que mais ajudaram a divulgar esse mito:
Em 1956, um jornalista alemão, Werner Keller, demonstrou a força da crença do público na ligação entre as escrituras, as escavações e as viagens. Seu livro, A Bíblia como História, foi inicialmente publicado com o título A Bíblia está de fato correta, e o seguinte subtítulo: “A arqueologia confirma o Livro dos Livros”[1]. [...] o mais estranho em relação a seu sucesso é que, se o lermos cuidadosamente, veremos que nada do que afirma emerge diretamente de qualquer indício arqueológico que confirme qualquer aspecto significativo do Livro dos Livros.

Esse apontamento é digno de nota, haja vista que tal fato significa que a imagem da Bíblia como sendo um livro histórico e arqueologicamente correto foi uma imagem construída, em parte pela mídia e em parte por cristãos esperançosos (para não dizer “desesperados”) de encontrar indícios externos ao seu livro sagrado que corroborasse sua fé.

2.2 A arqueologia “albrightiana”

Uma das figuras da arqueologia mais famosas por aliar o uso da arqueologia para fundamentar a fé cristã e suas verdades bíblicas no inicio do século XX, foi W. F. Albright. Este arqueólogo foi o porta-voz união entre as descobertas arqueológicas e as perspectivas bíblicas. Seu trabalho se concentrou em escavações em cômoros de cidades nos quais o desenvolvimento da sociedade e da cultura pode ser traçado através de milênios. Mais do que um simples arqueólogo, Albright foi um líder do movimento arqueológico que estava começando a se formar e que em pouco tempo transformaria a face da cristandade americana.

Albright centrava sua arqueologia na época dos patriarcas de Israel, e defendia que Abraão, Isaque e Jacó haviam sido não só personagens bíblicos históricos, mas que também os relatos que giram em torno de suas vidas e que se encontram cristalizados nas Escrituras judaicas, tais como, também, as incursões de Josué, foram eventos indiscutivelmente históricos. Insistia que “como um todo, a imagem de Gênesis é histórica e não há razões para se duvidar da precisão dos detalhes biográficos”. O impacto de tais palavras nos ouvidos dos crentes não puderam sequer ser descritos.

Desse modo, a função da chamada “arqueologia bíblica” havia sido a de confirmar os eventos bíblicos – influenciando (ao contrário do que se afirma atualmente) determinadas doutrinas teológicas e, por fim desmentir supostas alegações de críticos que afirmavam que a Bíblia estava repleta de lendas.

No entanto, as conclusões de Albright, com o tempo, foram se mostrando equivocadas.

No que se refere ao estado da investigação sobre os patriarcas, Finkelstein e Neil Asher Silberman (2003) afirmam “em quase todos os pontos de vista - histórico, psicológico, espiritual - os patriarcas são potentes criações literárias” e dedicam a primeira parte de seu livro a interrogar sobre uma série de pontos cruciais da história do Israel.

Albright encontrava o fundamento histórico do Gênesis na onomástica pessoal dos personagens bíblicos, nos insólitos costumes matrimoniais e na legislação relativa à aquisição das terras, porque tudo isso era muito parecido ao que se podia encontrar na sociedade mesopotâmica do II Milênio a.C. Finkelstein e Silberman contestam estas afirmações, ao enfatizarem que a suposta descida de Abraão a Canaã da Mesopotâmia, que Albright fazia coincidir com a migração amorréia, é dificilmente aceitável hoje em dia.
A presumida migração de grupos da Mesopotâmia na direção de Canaã – a chamada migração dos amorreus, na qual Albright colocou a chegada de Abraão e
sua família – foi, mais tarde, considerada ilusória. A arqueologia invalidou por completo a controvérsia de que um repentino, vasto movimento de população tivesse acontecido naquela época (Finkelstein, p. 57).

Outra constatação que refuta a “arqueologia albrightiana” é o fato de que a relação entre a legislação mesopotâmica e os costumes seguidos pelos patriarcas, é tão vaga que poderia ser aplicada a qualquer época.

O fato é que a redação do relato dos patriarcas foi realizada no século VII a.C., data proposta pelo Finkelstein e pelo Silberman. Esta data é considerada totalmente certa pela arqueologia contemporânea.

Os filhos de Jacó, em seus deslocamentos através do deserto do Egito, são descritos comerciantes caravaneiros, cujas mercadorias são drogas, bálsamo e mirra. Os camelos, uns dos meios fundamentais para o deslocamento de pessoas e transporte de mercadorias pelo deserto, não se domesticaram e empregaram nestas tarefas antes do ano 1000 a.C., mas seu uso somente se generalizou a partir do século VII a.C., como prova os ossos de camelos adultos de Tell Iamnia, importante centro caravaneiro da costa meridional do Israel, situado entre o Mediterrâneo e Arábia.

As mercadorias que os filhos de Jacó levavam para vender ao Egito são citadas nos arquivos dos monarcas assírios nos séculos VIII e VII a.C. A estes dados se acrescenta a menção do rei dos filisteus Avimelech, que encontrou ao Isaac na cidade do Gherar. Os filisteus, população procedente do Egeu, não se assentaram na costa do Canaã até pouco depois do ano 1200 a.C. A cidade do Gherar, hoje Tell Hasor, na Idade do Ferro I, era uma aldeia quase insignificante, que só cobrou importância quando se converteu em cidade administrativa, fortificada, entre finais do século VIII e começos do século VII a.C. A cidade de Nínive, citada em Gênesis 10, só foi construída por Senaqueribe e Assurbanipal, reis assírios do século VII a.C. Note que o próprio relato sobre o Jardim do Éden já citava a Assíria de forma anacronicamente reveladora.

A combinação de todos estes elementos: a primeira domesticação dos camelos e seu uso intensivo, o tráfico de mercadorias, a presença dos filisteus no Canaã, o auge e fortificação do Gherar, levam Finkelstein e Silberman a propor a data do século VIII ou VII como a data da redação das histórias bíblicas dos patriarcas. Esta data é confirmada por um dado proporcionado pelos arqueólogos israelitas, que possui grande força probatória: trata-se do exame das genealogias dos patriarcas, do nascimento de numerosas nações, etc.; com isso se descreve o mapa do Oriente Próximo do ponto de vista dos reinos do Judá e do Israel dos séculos. VIII e VII a.C. Somente a esta época se pode remontar certos nomes étnicos e toponímia que se encontram nos relatos bíblicos. Suas características se correspondem perfeitamente com o que sabemos das relações entre os reinos e os povos limítrofes com o Israel e com o de Judá.

No que se refere a esses relatos da “Conquista”, a arqueologia fez o seu trabalho de passar o seu crivo, e de acordo com Finkelstein e Silberman (2003), a evidência de uma histórica conquista de Canaã pelos israelitas é fraca. Mais do que fraca, os relatos da Conquista de Canaã são por demais contraditórios para serem capazes de fornecer um quadro histórico da região abordada naquele período.

Desse modo, Albright e sua “revolução arqueológica” simplesmente caíram para nunca mais se levantar.

Infelizmente, ainda que as conclusões de Albright tenham se mostrando equivocadas, cristãos do Brasil e do mundo ainda se apóiam na arqueologia albrightiana para verem sua fé corroborada na arqueologia.

2.3 A indústria editorial protestante e as velhas tendências da arqueologia

Em entrevista, quando perguntado por que escreveu o livro “A Bíblia não Tinha Razão” para atingir o grande público – ao contrário de seus colegas, que escrevem apenas para o público acadêmico -, Finkelstein respondeu:
O público se interessa por arqueologia bíblica, mas atualmente recebe apenas um ponto de vista. A grande audiência ainda está completamente sob influência da arqueologia conservadora que se fazia nos anos 1950. Achei que este era o momento de apresentar um ponto de vista diferente. Não estou interessado em convencer ninguém. Apenas digo: conheçam a arqueologia moderna e aceitem, se
quiser (A HEBRAICA, 2005 [on line]).

A resposta de Finkelstein na citação acima revela um quadro bastante sintomático de nossa sociedade. Principalmente no Brasil, o público ainda se vê atrelado a informações não apenas defasadas da arqueologia, mas também tendenciosas. Não somente a mídia secular está acostumada a publicar reportagens sensacionalistas e equivocadas sobre descobertas que supostamente confirmam os relatos das Escrituras. As editoras cristãs possuem um papel ainda mais intenso nesse processo.

A todo ano, as editoras cristãs publicam centenas de livros apologéticos, onde o leitor pode ter acesso a supostas descobertas arqueológicas e científicas que confirmam a sua fé e ajudam no processo de evangelização, mas que, no entanto, continuam a andar em contra-mão as recentes descobertas do meio acadêmico e as tendências que diferem de suas ideologias religiosas.

De fato, desde os anos 50 do século XX a arqueologia tem deixado de confirmar os relatos da Bíblia, como fazia de forma aparente com Albright, para seguir uma linha independente cuja tendência é relevar disparates e contradições na narrativa bíblica. Estamos no final da primeira década do século XXI e inicio da segunda década e esse tempo foi o suficiente para mudar a opinião dos arqueólogos contemporâneos e relegar o movimento albrightiano para o limbo das ideologias caducas. Mas não foi tempo suficiente para expurgar esse demônio que ainda assola e ilude a alma do cristianismo contemporâneo. Ainda é forte a tendência cristã em se alegar que a Bíblia ainda continua a ser confirmada pela arqueologia. Para isso, talvez de forma inconsciente, recorrem às descobertas do inicio do século XX para corroboraram sua alegação.

Por que essa mudança “da água para o vinho” na questão da confirmação arqueológica das narrativas? É o próprio Finkelstein quem lidera essa nova visão, e tudo isso não é resultado de uma tentativa demoníaca de tentar criticar e refutar os relatos bíblicos a qualquer custo. Essa nova forma de fazer arqueologia está apenas usando a arqueologia para interpretar os textos bíblicos e não os textos bíblicos para interpretar a arqueologia, como Albright fazia. De fato, este é o modo correto de se fazer pesquisa arqueológica.

Várias editoras cristãs no Brasil possuem como única missão: “Divulgar o Evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo a toda criatura e ensinar a guardar a sua Palavra até que Ele volte” (CPAD, 2008 [online]). Publicar livros de teor científico que apresentem descobertas que podem abalar a fé cristã não está entre suas prioridades. Para isso, publica livros tendenciosos e defasados.

No entanto, infelizmente a realidade brasileira das editoras cristãs, principalmente as protestantes (ou evangélicas), é outra, onde as mesmas se interessam mais em apresentar informações defasadas sobre arqueologia, pois seu compromisso está em divulgar material exclusivamente cristão para o público cristão. Vale salientar que não há nada de errado nessa atitude em si. O erro está no fato de que, dado esse objetivo, essas editoras publicam livros tendenciosos e cheios de erros, com informações arqueológicas selecionadas e ultrapassadas – o que vem a contribuir para o emburrecimento de seus leitores cristãos, que ficam privados de um conhecimento arqueológico de qualidade. Livros que fazem sucesso entre os leitores, e que podem trazer informações úteis sobre teologia e religiosidade, mas que apresentam informações equivocadas, ultrapassadas e altamente tendenciosas sobre a ciência e história.

Livros defasados, como “Arqueologia do Velho Testamento”, de Merril F. Unger, (Editora Batista Regular), e “Merece Confiança o Antigo Testamento?”, de Gleason L. Archer Júnior, (Editora Vida Nova), que ainda são muito citadas no mundo cristão, podem trazer diversos prejuízos não somente para o conhecimento tanto leigo e acadêmico sobre arqueologia, mas também para a própria fé cristã, pois a confiança do crente acaba por ser depositada sobre um erro.

As descobertas arqueológicas existem não para destruir os textos bíblicos, mas para complementá-los. Se, por exemplo, a arqueologia descobre que a Conquista de Canaã pelos israelitas, relatada nas páginas da Bíblia, jamais ocorreu, isso é um indício de nosso modo corriqueiro de interpretar o texto Bíblico está errado. Significa que temos que interpretar o texto bíblico não como um fato histórico, mas como um produto literário das circunstancias sociais, culturais e religiosas de quem ou do grupo que escreveu esse texto. Nesse quesito, a arqueologia é essencial para uma leitura mais cientifica da Bíblia e para uma reformulação da hermenêutica bíblica moderna e exegese.
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Notas:
[1] Aqui no Brasil, o título desse livro foi “...E a Bíblia tinha razão”, livro bastante difundido entre o público leigo e cristão.