tag:blogger.com,1999:blog-69867608810375217732024-03-05T01:15:14.130-08:00A CRUZ DE CLIO - As Raízes Históricas do Cristianismo em debateEste blog é destinado ao debate da história cristã, frisando o Jesus Histórico, a ascensão do Cristianismo Primitivo, a imaginação historiográfica e hagiográfica cristã. Tem por objetivo acessibilizar os conhecimentos da História Crítica ao público leigo, ao mesmo tempo em que problematiza a interpretação tradicional das Origens do cristianismo.Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.comBlogger36125tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-13288070969260068472012-02-22T09:19:00.002-08:002012-02-22T09:19:32.903-08:00BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA QUESTÃO DA PECABILIDADE DE JESUS: UMA DISCUSSÃO ACERCA DA HIPÓTESE DO ARREPENDIMENTO / CONFISSÃO COLETIVO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Considerações iniciais</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Inicialmente, gostaria de
agradecer ao Informador de Opinião pela ênfase dada a esta questão e pelo
interesse em discuti-la: a questão da confissão, ou arrependimento, dos pecados
coletivos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Também ressaltamos não ser nosso
objetivo esgotar o assunto, nem parecermos os “donos da verdade”: nossa
concepção de verdade dentro de um contexto argumentativo é meramente
coerentista e não metafísica. O objetivo é alcançar um consenso, o qual poderá
ser modificado em qualquer época, inclusive abandonado por completo, através de
novas descobertas e da própria evolução do conhecimento. Portanto, as
conclusões apresentadas nesse texto longe estão de configurar-se a “verdade
última” acerca da questão abordada. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Lembramos que o presente texto
foi escrito “às pressas” (decorrente das várias ocupações que inquietam o
autor) e que, portanto, trata-se muito mais de uma síntese do que uma abordagem
abrangente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pois bem, como já afirmamos
noutras ocasiões, o batismo de João Batista constitui o ponto axial da tradição
de Jesus, o que certamente indica que significou um <span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">momento decisivo na vida de Jesus. Jesus, tendo nascido
em Nazaré na Galileia, por razões ainda obscuras, faz uma caminhada para o sul
rumo ao Jordão com a finalidade de ser batizado por João Batista. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">O batismo de João Batista tinha várias funções. Além de um caráter
escatológico que ultrapassava a esfera individual, entre essas funções
destacava-se a seguinte: sinalizar o arrependimento, purificar o ser dos
pecados, incidir no processo total de expiação e iniciar o neófito dentro do
movimento. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contudo, a submissão de Jesus ao
batismo de João Batista é uma questão que gera polêmica, pois pode levar a
interpretações que comprometem a integridade da cristologia tradicionalista a
qual concebe Jesus como um ser imaculado e que, portanto, não precisava
submeter-se a um ritual de purificação e expiação de pecados. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
1) Assim, de um lado existem
aqueles que, mesmo aceitando que Jesus foi batizado em um batismo para “perdão
dos pecados”, acreditam que Jesus submeteu-se ao batismo por razões distintas a
essa, já que, como a encarnação da divindade hebréia, não possuía pecados a
serem remidos. Esta é a posição dos evangelistas, que apresentam diversas
justificativas para o fato de Jesus ter se submetido ao batismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
2) Por outro lado, existem aqueles
que não veem dificuldade em associar as intenções pessoais de Jesus à
finalidade intrínseca do batismo, que é a obtenção do perdão dos pecados.
Assim, chegam à conclusão lógica de que Jesus era ou se considerava um pecador
e, por este motivo, precisou submeter-se ao batismo de João. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
3) Por último, também existem aqueles
que, ainda que não admitam, por razões históricas, que Jesus era a encarnação
da divindade hebréia e que por isso não possuía pecados a serem remidos,
afirmam que a submissão de Jesus ao batismo não é indicativo de sua consciência
pessoal sobre a necessidade de obter remissão de seus pecados. Estes proponentes
alegam que o batismo de João possuía um caráter <span lang="PT" style="mso-ansi-language: PT;">escatológico que ultrapassava a esfera individual, sendo um símbolo do
arrependimento coletivo nacional de Israel. Ao alegarem isso, afirmam que qualquer
indivíduo (incluindo Jesus) poderia acessar o batismo pautando-se não em uma
consciência particular voltada ao perdão de seus pecados individuais, mas
visando sinalizar a necessidade de redenção coletiva de Israel. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A hipótese do arrependimento coletivo</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
J. P. Meier, entre outros, é o
principal defensor da terceira vertente, que defende a chamada hipótese do
“arrependimento ou confissão coletivo”. De acordo com Meier, João Batista
dirigiu-se a toda a nação de Israel, chamando-os para uma reconstituição
radical de Israel à luz da sua iminente futuro escatológico. Desse modo, o
chamado era para que as pessoas respondessem como uma nação, não exatamente
como indivíduos.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, ainda que respondessem
como indivíduos para terem seus pecados individuais perdoados, muitos poderiam
responder por um senso pessoal de responsabilidade para com o estado de Israel.
Por isso, muitas das pessoas em Israel que seriam consideradas fiéis poderiam
responder a partir de uma crença e desejo de João reconstituído Israel. Desse
modo, Jesus poderia submeter-se ao batismo não para receber o “perdão de seus
pecados” individuais, mas para reconhecer o pecado de Israel e comprometer-se a
fazer o que pôde para que isso acontecesse. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao argumentar desta forma, Meier apresenta
alguns indícios:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
1) Existe um abismo cultural e
religioso que separam o batismo moderno, de caráter unicamente individual (ou
seja, voltado à purificação do que ele chama de “pecadilhos”, atos ou unidades
de condutas recordáveis que transgridem as leis de Deus) do batismo antigo, de
caráter coletivo; </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“A confissão dos pecados no
antigo Israel não significava um longo rol de pecadilhos pessoais, o que faria
a adoração a Deus transformar-se em uma reflexão narcisista sobre o indivíduo”
(MEIER, 1996, p. 156). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desse modo, seria anacrônico
afirmar que a submissão de Jesus ao batismo voltava-se ao perdão individual, já
que a preocupação soteriológica em sua época incidia sobre povos inteiros,
diferente da “perspectiva posterior”, agostiniana e luterana, de aquisição de perdão
individualista. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
2) Um argumento dependente do
exposto acima é o de que na Israel pronunciada por Meier, cada indivíduo é
considerado pecador apenas por fazer parte desse povo, tendo ou não cometido
pecados na esfera individual. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse sentido, Meier afirma que: “Mesmo
independente da questão dos pecados pessoais do indivíduo, cada um era parte
dessa história de pecado apenas por pertencer àquele povo” (p. 156). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
3) Em seguida, Meier expõe, com o
fim de corroborar essas ideias, passagens das Escrituras judaicas e do grupo de
Qumrã em que a confissão individual dos pecados visava a apresentação dos
pecados à nível coletivo do povo de Israel. Para isso, apresenta as preces
confessionais de Esdras (Esd. 9.9-15; Ne. 9.6-37) e no ritual de entrada da
comunidade de Qumrã (1QS 1,18-2,2). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ambos os textos falam sobre a
confissão dos pecados da nação como um todo, incluindo os pecados ancestrais e
hodiernos, sem a preocupação de expor falhas e pecados pessoais, mas em
confessar que pertencem a um povo pecador, de modo que o pedido de perdão dos
pecados seja dado por Deus a todos, coletivamente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desse modo, Meier afirma que o
simples fato de Jesus ser batizado não indica que se considerava um pecador, no
sentido de ter consciência individual de seus pecados pessoais, já que este
batismo está sujeito a uma série de interpretações que não permite adentrar a
consciência de Jesus sobre se ele se considerava um pecador ou não (MEIER, p.
159). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Analisando a hipótese do arrependimento coletivo</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em primeiro lugar, deve-se
abordar o grau de abrangência ou relativização da hipótese do arrependimento
coletivo. Ressalta-se, desde logo, que o objeto da argumentação é relativo, já
que a coletividade do perdão era apenas uma possibilidade, não uma regra. O
próprio Meier reitera isso ao afirmar que “muitas vezes...” (p. 156) a
confissão dos pecados era vista sob uma perspectiva coletiva, o que significa
que “algumas vezes” ou “outra vezes”, ou ainda “outras muitas vezes”, a
confissão dos pecados era vista sob uma perspectiva individual. Meier também
usa a expressão “em alguns casos..”, “talvez...”, entre outros termos
relativizantes, para fazer referência a hipótese da confissão dos pecados
coletivos do povo, o que indica que a ocorrência da mesma não é uma regra. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em segundo lugar, deve-se
ressaltar que a confissão individual não torna, necessariamente, uma “reflexão
narcisista sobre o indivíduo”. Ao contrário do que afirmou Krister Stendahl, a
“consciência introspectiva” não é uma invenção ocidental, mas já estava presente
no antigo Israel. É exatamente esta consciência que fez (entre os antigos
hebreus) e ainda faz com que cada um, individualmente, sinta-se responsável por
suas ações e queiram, particularmente, trilhar os caminhos das leis divinas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Muitos pensadores juristas da
atualidade são incisivos em afirmar que o modelo orgânico funcional dos
tribunais, em que cada indivíduo é responsabilizado, individualmente, por seus
próprios atos, tem fortes raízes judaico-cristã, existindo de modo independente
na Antiguidade Oriental (povos do antigo Oriente Próximo) e Clássica (Grécia e
Roma). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além disso, pode-se argumentar em
prol de uma concepção individual dos pecados no antigo Israel. Diversas
passagens enfatizam a responsabilidade individual sobre o pecado, sejam neotestamentários
(Rm. 5.12, 6.23; 1Jo. 1.10), entre outras, ou veterotestamentárias. Por
exemplo, para o autor do livro de Ezequiel a ideia da individualidade do pecado
estava clara quando escreveu que:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“A alma que pecar esta morrerá. O
filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai a iniquidade do filho; a
justiça do justo ficará sobre ele e a perversidade do perverso cairá sobre
este” (Ez. 18.20). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Portanto, os judeus da
Antiguidade possuíam uma ideia clara de que a responsabilidade do pecado era
individual e, portanto, intransferível. A confissão coletiva do pecado em nada
invalidava ou desarticulava o caráter individual do pecado. Até mesmo porque a
formação coletiva do pecado depende, inteiramente, da prática individual do
pecado. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Vale lembrar que a noção de
pecado surgiu na consciência israelita não da coletividade para a
individualidade, mas sim a partir da individualidade para a coletividade. Portanto,
a bipolarização da questão, em “coletividade = antiguidade” e “individualidade
= modernidade”, não condiz com a realidade histórica e não resolve os problemas
levantados pela questão. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">O sentido do batismo para remissão e da confissão dos pecados</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em terceiro lugar, não se pode
confundir duas categorias distintas, quais sejam “a confissão dos pecados” e o
“ritual para purificação dos pecados”. De acordo com o texto de Marcos 1.5:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“E apareceu João Batista no
deserto // pregando batismo de arrependimento [baptisma metanoias] // para
remissão de pecados [eis aphesin amartiôn]”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Logo em seguida é dito que:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
“E eram batizados no rio Jordão
por ele [baptizonto up’ auton] // confessando seus pecados [exomologoumenoi tas
armatias autôn]...”., </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Vê-se então a presença de quatro
elementos:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
a) O batismo (o ato)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
b) O perdão/remissão dos pecados
(o fim)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
c) O arrependimento (elemento
interno)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
d) A confissão (elemento externo)</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O batismo constitui um ato
físico; o arrependimento, um ato interno. Já a confissão constitui um ato de
exteriorização. A finalidade é alcançar o perdão/remissão, ou seja, o efeito
mágico. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em geral o arrependimento é
pré-requisito para o batismo, necessitando deste para gerar efeitos, já que o
mero arrependimento não é capaz de por si só remir pecados. Contudo, não basta
apenas a combinação entre arrependimento e batismo: a confissão é necessária
para firmar o novo estado do ser e comprometimento diante das demais pessoas
submetidas a este processo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por outro lado, a confissão por
si só é inerte, sem o arrependimento e, principalmente, sem o batismo. Assim,
verifica-se que cada elemento exerce um papel holístico, isto é, harmônico,
integrando todo o processo, do início ao fim. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O elemento central desse processo
é o batismo. É através dele que a purificação pode ser alcançada. Trata-se,
portanto, de um ritual batismal, não de um mero ato confessatório. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por isso, o argumento de Meier
pautado no poder analógico de seus exemplos acerca de confissão de pecados
coletivos é inconclusivo, pois se referem a momentos ou unidades de confissão
dos pecados desvinculados da prática batismal que envolve um processo que
começa no arrependimento e se finaliza na confissão. Na confissão dos exemplos
dados por Meier (ou seja, sem vínculos a rituais expiatórios como o batismo),
era lógico que os pecados da coletividade, de Israel como um todo, fossem ressaltados,
já que se trataram de momentos em que um indivíduo intercedia, através da
oração e da confissão, por todos simultaneamente – o que não foi o caso de João
Batista em seu batismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além disso, deve-se frisar que a
natureza de ritual purificativos ou expiatórios como o batismo, são ampla e
reconhecidamente consagrados nas Escrituras judaicas e cristãs como rituais
individualistas, sendo que cada um responderia pelos seus próprios atos ao
serem submetidos ao rito. O fato de Jesus ter concedido, no imaginário cristão,
a redenção através de um único ato expiatório para a coletividade é exceção, ressalvando-se
que a própria crucificação de Jesus não teve, em si mesma, uma função explicitamente
expiatória (como quando se sacrificam animais...), mas foi usada como um tipo,
ou símbolo, dos rituais expiatórios judaicos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por isso, ainda que se cogite que
a confissão dos pecados no momento do batismo por João visava o perdão coletivo
e não individual, deve-se frisar que uma coisa é o batismo e outra coisa é a confissão
dos pecados. Dada à natureza individual do rito do batismo em João (Paulo
coletiviza em algumas passagens o rito do batismo, ao fazer analogia com a
morte e ressurreição de Jesus...), não há porque falar que todo o processo
visava o perdão da coletividade: o batismo poderia alcançar os pecados
individuais enquanto a confissão os pecados da coletividade. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, embora a confissão tivesse
uma função de exteriorização do arrependimento e um papel coletivo, o ritual do
batismo de João era focado no indivíduo, já que cada pessoa, uma por uma,
deveria se arrepender e ser batizada. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Sobre a terminologia e acepções de “pecado”</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deve-se ainda discutir um ponto
interessante, acerca da definição que Meier concede à palavra “pecado”. Para
ele, trata-se de “ofensa a Deus, um abandono radical da fidelidade a Deus, uma
ação que rompe o relacionamento de uma pessoa com Deus”. No entanto, deve-se
reconhecer que esta definição é bastante genérica e, portanto, inadequada. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Os textos judaicos e cristãos
mostram que uma definição <i style="mso-bidi-font-style: normal;">stricto sensu</i>
é mais coerente, balanceando o pecado com outras categorias como atos ilícitos,
crimes e transgressões às leis. Ora, o conceito mais puro e primitivo de
“pecado” consiste na “transgressão ao mandamento divino”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Afinal, a lei mosaica, a qual
todo judeu seguia na Palestina judaica do século I, visava regular o
comportamento individual do israelita/judeu. Por isso, conjuntos de mandamentos
nucleares daquela sociedade, como o Decálogo, apresentava injunções como “não
matarás, não darás falso testemunho, não adulterarás” etc., que poderiam ser
cometidos individualmente, caracterizando assim o pecado. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, por exemplo, se um ateu
“mata”, ele estará transgredindo uma proibição não apenas moral ou legal, mas
também religiosa, já que a religião se apropriou daquela proibição que
originalmente tinha apenas teor moral, para consagrá-la como um mandamento
divino. Assim, embora aos olhos do ateu, ele mesmo se veria como um
transgressor da lei moral e legal, mas não da lei divina, o religioso veria
este ateu como um transgressor da lei divina. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desse modo, não haveria
necessidade de “abandonar radicalmente a fidelidade a Deus” ou “romper
totalmente o relacionamento com a divindade” (situação bastante genérica) para
que um “pecado” se configurasse. Muitos judeus poderiam dedicar-se fielmente à
divindade e manter seu relacionamento com ela e ainda assim cometer alguns
pecados, consciente ou inconscientemente. Por isso, os rituais expiatórios eram
importantes para Israel: eram realizados para que a continuidade da fidelidade
e do relacionamento com a divindade não fosse quebrado com as práticas
reiteradas do pecado. Este é o motivo de existir certa periodicidade na
realização de tais rituais. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim sendo, o pecado pode melhor
ser definido como atos individuais que transgridem os mandamentos divinos expressos
em escritos sagrados ou supostamente existentes na consciência moral humana. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Tal definição nos conduz a um
ponto importante deste diálogo: acerca da naturalidade e espontaneidade da ocorrência
do “pecado” como “transgressão à lei divina”. Qualquer indivíduo do passado ou
hodierno, religioso ou não, que quisesse fazer um teste acerca da tipificação ou
enquadramento de suas próprias condutas a esses preceitos, perceberia que
facilmente transgredi-los-ia todo ou quase todo dia. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Exemplo: João é ateu e não
acredita na existência do pecado. Contudo, praticou o “falso testemunho”, o
qual, segundo o Decálogo, constitui pecado. Como o Decálogo integra aquilo que
se chama de “mandamentos divinos”, conclui-se que João ateu é um pecador, já
que transgrediu os mandamentos divinos. É claro que isso só ocorre na
mentalidade coletiva do religioso, como aos dos judeus e cristãos do século I, já
que não se pode provar a existência da divindade que criou aqueles mandamentos,
nem exigir que o ateu aceite tais crenças. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aqui, abre-se um parêntese: há
muito se conhece que atos com teor meramente moral, como matar, roubar etc.,
são transformados em atos de teor teológico quando se considera que proibições
de ordem moral, como não matar, não roubar etc., são, na verdade, proibições
divinas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No caso do “não matar”, há uma
proibição moral (até mesmo sociedades não-religiosas observam tal injunção),
uma proibição legal (no Brasil, por exemplo, essa conduta encontra-se
tipificada no art. 121 do Código Penal) e uma proibição teológica (o Decálogo
proíbe tal prática). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Por isso, a definição dada pelas
Escrituras, de que “todos pecaram” (no sentido não teológico, mas no sentido de
que pecar consiste em fazer o oposto do que determina as leis divinas), é
válida e certa, já que o ser humano possui tendência natural a cometer os atos
que foram tipificados como transgressões das leis judaicas – ainda que o
discurso cristão acerca da “divindade” e suas implicações seja nulo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, partindo das duas
premissas seguintes:</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
a) Pecado é a transgressão ao
enunciado das leis e mandamentos ditos divinas;</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
b) Tais transgressões, em geral, ocorrem
natural e espontaneamente no comportamento humano, </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pode-se afirmar, com certeza que,
“se” Jesus não foi um ser divino e imaculado (como a cristologia afirma...),
então Jesus foi um pecador (assim como eu, você e nós). Note que aqui não se
faz qualquer apelo a um ou outro pecado específico (como fizeram alguns
pesquisadores, ao afirmar que Jesus recorreu ao batismo de João com o fim de
obter perdão pelo pecado de contribuir para a manutenção de um sistema [o
romano] de exploração do judeu ao exercer seu ofício de carpintaria...), mas a
uma generalização natural do conceito, pois todas as pessoas que não sejam uma
divindade imaculada “pecou” – uma verdade que a própria Escritura afirma ainda
que não acreditemos no conceito cristão de pecado e suas implicações. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Exceções à hipótese do arrependimento coletivo da parte do próprio J.
P. Meier</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em último lugar, deve-se apontar
alguns detalhes importantes que permeiam a hipótese do arrependimento coletivo.
O detalhe mais importante é aquele no qual diz que não se pode meramente
“fugir” das implicações individualistas do batismo de João ao meramente
recorrer a um “arrependimento coletivo”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse sentido, o próprio Meier
confessa que, ao se submeter ao batismo, Jesus se comprometia em “mudar sua
vida” e assim “garantir sua salvação” (MEIER, p. 159). Apesar de Meier ser vago
nesse ponto, podemos fazer alguns apontamentos. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
1) Ora, se Jesus se comprometia a
mudar sua vida, trata-se de uma mudança individual. Como a mudança, naquele
contexto, dizia respeito ao abandono do modo de vida considerado digno de ser
rejeitado por razões ético-religiosas, Jesus somente almejaria mudar sua vida
caso se considerasse uma pessoa que viveu uma vida “digna de mudança”. Mas,
deve-se indagar, por que desejaria “mudar de vida”? O que havia em sua vida
pregressa para que quisesse modificá-la? </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Sem apelar para adivinhações
acerca de detalhes específicos, pode-se relacionar uma vida digna de mudança para
um religioso a uma vida de pecados - pecados no sentido que expomos aqui. Se
Jesus almejasse, em sua nova vida, dedicar-se mais a Deus, a pregar sua
palavra, a praticar seus mandamentos, deduz-se que sua velha vida caracterizava-se
pelos (ou por grande parte e em uma ou outra medida) pelos elementos opostos a
estes, os quais podem ser definidos de forma genérica como “pecado” – no
sentido exposto aqui, ou seja, como “transgressão aos mandamentos ditos
divinos”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Meier admite isso ao explicar
que: “Pode-se falar em termos históricos se Jesus cometeu crimes ou transgrediu
certas leis, pois ‘crime’, ‘transgressões’ e ‘atos ilegais’ constituem
categorias que podem ser comprovadas empírica e historicamente”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ora, se realmente se pode falar,
em termos históricos, que Jesus transgrediu certas leis e mandamentos –
romanas, judaicas e, inclusive, mosaicas -, é certo que poderia transgredi as
leis que reconhecesse como “leis divinas”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Contudo, Meier se afasta das
consideradas “leis de Deus” para relativizar a questão ao citar as leis romanas
e o próprio julgamento de Jesus por Poncio Pilatos. Meier é ainda mais
escorregadio ao afirmar que Jesus foi, historicamente, um transgressor de uma
lei ou sistema de leis em particular, seja romana ou judaica. Ora, o que Meier
não expõe é que, desse modo, segundo este raciocínio, Jesus poderia ter
transgredido conjuntos especiais de leis caras ao judaísmo, como o Decálogo
(cometendo idolatria, tomando o nome de Deus em vão, não santificando o Sábado,
não honrando os pais, matando, adulterando, roubando, mentindo/dando falso
testemunho, cobiçando as coisas e a mulher do próximo...), sendo a inobservância
a qualquer uma dessas normas a configuração do pecado. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, a “mudança de vida”
almejada por Jesus implicaria a remissão de qualquer um desses atos já
praticados e o abandono total desses atos futuramente, daqui pra frente. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
2) O mesmo apontamento pode ser
feito em relação à “garantir sua salvação”. Trata-se, como o próprio Meier
acaba confessando, de uma salvação individual. A despeito das implicações
coletivas da salvação, Jesus - segundo Meier - buscou garantir a própria
salvação. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Deve-se lembrar que alcançar a
salvação implica uma salvação almejada, ou seja, ainda não alcançada em certo
momento. Desse modo, Meier afirma, por implicação, que houve um momento em que
a salvação individual de Jesus estava comprometida. De acordo com as
Escrituras, o comprometimento da salvação ocorre em decorrência do pecado, ao
que se subtende que Jesus, ao buscar garantir sua própria salvação, teria
praticado pecados em sua vida pregressa. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Considerações finais</b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, chegamos à conclusão de
que a hipótese da confissão ou arrependimento coletivo não se aplica de modo
definitivo ao episódio do batismo de Jesus. O episódio não se trata de mero ato
de confissão, mas de um processo centrado no ritual batismal. O batismo por si
só possuía a função purificadora os pecados individuais da pessoa,
necessitando, porém, do prévio arrependimento e da subsequente confissão dos
pecados para tornar válida a purificação. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Além disso, verificamos que o
termo “pecado” não indica uma “separação radical” com a divindade (como se o
pecador tornar-se um ateu...), mas apenas uma transgressão individual às leis
(ditas) divinas. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Desse modo, pode-se dizer que
mesmo não nutrindo crenças religiosas, qualquer indivíduo (seja protestante,
católico, judeu, agnóstico ou ateu) pode se considerar um “pecador” caso
“pecado” seja definido do mesmo modo que se define delito, ou seja, como
“transgressão à lei”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse sentido, é óbvio que se
Jesus não foi um ser semidivino, uma encarnação da divindade, imaculado do
nascimento até o óbito, deve-se afirmar, com certeza, que ele foi um “pecador”,
não sendo, nem sequer necessário apelar para seu batismo com o fito de demonstrar
tal argumento. Até mesmo os mais proeminentes mestres judaicos, além dos
próprios escritores das Escrituras sagradas, atuaram, uma hora ou outra, em
contraposição ao que determinada as leis divinas (escritas ou morais). Assim,
pode-se incluir não apenas Jesus, mas também João Batista, neste rol. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim sendo, concebemos, sem
maiores perplexidades, que se Jesus não foi a encarnação imaculada da
divindade, ele era, consequentemente, um pecador, já que as práticas e condutas
humanas que as Escrituras judaicas definiram como “pecaminosas” referem-se a
atos que o ser humano pratica natural e espontaneamente em seu agir social. A
narrativa do batismo de Jesus por João vem apenas a corroborar tal fato, já que
o batismo não possuía apenas um caráter coletivo, visando restaurar Israel de
seus pecados, mas também um caráter individual, visando purificar as pessoas
individualmente de seus pecados. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O próprio Meier chega a
vislumbrar esse caráter individual, porém preferiu não explorá-lo – até mesmo devido
ao baixo papel no sentido de contribuir para a elucidação da pessoa histórica
de Jesus desempenhado pelo mero conhecimento de que ele era um “pecador”. De
fato, há elementos da tradição evangélica mais importante. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Assim, se por um lado concluímos
que não se pode imputar a Jesus determinados pecados, do mesmo modo não se pode
fugir da premissa de que, caso ele não seja um ser imaculado (ou seja, de que o
discurso cristão tradicional seja inválido ou falso), ele de fato pode ter
cometido e de certo cometeu atos que transgrediam as leis de sua época, sejam
romanas, judaicas ou mosaicas – sendo que nesta última insere-se o chamado
“mandamento divino”. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
</div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-22990483012577569042012-01-25T20:34:00.001-08:002012-01-26T07:59:14.234-08:00ORIGEM E JUSTIFICAÇÃO DO BATISMO NO PENSAMENTO CRISTÃO PRIMITIVO<!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> </w:Compatibility> <w:browserlevel>MicrosoftInternetExplorer4</w:BrowserLevel> </w:WordDocument> </xml><![endif]--><!--[if gte mso 9]><xml> <w:latentstyles deflockedstate="false" latentstylecount="156"> </w:LatentStyles> </xml><![endif]--><!--[if !mso]><object classid="clsid:38481807-CA0E-42D2-BF39-B33AF135CC4D" id="ieooui"></object> <style> st1\:*{behavior:url(#ieooui) } </style> <![endif]--><!--[if gte mso 10]> <style> /* Style Definitions */ table.MsoNormalTable {mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin:0cm; mso-para-margin-bottom:.0001pt; mso-pagination:widow-orphan; font-size:10.0pt; font-family:"Times New Roman"; mso-ansi-language:#0400; mso-fareast-language:#0400; mso-bidi-language:#0400;} </style> <![endif]--><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><b style="mso-bidi-font-weight: normal">CONSIDERAÇÕES INICIAIS</b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Neste e nos próximos tópios abordaremos questões relacionadas ao batismo cristão, enfatizando diversas problemáticas, como sua origem na liturgia cristã e a justificação para sua prática dentro do imaginário do cristianismo primitivo. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">A ênfase dada a este tema reside no fato de o batismo de Jesus por João Batista constituir, ao nosso ver, o ponto axial não apenas na tradição mnemônica de Jesus herdada pela posteridade, mas também da própria figura história de Jesus, a qual, ao se submeter ao batismo como requisito (além do arrependimento) “para perdão dos pecados”, comunica-se aos historiadores do presente quem ele realmente foi: um simples pecador, isto é, um homem, uma pessoa como qualquer outra. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Um dos objetivos primordiais da pesquisa acerca do Jesus Histórico é resgatar a pessoa humana de Jesus, o pobre pregador nascido no humilde povoado rural de Nazaré, desentranhando-a de dentro da cristologia que lhe transformou em um ser mítico, de acordo com o universo imaginário de outrora marcado pelo maravilhoso e pelo idílico. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Primeiramente, deve-se enfatizar o <i style="mso-bidi-font-style:normal">status</i> histórico que goza o batismo na pesquisa sobre as origens critãs: diversas fontes, sejam cristãs ou extracristãs, mostram que o batismo constitui uma prática bastante antiga, anterior até mesmo ao próprio movimento que configurou o cristianismo (cf. Gerd Theissen, O Manual do Jesus Histórico). </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Analiticamente, o batismo, palavra de raiz etimológica grega baptizou, diz respeito à prática de a) mergulhar b) o neófito c) em água d) para purificá-lo (isto é, o seu ser) de seus pecados e) efetuando assim um dos passos para a redenção completa de seus pecados e assim f) ao emergir, para que g) possa enfim adentrar ao movimento. Trata-se, portanto, de um ritual expiatório, iniciatório e mágico-simbólico – elementos que serão retomados posteriormente para uma abordagem mais meticulosa. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Pois bem, no cenário da Palestina judaica do final dos anos 20 do século I, João Batista surgiu como a principal figura que realizada batismos tanto em Josefo como nos Evangelhos. A despeito das alegações jofefinas que contrariaram a função purificadora e por tanto expiatória <span style="font-style: italic;">stricto sensu</span> do batismo de João (confundindo-a com a função iniciática), a função precípua dessa prática em João era a finalização do processo de remissão do pecado configurada na "purificação", que iniciava-se a partir do arrependimento e do comprometimento em não pecar mais e em seguir os ensinamentos do mestre. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Portanto, o ritual do batismo de João Batista possuía duas funções: i) imediata; ii) mediata. A função imediata era a purificação do ser para assim contribuir para obter a redenção dos pecados (já que, para obter o perdão dos pecados, era necessário não apenas arrepender-se e abandonar a prática, mas também purificar-se espiritualmente deles, lavando-os - o que revela sua natureza mágica, que será abordada mais a frente...). A função mediata era a iniciação em um movimento maior, já que a perca da redenção condizia com a continuidade da prática do pecado. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Vale ressaltar que “pecado” constitui um conceito meramente religioso, isto é, trata-se dos “delitos” praticados contra uma suposta ordem moral de origem e natureza divina defendida pela religião estabelecida. Deve-se ressaltar também que enfatizamos aqui a função purificadora do batismo para distinguí-la de uma função expiatória, já que, hipoteticamente (por razões que serão vistas mais a frente), o batismo também poderia ser usado para purificar o ser de elementos impurificantes distintos dos pecados, devido sua natureza abrangente.<br /></p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Nesse sentido, propomos, juntamente com alguns pesquisadores, a existência de 2 (duas) relações entre Jesus e o batismo ao qual foi submetido:</p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">A) Purificação dos seus pecados (certamente aqueles cometidos em sua vida pregressa, obviamente durante a década de 20);</p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">B) Iniciação no movimento de João Batista (implicando com isso sua posição como discípulo do Batista).</p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Quanto ao item A, a conclusão para nós é clara: i) a cristologia que considera Jesus um ser “sem pecado” é uma invenção do imaginário cristão primitivo, retrojetada nas memórias sobre Jesus e até mesmo à sua desconhecida infância. Tal posição é corroborada por diversos textos que deixam claro que a submissão de Jesus ao batismo foi o marco pelo qual VEIO A SE TORNAR um ser além-homem; ii) o batismo de João possuía esta função precípua – selar o processo de remissão dos pecados. As alternativas proporcionadas pelos evangelistas são, como apontou Crossan, meras tentativas de justificar um fato pretérito constrangedor mediante as crenças já estabelecidas no presente, ou seja, anacronismo. Se o batismo desempenha o papel de remir os pecados do batizando, é lógico que Jesus, ao ser batizado, tinha em mente ter seus pecados redimidos por completo. Considerando tratar-se o pecado de uma concepção pré-cristã, não existem justificativas para classificar Jesus dentro de uma categoria distinta a dos diversos “pecadores” que compareceram a cerimônia do Batista para ter seu ser purificado do pecado. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Quanto ao item B, remetemos o leitor a obra “Um Judeu Marginal” de J. P. Meier, no volume especial em que trata da figura de João Batista. Concordamos com seu ponto de vista no sentido de que Jesus tornou-se <i style="mso-bidi-font-style:normal">discípulo</i> de João Batista, ao lado de Cefas (Pedro), entre outras personagens que mais tarde exerceriam papel de destaque no movimento de Jesus (cf. Meier, 1994). </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">De fato, toda a carreira de Jesus começa a partir de sua entrada no movimento de João Batista, chamado aqui de “Movimento radical do Reino”, em contraposição ao movimento que Jesus criaria após a morte de seu mestre, o chamado “Movimento moderado do Reino”. Não existem fontes documentais qualificadas que proporcionem informações históricas válidas sobre o período que antecede ao batismo de Jesus, a não ser lendas da igreja primitiva conservadas nas partes iniciais dos Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos por volta dos anos 80 e 90 d.C. (fato que indica o fenômeno histórico da significância: apenas é rememorado através da escrita da história fatos significativos. Como nenhum fato histórico sobre Jesus anterior ao seu batismo foi rememorado, infere-se que Jesus não tenha desempenhado de maneira significativa ou digna de nota até então). </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">A classificação entre Movimento radical e Movimento moderado explica-se pelo fato, observado por Crossan, de que a mensagem de Jesus e a mensagem de João Batista coincidem-se em diversos pontos, menos em um requisito fundamental: quanto ao teor radical. Em outras palavras, enquanto Batista falava em um Reino de Deus violento, abrupto, com fogo, sangue e morte, Jesus falava em um Reino de Deus caloroso, simpático, moderado, enfatizando o amor, a caridade e a vida. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Segundo Crossan, o marco histórico que desencadeou essa mudança conceptual acerca do entendimento sobre o Reino de Deus consistiu na morte de João Batista por Herodes em Maqueronte. Tal fato, na visão de Crossan, exerceu grave impacto na mente de Jesus, fazendo-o reconsiderar alguns pontos da mensagem de seu mentor, sob o risco inclusive de abandonar o movimento e retornar a sua vida pregressa de “pecador”. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Assim, foi necessária uma mudança na doutrina do Reino capaz de explicar a situação sócio-política e existencial vigente. Foi desse modo que Jesus deu prosseguimento ao movimento criado/iniciado por Batista, transformando este movimento segundo suas conveniências e dando ensejo a um, pode-se chamar, “novo movimento”, que exerceria mais influência e prestígio que o de seu mestre – pelo menos para alguns indivíduos até meados do século, quando passaria a não encontrar mais nenhum rival importante. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Nesse ínterim, surge um problema: adotou Jesus a prática do batizador tal qual seu mentor João Batista? </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Este é o fato a se comprovar. Os fatos já comprovados que são essenciais para uma abordagem deste fato por comprovar são: i) João Batista batizava; ii) Jesus era pupilo de João Batista; iii) Jesus deu continuidade ao movimento, apesar de tê-lo modificado significativamente; iv) após a morte de Jesus a prática do batismo tornou-se parte do cotidiano cristão, exercendo tanto a função imediata como mediata. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">As opiniões dos historiadores são dispares quanto a possibilidade de Jesus ter sido um batizador como seu mestre: enquanto John Dominic Crossan (pesquisador que exclui o Evangelho de João dos estudos das origens cristãs...) rejeita que Jesus tenha praticado batismos, J. P. Meier o aceita sem maiores embargos, pautando-se no texto de João 3.22 em diante (discorrendo também sobre a negação dessa prática em João 4.2). Como justificativa, Meier alega que a prática do batismo por Jesus explicaria a continuidade entre o batismo de João e o batismo exercido pelos discípulos de Jesus e pelas comunidades primitivas em geral (Teoria do Batismo de Jesus). </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Contudo, contra essa alegação poderíamos argumentar simplesmente que os cristãos primitivos batizavam em homenagem à prática ao qual o próprio Jesus fora submetido, como uma representação do batismo do mestre, uma figura da morte e ressurreição do salvador na vida do cristão. Assim, não constitui relação necessária Jesus ter realizado batismo e o batismo exercido pelos cristãos posteriores. Trata-se da Teoria da Homenagem como origem do batismo no seio cerimonial cristão. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Entretanto, não vemos problema algum em considerar que Jesus tenha realizado batismo, já que, ao encabeçar um movimento tal qual e nos mesmos moldes do movimento de seu falecido mentor, com toda certeza retomaria não somente sua pregação (ainda que reformulada), mas também vários de seus rituais, sentindo-se, na categoria de mestre, um continuador não apenas das representações (doutrina), mas também das práticas (liturgia) de seu mentor. Além disso, não compartilhamos da radicalização existente na obra de Crossan que tende a rechaçar qualquer tradição conservada ou apresentada pelo Evangelho de João. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Tendo sido realizadas tais tentativas de esclarecer as primeiras questões históricas pertinentes ao tema acerca do batismo primitivo, a partir de agora nos focaremos em questões mais específicas, capazes, talvez, de explicar não somente a adoção do batismo por parte de João Batista, mas também por (possivelmente) Jesus e (certamente) por todo o Cristianismo primitivo. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">A primeira questão a ser respondida será a própria razão de ser do batismo: por que a realização do batismo era importante diante de suas funções mediata e imediata? Em outras palavras, o que existe no ato batismal que o faz ser digno ou preferível de ser utilizado para o cumprimento das duas funções, já que outros atos poderiam ser utilizados ao invés deste? Mais estritamente falando: sabendo que, ao esmiuçar-se os componentes do batismo, obtendo-se genericamente 3 (três), a saber: a) ÁGUA; b) MERGULHO; c) EMERSÃO, quais os papeis desempenhados por esses três componentes que justificariam sua prática. </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify">Esta será a questão a ser abordada no próximo tópico, para o qual teremos a ajuda da obra do mitólogo romeniano Mircea Eliade.<br /></p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"> </p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-15394258322321456072012-01-24T13:29:00.000-08:002012-01-24T13:31:15.277-08:00Retorno do blogAvisamos aos interessados que o blog estará retomando as atividades nas próximas semanas. Um forte abraço!!!Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-75918891895912491832010-04-27T13:50:00.000-07:002010-04-27T13:54:55.008-07:00<p>Avisamos aos interessados e ao público que acompanha nosso blog que o mesmo estará inativo durante todo o ano de 2010, por motivos pessoais do administrador. </p><p>Avisamos também que em 2011 voltaremos com todo o vigor e com novos artigos sobre história, cultura e imaginário do cristianismo primitivo. </p><p>Um forte abraço a todos.</p><p> </p><p> </p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-74707584169445357832009-11-07T17:15:00.000-08:002009-11-07T17:24:45.605-08:00O IMPÉRIO E A CRUZ: REFLEXOS DA TEOLOGIA IMPERIAL ROMANA NA CRISTOLOGIA DA IGREJA PRIMITIVA<div align="center"><span style="font-size:78%;"><strong>Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de História das Religiões, v. 2, p. 259-276, 2009.</strong><br /></span>___________________________________<br /><strong> O IMPÉRIO E A CRUZ: REFLEXOS DA TEOLOGIA IMPERIAL ROMANA NA CRISTOLOGIA DA IGREJA PRIMITIVA (parte 02)</strong><br />.</div><div align="right">Prof. Vieira Lima Jr.<br />.</div><br /><strong>Assimilação intercultural e os evangelhos bíblicos</strong><br />.<br /><div align="justify">Os documentos cristãos cuja autoria tradicional tem sido atribuída a certo “Lucas” e que compõem quase a metade do Novo Testamento, se caracteriza de forma bastante peculiar. São documentos diferentes de qualquer outro encontrado dentro ou foram do cânon. Sua principal marca é a personalidade distinta, culta e cativante do autor, bem como sua preocupação com a informação e com a ordem dos acontecimentos narrados, fazendo-o, de acordo com diversos comentaristas, equiparar-se a outros escritores talentosos da época clássica, inclusive com historiadores como Josefo, Tácito e Tucídides.<br />.<br />A preocupação desse evangelista com a missão gentílica e diversos aspectos do mundo mediterrâneo faz de seu evangelho o “Evangelho dos Gentios”, e de seu Atos dos Apóstolos a primeira tentativa de se criar uma “historia das origens cristas” de que temos noticia – ambos constituindo uma unidade documental que, no presente trabalho, será tratada dessa maneira.<br />.<br />É nesse contexto que começam a surgir dentro de sua narrativa evangélica paralelos entre Jesus e outros personagens importantes da historia pagã, principalmente os imperadores romanos. <br />.<br />O Jesus que o “Evangelho dos Gentios” apresenta é um Jesus helenizado, elaborado de acordo com as ideologias e imperativos da igreja primitiva e de acordo com as intenções literárias desse evangelista. Os elementos helênicos existentes nesse evangelho são gritantes, todos revelando o antagonismo existente contra o império romano e as atribuições lendárias à memória cristã decorrentes desse antagonismo.<br />.<br />A infância de Jesus, relatada por Lucas, corresponde a um período, do ponto de vista histórico, bastante problemático, mas também bastante rico em atribuições do imaginário.<br />.<br />Meier (1993, p. 208, grifo nosso) comenta que:<br />.<br /><em>Pouco ou nada se pode dizer com certeza ou alto grau de probabilidade sobre o nascimento, a infância e os primeiros anos da vasta maioria das figuras históricas do antigo mundo mediterrâneo. Em casos excepcionais de personagens proeminentes, como Alexandre, o Grande, ou o Imperador Otávio Augusto, alguns fatos foram preservados, embora frequentemente entremeados de elementos míticos e lendários. O mesmo padrão é encontrado no Antigo Testamento [...] A tendência à expansão desses elementos “midráshicos</em><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn1" name="_ftnref1"><em>[1]</em></a><em>” continua para além das Escrituras Canônicas e em várias “recontagens” das narrativas do Antigo Testamento, como por exemplo em Antiguidades Judaicas, de Josefo, e na Vida de Moisés, de Fílon, assim como nos midrashim posteriores rabínicos. Considerando-se este fenômeno de histórias de nascimentos ou infância prodigiosas, compostas para celebrar antigos heróis, judeus e pagãos igualmente, devemos encarar com cautela as Narrativas da Infância de Jesus incluídas nos Capítulos 1 e 2 de Mateus e Lucas.<br /></em>.<br />De fato, no que se refere às narrativas da infância de Jesus não se pode identificar quaisquer traço de historicidade que possa oferecer informações confiáveis (MEIER, 1993, p. 211). A criação de ficções e a assimilação de elementos lendários são comuns nesse tipo de relato. Isso porque a existência de lacunas nas tradições de Jesus que precisavam ser preenchidas era imensa. Existem lacunas em praticamente todas as dimensões do conhecimento histórico sobre Jesus, transmitidas pelas fontes antigas: nos ensinamentos, relatos, mensagem, atos, ditos, infância, puberdade, nascimento, caráter, personalidade, etc.<br />.<br />Um dos diversos exemplos que podem ser tomados para ilustrar esse fato se consiste nas estórias bíblicas sobre o nascimento e infância de Jesus. Segundo Brown (2005), toda a tradição herdada sobre Jesus se limita ao tempo de duração de seu ministério<a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o que significa que não existiram materiais tradicionais antigos sobre a infância de Jesus.<br />.<br />Essa ausência de materiais antigos sobre a infância de Jesus possibilitou a elaboração de materiais que foram assimilados pela tradição e passaram a fazer parte da memória de Jesus. A criação dessas lacunas ajudou no processo de metamorfose da imagem de Jesus, a qual começou antes desses documentos terem sido escritos:<br />.<br /><em>Não se deve perder de vista que a redação final dos evangelhos não foi feita sem antes ter passado por um complexo período oral, havendo, portanto, uma seleção natural dos relatos que estavam sendo redigidos. Esse processo, longo e gradual, influenciou o rumo teológico que estava em formação nas comunidades cristãs</em> (SCARDELAI, 1998, p. 299).<br />.<br />Essa fase de metamorfoses da imagem de Jesus anterior aos escritos bíblicos é denominada de “fase oral” das tradições cristãs primitivas. Foi nessa fase que criaram diversas concepções e estórias sobre Jesus – muitas das quais oriundas da imaginação popular e não da memória recebida.<br />.<br />Tradições populares são elementos constantes de todas as culturas, caracterizadas pela “oralidade” e se metamorfoseiam de acordo com a imaginação individual ou coletiva. São características básicas e bastantes presentes na história da cultura de todas as civilizações.<br />.<br />A redação dos Evangelhos bíblicos se deu uma etapa mais avançada da história do cristianismo primitivo, cujo intuito foi “oficializar” as tradições recebidas “populares” que mais tarde se tornaram o núcleo da fé cristã ocidental.<br />.<br />Tradições orais possuem características bastante específicas. De acordo com Arens (2007, p. 71-72), “<em>pelo fato mesmo da comunicação ao longo do tempo, em toda comunicação oral se produz uma série de alterações”.<br /></em>.<br />De fato, o período oral das tradições de Jesus foi o bastante para que várias lendas e acréscimos se desenvolvessem na tradição popular sobre a imagem de Jesus – a qual acabou se tornando uma “imagem de culto” elaborada pela imaginação coletiva. Por isso, Meier (1998, p. 150), de forma honesta, comenta que: <em>“É preciso levar em conta a criação de lendas na tradição do evangelho”.<br /></em>.<br /><strong>A influência da cultura helenística e romana na formação da identidade cristã<br /></strong>.<br />Duas das mais importantes matrizes para a criação e assimilação de material a tradição de Jesus foi a cultura helenística e a romana. Sendo que: <em>“[...] os camponeses judeus, inspirados por esperanças apocalípticas, não admitiam ser privados da sua liberdade do domínio opressivo estrangeiro e nacional”</em> (HORSLEY, HANSON 1995, p. 63), era inevitável que houvesse antagonismos ao poder imperial regente na Judéia, muitos dos quais se deu através da violência armada, e que se cristalizaram sob a forma de “<em>movimentos messiânicos</em>” cujos principais objetivos era “a <em>restauração da justiça socioeconômica</em>” (HORSLEY, HANSON, 1995, p. 115).<br />.<br />O próprio Jesus de Nazaré, fundador do movimento que deu origem ao cristianismo, foi violentamente perseguido e sumariamente executado através da crucificação porque as suas reivindicações sob a forma de pregação também negavam enfaticamente os poderes imperiais romanos e os poderes oligárquicos judaicos como legítimos.<br />.<br />Desse modo, alguns judeus e cristãos poderiam adotar uma política de luta agressiva e direta contra os romanos, enquanto outros judeus e cristãos poderiam adotar outras estratégias, talvez menos explícitas.<br />.<br />O “culto ao imperador” é um exemplo básico. Tão logo que o império disseminasse esse por todo o território subjugado (incluindo a Palestina judaica), culto este que concebia o imperador como “divino”, “senhor”, “salvador” e “conquistador do universo”, protestos vindo de vários movimentos messiânicos judaicos foram se tornando cada vez mais comuns, pois para os judeus seria impossível reverenciar outra divindade senão Yahweh (Deus).<br />.<br />Uma das formas usadas pelo cristianismo primitivo para protestar contra o império foi equiparar (ou sobrepujar) Jesus a César como o “Senhor do Universo”. Pelo fato desse protesto ter se dado somente nos âmbitos da mentalidade e do discurso (pois não havia formas de se concretizar na realidade, mas apenas na crença), pode-se encontrar vestígios desse protesto em vários textos bíblicos e principalmente nos Evangelhos.<br />.<br />Desse modo, um sincretismo religioso, em que elementos helênicos e atribuições lendárias romanos foram assimilados pela memória cristã primitiva, foi motivado pelo do antagonismo existente contra o Império Romano.<br />.<br />Termos como “evangelho”, “salvador”, “fé”, “senhor”, “assembléias” (igrejas), foram termos cunhados pelo culto imperial e tomados pelo cristianismo primitivo como termos de praxe. De fato, vários atributos de César foram relacionados à figura de Jesus Cristo nas comunidades cristãs primitivas por causa da influência negativa que a visão imperial do mundo romano exerceu na mente dos primeiros cristãos. Era uma forma de “desafiar” o poder imperial romano.<br />.<br />Continuando, Horsley (ibid., p. 29) lembra que:<br />.<br /><em>As cidades erigiam monumentos com inscrições que expressavam o credo do florescente culto ao imperador. Uma inscrição procedente da Assembléia Provincial da Ásia (Ásia Menor ocidental) datada do ano 9 a.C. oferece uma expressão vívida das honras divinas e do culto dedicado ao imperador como o salvador que trouxera paz e realizações:<br />.<br />“Ó diviníssimo César... devemos considerá-lo igual ao Princípio de todas as coisas...; pois quando tudo caía [na desordem] e pendia para dissolução, ele restabeleceu a ordem e deu ao mundo inteiro uma nova aura; César... a boa fortuna comum de todos... O início da vida e da vitalidade... Todas as cidades adotam unanimemente o aniversário do divino César como o novo início do ano... Enquanto a Providência, que regulou toda a nossa existência... levou a nossa vida ao ápice da perfeição ao nos dar [o imperador] Augusto, a quem ela [Providência] encheu de força para o bem-estar dos homens, e que sendo enviado a nós e a nossos descendentes como Salvador, pôs fim à guerra e colocou todas as coisas em ordem; e [por isso,] tendo se tornado [deus] manifesto (phaneis), César realizou todas as esperanças de tempos anteriores... ao superar todos os benfeitores que o precederam..., e enquanto, finalmente, o aniversário do deus [Augusto] se tornou para o mundo inteiro o começo de boas-novas (euangelion) com relação a ele [portanto, que uma nova era comece a partir de seu nascimento]. (OGIS 2.#458)”.</em><br />.<br />Crossan (2004, p. 450) afirma que: <em>“Isso não é, já se vê, apenas uma série de coincidências acidentais”</em>, e complementa: “<em>Esse paralelismo fundamental é, portanto, antagonismo profundo: dois programas escatológicos que se chocam um com o outro. O cristianismo sabia disso desde o início e de maneira clara. Roma sabia disso desde o início, mas de maneira obscura</em>” (CROSSAN, 2004, p. 451).<br />.<br /><strong>O simbolismo do discurso antiimperialista nos anúncios sobre o nascimento de Jesus no Evangelho de Lucas</strong><br />.<br />De acordo com alguns pesquisadores, essa relação de antagonismo entre o Cristianismo e o Império Romano encarnou-se em narrativas simbólicas nos relatos da infância de Jesus nos evangelhos bíblicos – principalmente no Evangelho de Lucas.<br />.<br />De fato, como a obra lucana é dupla – o terceiro evangelho e o Atos dos Apóstolos – podemos também perceber um duplo objetivo que vez por hora se entrelaçam em todas as narrativas: descrever a expansão do cristianismo como acontecimento de importância cósmica, pondo-a na estrutura cronológica do mundo, da historia e dos governantes seculares, os quais, todos, serão afetados por eles.<br />.<br />Desse modo, Lucas tentou traçar a rota que mudaria o curso do mundo mediterrâneo – a rota do cristianismo. Por isso, coloriu suas narrativas com detalhes exatos – ou melhor, “vivos” – do mundo mediterrâneo, na medida em que narrava o processo de expansão missionária crista.<br />.<br />O discurso de Paulo no Areópago, em Atenas, narrado em Atos 17, ilustra muito bem isso: era o cristianismo entrando e agitando o mundo secular dominado pelo Império Romano. Em Atos dos Apóstolos, Lucas dedica em atenção especial em citar, apuradamente, governantes e instituições políticas de varias polis e regiões da Ásia Menor e do Mediterrâneo, incluindo Instituições religiosas: Os “Neokoros” (Guardiões do Templo de Ártemis), os ouvires de Efeso, o procônsul Sergio Paulo, Gálio o procônsul da Acaia, os procônsules da Ásia, os “litores”, os “politarcas”, o Areópago (onde se faziam discursos políticos), o “homem principal de Malta”, “estratopedarca”, os tetrarcas, Quirino, etc.<br />.<br />Um exemplo desse sincronismo artificial lucano entre o cristianismo e o mundo greco-romano pode ser ilustrado quando o autor do Evangelho de Lucas (3.1,22) introduz sua narrativa sobre o ministério terreno de Jesus da seguinte forma:<br />.<br /><em>No ano décimo quinto do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe tetrarca da Ituréia e da Traconítide, e Lisânias tetrarca de Abilene, sob o pontificado de Anás e Caifás, [...] o Espírito Santo desceu sobre [Jesus] em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho; eu, hoje, te gerei”.</em><br />.<br />A atenção enfática dada por esse evangelista aos governantes locais – e principalmente romanos – é ressaltada no relato sobre o nascimento de Jesus, que se deu, segundo o autor lucano, nos dias em que Quirino era governador da Síria, quando César Augusto promulgou um edito determinando que todo o mundo sob o jugo romano fosse recenseado (Lucas 2.1,2).<br />.<br />Scardelai (1998, p. 131), ao observar o encadeamento existente no Evangelho de Lucas entre os acontecimentos que envolvem Jesus e os acontecimentos imperiais, como o recenseamento, exclama: “<em>Não se sabe qual teria sido o interesse particular de Lucas em ligar o nascimento de Jesus ao censo”.<br /></em>.<br />Brown (2005, p. 496), por outro lado, afirma que o interesse particular de Lucas em ligar o nascimento de Jesus a esses acontecimentos romanos não é de todo desconhecido, e que não somente o nascimento, mas também seu ministério é colocado em uma consonância cronológica com o tempo romano, numa forma deliberada de justapor Jesus ao império:<br />.<br /><em>Lc 3,1-2 descreve o início do ministério [de Jesus] como acontecimento de importância cósmica, pondo-o na estrutura cronológica do mundo e dos governantes locais que, em última instância, serão afetados por ele. Do lado romano da lista de governantes, há Tibério César, o imperador, e depois Pôncio Pilatos, o governador local da Judéia – Lucas e seus leitores sabem que as ondas provocadas pela imersão de Jesus no Jordão vão finalmente começar a mudar o curso do Tibre</em><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn3" name="_ftnref3"><em>[3]</em></a><em>. E, assim, não é surpreendente que, quando retrocede o momento cristológico para a concepção e o nascimento de Jesus, Lucas dê ao nascimento também um lugar na estrutura cronológica dos governantes mundiais e locais, ao mencionar Augusto César, o imperador romano, e, em seguida, Quirino, o legado local da Síria. Ironicamente, o imperador romano, a figura mais poderosa do mundo, serve ao plano de Deus, promulgando um edito para o recenseamento de toda a terra. Ele proporciona o cenário apropriado para o nascimento de Jesus, o Salvador de todas aquelas pessoas que estão sendo registradas.<br /></em>.<br />Desse modo, os relatos lucanos seria uma resposta à propaganda imperial romana e a sua ideologia imperial e cultual.<br />.<br />De acordo com Bonz (apud Koester, 2005, p. 55), o autor do Evangelho de Lucas (que foi o mesmo autor de Atos dos Apóstolos) não estava alheio aos meios propagandísticos do culto imperial: “<em>o modelo literário da obra de Lucas foi a antiga epopéia grega recriada na obra latina de Eneida, de Virgilio”.</em> A Eneida, de fato, trata sobre as origens de Roma e realiza elogios publicitários a César Augusto.<br />.<br />Desse modo, o Evangelho de Lucas apresenta justaposições explícitas entre Jesus e César Augusto, em um jogo claro de contraposições em que a figura de Jesus Cristo não apenas assimila atributos e designações augustianas, mas também é colocado em um nível superior ao imperador romano.<br />.<br />Em Lucas 2.1,9-11 (grifo nosso) consta o seguinte:<br />.<br /><em>Naqueles dias [do nascimento de Jesus], apareceu um edito de César Augusto [Καίσαρος Αὐγούστου], ordenando o recenseamento de todo o mundo habitado. [...] O anjo do Senhor apareceu-lhes [a José, Maria e aos pastores] e a glória do Senhor envolveu-os de luz; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, disse-lhe: “Não temais! Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor, na cidade de Davi”.</em><br />.<br />De acordo com Brown (2005), a intenção de Lucas, nessa passagem, é proporcionar ao nascimento de Jesus um lugar na estrutura cronológica de governantes mundiais e locais, ao mencionar Augusto César, o imperador, e em seguida, Quirino, o legado local da Síria.<br />.<br />Na referida passagem, o autor do Evangelho de Lucas usa a palavra <em>Αὐγούστου</em> [Augoustou] para designar o César Augusto. Esse uso específico, que se caracteriza pela transliteração grega de um nome latim (e não em grego), não é comum. Em Atos 25.21-25, o autor usa a palavra grega Sebastos, equivalente grego do latim, como título. Desse modo, o autor de Lucas usa o nome individual de César com o objetivo de contrapô-lo ao nome de Jesus, também apresentado de forma individual (BROWN, 2005, p. 793).<br />.<br />Essa contraposição entre Jesus Cristo e César Augusto é ainda mais acentuada pelo uso lucano do termo “hoje” (“<em>Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor</em>”), que denota o nascimento de Jesus e o contrasta às celebrações do dia do nascimento de César Augusto:<br />.<br /><em>A hipótese de que “neste dia, nasceu [...] um Salvador”, de Lucas (2,11) é alegação cristã contrária à propaganda imperial associada à celebração do aniversário de Augusto é realçada pelas descobertas em Roma que mostram o cuidado empregado na observância do dia do imperador: os cálculos da direção dos raios do Sol naquele dia tinham um papel importante no alinhamento dos monumentos relacionados a Augusto na cidade, a saber, o obelisco em Montecitorio, o Ara Pacis e o mausoléu</em> (BROWN, 2005, p. 793).<br />.<br />De acordo com Brown (2005, p. 497), a asserção na inscrição Priene de Augusto – <em>“O nascimento do deus marcou o início da Boa-Nova para o mundo”</em> – é reinterpretada por um anjo do Senhor com o brado heráldico: <em>“[...] eu vos anuncio a Boa-Nova de uma grande alegria que será para o povo todo: Para vós, neste dia, nasceu na cidade de Davi um Salvador, que é Messias e Senhor”</em> (Lc 2,10-11). De fato, essa passagem deixa clara a contraposição deliberada efetuada pelo autor do Evangelho de Lucas entre o César Augusto e Jesus Cristo.<br />.<br />Desse modo, podemos afirmar que a narração lucana do nascimento de Jesus apresenta um “<em>desafio implícito a essa propaganda imperial, não negando os ideais imperiais, mas proclamando que a verdadeira paz do mundo foi trazida por Jesus”</em> (BROWN, 2005, p. 497).<br />.<br />Brown (2005, p. 497) também comenta que as alusões lucanas a “paz” (cf. Lc 1.79; 2.14) também se enquadram nesse quadro de antagonismos fomentado pelo cristianismo antigo em relação ao culto imperial, pois enquanto os exércitos romanos proclamavam a “pax Augusta”, os exércitos celestiais proclamavam a “paz Christi”.<br />.<br />A demonstração de extrema sabedoria precoce de Jesus enquanto ainda menino também faz parte do modelo bastante comum do imaginário da época de colocar o herói ou imperador romano como portador da sabedoria divina desde a infância:<br />.<br /><em>É criação comum em muitas culturas e literaturas fazer do menino o pai do homem, criando histórias da meninice de grandes figuras, que antecipam a grandeza do protagonista. Com freqüência, essas histórias caracterizam um conhecimento surpreendente demonstrado em uma idade entre dez e quatorze anos; por exemplo, histórias de Buda na índia, de Osíris no Egito, de Ciro, o Grande, na Pérsia, de Alexandre Magno na Grécia e de Augusto em Roma. [...] O propósito dessas histórias é mostrar a grandeza do protagonista desde o início de sua maturidade</em> (BROWN, 2005, p. 576).<br />.<br />De fato, nem César Augusto e nem Jesus de Nazaré escaparam de serem caracterizados como “prodígios” em suas infâncias: o primeiro motivado pela propaganda imperial que rondava em todo o império romano; o segundo motivado pela oposição à teologia imperial, pelo desejo de equiparar (ou mesmo superar) Jesus a César e pelo intento de mostrar a grandeza e a ascendência divina do messias desde o início de sua infância.<br />.<br /><strong>Considerações finais</strong><br />.<br />Desse modo, torna-se clara a existência de um forte conflito ideológico entre primeiros cristãos e o culto imperial romano, mais especificamente do primeiro em relação ao segundo. Apesar da atitude anti-beligerante do cristianismo primordial em relação ao Império Romano, os cristãos primitivos não aceitaram de bom grado as propostas teológicas do culto que os dominadores traziam, e não se calaram diante da exigência de se prestar reverência e adoração a imagem do imperador.<br />.<br />O marco desse trabalho foi demonstrar que discursos antiimperialistas estão presentes, ainda que de forma simbólica e camuflada, nos escritos do Novo Testamento cristão, que se constituem os primeiros escritos da religião cristã.<br />.<br />As influências extra-cristãs na formação do imaginário cristão primitivo foram marcantes, sendo que, enquanto os cristãos primitivos não aceitavam as propostas teológicas do culto a imagem do imperador, utilizavam os elementos desse mesmo culto imperial para construir a imagem de culto a Jesus Cristo. Por isso, podemos concluir que a teologia imperial exerceu um importante papel na construção da cristologia e teologia cristã.<br />.<br /><strong>Referências bibliográficas</strong><br />.<br />ARENS, Eduardo. <strong>A Bíblia sem mitos</strong>. Uma introdução crítica. São Paulo: Paulus, 2007.<br />.<br />BRIEND, Jacques et al (org.). <strong>A criação e o dilúvio segundo os textos do oriente médio antigo</strong>. São Paulo: Paulinas, 1990.<br />.<br />BROWN, Raymond E. <strong>O Nascimento do Messias</strong>: comentário das narrativas da infância nos evangelhos de Mateus e Lucas. São Paulo: Paulinas, 2005 (Coleção bíblia e história).<br />.<br />CASSIO DIONE. <strong>Storia Romana</strong>. Traduzione di Alessandro Stroppa. Milano: BUR, 1998.<br />.<br />COLLINS, Adela Yarbro. <strong>The combath myth in the Book of Revelation</strong>. Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2001.<br />.<br />CRAWFORD, M. H. Roman imperial coin types and the formation of public opinion. In: BROOKE, C. N. L. et al. (eds). <strong>Studies in Numismatic Method Presented to Philip Grierson</strong>. Cambridge: Cambridge University Press, 1983,<br />.<br />CROSSAN, John Dominic. <strong>O nascimento do Cristianismo</strong>: o que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004.<br />.<br />GINZBURG, Carlo. <strong>O queijo e os Vermes</strong>. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006,<br />.<br />GIORDANI, Mário Curtis. <strong>História de Roma</strong>. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 1985.<br />.<br />HANSON, John S.; HORSLEY, Richard A. <strong>Bandidos, profetas e messias:</strong> movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.<br />.<br />HORSLEY, Richard A. <strong>Jesus e o império</strong>: o reino de Deus e a nova desordem mundial. Tradução de Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2004.<br />.<br />KNOHL, Israel. <strong>O Messias antes de Jesus.</strong> Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2001.<br />.<br />KOESTER, Helmut. <strong>Introdução ao Novo Testamento:</strong> História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. II.<br />.<br />MEIER, John P. <strong>Um judeu marginal</strong>: Repensando o Jesus Histórico: as raízes do problema e da pessoa. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. Vol. I.<br />.<br />_____________. <strong>Um judeu marginal</strong>: Repensando o Jesus Histórico: Milagres. Rio de Janeiro: Imago, 1998. Vol. II, livro III.<br />.<br />SCARDELAI, Donizete. <strong>Movimentos messiânicos no tempo de Je</strong>sus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.<br /><br />===============<br />Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de História das Religiões, v. 2, p. 259-276, 2009. </div><div align="justify">.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Midrash, ou Midraxe, é o termo usado para se designar um gênero literário bastante comum entre os judeus na época de Jesus, em que passagens do Antigo Testamento são usadas em um novo contexto com um novo sentido. Através do Midrash, pode-se criar narrativas fictícias e tomá-las como verdadeiras, sendo que sempre se poderá alegar que a correspondente passagem no Antigo Testamento foi “profética” (Brown, 2005, p. 663).<br />.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> O ministério de Jesus durou 1 (um) ano, segundo os Evangelhos sinópticos, e 3 (três) anos, segundo o Evangelho de João, do ano 29 d.C. a 31 d. (Meier, 1993).<br />.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O Tibre é um rio no território italiano, com nascente na Toscana, cujas margens passam por Roma (cf. GIORDANI, 1985). </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-88166755924399454132009-11-07T17:03:00.000-08:002009-11-07T17:14:54.704-08:00O IMPÉRIO E A CRUZ: REFLEXOS DA TEOLOGIA IMPERIAL ROMANA NA CRISTOLOGIA DA IGREJA PRIMITIVA<div align="center"><strong><span style="font-size:78%;">Artigo originalmente publicado na Revista Brasileira de História das Religiões, v. 2, p. 259-276, 2009.</span> </strong></div><div align="center"><strong>____________________________________________</strong></div><div align="center"><strong>O IMPÉRIO E A CRUZ: REFLEXOS DA TEOLOGIA IMPERIAL ROMANA NA CRISTOLOGIA DA IGREJA PRIMITIVA (parte 01)</strong> </div><div align="center"></div><div align="right"></div><div align="right">Prof. Vieira Lima Jr.<br /></div><div align="justify"></div><div align="justify">.<br /><strong>Considerações iniciais</strong><br />.<br />O presente trabalho propõe a existência de um forte antagonismo cristão ao Império Romano no primeiro século e de um conflito ideológico em relação ao culto imperial romano que pode ser rastreado nos textos do Novo Testamento a partir de novas abordagens hermenêuticas e histórico-exegética, revelando que o cristianismo começou como uma religião de protesto e resistência ideológica, essencialmente de cunho antiimperialista e consolidou diversas formas de protesto em seus discursos. Porém, foi um protesto velado: simbolismos que degradavam o imperador na mesma medida em que elevava a figura de Jesus, declarações de que Jesus era o “Senhor” do mundo, que implicava ser ele o verdadeiro imperador e não César, narrativas parabólicas sobre a expulsão dos romanos das terras judaicas, e a criação do epíteto “Besta” para designar todo o Império.<br />.<br />No entanto, para que se possa analisar tal realidade histórica, é necessário que comecemos a partir da situação dos judeus da Palestina do século I. Subjugados por um império estrangeiro (Roma) e possuindo uma rica tradição político-religiosa e nacional, os judeus lembravam-se amargamente da época em que foram subjugados e deportados pelo Império Babilônico, no século VII a.C., até que um rei libertador (Ciro, o Grande, da Pérsia) concedeu-lhes a liberdade que tanto aspiravam, sendo proclamado “ungido” (messias) (SCARDELAI, 1998).<br />.<br />A memória do chamado “Cativeiro Babilônico” ficou gravada para sempre nas tradições judaicas como símbolo da opressão, da desgraça e da vergonha. Por isso, era inevitável que tais lembranças se associassem a situação presente, e que o povo judeu visse no Império Romano uma nova “Babilônia” , um novo símbolo da opressão, da desgraça e da vergonha.<br />.<br />De acordo com Horsley e Hanson (1995, p. 43):<br />.<br /><em>Depois do governo duramente opressivo dos reis dependentes de Roma (Herodes e seus filhos), seguiu o governo direto dos governadores do império estrangeiro, algo que os judeus não tinham experimentado desde a conquista babilônica e persa inicial.</em><br />.<br />A presença romana representou um choque na mente dos judeus da Palestina da época de Jesus, pois simbolizava não somente a escravidão, mas também a distância do povo em relação a Deus.<br />.<br />O presente trabalho, ao propor a existência de um forte antagonismo cristão ao Império Romano no primeiro século e de um conflito ideológico em relação aos primeiros cristãos com o culto imperial romano que pode ser rastreado nos textos do Novo Testamento, começa, contraditoriamente, enfatizando a impossibilidade de tal idéia.<br />.<br />Novas abordagens hermenêuticas e histórico-exegéticas tem revelado que o cristianismo começou como uma religião antiimperialista e consolidou diversas formas de protesto em seus discursos. Porém, foi um protesto velado: simbolismos que degradavam o imperador na mesma medida em que elevava a figura de Jesus, declarações de que Jesus era o “Senhor” do mundo, que implicava ser ele o verdadeiro imperador e não César, narrativas parabólicas sobre a expulsão dos romanos das terras judaicas, e a criação do epíteto “Besta” para designar todo o Império.<br />.<br />O objetivo do presente trabalho é apresentar indícios, ainda que indiretos (mas nem por isso inconclusivos) da existência de um discurso antiimperialista nas narrativas dos Evangelhos bíblicos e de outros escritos neotestamentários.<br />.<br />A partir da constatação desses indícios, propomos que a influência da ideologia e propaganda imperiais romanas foi decisiva para a formação da imagem de culto a Jesus Cristo, que se moldou na medida em que os escritos do Novo Testamento eram escritos.<br />.<br />O trabalho parte de uma abordagem historiográfica e comparativa, onde se analisa o material bibliográfico contemporâneo e se faz uma análise na documentação textual antiga, principalmente de antigos documentos cristãos e romanos. Esperamos com isso trazer novas luzes sobre as origens do cristianismo e seu lugar no mundo mediterrâneo e judaico do qual nasceu e floresceu.<br />.<br /><strong>Cristianismo, circularidade cultural e o conceito de transformação intercultural<br /></strong>.<br />Carlo Ginzburg (2006, p. 10), ao fazer alusão a “circularidade” da cultura na Europa pré-industrial, afirma que: “<em>Entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas [...] [existe] um relacionamento circular feito de influencias recíprocas, que se move de baixo para cima, bem como de cima para baixo”.</em><br />.<br />Uma das formas de circularidade da cultura reside no processo de transformação de determinado elemento cultural sofre no decorrer das influencias recíprocas. De fato, pode-se observar que diversos elementos culturais, mesmo aqueles que sofrem resistência e rejeição, não são ao todo “abandonados”, mas, ao invés disso, são transformados e assim penetram no âmago cultural de diferentes classes, sejam elas dominantes ou subalternas, constituindo um jogo de metamorfoses dialéticas.<br />.<br />Uma forma de transformação é realizada no processo de sincretismo religioso, como acontece com a religião cristã. De fato, é notório que o imaginário mágico-taumaturgico do cristianismo traz consigo diversos paralelos com outras formas de manifestação do imaginário mágico em geral, principalmente o pagão. Principalmente em nível popular, se observa que diversos elementos pertencentes ao âmbito extra-cristão, ao invés de serem eliminados, são simplesmente transformados, absorvidos e assimilados as formas de culto populares, influenciando até mesmo as formas normativas da religião cristã – constituindo um “sincretismo religioso”.<br />.<br /><strong>O antiimperialismo no livro de Apocalipse de João</strong><br />.<br />O Apocalipse de João descreve, de modo metafórico, as experiências de perseguição, opressão e violência que as comunidades cristãs sofreram no último quarto do primeiro século, exercidas pelo império opressor. A referência ao sangue dos mártires e do cordeiro degolado (Apoc. 1.5,7; 5.6,9,12; 7.14; 12.11; 19.7,9,13), do qual Deus “toma vingança” (6.10; 19.2), o testemunho do próprio autor, denominado João, que havia sofrido perseguição, razão para ter sido exilado na ilha do Patmos (1.9), sendo que um de seus companheiros, chamado “Antipas”, havia sofrido destino pior, sendo martirizado (2.13), mostra como as perseguições aos cristãos eram comuns no final do primeiro século e quanto a comunidade cristã ansiava por denunciar esses crimes do império.<br />.<br />Na ocasião da abertura do quinto selo, são vistas debaixo do altar as almas de pessoas degoladas por causa do testemunho dado a Cristo (6.9-11). Do mesmo modo, as duas testemunhas de Deus são assassinadas em Jerusalém, em peleja contra a “Besta” (Roma) (11.7-8). O “dragão”, símbolo do império romano, guerreia injustamente contra os filhos da mulher (a igreja) (12.17). Apocalipse 13 realiza uma descrição detalhada acerca dos mecanismos econômicos de opressão e violência que caracterizaram ao império romano (13.16-17). Os capítulos 17.18 descrevem em detalhe a riqueza obscena da “Babilônia” (Roma), a “grande prostituta” que se conluia com os reis da terra.<br />.<br />Desse modo, o tema do martírio cristão imposto pelo Império Romano e sua denuncia é central para o autor desse livro.<br />.<br />Na época em que o livro de Apocalipse de João foi escrito, o imperador Domiciano se conclamava “Senhor e Deus” (dominus et deus) (KOESTER, 2005, p. 269), e portanto foi o principal inspirador da repulsa ao culto imperial apresentado de forma explícita porém simbólica ao longo de todo o livro de Apocalipse.<br />.<br />No ano 112 d.C., Plínio II, governador romano da Bitínia, província da Ásia Menor, envia uma carta ao imperador Trajano a respeito dos “cristãos”, os quais estavam sendo acusados de vários crimes: negavam-se a dar culto ao imperador, mas somente cantavam hinos a “Cristo como único Deus” e observavam certos preceitos como não furtar, não roubar, não cometer adultério e não enganar. Desse modo, fica claro que a repulsa cristã ao culto imperial era constante no começo do século II d.C. e no final do primeiro século.<br />.<br />Inúmeras são as referências antiimperialistas no livro de Apocalipse. No entanto, nos concentraremos em somente uma: o simbolismo da besta. De acordo com Koester (2005, p. 271), da época em que o Apocalipse de João foi escrito “era necessário encontrar uma resposta que desse sentido à experiência da igreja cristã aflita e temerosa. O profeta João se propõe a dar essa resposta e a fortalecer a visão de que Cristo e não César era o governante predestinado do mundo”.<br />.<br />Koester (2005, p. 274, 275) comenta que, para o autor do livro de Apocalipse, o Estado romano (13.1-10) e seu governante (13.11-18) são os verdadeiros inimigos do reino divino na terra, como um poder oposto a Deus:<br />.<br /><em>Este inimigo de Deus exerce seu poder maléfico por meio da adoração, o culto ao imperador, que perverte e destrói todas as nações (13.6-10,15-17). A única alternativa é fidelidade ao Cordeiro (14.1,5). João não censura o mal no mundo em geral, mas atribui esse mal a uma única causa: o culto ao imperador. [...] Nas afirmações sobre Roma, e especialmente na lamentação dos mercadores depois da queda de Roma, a crítica ao poder econômico que domina o mundo, consubstanciado em Roma, é o ponto central.</em><br />.<br />A justaposição entre Cristo e a Besta e seu falso profeta por João reflete claramente a oposição do cristianismo e de seu Messias ao poder imperial personificado na figura de César. Segundo Koester (2005, p. 275), a simbologia numérica do Apocalipse retrata César Nero, que seria concebido pelos seus adoradores como “um messias pagão”:<br />.<br /><em>É admissível que o número 666 (13,18), o número 8 (17,11) e também a interpretação do animal (13,3;17,10-12) se refiram ao retorno esperado do imperador Nero, o Nero Redvivus. 1 + 2 + 3 +...+ 8 = 36 e 1 + 2 + 3 +...+ 36 = 666, o que é o equivalente das letras CAESAR NERON no sistema numérico grego. O Nero Redvivus, que é rejeitado por João, não é o perseguidor cruel dos cristãos , mas a figura amada de crenças populares disseminadas, uma espécie de figura messiânica pagã.<br /></em>.<br />Já Knohl (2001, p. 46) afirma que o simbolismo da Besta é anterior a Cesár Nero, remontando a Augusto César, sendo que a descrição da narrativa apocalíptica se enquadra de forma mais adequada no contexto desse imperador romano:<br />.<br /><em>Ao longo da história do cristianismo, todos os tipos de interpretações foram sugeridos para a visão das duas bestas, mas ao que consta até agora nenhuma explicação realmente convincente foi dada. Em minha opinião, a chave para o entendimento da visão é nos conscientizarmos de que João, que parece ter escrito o livro da Revelação (ou Apocalipse) por volta de 80 E.C., se valeu de uma composição mais antiga, redigida no início do século I E.C., durante o reinado de Augusto.<br /></em>.<br />Para demonstrar que o simbolismo apocalíptico da Besta remonta a Augusto César, Knohl (KNHOL, 2001, p. 46. Cf. SUETÔNIO, 2006, p. 135) afirma que existe uma relação muito próxima entre as características da Besta de dois chifres e o símbolo imperial de Augusto, a saber, o signo de Capricórnio:<br />.<br /><em>A segunda besta é descrita com dois chifres como os de um cordeiro e com fala de dragão. Essa estranha combinação de dragão com chifres de cordeiro pode ser devidamente explicada pela propaganda com relação à origem divina de Augusto. A figura de um cabrito ou um bode com dois chifres – o Capricórnio – ocupava um lugar destacado no mito da divindade de Augusto, pois era o signo do mês de sua concepção.</em><br />.<br />De fato, a figura de um Capricórnio, um tipo de bode com corpo de peixe e dois chifres sustentando o globo do mundo, aparece em moedas romanas da época sob a inscrição “Augustus” (CRAWFORD, 1983, p. 52).<br />.<br />Já a alusão apocalíptica ao dragão pode também remontar ao imperador Augusto. De acordo com Suetônio e Cássio Dion (CASSIO DIONE, 1998. cf. 45.1,2), a Átia, mãe de Augusto, afirmou ter mantido relações sexuais com um dragão (serpente, segundo outras versões), enquanto dormia no templo de Apolo e que naquele momento concebia Augusto, que nasceria nove meses depois.<br />.<br />O dragão simbolizava o deus Apolo (o deus protetor ou o “pai”, segundo o imaginário da época, de Augusto), cujo título “Apolo Pítico” havia recebido depois que matou Píton, um terrível dragão que vivia na caverna de Delfos (Cf. COLLINS, 2001) . Por isso, Augusto também foi representado como Apolo, como um dragão.<br />.<br />Desse modo, o simbolismo da besta de dois chifres que falava como um dragão representava o imperador Augusto. Os dons proféticos de Apolo, que inspirada os oráculos de Delfos, foram atribuídos a Augusto, sendo que:<br />.<br /><em>O autor da visão do Apocalipse argumentava contra a propaganda de Augusto, sustentando que este não era um verdadeiro, mas sim um falso profeta, que falava como um dragão. [...]. Enquanto Augusto usava o mito de Apolo com o fim de conferir a divindade deste a si mesmo, o autor da visão usou o mesmo mito para representá-lo como um terrível dragão</em> (KNHOL, 2001, p. 48).<br />.<br />Desse modo, ao associar a figura do imperador com um dragão e uma besta selvagem (principalmente com a besta de Daniel) o autor de Apocalipse contrapõe, de modo simbólico, o cristianismo e seu messias ao império romano e seu imperador, numa forma de protesto ao culto e a hegemonia romano do mundo – cujo verdadeiro imperador não é outro senão Jesus Cristo.<br />.<br />A imagem da primeira besta, por sua vez, que foi adorada pelos habitantes da terra a mando do falso profeta (13.12), representa Roma, cuja uma das cabeças foi “ferida mortalmente” por um golpe desferido contra ela. De acordo com Knhol (2001, p. 48, 49):<br />.<br /><em>O golpe na cabeça foi desferido pelos conspiradores que assassinaram Júlio César, mas o império romano se recuperou e continuou a dominar o mundo. Portanto, a imagem da primeira besta, que o falso profeta havia convencido todos os habitantes da terra a adorar, era a estátua representando o Império Romano. O fato é explicado por Suetônio, que registra a ordem de Augusto para a colocação de uma estátua da deusa Roma, símbolo do Império Romano, junto à estátua do imperador nos templos erigidos em sua honra. Augusto era o falso profeta do culto imperial à estátua de Roma.</em><br />.<br />Para Knohl (2001, p. 52), o indício mais certo de que Augusto e seu culto imperial é o foco no capítulo 11, 12 e 13 de Apocalipse consiste na declaração sobre o átrio externo do templo de Jerusalém: “Foi-me dada uma vara semelhante a uma vara de agrimensor, e disseram-me: Levanta-te! Mede o templo de Deus e o altar com seus adoradores. O átrio fora do templo, porém, deixa-o de lado e não o meças: foi dado aos gentios” (Apocalipse 11.2,3).<br />.<br />Na ocasião da Guerra Judaica contra Roma, que se deu entre os anos 66 e 70 d.C., os romanos capturaram tanto o átrio quanto o templo. Por isso, a descrição apocalíptica não se enquadra com estes eventos. No entanto, durante a revolta dirigida pelos judeus contra o sucessor de Herodes Magno, Arquelau, no ano 4 a.C., os soldados romanos entraram no átrio do Templo e saquearam o tesouro, ateando fogo às câmaras externas do pátio, mas não entrando nos recintos interiores do Templo. De acordo com Knohl (2001, p. 52, 53), a realidade histórica do ano 4 a.C. se enquadra na passagem de Apocalipse 11.1-2 bem mais que a realidade histórica do ano 70 a.C.:<br />.<br /><em>A revolta de 4 a.C, foi brutalmente esmagada por Quintílio Varo, legado de Augusto para a Síria. Varo chegou da Síria com duas legiões e outras forças. Os soldados de seu exercito semeavam a destruição por onde passavam e violavam as mulheres; Varo crucificou dois mil dos rebeldes e outros foram feitos prisioneiros e vendidos como escravos. Os judeus consideraram Augusto, o César romano, responsável pela brutal repressão da revolta e pelo incêndio do pátio do Templo. [...] Aos olhos dos judeus, ele foi responsável pelas ações de seu legado Varo e seus soldados. À luz desse pano de fundo, podemos entender por que Augusto é pintado com tanto ódio nas fontes que temos examinado.</em><br />.<br />Portanto, de uma forma ou de outra, fica claro o lugar central de Roma na crítica antiimperial do Apocalipse de João. Por isso, a contraposição acalorada para com Roma a transforma, nesse apocalipse, em uma Babilônia, a mãe das prostitutas, embriagada com o sangue dos santos e mártires (17.5-6). É a partir desse viés que João espera nada menos que sua destruição total e a restituição do reino da terra para seu verdadeiro senhor: “<em>O sétimo anjo tocou a trombeta. Ressoaram então no céu altas vozes que diziam: O império de nosso Senhor e de seu Cristo estabeleceu-se sobre o mundo, e ele reinará pelos séculos dos séculos”</em> (Apocalipse 11.15).<br /><br />.========<br />Continua...<br />======== </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-84751301018991250532009-10-27T08:06:00.000-07:002009-10-27T08:26:30.121-07:00LUCAS: PROPAGANDA CRISTà COM ROUPAGEM HISTORIOGRÁFICA: O “Evangelho dos Gentios” e o romance da veracidade histórica (Parte 02)<div align="center"><strong>LUCAS: PROPAGANDA CRISTà COM ROUPAGEM HISTORIOGRÁFICA:<br />O “Evangelho dos Gentios” e o romance da veracidade histórica</strong> </div><div align="center">(Parte 02)<br />. </div><div align="right">Prof. Vieira Lima Júnior</div><div align="right">.</div><div align="justify">Além dos erros históricos, geográficos e de estruturação, a obra lucana apresenta uma série de problemas que impedem os especialistas contemporâneos de considerá-lo uma verdadeira obra historiográfica. Primeiramente, deve-se enfatizar que, até mesmo para historiadores da Antiguidade Clássica e romana, o uso e explicitação de critérios e metodologia eram centrais. Momigliano (2004, p. 19) destaca a importância da questão metodológica na historiografia ao fazer o seguinte comentário: <em>“[...] em cem pessoas que podem explicar um acontecimento apenas uma ou duas têm a habilidade técnica – o equipamento do historiador – para decidir se aquele acontecimento foi de fato um acontecimento, se realmente existiu”.</em><br />.<br />Por exemplo, nos historiadores gregos existia uma grande preocupação sobre a confiabilidade dos dados que utilizam em seus trabalhos. Até o século 6 a.C., nenhum escritor se preocupou com a questão da análise crítica dos acontecimentos passado. A crítica histórica foi uma invenção grega. Um dos primeiros critérios objetivos desenvolvidos pelos gregos para separar fatos de fantasias foi à comparação entre tradição. Deve-se a Heródoto o título de “Pai da História” por causa de sua iniciativa nesse sentido.<br />.<br />O que Momigliano (2004, p. 63) chama de “<em>exame cruzado de testemunhos</em>” constitui a primeira característica do historiador. Lucas, por seu turno, jamais cita nem sequer discute as fontes que utiliza. Sabemos – não por Lucas – que ele copiou (as vezes integralmente) grande parte de seu evangelho do Evangelho de Marcos – sem dar o devido credito a essa fonte, nem sequer fazer uma discussão sobre isso.<br />.<br />Lucas se cala diante de métodos e critérios, apenas se limitando a dizer que, como outros antes dele, apresentaria um relato ordenado sobre os fatos que “investigou”, fazendo isso possivelmente sem levar em conta critério algum, não crivando qualquer material que se posse em sua frente – de conteúdo verdadeiro ou falso.<br />.<br />Richard Carrier, especialista em história greco-romana, ao fazer considerações sobre a confiabilidade de Lucas, o compara com outro historiador da época, Arrian, para testar a alegação crista de que Lucas é confiável. Carrier (2009 [online]) afirma que Arrian relata a história de Alexandre o Grande quinhentos anos após os fatos. Mas o faz explicitamente oferecendo um método seguro. </div><div align="justify">.<br /><em>Arrian diz que ignorou todas as obras não escritas por testemunhas. Em vez disso, confiou somente em antigos textos disponíveis de testemunhas oculares da campanha de Alexandre. Eles os nomeia e discute suas conexões com Alexandre. Ele então diz que, sobre cada ponto onde eles concordam, simplesmente registraria o que eles disseram, mas onde discordam de modo significativo, ele citaria ambos relatos e identificaria as fontes que discordam [...] se Arrian fez o que disse, ele é quase tão bom quanto a fonte de uma testemunha ocular (de fato, argumentavelmente melhor).</em> </div><div align="justify">.<br />Lucas, por outro lado, nem chega perto de Arrian quanto aos procedimentos utilizados. De forma alguma Lucas traça um método a ser seguido. Também não determina e nem discrimina suas fontes, como um bom historiador faz. Por isso, Carrier (2009 [online]) conclui sua análise afirmando que: </div><div align="justify">.<br /><em>Lucas não pode ser associado a Arrian (Ário) como historiador crítico. Ele consegue ser ainda pior quando comparado como Polybius (Políbio) ou Thucydides (Tucídides). Nem mesmo alcança o nível de historiadores inferiores como Tácito e Josefo – que apesar de não oferecerem uma clara discussão dos seus métodos, frequentemente nomeiam suas fontes e explicitamente mostram um senso crítico ao escolher entre relatos divergentes e confusos.</em><br />.<br />Além disso, existem outros grandes defeitos de caráter historiográfico na obra lucana: em nenhum momento Lucas procura conhecer os aspectos históricos e geográficos da região narrada (como Heródoto e outros historiadores do passado fizeram) – como fica patente em suas narrativas sobre a Palestina judaica da época de Jesus, as quais apresentam grandes equívocos tanto históricos quanto geográficos (Lucas só acerta quando se refere ao mundo do Mediterrâneo).<br />.<br />Lucas também altera suas fontes de modo considerável – não por motivo de veracidade histórica, mas por mera questão de conveniência, ideologia e gosto. Suas omissões em relação a sua principal fonte – o Evangelho de Marcos – são as mais características e as que mais ajudam a traçar seu perfil. Por exemplo, Lucas omite a história da “mulher siro-fenícia” narrada em sua fonte marcana porque nesse relato Jesus atesta a exclusividade judaica de sua missão – coisa incompatível para o programa teológico de Lucas, o autor do “Evangelho dos gentios” (VERMES, 2006, p. 259. Cf. Mc 7.24-30//Mt 15,21-28) Lucas também omite, convenientemente, a “oposição aberta” que Paulo tomou contra Pedro no Concílio de Jerusalém, já que os dois “heróis” de sua narrativa não poderiam se chocar um contra o outro (comp. Gálatas 2.11-17 com Atos 15). Outro é o do “Jesus irado”, o qual Lucas, não querendo que seus leitores concebam Jesus dessa forma, omite a passagem em que Marcos afirma que Jesus se encheu de ira. Lucas também omite a afirmação marcana de que a família de Jesus o havia considerado “louco” (cf. Mc 1.41; 3.5,21).<br />.<br />Geza Vermes (2006, p. 261) comenta: “O<em> desempenho imperfeito das curas de Jesus é revisado e melhorado por Mateus e por Lucas: em vez de ‘muitos’ doentes foram curados (Mc 1.34; 3.10) [...] Lucas afirma que ‘todos os que estavam enfermos’ foram curados (Lc 4.40)</em>”. Enquanto a passagem de Marcos – que afirma que Jesus não foi capaz de fazer milagres em Nazaré – é mudada para: “Jesus não fez ali muitos milagres” em Mateus (Mt 13.58), Lucas, envergonhado, simplesmente omite essa passagem marcana.<br />.<br />Lucas omite todas as passagens (presentes tanto em Marcos quanto em Mateus) em que Jesus proíbe os discípulos de visitarem os gentios e os samaritanos – pelo fato de Lucas ser um cristão gentio. Lucas também omite a primeira proclamação de Jesus de que o reino de Deus estava próximo (Mc 1.15; Mt 4.17, 10.7 comp. Com Lc 10.11), porque sabia que já havia passado muito tempo e reino ainda não havia chegado.<br />.<br />Além das omissões, Lucas transforma o relato marcano da cura da sogra de Pedro em um exorcismo [Lc 4.38-39). Lucas, não gostando do relato marcano em que João Batista batiza Jesus (por implicar superioridade), o modifica, fazendo João Batista ter sido preso antes e não mencionando quem batizou a Jesus (Lc 3.19-22). Marcos afirma que “todos do synedrion” (Mc 14.64) declararam que Jesus era digno de morte e, para livrar a cara de José de Arimatéia, afirma que ele era membro de outro conselho – o bolê. Lucas, não gostando disso, afirma que Arimatéia era “membro do synedrion”, mas que “não concordou com o desígnio dos demais”.<br />.<br />Além de Lucas não oferecer nenhuma das marcas de um historiador crítico e cuidadoso, e de retalhar o material que lhe serviu de fonte, investe em intensas pregações e propaganda, sendo que implicitamente serve uma agenda ideológica ao invés de uma objetiva investigação em direção a verdade. Muitas vezes Lucas se mostra um investigador tendencioso, procurando fundamentar idéias preconcebidas sobre o que ele e sua comunidade eclesiástica acham que tenha ocorrido, ao invés de tentar buscar a veracidade histórica.<br />.<br />Atualmente, o bojo da pesquisa histórica sobre os documentos do Novo Testamento tem percebido Lucas não como um historiador, mas como aquilo que ele realmente se propôs a ser: um evangelista. Desse modo, os aspectos retóricos e ideológicos de Lucas estão sendo colocados em relevo para que se possa determinar o quanto este autor influenciou sua narrativa. Como evangelista, o intuito de Lucas era, antes, convencer seu leitor acerca da veracidade da fé crista, do que apresentar uma narrativa isenta de imposição ideológica. Como o núcleo da fé crista era a crença na Ressurreição de Jesus, Lucas eleva essa crença à categoria de prova incontestável, ao afirmar que: “<em>E a eles [Jesus] se manifestou vivo depois de sua Paixão, com muitas provas incontestáveis [τεκμηρίοις], aparecendo-lhes durante quarenta dias e falando das coisas do Reino de Deus. E comendo com eles...”</em> (Atos 1.3,4a).<br />.<br />No que consistiam essas provas incontestáveis não fica claro, mas analisando a narrativa parece que Lucas quer que o período bastante longo, de aproximadamente 40 dias, em que o Jesus ressuscitado interagiu fisicamente com os discípulos (mas que somente ele e mais nenhum evangelista narra) seja visto como uma prova incontestável de que Jesus realmente ressuscitou. Como termo “tekmêrion” é derivado do grego “tekmor”, que significa “conjectura” – daí o termo “tekmairesthai”, que significa “conjecturar” (GINZBURG, 2002, p, 155. cf. RUSCONI, 2003, p. 452), o que Lucas pretendia era que seus leitores raciocinassem da seguinte maneira: “Se Jesus apareceu e interagiu fisicamente com seus discípulos por mais de quarenta dias – mesmo depois de morto – a única explicação para isso é de que realmente ressuscitou”<br />.<br />Afirmar que existiram “provas incontestáveis” de algo que não pode, no presente, ser incontestavelmente provado constitui uma forma retórica e literária cuja função psicológica é meramente convencer, não demonstrar objetivamente (já que as provas não podem ser apresentadas).<br />.<br />Lucas, possivelmente, sabia que seu leitor, a certa altura da história cristã, não poderia ter acesso físico e perceptual direto aos acontecimentos que ele considerava verídicos. Por isso, utiliza um artifício retórico bastante comum em sua época e muito interessante: a “prova narrativa”. Ou seja, o relato, por si só, seria capaz de fornecer todos os motivos para o leitor se convencer e depositar sua crença nela.<br />.<br />Qualquer pessoa poderia chegar a conclusão de que Jesus realmente havia ressuscitado, caso aceitasse os pressupostos básicos da narrativa apresentada por Lucas, entre os quais se destacam a interação física dos apóstolos com Jesus e os quarenta dias em que o ressurrecto passou entre eles. O uso de Lucas pelo termo retórico “tekmêrion” deixa clara a necessidade que os antigos cristãos gentios tinham de defender a ressurreição de Jesus mediante argumentos retóricos poderosos e convincentes, para que pudessem mostrar à mente inquiridora pagã e versada na dialética e na filosofia evidências concludentes e inegáveis de que Jesus havia ressuscitado, e que por isso se deveria confiar na mensagem cristã.<br />.<br />Além dos objetivos retóricos e apologéticos, a teologia e narrativa da obra lucana são enveredados pela importância de proporções cósmicas que Lucas concede ao cristianismo ao descrever a expansão do movimento cristão dentro do encadeamento cronológico do mundo, da história e dos governos seculares, em especial do Império Romano.<br />.<br />Isso significa que o principal objetivo de Lucas, ao relacionar a própria narrativa com o contexto mais amplo da história gentílica e, principalmente, romana, era apresentar um intenso e chocante quadro, para seus leitores gentios, sobre a inserção do cristianismo no mundo romano – preparando a mente de seus leitores para o advento da igreja-matriz.<br />.<br />O encadeamento da história do então pequeno mas crescente cristianismo nascente dentro da história maior do mundo gentílico e do império e a conseqüente idéia de que esse mundo será afetado pela nova religião emergente não se limita a narrativa de Atos dos Apóstolos; podemos percebê-la logo no inicio da narrativa do Evangelho de Lucas sobre o nascimento de Jesus, quando Lucas (3.1,22 ) o situa dentro da história romana:<br />.<br /><em>No ano décimo quinto do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia, seu irmão Filipe tetrarca da Ituréia e da Traconítide, e Lisânias tetrarca de Abilene, sob o pontificado de Anás e Caifás, [...] o Espírito Santo desceu sobre [Jesus] em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho; eu, hoje, te gerei”</em> (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2006).<br />.<br />Diversos autores modernos têm comentado que o fato de Lucas ter acrescentado os detalhes históricos apresentados em 3.1 que incluem a alusão ao ano exato do império de Tibério, bem como ao nome do governador da Judéia na época, Pôncio Pilatos, e o nome dos tetrarcas e dos pontífices religiosos do judaísmo deve-se a sua suposta perícia como pesquisador e a uma preocupação cronológica e historiográfica que somente um historiador é capaz de ter.<br />.<br />No entanto, uma análise mais coerente e abrangente da obra lucana, enfatizando seus objetivos como evangelista, demonstra que a razão para esse detalhismo histórico deve-se ao objetivo literário de Lucas em situar Jesus no contexto histórico dos grandes personagens e magistrados de sua época, sejam eles judeus ou romanos. Esses dois povos, com efeito, constituíram os principais obstáculos para o movimento cristão nascente e, ao mesmo tempo, os meios sem os quais o cristianismo jamais teria alcançado sucesso no mundo mediterrâneo.<br />.<br />Por isso, Raymond Brown (2005, p. 496) afirma que o interesse peculiar de Lucas em ligar o contexto particular do nascimento de Jesus aos grandes acontecimentos da história romana a nível global trata-se de uma forma deliberada de justapor Jesus e o cristianismo ao império romano e a César:<br />.<br /><em>Lc 3,1-2 descreve o início do ministério [de Jesus] como acontecimento de importância cósmica, pondo-o na estrutura cronológica do mundo e dos governantes locais que, em última instância, serão afetados por ele. Do lado romano da lista de governantes, há Tibério César, o imperador, e depois Pôncio Pilatos, o governador local da Judéia – Lucas e seus leitores sabem que as ondas provocadas pela imersão de Jesus no Jordão vão finalmente começar a mudar o curso do Tibre</em><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn1" name="_ftnref1"><em>[5] </em></a><em>E, assim, </em><em>não é surpreendente que, quando retrocede o momento cristológico para a concepção e o nascimento de Jesus, Lucas dê ao nascimento também um lugar na estrutura cronológica dos governantes mundiais e locais, </em><em>ao mencionar</em><em> Augus</em>to<em> César, o imperador romano, e, em seguida, Quirino, o legado local da Síria. Ironicamente, o imperador romano, a figura mais poderosa do mundo, serve ao plano de Deus, promulgando um edito para o recenseamento de toda a terra. Ele proporciona o cenário apropriado para o nascimento de Jesus, o Salvador de todas aquelas pessoas que estão sendo registradas.</em><br />.<br />Lucas objetivou traçar a rota que mudaria o curso do mundo mediterrâneo – a rota do cristianismo. Por isso, coloriu suas narrativas com detalhes exatos – ou melhor, “vivos” – do mundo mediterrâneo, na medida em que narrava o processo de expansão missionária cristã.<br />.<br />O discurso de Paulo no Areópago, em Atenas, narrado em Atos 17, ilustra muito bem essa questão: era o cristianismo entrando e agitando o mundo secular dominado pelo Império Romano.<br />.<br />Em Atos dos Apóstolos, Lucas dedica em atenção especial a citação detalhada de governantes e instituições políticas de várias pólis e regiões da Ásia Menor e do Mediterrâneo, incluindo Instituições religiosas com o fim de aproximar: Os neokoros (Guardiões do Templo de Ártemis), os ouvires de Éfeso, o procônsul Sergio Paulo, Gálio o procônsul da Acaia, os procônsules da Ásia, os litores, os politarcas, o Areópago (onde se faziam discursos políticos), o “homem principal de Malta”, estratopedarca, os tetrarcas, Quirino, etc.<br />.<br />Desse modo, Lucas relaciona sua própria narrativa sobre a vida de Jesus e os Apóstolos ao o contexto mais amplo da história, apresentando a inserção do cristianismo no mundo romano. Esse fato explica porque Lucas, em Atos dos Apóstolos, se empenha tanto em fazer alusões a governantes e políticos de cada região em que Paulo e os demais missionários cristãos transmitem a mensagem crista. Isso também se coaduna ao propósito lucano de estabelecer um “Evangelho dos gentios”.<br />.<br />Por isso, na mesma medida que Lucas se mostra um acurado conhecer de diversos aspectos – principalmente os políticos – do mundo mediterrâneo, também se mostra inapto e desleixado ao descrever o mundo judaico da Palestina da época de Jesus, apresentando erros geográficos grosseiros e falta de conhecimento histórico e topográfico dessa região.<br />.<br />Lucas não realiza uma acurada descrição do mundo judaico da época de Jesus exatamente porque seu objetivo não é apresentar o cristianismo aos judeus. Vivendo na época da expansão gentílica do cristianismo, seu interesse visava informar e convencer os leitores e cristãos gentios sobre o percurso da fé cristã, de Jerusalém a Roma.<br />.<br />Em outras palavras, a obra lucana trata-se de uma introdução histórica ao cristianismo romano que mais tarde se transformaria, com Constantino, na Igreja Romana. Portanto, trata-se de uma obra elitista, desenvolvida no objetivo de popularizar e fazer apologia a crenças as principais tradições sobre os fatos que antecederam o surgimento do cristianismo proto-ortodoxo ao público cristão.<br />.<br /><strong>BIBLIOGRAFIA<br /></strong>.<br />A HEBRAICA. Arqueologia. As mais novas descobertas em Israel: entrevista com Israel Finkelstein. In: Revista “A HEBRAICA”. Edição: Jul. de 2005. Disponível em: http://www.hebraica.org.br/cabecalho/MateriaCompleta.asp?idMateria=104 Acesso em 24 de agosto de 2009. </div><div align="justify">ALAND, Kurt (ed.) [et al]. The New Testament Greek. Third Edition. 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Rio de Janeiro: Record, 2006.<br />========<br />.<br />NOTAS:<br />[1] Para uma análise mais abrangente acerca da identidade do autor da obra Lucas-Atos, cf. FITZMEYER, Joseph A. The Gospel According to Luke. New York: Doubleday, the Anchor Bible, 1981 Vol. 1. </div><div align="justify">.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn3" name="_ftnref3">[2]</a> O uso do nome "Lucas" é apenas convencional. De fato, não sabemos quem era o autor do terceiro evangelho/Atos dos Apóstolos, já que tais escritos são anônimos. A tradição crista impôs a “Lucas, o medico” citado por Paulo em Cl 4.14. No entanto, não existe qualquer indicio de que essa atribuição seja genuinamente histórica. </div><div align="justify">.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn4" name="_ftnref4">[3]</a> Para uma análise mais abrangente acerca de alguns dos diversos cristianismos que não chegamos a conhecer, cf. EHRMAN, Bart. Evangelhos perdidos. Rio de Janeiro: Record, 2008, e KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. II. </div><div align="justify">.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn1" name="_ftnref1">[4] </a>No Brasil. o título desse livro foi “...E a Bíblia tinha razão”, livro bastante difundido entre o público leigo e cristão. </div><div align="justify">.</div><div align="justify"><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn1" name="_ftnref1">[5] </a>O Tibre é um rio no território italiano, com nascente na Toscana, cujas margens passam por Roma.<br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref3" name="_ftn3"></a><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref4" name="_ftn4"></a><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref5" name="_ftn5"></a><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn6" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref6" name="_ftn6"></a></div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-83455314769206255272009-10-27T07:11:00.000-07:002009-10-27T08:58:37.051-07:00LUCAS: PROPAGANDA CRISTà COM ROUPAGEM HISTORIOGRÁFICA: O “Evangelho dos Gentios” e o romance da veracidade histórica (Parte 01)<div align="center"><strong>LUCAS: PROPAGANDA CRISTà COM ROUPAGEM HISTORIOGRÁFICA:<br />O “Evangelho dos Gentios” e o romance da veracidade histórica</strong><br /></div><div align="right"></div><div align="right">.</div><div align="right">Prof. Vieira Lima Júnior<br /></div><div align="left"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">=================================================</div><div align="justify"><strong>Comentário inicial:</strong></div><div align="justify"><strong></strong></div><div align="justify">O presente artigo tenta responder a uma questão que há muito tempo tem despertado a minha curiosidade: </div><div align="justify">.</div><div align="justify"></div><div align="justify"><em>Por qual motivo Lucas demonstra ser um escritor acurado ao citar de passagem diversas características locais, administrativas e geopolíticas do mundo mediterrâneo oriental com certa exatidão, ao mesmo tempo em que se apresenta como um pesquisador descuidado e incompetente ao descrever (de forma não tão passageira) diversas características locais, sociais e políticas da Palestina judaica da época de Jesus de um modo tão confuso, desleixado e inexato</em>? </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">A resposta para essa pergunta reside em seus objetivos literários como cristão e sua agenda ideológica: apresentar o cristianismo adentrando no mundo greco-romano, de um modo que, pelo menos a nível simbólico, viesse a suplantar o Iluminismo grego - razão para Paulo viajar pelas cidades dos grandes filósofos socráticos e pré-socráticos do Mundo Antigo. </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Por isso, longe dos detalhes relativamente exatos que Lucas apresenta em suas descrições sobre o mundo mediterrâneo apontarem para a suposição errônea de que este evangelista deva ser consdierado um "grande historiador", indicam, em contramão, que Lucas era um grande propagandista da religião cristã no mundo greco-romano, e que seu interesse não era histórico, mas sim ideológico, propagandista e religioso. </div><div align="justify"></div><div align="justify">=================================================</div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Os documentos cristãos cuja autoria tradicional tem sido atribuída a certo “Lucas” e que compõem quase a metade do Novo Testamento, se caracterizam de forma bastante peculiar. O Evangelho de Lucas e o Atos dos Apóstolos constituem documentos diferentes de qualquer outro encontrado dentro ou foram do cânon. Sua principal marca é a personalidade distinta, culta e cativante do autor, bem como sua preocupação com a informação e com a ordem dos acontecimentos narrados, fazendo com que possa – de acordo com alguns comentaristas – equiparar-se a outros escritores talentosos da época clássica, inclusive com historiadores como Josefo, Tácito, Políbio e Tucídides. </div><div align="justify">.<br />A preocupação desse evangelista com a missão gentílica e diversos aspectos do mundo mediterrâneo faz de seu evangelho o “Evangelho dos Gentios”, e de seu “Atos dos Apóstolos” a primeira tentativa de se criar uma “história das origens cristãs” que temos notícia – ambos constituindo uma unidade documental que, no presente artigo, será tratada dessa maneira. No entanto, ambos os documentos “lucanos” apresentam traços de obscuridade diante dos olhos de seus leitores. </div><div align="justify">.</div><div align="justify">Primeiramente, a identificação do autor é bastante problemática, cheia de lendas e suposições. Porém, acredita-se que o autor era um judeu helenizado ou mesmo um grego com boa educação – ou até mesmo um magistrado<a title="" style="mso-footnote-id: ftn2" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn2" name="_ftnref2">[1]</a>. </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Segundo, a data de composição de ambos os escritos não pode ser estabelecida com certeza. Sendo que a narrativa de Atos dos Apóstolos termina com o cativeiro de Paulo em Roma (61-63 d.C.) e que utiliza o Evangelho de Marcos como fonte principal (70 d.C.), é bastante provável que a data correta de sua composição corresponda às décadas de 80 e de 90 d.C. </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Terceiro, suas relações com outras fontes canônicas e não-canônicas (em especial o Evangelho de Marcos e Evangelho das Fontes de Dito Q) são bastante peculiares e problemáticas. As transposições, omissões e alterações que o autor lucano cria em relação ao material marcano deixa óbvia a liberdade com que utilizava suas fontes. </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Quarto, as intenções do autor lucano não são, ao todo, definidas. À primeira vista, parece que seu objetivo é meramente informativo e historiográfico. Os Atos dos Apóstolos, por exemplo, compõe uma narrativa sobre a expansão cristã no mediterrâneo em meados do século I d.C., relatando diversos episódios situados em variegadas áreas do mediterrâneo. No entanto, diversos aspectos retóricos, criativos e ideológicos podem ser identificados com clareza no decorrer de toda a narrativa. </div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">De fato, não sabemos o quanto de seu envolvimento ideológico afetou não somente a construção da narrativa, mas também a forma como selecionou e modificou as tradições e materiais que lhe serviram como fonte ao escrever sua “historia das origens cristãs”. Atualmente, os pesquisadores reconhecem que o cristianismo primitivo não era tão homogêneo quanto o autor lucano gostaria que fosse, muito menos tão centralizado. O historiador Paul Johnson (2001, p. 45), ao comentar sobre o inicio do cristianismo, afirma que:<br />.<br /><em>Infelizmente, o conhecimento que [do movimento de Jesus no início] temos é limitado e distorcido pela inabilidade da parte inicial dos Atos dos Apóstolos. Lucas, imaginando-se que ele tenha escrito esse documento, não se encontrava em Jerusalém na época. Não era uma testemunha ocular. Era membro da missão aos gentios e produto do movimento da diáspora. Não nutria simpatia cultural nem, na verdade, doutrinal para com os apóstolos pentecostais; nesse contexto, não só era um forasteiro como estava mal-informado.<br /></em>.<br />Além disso, o autor lucano se silencia sobre as diversas frentes cristãs missionárias que se espalharam pelo mundo afora. Nem sequer o apóstolo Pedro escapa, pois sua narrativa é interrompida para narrar a vida de outro (e talvez maior) herói do cristianismo primitivo: o ex-perseguidor do cristianismo e apóstolo Paulo de Tarso.<br />.</div><div align="justify"></div><div align="justify">O cristianismo que Lucas<a title="" style="mso-footnote-id: ftn3" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn3" name="_ftnref3">[2]</a> descreve é o proto-cristianismo romano e, por isso, longe está de constituir um relato abrangente e imparcial das origens cristãs, pois se limita apenas a narrar a trajetória do pequeno (se comparado aos demais) e restrito cristianismo histórico de Paulo. Outros tipos de cristianismo, como a Comunidade Q (cujo evangelho foi perdido, mas ainda assim foi usado como fonte por Lucas), o cristianismo egípcio, o cristianismo judaico, etc. são simplesmente omitidos<a title="" style="mso-footnote-id: ftn4" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn4" name="_ftnref4">[3]</a>.<br /></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Por isso, seu relato se caracteriza muito mais como uma narrativa de confirmação e legitimação de um tipo de cristianismo já oficializado do que um verdadeiro testemunho histórico das origens do cristianismo em termos gerais. Trata-se não somente de um relato informativo-descrito, mas de um instrumento de criação de opinião e fundamentação de crença. Resumindo, o objetivo básico de Lucas é fazer apologia e propaganda de um tipo de proto-ortodoxo de cristianismo, não de relatar abrangentemente as origens do cristianismo.<br />.</div><div align="justify"></div><div align="justify">No entanto, tal observação sobre o caráter geral da obra lucana tem sido posta em guerra por proponentes da idéia de que Lucas tenha tentado compor uma verdadeira obra de historiografia comparável as de Tucídides, Heródoto, Políbio, Tácito ou Josefo.<br /></div><div align="justify">.</div><div align="justify">Isso porque em Atos dos Apóstolos, que compõe a primeira narrativa que temos conhecimento sobre a expansão do cristianismo no mediterrâneo em meados do século I d.C., Lucas se apresenta, pelo menos na aparência, como um acurado conhecedor da realidade cultural, geográfica, social e política de sua época ao relatar episódios situados em variegadas áreas do mediterrâneo – muitas das vezes fazendo alusão a detalhes específicos desconhecidos pela literatura clássica, mas confirmados pelas descobertas arqueológicas.<br />.</div><div align="justify">Os relatos das viagens de Paulo, por exemplo, refletem com certa exatidão e amplitude o mundo mediterrâneo – em especial a parte oriental – do primeiro século cristão, principalmente no que se refere aos aspectos da administração romana e de cidades gregas, sobre cultos, rotas, geografia política e topografia local.<br />.</div><div align="justify">F. F. Bruce (1999, p. 105-119), nos apresenta alguns exemplos de seu acurado conhecimento que fez Lucas ser considerado um “exímio historiador”:<br />· A alusão em Atos 13.7 a Sérgio Paulo, procônsul de Chipre, inexistente na historiografia romana, mas supostamente confirmada por uma inscrição;<br />· A menção a Gálio, em Atos 18.12, como procônsul da Acaia, confirmada por uma inscrição de Delphos;<br />· As passagens de Atos 17.6,9 fazem alusão a “politarcas”, título não encontrado na literatura clássica, mas confirmado por uma inscrição em Tessalônica;<br />· Em Atos 14.1-6, Lucas coloca Listra e Derbe no território da Licaônia, deixando implícito que Icônio pertencia a outro território. Escritores romanos como Cícero referiram-se a Icônio como sendo parte do território de Licaônia. No entanto, certo monumento descoberto em 1910 mostra que Icônio era considerada como sendo uma cidade da Frígia, ao invés de da Licaônia;<br />· a referência a Públio como o “homem de destaque” (pró·tos) de Malta (At 28:7) emprega o título exato a ser usado, conforme indicado pela sua ocorrência em duas inscrições maltesas, uma em latim e a outra em grego, etc.<br />.<br />Tal conhecimento levou William Ramsey (apud BRUCE, 1999, p. 118), da escola histórica germânica do inicio do século XX, a afirmar que “<em>Lucas é um historiador de primeira grandeza [...] este autor deveria de ser colocado junto dos maiores historiadores”.</em> </div><div align="justify">.<br />No entanto, diversas dessas supostas confirmações não possuem qualquer fundamento ou a relevância pretendida. O caso do suposto procônsul Sérgio Paulo, por exemplo, é um dos mais peculiares. Apesar das suposições levantadas por Ramsey e tomadas com entusiasmo por Bruce, arqueólogos contemporâneos como Richard Horsley e Neil Asher Silberman (1999, p. 141) afirmaram que “<em>não se encontrou nenhuma prova conclusiva para a presença em Chipre de um procônsul chamado Sérgio Paulo por ocasião da visita de Paulo (At 13,7)”.</em> O próprio F. F. Bruce utiliza uma linguagem bastante vaga ao citar o caso da confirmação externa desse procônsul ao texto lucano (cf. BRUCE, 1999, p. 108). </div><div align="justify">.<br />Sobre a questão de Lucas colocar Listra e Derbe, e não Icônio, no território da Licaônia, não deve ser de surpreender. Cícero foi um escritor romano que viveu quase cem anos antes de Lucas, em uma situação geopolítica diferente. Além disso, se por um lado Lucas existem evidências arqueológicas que mostram que Lucas foi correto em situar Icônio fora do território de Licaônia, por outro lado, inexiste qualquer evidência sobre uma comunidade judaica em Icônio tal como relatada por Lucas: “<em>em Icônio, Paulo e Barnabé entraram juntos na sinagoga judaica e falaram de tal modo, que veio a crer grande multidão, tanto de judeus como de gregos”</em> (At 14.1). De acordo com Horsley e Silberman (1999, p. 141), ao contrário do que Lucas relata, “<em>faltam provas arqueológicas diretas da presença de comunidades judaicas em Antioquia da Pisídia e em Icônio antes do século II ou III d.C.”.<br /></em></div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">De fato, o que de fato fez Lucas ser considerado um apurado historiador não foi tanto seu conhecimento abrangente do mediterrâneo, mas o efeito de admiração causado pela reversão de expectativas nas mentes de pesquisadores como Ramsey. Iluministas e críticos liberais do século XIX haviam argumentado, com base no conhecimento existente na época, que a narrativa de Lucas era historicamente imprecisa. Com o fim de responderem a essas objeções, inúmeros pesquisadores e arqueólogos vinculados ideologicamente à fé cristã dedicaram suas carreiras e vidas a fornecerem respostas positivas a essas e outras objeções sobre a inexatidão histórica dos escritos que compõem o Antigo e o Novo Testamento judaico-cristão.<br />.</div><div align="justify">Foi a partir de tal iniciativa, no final do século XIX e adentrando no decorrer do século XX até os anos 90, que o “romance da veracidade histórica da Bíblia” se desenvolveu, constituindo-se uma tendência religiosa – embora disfarçada de acadêmica e científica – caracterizada pela busca arqueológica e historiográfica por evidências confirmativas do relato bíblico e, por conseguinte, da fé cristã. O resultado dessa grande empreitada patrocinada pelas igrejas católicas e protestantes de todo o mundo (principalmente dos Estados Unidos) foi a interpretação parcial e tendenciosa de várias descobertas arqueológicas que iam sendo encontradas, de modo que as mesmas passassem a corroborar os textos bíblicos e consequentemente fundamentar a fé cristã. </div><div align="justify">.</div><div align="justify">Desse modo, a ideologia religiosa comandou os resultados da pesquisa científica no século XX, fazendo com que até mesmo a atual disciplina de Arqueologia do Oriente Médio nascesse vinculada ao compromisso religioso de confirmar e testificar os documentos oficiais da Igreja.<br />.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Por isso, até os anos de 1950, e indo, no máximo, ao inicio dos anos de 1990, a concepção “romântica” da arqueologia em face à Bíblia Sagrada era predominante. Não eram poucas afirmações como a seguinte:<br />.<br /><em>[...] a arqueologia confirmou inúmeras passagens que tinham sido rejeitadas por críticos como não-históricas ou contraditórias a fatos conhecidos. No entanto descobertas arqueológicas mostraram que estas acusações críticas [...] estão erradas e que a Bíblia é confiável justamente nas afirmações pelas quais foi deixada de lado por não ser confiável. Não sabemos de nenhum caso no qual a Bíblia foi provada errada</em> (FREE, 1950, p. 134, tradução nossa).<br />.<br />Desse modo, foram supostamente confirmados diversos detalhes dos escritos bíblicos, e a “investigação apurada” que o evangelista lucano atribui a sua obra se transformou em um “ícone” dessa nova tendência. Lucas passa, então, a ser considerado como o escritor cristão que mais se aproxima de um historiador antigo, cheio de credibilidade e veracidade. </div><div align="justify">.<br />Porém, felizmente, essa “era do romance” entre a arqueologia e a Bíblia já teve seu término. Análises mais rigorosas e mais fundamentadas sobre diversas descobertas arqueológicas colocaram em xeque esse “Romance da Arqueologia Bíblica”, trazendo uma ruptura que, apesar de ter transformado por completo a visão acadêmica sobre as narrativas bíblicas, ainda não foi sentida pelo mundo evangélico. No início do século XXI, Israel Finkelstein e Neil A. Silberman (2003, p. 16) comentaram sobre a mudança no consenso sobre a confirmação externa das narrativas dos documentos bíblicos em geral da seguinte forma: </div><div align="justify"></div><div align="justify"><em></em></div><div align="justify"><em>.</em></div><div align="justify"><em>O consenso arqueológico, pelo menos até o ano de 1990, era de que a Bíblia poderia ser lida basicamente como um documento histórico confiável. [...] Agora, é evidente que muitos eventos da história bíblica não aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram escritos. Alguns eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente.<br />.</div></em><div align="justify">Desse modo, a visão da arqueologia como disciplina legitimadora e confirmatória da confiabilidade histórica das Escrituras Sagrada – cuja tendência consistiu em colocar a Bíblia como “chave” para interpretar os achados arqueológicos – foi perdendo espaço, o que vez com que essa disciplina ganhasse mais independência e objetividade: “<em>Estamos vivendo um processo de liberação da arqueologia de uma leitura muito conservadora e ingênua do texto bíblico”</em> (FINKELSTEIN apud A HEBRAICA (2005 [on line]).<br /></div><div align="justify"></div><div align="justify">.</div><div align="justify">No entanto, deve-se enfatizar que enquanto o Romance da Arqueologia Bíblica subsistia, informações erradas, omitidas e até mesmo fraudulentas foram difundidas entre o público leigo e especialmente entre o público cristão, fomentando assim o mito de que a arqueologia realmente confirmava a Bíblia (FOX, 1993). </div><div align="justify">.<br />A mídia e a indústria editorial exerceram um papel fundamental nesse ínterim – principalmente a indústria editorial cristã protestante, que publicavam (e ainda continuam a publicar) apenas os livros que “edificam a fé dos leitores” – não dando a devida importância aos erros e defasamento dessas obras. A mídia, por sua vez, simplesmente cuidou de selecionar informações distorcidas ao divulgar notícias sensacionalistas que supostamente confirmavam a narrativa Bíblica, e assim ajudando a disseminar a idéia ao público amplo. </div><div align="justify">.<br />Robin Lane Fox (1993) logo no início dos anos 90 do século XX, apontou um dos grandes divulgadores da idéia de que a arqueologia corroborava a Bíblia – um livro que se tornou um grande Best Seller no Brasil e no mundo e que ainda hoje é um dos livros mais lidos no meio cristão: “E a Bíblia Tinha Razão”, de Werner Keller:<br />.<br /><em>Em 1956, um jornalista alemão, Werner Keller, demonstrou a força da crença do público na ligação entre as escrituras, as escavações e as viagens. Seu livro, A Bíblia como História, foi inicialmente publicado com o título A Bíblia está de fato correta, e o seguinte subtítulo: “A arqueologia confirma o Livro dos Livros”</em><a title="" style="mso-footnote-id: ftn5" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn5" name="_ftnref5"><em>[4]</em></a><em>. [...] seu livro foi adotado em escolas e traduzido em 24 línguas, tendo vendido mais de 10 milhões de exemplares nos vinte anos seguintes [...] o mais estranho em relação a seu sucesso é que, se o lermos cuidadosamente, veremos que nada do que afirma emerge diretamente de qualquer indício arqueológico que confirme qualquer aspecto significativo do Livro dos Livros</em> (FOX, 1993, p. 203, 204).<br />.<br />Algum tempo depois, Wolfgang Hinker e Kurt Speidel publicaram uma réplica, intitulada “Se a Bíblia Tivesse Razão”, que poderia nivelar o debate, mas que, no entanto, não teve igual disseminação (cf. ARENS, 2007, p. 227). </div><div align="justify">.<br />Muitas das supostas confirmações arqueológicas sobre o texto bíblico partiram de excessos do tipo apresentados na obra de Ramsey e de Keller, que decorriam muito mais de uma interpretação exagerada sobre os fatos (meta-factual) do que dos próprios fatos em si. </div><div align="justify">.<br />Até mesmo o próprio F. F. Bruce, que ainda hoje é um pesquisador muito popular nos círculos apologéticos, admite que a ênfase de Ramsey no estabelecimento da historicidade de diversas narrativas bíblicas (incluindo as lucanas) era exagerada, pois estava tão ansioso para provar a historicidade da Bíblica que “<em>imprudentemente danificou sua bem-fundada reputação como um grande estudioso”</em> (GIER, 1987 [online], tradução nossa). </div><div align="justify">.<br />Do mesmo modo, as descobertas arqueológicas que confirmam alguns detalhes citados da narrativa de Atos dos Apóstolos foram e continuam sendo interpretadas erroneamente, como se fossem capazes de estabelecer, genericamente, a fidelidade, confiabilidade e a veracidade de toda a obra lucana. </div><div align="justify">.<br />O próprio alarde em rotular Lucas de historiador por causa das confirmações arqueológicas sobre lugares e detalhes políticos e administrativos do mundo mediterrâneo no final do século I d.C. pode ser visto como um truque emocional: se existem um pouco mais que meia dúzia de detalhes sobre o contexto social e político das províncias romanas mencionados Lucas, mas silenciosos em toda a literatura da época, isso se deve a um conjunto de fatos que, com efeito, não possuem qualquer relação com a credibilidade de Lucas como historiador, pelas seguintes razões:</div><div align="justify">.<br />1) Não possuímos toda a literatura escrita no final do século I e século II d.C.. A maior parte foi destruída por cristãos piedosos na Idade Medieval que queriam purificar o mundo cristão dos supostos perigos do paganismo. Somente os escritos cristãos legitimados pela Igreja (como as obras lucanas) e os escritos que poderiam trazer algo de positivo para fé eram preservados. Apenas uma pequena parcela das milhares de obras literárias e historiográficas escritas entre os anos 60 d.C. e 325 d.C. chegaram até nós;</div><div align="justify">.<br />2) A realidade histórica sempre é muito mais complexa que qualquer reconstrução e narrativa do passado. Por isso, não é de se admirar que um autor antigo faça alusão a um detalhe enquanto outro o omita deliberadamente ou mesmo por desconhecê-lo – sendo que nenhum escritor ou historiador é onisciente e pode saber de todos os dados administrativos e topográficos da região que narra;</div><div align="justify">.<br />3) O status elevado com que representam Lucas é fruto de uma racionalização anacrônica de nosso tempo. Para qualquer habitante do antigo mundo Mediterrâneo do final do século I d.C., – principalmente para os bem versados nas áreas de conhecimento disponíveis da época – nenhum dos detalhes lucanos confirmados pela arqueologia nos dias de hoje constituiria algo digno de admiração. Era comum até mesmo para autores trágicos (como Sófocles, Eurípides, Cícero, etc.) e ficcionistas (como Petrônio) respaldarem suas narrativas com detalhes históricos legítimos;</div><div align="justify">.<br />4) Grande parte dos detalhes lucanos “confirmados” pela arqueologia não são capazes de contribuir para estabelecer a veracidade da narrativa. Muitas vezes, o detalhe de confirmação é citado em Atos apenas “de passagem”, como em Atos 18.12, por exemplo, que ao relatar que os judeus se levantaram contra Paulo e o levaram ao tribunal, afirma que isso se deu “quando Gálio era procônsul da Acaia”. A narrativa de Atos 17 também se enquadra nesse perfil: trata-se de uma narrativa vaga, a qual apresenta apenas três termos específicos: Tessalônica, Casa de Jasom e poliarcas. Se retirássemos os dois últimos termos, e substituíssemos “Tessalônica” por qualquer outra cidade, a narrativa continuaria a ser coerente, como se fosse um molde aplicável a qualquer contexto narrativo e histórico; </div><div align="justify">.<br />5) Não é porque um escritor acerta com precisão detalhes históricos e topográficos que sua narrativa deverá ser considerada histórica. Diversas obras de ficção da antiguidade não apenas apresentam uma riqueza de detalhes históricos e topográficos autênticos sobre a época narrada, mas também estão cheios de minúcias capazes de tornar o relato coerente;</div><div align="justify">.<br />6) Deve-se ressaltar também que Lucas, embora demonstre ser apurado em topografia, geografia, política e outras características genéricas do mundo mediterrâneo, apresenta-se como um pesquisador inepto, confuso e ignorante em relação a historia, geografia e características genéricas da Palestina judaica da época de Jesus – região que, diferente do Mediterrâneo, provavelmente nunca conheceu. </div><div align="justify">.<br />Por exemplo, de acordo com o Evangelho de Lucas 9.10b, “[Jesus e seus discípulos] retiram-se à parte para uma cidade chamada Betsaida [eis pólin bêthsaida]”, seguidos por uma multidão. De acordo com o arqueólogo Rami Arav (2006), a definição que Lucas faz de Betsaida como “Pólis” está correta, pois no ano de 30 d.C. Filipe honrou a cidade de Betsaida proclamando-a “pólis”. No entanto, Arav (2006, p. 149) também afirma que a descrição oferecida por Lucas da cidade de Betsaida está simplesmente errada: “<em>Lucas refere-se à Betsaida como uma polis (Lc 9.10), e parece que ele não foi cuidadoso na sua definição do local</em>”. </div><div align="justify">.<br />Isso porque, a despeito do uso desse termo, a narrativa de Lucas, contraditoriamente, apresenta Betsaida não como uma verdadeira pólis, mas como um lugar deserto e rupestre. Lucas 9.12 afirma que os apóstolos pediram a Jesus que despachem a multidão, para que “fossem as aldeias e campos vizinhos, se hospedassem e comprassem alimentos” – o que significa que, na Betsaida descrita por Lucas, não havia alimentos nem moradia. Por isso, não poderia se tratar de uma pólis, cuja caracterização dada por Arav (2004, p. 147) admite a existência de “ginásio<em>, prédios governamentais, teatro</em>” e, com certeza (e principalmente) áreas urbanas e moradias, hospedarias e casas de refeições (desjejum e ceia). </div><div align="justify">.<br />Lucas faz o mesmo ao chamar todas as demais aldeias – como Nazaré, Belém, Cafarnaum, etc. – de “polis”. Nisso, Lucas não foi um escritor cuidadoso, já que faz generalizações inadequadas sobre aspectos regionais que ele não buscou conhecer com mais detalhes (REED, 2000, p. 169).<br />Além disso, Lucas foi anacrônico em sua descrição de Cafarnaum ao narrar, em Lucas 5.19, o episódio em que um paralítico é descido pelo “telhado” (keramon) de uma casa para que Jesus pudesse curá-lo. No entanto, a arqueologia demonstrou que os tetos das casas de Cafarnaum não possuíam telhado de cerâmica; eram feitos com madeira e palha (cf. HORSLEY; SILBERMAN, 1999, p. 55, e REED, 2000, p. 159). </div><div align="justify">.<br />A descrição lucana, em Lucas 4.15-20, sobre uma sinagoga muito bem estruturada administrativamente em Nazaré é um anacronismo. Nazaré era um pequeno e pobre povoado, sem condições de apresentar uma sinagoga tão suntuosa e bem estruturada como Lucas desejou que fosse (REED, op. cit.). </div><div align="justify">.<br />A confusão com que Lucas realiza suas descrições fica ainda mais evidente quando se lê a passagem de Lucas 17.11, onde se diz que Jesus “de caminho para Jerusalém, passava pelo meio de Samaria e da Galiléia” (diercheto dia meson Samareias kai Galilaias = [literalmente:] “passava através do meio de...”). Meier (1998, p. 237, 289) afirma que “não faz sentido dizer que Jesus estava passando através do meio de Samaria e da Galiléia em sua subida para Jerusalém” e que Lucas apresenta uma “geografia confusa”.</div><div align="justify">.<br />Os descuidos de Lucas são bastante evidentes. Lucas também afirma que, quando Maria Madalena e as outras mulheres voltam do sepulcro para contar aos demais que o mesmo estava vazio, Pedro “levantou-se e correu ao sepulcro. Abaixando-se, viu as faixas de linho e nada mais; afastou-se e voltou para sua casa [pros eauton], admirado com o que acontecera”. (Lc 24.12). </div><div align="justify">.<br />A palavra grega heautou é usada para se referir a casa da pessoa ativa em uma narrativa, como Lucas atesta em 11.21, ao usar essa palavra para denotar “palácio”, e Paulo em 1Co 16.2, ao denotar “casa”. Xenofonte, entre outros escritores do período clássico, também usa a expressão “pros heautou” com o sentido de “para sua casa” (BLUE LETTER BIBLE, 2009 [online]). </div><div align="justify">.<br />De acordo com Lucas 4.31,38, a casa de Pedro ficava em Cafarnaum, cidade da Galiléia distante aproximadamente 150 quilômetros de Jerusalém. Segundo Gênesis 31.23, uma jornada de um dia equivale de 30 a 40 quilômetros, de modo que Pedro levaria no mínimo 3 (três) dias para ir a sua casa e mais 3 (três) dias para voltar. No entanto, a mesma narrativa de Lucas coloca Pedro, algumas horas mais tarde, de volta a Jerusalém – como se fosse capaz de percorrer quase 300 quilômetros em poucas horas. </div><div align="justify">.<br />Por outro lado, esse erro (ou desleixo) geográfico se deve pela forma como Lucas usa, recorta e manipula o material de suas fontes e por seu programa teológico. Por exemplo, sobre essa mesma narrativa, deve-se notar que, de uma forma bastante estranha, Lucas se limita a dizer somente que Jesus havia aparecido a Pedro no versículo 34, omitindo uma descrição cristofânica de suma importância para seus leitores. Mas por que Lucas não narra como se deu tal aparição?<br /></div><div align="justify">.</div><div align="justify">De acordo com Raymond Brown, Joseph Fitzmyer e J. P. Meier (1998, p. 457) Lucas narra, sim, tal aparição, mas a desloca para o começo de seu evangelho, no relato da chamada de Pedro narrado em Lucas 5.1-11, que na realidade constitui um relato de cristofania pós-ressurreição a qual Lucas tratou de retroceder ao início do ministério público de Jesus. Desse modo, ao se deparar com duas tradições diferentes de epifania, uma que narrava a aparição do Jesus ressuscitado na Galiléia e outra que narrava a aparição do Jesus ressuscitado em Jerusalém, Lucas escolhe mutilar as tradições, retrojetando a aparição de Jesus a Pedro na Galiléia, mas deixando um resquício dessa tradição na frase “Pedro voltou para sua casa”. </div><div align="justify">.<br />O recenseamento de toda a Judéia e Galiléia pelo governador da Síria Quirino na época de Augusto constitui a imperícia histórica de Lucas mais conhecida. Tanto Raymond Brown (2005, p. 792) como Geza Vermes (2006, p. 225) afirmam que além de não existir qualquer prova ou registro de qualquer censo geral na época de Augusto, o primeiro recenseamento realizado de fato por Quirino como governador da Síria não abrangia a Galiléia, mas somente a província romana da Judéiam, e que isso aconteceu apenas em 6 d.C. ou seja, cerca de dez anos depois da morte de Herodes Magno. Além disso, mesmo que tenha havido um censo na época do nascimento de Jesus, José não seria obrigado pelas leias romanas a viajar para a terra ancestral da sua tribo, e tampouco Maria teria sido obrigada a acompanhá-lo. O censo seria realizado no próprio local de moradia. Desse modo, Lucas realiza uma confusão que, certamente, lhe serviu para o desenvolvimento de seu roteiro teológico. </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-76649973894547193772009-08-20T12:28:00.000-07:002009-08-20T12:36:42.027-07:00O pedantismo da apologia cristã em face à evidência manuscrita da obra Anais de Tácito<div align="center"><strong>O pedantismo da apologia cristã em face à evidência manuscrita da obra Anais de Tácito</strong></div><div align="right">F. C. Vieira Lima jr.<br /> </div><div align="justify"><br /><br />A apologética cristã se caracteriza pela posição ultra-fundamentalista na qual tenta defender e fundamentar suas idéias, interpretações e postulados religiosos. Orientadas pelo viés do atavismo patriarcalista do etnocentrismo hebreu e do exclusivismo religioso vem, desde a Antiguidade Tardia, tentando demonstrar, a todo o custo, a confiabilidade e superioridade de sua fé em relação às demais fés e de sua história em relação às demais histórias. Como qualquer grupo social, ao fazer proselitismo de sua crença tenta sabotar seus rivais.<br /><br />Uma das formas que o cristianismo apologético inventou para mostrar sua superioridade é o uso do argumento de que a providência divina tem estado do lado dos cristãos – por causa dos diversos fatos que (supostamente) demonstram isso. A preservação de seus “documentos sagrados” e sua variedade em relação aos demais textos de todas as épocas constitui o principal argumento para provar que Deus está do lado dos cristãos (e de mais nenhuma outra religião) e que sua religião é “superior” (e que nenhuma outra religião é).<br /><br />Tal prática de imposição ideológica foi sendo desenvolvida até que surgiu a necessidade de se persuadir às classes eruditas e embasadas na Ilustração e no pensamento racional douto. Nessa fase da apologia cristã, com o fim de contrapor o Iluminismo grego que renascia a partir do Renascimento europeu, a política de rechaçamento e perseguição foi substituída pela tentativa de provar a fé por meio da razão, como artifício retórico capaz de demonstrar e convencer as mentes intelectuais da credibilidade e ascendência da fé cristã. Para isso, porém, muitas vezes recorreram à apresentação argumentos falsos, falaciosos ou no mínimo errôneos, contribuindo assim para a disseminação da ignorância e de informações equivocadas para o público alvo.<br /><br />O público alvo, por sua vez, mesmo depois de décadas, dificilmente são capazes de se desvencilharem e de tomarem conhecimento desses erros e, ao se converterem por causa dessas informações equivocadas, contribuem para a manutenção e continuidade da tradição do equivoco que chegou a se infiltrar, inclusive, no mundo acadêmico.<br /><br />Chegando ao século XX, um exemplo do poder disseminador desse tipo de equivoco se encontra nas obras de Josh McDowell, um pregador cristão fundamentalista dos Estados Unidos, que nos anos 70 escreveu uma obra ultra-apologética chamada “Evidências que Exigem um Veredito” (1972, 1993). Nessa obra apresenta uma grande seleção de frases e informações, oriundas da pena de diversos estudiosos – especialmente arqueólogos e historiadores – que (supostamente) endossam a idéia de que as histórias transmitidas pelas narrativas neotestamentárias são incontestavelmente verdadeiras.<br /><br />Diversas informações apresentadas nesse livro, entretanto, foram demonstradas serem falsas e errôneas, sendo que muitos dos autores utilizados foram simplesmente retirados de seu contexto e/ou distorcidos. Se ao autor apologista Josh McDowell não falta disposição e determinação ao selecionar materiais corroborativos à sua fé, por outro lado, carece dos atributos básicos inerentes a qualquer estudioso sério, como, por exemplo, o senso crítico.<br /><br />Grande parte das vezes McDowell simplesmente arrola uma série de citações de estudiosos, sem parar para analisar nem a defasagem das informações apresentadas nem a veracidade de tais afirmações.<br /><br />Um caso típico em que McDowell tenta demonstrar a veracidade de seu exclusivismo religioso é quando tenta provar a credibilidade da Bíblia ao colocar em colunas paralelas o número de manuscritos remanescentes dos livros do Novo Testamento e os manuscritos restantes dos escritos do período clássico e greco-romano. Enquanto existem quase 25 mil manuscritos do Novo Testamento, diversos escritos da Antiguidade nem chegam a ter mais que um punhado de manuscritos remanescentes – o que demonstra, de forma pedante, a dos manuscritos bíblicos (o que pressupõe – o que para os cristãos apologistas já é o bastante – uma ilusória superioridade qualitativa).<br /><br />As obras de Tácito, um antigo historiador romano, foram vítimas desse “argumento”. A obra Anais, que descreve a decadência, na visão do autor, e as perversidades da tiraria romana na época da Pax Romana, é utilizada pelos cristãos apologistas para demonstrar que existe um número significativamente bastante baixo de testemunho textual que a evidencie.<br /><br />Esse argumento de caráter predominantemente etnocentrista e pedante, parte do livro “O Novo Testamento merece confiança”, F. F. Bruce (1990, p. 23-24), citado por McDowell (1993, p. 52-53) sem qualquer análise aprofundada, em que se realiza diversas comparações entre o numero de manuscritos sobreviventes do Novo Testamento e o numero de antigos textos de história clássica e romana, querendo com isso jactar-se da superioridade de manuscritos da Bíblia cristã. Para isso, compara o Novo Testamento com a obra antiga Anais de Tácito – da qual nos restam apenas 2 manuscritos não-completos. Bruce faz a seguinte declaração:<br /><br /><em>“Talvez nos possamos avaliar melhor quão rico é o Novo Testamento em matéria de evidência manuscrita se compararmos o material textual subsistente com outras obras históricas da antiguidade. [...] dos dezesseis livros de seus “Anais” [de Tácito), restam 10 completo e 2 incompletos. O texto das porções existentes das duas grandes obras históricas de Tácito depende totalmente de dois manuscritos, um do século nono e outro do século onze”.</em><br /><br />Para Mcdowell, essa é “uma evidência que exige um veredito” (um veredito, é claro, a favor da fé cristã e contra Tácito), pois “nenhum outro documento da história antiga chega perto dos números e da confirmação dos manuscritos do Novo Testamento” (p. 50). Ao ir folheando sua obra, fica clara o motivo de Mcdowell se apropriar dessa comparação: através dela poderá fazer analogia, pois, se a historiografia contemporânea dá crédito a obras como Anais de Tácito – que possuem um número tão irrisório de testemunhos manuscritos que datam de quase mil anos – por que não dá crédito à obra aos evangelhos, que em manuscrito e dada se mostra ser infinitamente superior? Esse parece ser um argumento convincente. Apenas parece. Nenhum desses argumentos é verdadeiro.<br /><br />Existem pelo menos dois fatores que contribuem para a derrocada argumentativa dessa posição. O primeiro fator corresponde ao porque da obra de Tácito ter sido transmitida à posteridade através de um numero bastante insignificativo de manuscritos. O segundo fator diz respeito a questão da datação que, se realmente for comparada, não demonstrará grande diferença entra a obra taciteana e a obra bíblica.<br /><br />Como se tem conhecimento, a igreja medieval realizou deu continuidade a um processo de triagem selecionando os documentos antigos úteis e salutares a fé cristã, e destruindo todos os demais documentos que, de alguma forma, fossem prejudiciais a sua fé. De fato, pode-se atribuir grande parte da insuficiência de manuscritos não-cristãos remanescentes à ação destrutiva dos cristãos antigos.<br /><br />O filosofo francês renascentista Michel de Montaigne ( p. 51, Vol. II), já no século XVI d.C., comentava sobre o papel destruidor da igreja em relação as obras de Tácito, afirmando que o número de manuscritos dessa obra, caso tivessem sobrevivido, constituiria um número considerável:<br /><br /><em>“É certo que nos primeiros tempos, quando nossa religião principiou a ser admitida pelas leis, o zelo dos prosélitos incitou à destruição de livros pagãos e a excessos que acarretaram mais prejuízo do que os incêndios perpetrados pelos bárbaros. Tem-se em Cornélio Tácito um exemplo típico do que afirmo, pois embora o imperador, seu parente, houvesse, mediante decretos especiais, espalhado sua obra pelas bibliotecas do mundo inteiro, nem um só exemplar completo escapou à sanha dos que, por causa de cinco ou seis trechos contrários a nossas crenças, o destruíssem”.<br /></em><br />O trecho que seria considerado o responsável pela perseguição eclesiástica anti-taciteana é Anais XV, 44, que, além de pressupor que os cristãos apostólicos (a quem os cristãos posteriores que destruíram os manuscritos taciteanos tinham o mais profundo apreço) “realizavam atrocidades”, rotula explicitamente o cristianismo de “perniciosa superstição” e “flagelo”. Além disso, Tácito compara o cristianismo a uma “coisa horrível e vergonhosa”, ao afirmar que a Roma afluem esse tipo de coisa e sustenta que os primeiros cristãos eram criminosos que deveriam ser condenados à morte por odiar o gênero humano: “os cristãos [eram] culpados e merecedores de maiores castigos [...]”. (TÁCITO, s/d, p. 248). É bem provável que Tácito tenha dirigido ainda mais insultos ao cristianismo nessa obra, pois boa parte da mesma não chegou a nós.<br /><br />De acordo com o historiador Momigliano (2004, p. 174), diversos cristãos piedosos do final da Idade Medieval lembravam que Tácito havia sido atacado pelo grande cristão patrístico Tertuliano por causa dos insultos que havia cometido contra os cristãos apostólicos. Tertuliano lembrava-se com ódio a afirmação taciteana de que o cristianismo não passava de uma ”monstruosa superstição” (TERTULLIAN, 2006 [online]).<br /><br />Já no período da Renascença a posição de Tertuliano e dos cristãos medievais, segundo Momigliano (2004, p. 178), ainda era comum entre diversos cristãos, em que muitos o chamavam de “um historiador pagão e inimigo do cristianismo” e diziam que “uma sílaba do Evangelho era preferível a toda obra de Tácito”. Desse modo, muitos foram os cristãos que “jogaram a água suja fora com o bebê”, pois deixaram que a imagem negativa que Tácito pintou dos cristãos em Anais XV, 44 contaminasse toda sua obra historiográfica.<br /><br />Desse modo, podemos concluir que, se por um lado restam poucos testemunhos textuais da obra Anais de Tácito, por outro lado, esse fato só pode ser explicado porque a Igreja cuidou de destruir todos esses testemunhos.<br /><br />Do mesmo modo, não há muito do que jactar-se sobre a superioridade quantitativa dos manuscritos do Novo Testamento, pois é certo que a Idade Medieval caracterizou-se como um período predominantemente controlado pela ideologia, cultura, política e religiosidade cristãs, de modo que isso contribuiu para a implementação do aumento no número de cópias do Novo Testamento em detrimento dos escritos pagãos. De acordo com Barth Ehrman (2000, p. 443), era inevitável, dado o contexto medieval, que obras como Tácito fosse pouco preservadas, e que cópias dos livros do Novo Testamento fossem abundantes:<br /><br /><em>“Naturalmente, deveríamos esperar que o Novo Testamento fosse copiado na Idade Média com mais freqüência do que Homero, Eurípides ou Tácito; os copistas treinados em todo o mundo ocidental na época foram escribas cristãos, freqüentemente monges, que, na sua maioria, estavam preparando cópias desses textos para fins religiosos. Ainda assim, o fato de que temos milhares de manuscritos do Novo Testamento que foram feitos durante a Idade Média, muitos deles de milhares de anos após Paulo e seus companheiros terem passado sobre a face da terra, não significa que podemos estar certos de que sabemos o que o texto original dizia. Pois, se temos muito poucas cópias antigas (na verdade, praticamente nenhuma), como podemos saber que o texto não foi alterado de forma significativa antes que começasse a ser reproduzido em quantidades tão grandes?”.</em><br /><br />Desse modo, na mesma medida em que os cristãos destruíam a literatura pagã, produziam mais e mais cópias dos documentos cristãos considerados sagrados. Por isso, não é de se estranhar que 97,2% dos testemunhos textuais do Novo Testamento grego pertençam a Idade Medieval – época em que a cultura, sociedade e política eram dominadas pela Igreja, que reproduziu centenas de cópias do Novo Testamento para sua propaganda religiosa.<br /><br />Ainda assim, apenas 2,8% de todos os manuscritos do Novo Testamento grego pertencem à Idade Antiga Tardia. 93,6% desses manuscritos foram escritos depois do século 9° d.C. - ou seja, mais de 800 anos após os relatos que narram. Ou seja, a parte absolutamente majoritária dos textos do Novo Testamento data de quase a mesma época que Bruce alegou datar os manuscritos remanescentes de Anais de Tácito. Apenas 0,03% de todos os manuscritos existentes do Novo Testamento pertencem ao século II d.C., e se constituem meros 2 papiros fragmentados – o que não é grande coisa.<br /><br />Já os manuscritos do Novo Testamento latino, etiópico, eslovânico, armênio, siríaco e copta, que constituem quase 20 mil de todos os manuscritos existentes, são tardios e escritos após o século IV. D.C. São chamados de “testemunhas indiretas” (sendo que as testemunhas diretas seriam os manuscritos escritos em grego) e datam do ano 350 d.C. até o século IX. Algumas versões podem remontar ao ano 180 d.C., mas nesse caso são poucos os manuscritos. De acordo com Mainville (1999, p. 34) “as únicas versões [das testemunhas indiretas] de alguma utilidade para a crítica textual são as que foram traduzidas diretamente do texto grego, ou foram revistas com base no texto grego”. Somente as mais de 10 mil versões do Novo Testamento da Vulgata Latina pertencem ao século IV d.C. Já os manuscritos siríacos, que somam mais de 350 manuscritos, datam entre os séculos IV e V d.C. O mesmo pode ser dito em relação às versões copta, armênio, geórgico, entre outras, que tem a mesma idade. Já a versão etiópica, que conta com mais de 2 mil manuscritos, são datados desde o século XIII d.C., sendo que a maior parte de todas essas versões são oriundas do texto bizantino, considerado a pior família textual, em termos de pureza e confiabilidade, dos manuscritos do Novo Testamento.<br /> </div><div align="center"><br /><br /><strong>BIBLIOGRAFIA<br /></div></strong><div align="left"><br />ALAND, Kurt (ed.) [et al]. The New Testament Greek. Third Edition. Stuttgart-Germany: United Bible Societies, 1988.<br /><br />ALAND, Kurt; ALAND, Barbara. The Text of The New Testament: An Introduction to the Critical Editions and to the Theory and Practice of Modern Textual Criticism. 2nd. Revised Edition. Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company / Grand Rapids, 1995.<br /><br />BRUCE, F. F. Merece confiança o Novo Testamento? 2.ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1990.<br /><br />EHRMAN, Bart D., The New Testament: an historical introduction to the Early Christian writings, 2000.<br /><br />MAINVILLE. Odete. A Bíblia à luz da história. São Paulo: Paulinas, 1999.<br /><br />MCDOWELL, Josh. Evidência que exige um veredito: evidências históricas da fé cristã. São Paulo: Candeias, 1993.<br /><br />MOMIGLIANO, Arnoldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. Trad. Maria Beatriz B. Florenzano. Bauru, SP: EDUSC, 2004.<br /><br />TÁCITO, C. Cornélio. Anais. Trad de Leopoldo Pereira. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.<br /><br />TERTULLIAN. Ad Nationes. Trad. Dr. Holmes. In: KIRBY, Peter. Early Christian writings. 2 Feb. 2006. Disponível em: <> Acesso: 20 ago. 2009.</div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-23554200835081769312009-04-09T10:21:00.000-07:002009-04-09T10:22:56.539-07:00Craig-Carrier Debate - A ressurreição de Jesus aconteceu? Um debate entre William Lane Craig e Richard Carrier<div align="center"><strong>Craig-Carrier Debate<br />A ressurreição de Jesus aconteceu? Um debate entre<br />William Lane Craig e Richard Carrier</strong><br />Que ocorreu em 18 de Março de 2009<br />Fonte:<br /><a href="http://eternalhope.blog-city.com/did_the_resurrection_of_jesus_happen_a_debate.htm">http://eternalhope.blog-city.com/did_the_resurrection_of_jesus_happen_a_debate.htm</a><br />Tradução: Prof°. Vieira Lima Jr.<br /></div><div align="justify"><br /><br />A Ressurreição de Jesus, depois de 2000 anos, continua a suscitar debate. Estudiosos continuam a disputa sobre se o que se relata no Novo Testamento, realmente aconteceu ou se era mito. Um debate entre dois professores de pontos de vista opostos sobre este tema foi realizado recentemente perto de onde eu moro. Os dois homens debateram a partir de dois backgrounds totalmente diferentes. William Lane Craig, defendendo a historicidade da Ressurreição, é um professor teólogo e filosofo. Richard Carrier, defendendo a posição de que a ressurreição não aconteceu, é especialista em história grega e romana. Ambos abordaram o tópico a partir de dois backgrounds diferentes, o que os levou a duas conclusões opostas.<br /><br />Craig afirmou que existencial e histórica evidência mostra que a ressurreição aconteceu tal como relatada na Bíblia. Ele disse que há quatro fatos que devem que ser explicados por aqueles que não acreditam na historicidade da Ressurreição:<br /><br />- 1. O fato de que ele foi enterrado, por um membro do Sinédrio;<br />- 2. O fato do túmulo vazio, nunca contestada;<br />- 3. As várias aparições do Jesus ressuscitado a várias pessoas;<br />- 4. O fato de que os discípulos acreditaram em uma ressurreição física literal.<br /><br />Craig argumentou que todas essas proposições foram corroboradas por várias fontes independentes. Ele disse que “enquanto o túmulo está ocupado, não pode haver cristianismo”. Mas os primeiros sermões de Atos e Paulo, todos estabelecem a Ressurreição, e Mateus especificamente escreveu seu livro para fazer uma defesa contra as acusações de que discípulos haviam roubado o corpo do túmulo. Ele disse que a ressurreição foi primeiro descoberta por mulheres, e disse que elas não eram consideradas testemunhas confiáveis aos olhos dos romanos. Além disso, Craig disse que o fato de que foi um membro do mesmo Sinédrio que matou Jesus que enterrou seu corpo, combinado com o fato de que as mulheres foram as primeiras a testemunharem a ressurreição significa que os relatos dos Evangelhos são trabalhos históricos, e não criações literárias. Craig disse que, porque Marcos foi “gritante em sua simplicidade” em comparação com os relatos posteriores, isso significava que seu objetivo foi o de fornecer uma narrativa histórica. “Os antigos polemizadores judaicos pressuporam que houve um túmulo vazio” disse ele. “Eles tiveram de encontrar uma maneira de explicar isso de uma forma que não implicasse uma ressurreição”.<br /><br />Craig afirmou que, contrariamente aos argumentos que alegam que Paulo não aceitou um corpo ressuscitado, ele disse que, na verdade, Paulo vislumbrou uma transformação de um corpo terreno para um corpo glorificado e transformado, que Craig disse que foi o que aconteceu com Jesus na teologia paulina. Além disso, Paulo enumera muitas testemunhas, incluindo o 500, Tiago, todos os apóstolos e, em seguida, o próprio Paulo. Craig concluiu que, uma vez que as epístolas de Paulo foram escritas apenas alguns anos após a ressurreição, a mesma não poderiam ter sido não-histórica.<br /><br />“Houveram várias atestações independentes de que Jesus foi ressuscitado dentre os mortos”, disse Craig ao concluir sua declaração de abertura. “Seu líder estava morto, crenças judaicas impediam essa ressurreição, assim, o que poderia ter feito os discípulos terem uma poderosa e transformadora experiência?" Craig disse que a melhor resposta é a de que Jesus ressuscitou dos mortos. “Isso explica o âmbito, o poder da mensagem, é plausível, não era ad hoc ou artificial, foi aceita de acordo com crenças cristãs, e que agora ultrapassa outras teorias”.<br /><br />Mas Carrier disse que as duas fontes de Craig, as epístolas e os Evangelhos, não têm relevante valor histórico. “Eles relataram mitos, mas não história”, disse ele. Ele caracterizou as narrativas da Ressurreição como um “histérico e inacreditável” mito em que até mesmo alguns dos nomes eram falsos. Por exemplo, ele disse que Barnabás [Barrabás] não era um nome verdadeiro, e que os relatos dos Evangelhos contêm simbolismos mitológicos. Especificamente, Carrier disse que os Evangelhos apresentam Jesus constantemente invertendo expectativas e que houve coincidências que foram “notavelmente cômodas” para que possa ser uma narrativa histórica.<br /><br />Por exemplo, em vez de Tiago e João sobre a cruz, havia dois ladrões. Os homens, que foram supostamente os seguidores de Jesus até o fim, abandonaram-no, enquanto as mulheres ficavam com ele, seguindo-lhe todo o caminho até a cruz e sendo as primeiras a se encontrarem com ele depois. De fato, Carrier caracteriza Marcos como tendo construído o seu livro a partir de passagens do Antigo Testamento e de contos romanos. Especificamente, ele disse que a cena da Crucificação foi emprestada de Salmo 23, enquanto Gênesis, Eclesiastes, Crônicas e Salmos 24 foram de outras passagens emprestadas a seu livro. Como outro exemplo, Carrier disse que o relato da estrada de Jerusalém foi emprestado de similares contos romanos sobre seu fundador, Rômulo. Lázaro, a pessoa que ressuscitou dos mortos por Jesus, “não foi citado em nenhum outro lugar”, mas apenas em João, fazendo Carrier concluir que era um mito. Carrier disse que o objetivo da estória de Lázaro em João foi para argumentar contra a parábola do Homem Rico e Lázaro em Lucas, argumentando que, se as pessoas fossem levantadas dos mortos, as demais pessoas seriam convencidas. Mateus e Marcos, disse Carrier, são “brutalmente contraditórios”, com Mateus tomando de empréstimo o seu relato da ressurreição do conto de Daniel na Cova dos Leões.<br /><br />"Histórias não são escritas dessa maneira", continuou Carrier, que continuou a dar exemplos e explicações. "Houve trevas e terremotos no momento da crucificação, que mais ninguém registrou. Todas as pessoas e eventos foram fabricados (were made up)." O conhecimento de Paulo, ele disse, foi “revelado do céu”. Referindo-se às passagens em Gálatas e 1Coríntios, ele disse que Paulo derivou supostamente todos os seus conhecimentos de Deus. Mas Carrier disse que “a ciência moderna mostra que” existem melhores explicações naturalistas, tais como alucinações, explicando as revelações de Paulo. “Pessoas em todo o mundo tiveram este tipo de alucinação”, explicou Carrier. “Não há provas de que as experiências de Paulo foram uma exceção”. Ele disse que os escritos e as experiências dos primeiros cristãos eram “alucinações religiosamente motivadas” e que havia muitas seitas judaicas místicas semelhantes que estavam florescendo naquela época. Por exemplo, em 2 de dezembro de 2008, a Scientific American dedicou um artigo inteiro explicando como alegadas alucinações de entes queridos são uma parte normal do processo de luto após a morte. Além disso, Carrier disse que os cultos de Cargo e os Shakers e outros grupos religiosos também tiveram essas experiências.<br /><br />Carrier rejeita a crença do túmulo vazio, dizendo que não houve conhecimento ou investigação de um corpo ausente, o que teria acontecido se tivesse havido um túmulo vazio. “A maioria dos corpos não ressuscitam dos mortos”, disse ele. Carrier disse que, mesmo se houvesse um corpo ausente, isso ainda não quer dizer que foi ressuscitado. E ele disse que o comportamento de Jesus não era compatível com o de um salvador que morreu e foi ressuscitado por nossos pecados. “Se fosse esse o caso, então, ele teria aparecido para o mundo inteiro”, argumentou. Mas Carrier disse que a explicação mais naturalística e lógica era que as pessoas que tiveram este tipo de visões eram respeitadas como profetas naquele tempo na antiga Jerusalém.<br /><br />Mas Craig disse que os pontos de vista de Carrier sobre a ressurreição estavam “fora do tendência” da maioria estudiosos, os quais ele disse considerarem a Ressurreição como histórica. Craig disse que o objetivo das aparições de Jesus foi comissionar seus discípulos e que as pessoas que não ouviram o evangelho não seriam julgadas com as mesmas normas como as que ouviram. Citando as narrativas das mulheres vendo o Cristo ressuscitado, e o membro do Sinédrio que enterrou Cristo, ele disse que era improvável que tivessem incluído relatos míticos e que o objetivo do livro era descrever eventos que aconteceram. Além disso, Craig alegou que havia abundância de acontecimentos na vida de Jesus sem paralelos, como a sua unção, por exemplo.<br /><br />“Existem várias fontes independentes, que atestam a Ressurreição de Cristo”, disse Craig. Especificamente, ele citou os relatos dos quatro Evangelhos e os sermões de Atos. Ele disse que era, portanto, “irrelevante” que Paulo tenha aprendido a Ressurreição pela revelação e que Marcos é pré-paulino, o que significa que ele não poderia ter sido influenciada de qualquer forma por Paulo. “Lamento, mas não houve reversão de expectativas", disse Craig. “Marcos foi dominado pelo cumprimento das expectativas de Jesus. Mateus foi escrito para resolver o alegado furto [do corpo] de Jesus do túmulo”. Ele disse que nenhuma das explicações naturalistas explicou todo o quadro e que as alegadas alucinações só explicam as aparições de Cristo e não explica mais nada. “Se você alucinar sobre um morto, ainda assim você percebe que essa pessoa está morta”, disse Craig.<br /><br />Mas Carrier argumentou que a maioria dos corpos que somem, não some porque foram ressuscitados dos mortos. Ele disse que o ônus da prova estava sobre Craig em afastar explicações naturalistas antes de aceitar uma ressurreição física. Ele disse que não houve consenso acadêmico e que Craig tinha ignorado muitos que eram agnósticas sobre a ressurreição. “Foi uma coincidência notável que todas estas histórias paralelas aparecem em Marcos”, disse ele. Referindo-se a referência de Craig aos sermões de Atos, ele disse que era uma prática comum nos tempos antigos escritores inventarem discursos. Por exemplo, Tucídides, o historiador grego, que escreveu sobre as guerras entre Atenas e Esparta entre 430 e 405 a.C., quando não estava fisicamente presente em um importante discurso político, ele mesmo escrevia o que as figuras falavam, “quanto a ocasião exigia”.<br /><br />Carrier disse que era “completamente falso” que as mulheres não eram consideradas testemunhas confiáveis na Roma antiga. “Não havia nada de embaraçoso sobre Marcos ter mulheres como as primeiras a encontrarem Jesus”, disse ele. Ele disse que o fato de que as mulheres encontrarem Jesus primeiro simbolizava o fato de que o menor deveria ser o primeiro. “Marcos colocou os motivos dele ter procurado escrever isto”, disse ele. Referindo-se à disputa em torno do túmulo, Carrier alegou que não houve disputa em torno do túmulo, porque se o corpo tivesse desaparecido, teria havido uma investigação e um julgamento. “Nós simplesmente não sabemos o que aconteceu com o corpo”, concluiu. Ele disse que alucinações eram experiências totalmente típicas do comportamento dos primeiros cristãos como grupo que procuravam avançar a partir da morte de seu líder. “Isto não é psicanálise, mas uma questão de tomar ciência reais em relatos para determinar o que aconteceu”, disse Carrier.<br /><br />Mas Craig disse que os primeiros cristianismos nunca teriam surgido sem um túmulo vazio e repetiu a sua afirmação de que havia várias fontes independentes atestam um túmulo vazio. Ele disse que as únicas coisas que as mulheres poderiam testificar eram a sua virgindade ou o fato de que eram viúvas e que Josefo caracteriza as mulheres como “demasiadamente tendenciosas [tightheaded]” e que só foram utilizados quando necessário. Por isso, não poderia ter sido uma obra ficcional e que era, portanto, um relato histórico o que aconteceu. Ele chamou o argumento de Carrier sobre coincidências “fora dos trilhos [ou um trocadilho inglês entre o significado do nome de Carrier e sair dos trilhos. Uma boa tradução portuguesa seria ‘carris’]”, e afirmou que a teoria da “reversão de expectativas” foi "[concoted] pelo meu adversário", e chamou as interpretações de Carrier de Paulo "debilitada exegese que nenhum estudioso paulino não iria aceitar”.<br /><br />Carrier disse que os cristãos “regularmente” alucinaram naqueles tempos e perguntou: "Quais são as chances de que todas estas coincidências sejam históricas?" Ele disse que houve vários nomes alegóricos polvilhados no Novo Testamento e várias coincidências, por exemplo, Salomé, uma das mulheres que estava com Jesus até o fim, foi o nome feminino de Salomão. O túmulo vazio, por exemplo, ele disse, foi semelhante ao túmulo da Asa no Antigo Testamento. Carrier disse que a Estória da Crucificação foi emprestada de Salmos 22-24, citando o que ele chamava de conceitos semelhantes e formulação. A estória do jovem nu que fugiu dos soldados na época da captura de Jesus e o mensageiro no túmulo de Marcos, disse Carrier, foram emprestados de narrativas romanas de mistério. “É estranho que Jesus apareceu a apenas algumas pessoas se ele queria salvar o mundo inteiro”, disse ele. “São todas essas incríveis coincidências que o meu adversário quer que vocês acreditem como sendo fatos históricos. Estes cristãos eram propensos a alucinações. Os Evangelhos foram fabricados em uma base regular. Não houve qualquer interesse em comunicar os fatos”. Ele disse que havia várias fontes independentes em tempos antigos que contam sobre as histórias de Hércules, mas que isso não fez de Hercules uma figura histórica.<br /> </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-2305482329022315732009-02-19T19:47:00.000-08:002009-02-19T19:56:25.302-08:00As narrativas evangélicas são confiáveis?<div align="justify"><strong>As narrativas evangélicas são confiáveis?</strong><br /> <br />1 - Os Evangelistas não era "historiadores". Eram "evangelistas", e isso já diz tudo sobre que tipo de trabalho escreveram:<br /><br /><em>"Os evangelhos não são nem narrativas históricas, nem biografias (mesmo dentro dos esquemas flexíveis que guiavam estes dois gêneros na Antiguidade). Eles são exatamente aquilo de que passaram a ser chamados mais tarde: Evangelhos, ou “boas novas”. Daí podem-se retirar duas advertências. O que é “bom” depende da interpretação ou opinião de um indivíduo ou de uma comunidade. E “novas” é mais plural do que se pensa"</em> (Crossan, 1994, p. 30).<br /><br />2 - Nem é preciso ser um historiador mentiroso para se escrever dados falsos e incompativeis com a realidade. Foucault, Derrida, Hyden White, Barthes, De Certeau, e até mesmo Ginzburg já demonstraram que quando se escreve uma narrativa histórica, não se está descrevendo o que se passou, mas aquilo que o autor pensa que ocorreu, segundo a forma de selecionar e organizar o conteúdo dentro de sua mente.<br /><br /><em>"Tudo o que está narrado nos Evangelhos encontramos interpretados pelos seguidores de Jesus, não por seus adversários, por isso, são interpretações favoráveis: é o Filho de Deus, o Messias. Em outras palavras, é impossível uma interpretação imparcial e neutra"</em> (Arens, 2007, p. 88).<br /><br />Isso não é "preconceito contra as fontes cristãs" (se fosse, não seria aplicada a qualquer narrativa histórica não-cristã) e nem "pressuposições" (pressuposições são boas, desde que não sejam falsas). É um fato que hoje permeia o mundo acadêmico de modo interdisciplinar mediante a disciplina na Análise do Discurso.<br /><br />Entre os historiadores da antiguidade existia distinção entre “os eventos que ocorreram (res gestae), e nosso relato a respeito (historia rerum gestarum)”. Portanto, ainda que se queiram que os Evangelistas tenham sido "escritores confiáveis", a própria natureza da narrativa (evangélica ou não) impede os Evangelhos de serem documentos 100 por cento exatos. São frutos de uma compreensão construtiva que traduz de uma realidade captada.<br /><br />3 - Os Evangelhos são obras de PROPAGANDA RELIGIOSA, e não relatos históricos.<br /><br />A Primeira Busca Pelo Jesus Histórico (século XVII aos anos 20 do século XX), de cunho Iluminista, foi inaugurada por Hermann Reimarus (1694-1768) e continuada por David F. Strauss (1808-1874), Johann J. Griesbach (1745-1812), e Ernest Renan (1823-1892). Caracterizou-se pela tentativa de elaborar uma figura válida para Jesus utilizando a racionalidade.<br /><br />No entanto, teve seu fim quando, no início do século XX, Albert Schweitzer (1875-1965) e, mais tarde, Rudolf Bultmann (1884-1976), argumentaram que um Jesus histórico era impossível, pois que os evangelhos são produtos da fé, e não relatos dos quais se possam retirar informações históricas.<br /><br /><em>"Os quatro evangelhos são realmente fontes difíceis; o fato de serem os primeiros escolhidos da rede não significa a garantia de que eles reproduzem as palavras e os atos históricos de Jesus. Impregnados da fé pascal da Igreja Primitiva, altamente seletivos e ordenados segundo diversos programas teológicos, os Evangelhos canônicos exigem uma seleção minuciosa para deles se retirar informações confiáveis à pesquisa. [...] Décadas de adaptação litúrgica, expansão homilética e atividade criativa por parte dos profetas cristãos deixaram sua influencia nas palavras de Jesus nos Quatro Evangelhos". (</em>Meier, 1993, p. 145).<br /><br />4 - Os Evangelhos não são os documentos mais "testificados na história".<br /><br />Muito tem-se comparado o número de manuscritos existentes do Novo Testamento, com os das demais literaturas mundiais. Até o ano de 2005, encontraram mais de 5745 manuscritos do Novo Testamento.<br /><br />No entanto, apenas 2,8% pertencem a Idade Antiga Tárdia. 97,2% são manuscritos medievais, 93,6% foram escritos depois do século 9° d.C. - ou seja, mais de 800 anos após os relatos que narram.<br /><br />Apenas 0,03% de todos os manuscritos existentes do Novo Testamento pertencem ao século II d.C., e se constituem meros 2 papiros fragmentados.<br /><br />Costuma-se comparar o Novo Testamento com a obra antiga Anais, de Tácito - a qual nos restam apenas 2 manuscritos não-completos. Fazem isso jactando-se, mostrando com orgulho que existe muito testemunho textual para o NT do que existe para as obras de Tácito. Mas esquecem-se do que Montaigne, no século XVI d.C., já dizia:<br /><br /><em>"É certo que nos primeiros tempos, quando nossa religião principiou a ser admitida pelas leis, o zelo dos prosélitos incitou à destruição de livros pagãos e a excessos que acarretaram mais prejuízo do que os incêndios perpetrados pelos bárbaros. Tem-se em Cornélio Tácido um exemplo típico do que afirmo, pois embora o imperador, seu parente, houvesse, mediante decretos especiais, espalhado sua obra pelas bibliotecas do mundo inteiro, nem um só exemplar completo escapou à sanha dos que, por causa de cinco ou seis trechos contrários a nossas crenças, o destruíssem".</em> (Michel de Montaigne, p. 51, Vol. II).<br /><br />Ou seja: se temos pouco testemunho textual da obra de Tácito, é porque a IGREJA cuidou de destruir todas!<br /><br />Do mesmo modo, se temos muito testemunho textual do NT (97,2% esritos na Idade Madieval - época em que a cultura, sociedade e política era dominada pela Igreja), é porque a IGREJA reproduziu centenas de cópias do NT para sua propaganda religiosa.<br /><br />5 - Os evangelistas inventam ditos e atos de Jesus inautêntivos, movidos por suas orientações teológicas e ideológicas.<br /><br />Um pequeno exemplo disso pode ser observado quando nos deparamos com passagens no NT em que Jesus afirma que sua mensagem é para ser pregada exclusivamente para os judeus (cf. Mc 7.27; Mt 10:6), com observações deliberadamente depreciativas sobre os gentios, chamados de ‘cães’ ou ‘cachorrinhos’ e de ‘porcos’ (Mc 7:27; Mt 15:26; cf. Mt 7:6)”.<br /><br />No entanto, Lucas, o "Evangelho dos gentios", ao dirigir-se a um público principalmente gentio, risca ou deixa de lado as passagens que em Marcos e/ou Mateus sublinhavam a orientação exclusivamente judaica da missão de Jesus e seus discípulos imediatos.<br /><br /><em>"Se Jesus tivesse deixado claro aos seus apóstolos que sua mensagem era destinada ao mundo todo, e não apenas aos judeus, seria impossível explicar por que, segundo os Atos dos Apóstolos, a igreja primitiva, e Paulo em particular, encontraram tantas dificuldades, quase insuperáveis, quanto à admissão de gentios na comunidade cristã. A única conclusão lógica possível é que, para legitimar a presença crescente de não judeus na igreja, falas fictícias foram inseridas nos Sinópticos, nas quais o próprio Jesus ordena a proclamação do evangelho além dos confins do mundo judeu"</em> (Vermes, 2006, p. 188,189).<br /><br />6 – Os evangelistas são tendenciosos, porque cuidam de subtrair tudo aquilo que os desagradam.<br /><br />Exemplo disso é a figura de João Batista.<br /><br />Marcos (1.4-11) relata, sem qualquer explicação teológica, o batismo de Jesus – sendo que o batismo era destinado a purificação dos “pecadores” – deixando implícito que Jesus era um pecador se submetendo a João Batista.<br /><br />Mateus, sentindo-se constrangido ao ver seu “Senhor”, puro e imaculado, sendo batizado, cria um diálogo em que João Batista confessa ser indigno de batizar Jesus e só o batiza depois que o mesmo lhe ordena (Mt 3.13-17).<br /><br />Já Lucas, afirma que João Batista foi preso e morto antes do batismo de Jesus e por isso deixa de mencionar quem foi que o batizou, sendo significativamente lacônico nessa passagem (Lc 3.19-22).<br /><br />João, por sua vez, suprime por completo qualquer relato de Jesus sendo batizado (Jo 1.29-34), e acrescenta Jesus como um “batizador” concorrente de João Batista (Jo 3.22,26). Depois de ponderar, pensa que não é correto equiparar Jesus a João Batista pelo ato de batizar e afirma que Jesus “não batizava” (Jo 4.2).<br /><br />De acordo com Meier (1993, p. 171): “<em>é possivel que a Igreja de então, vendo-se “atrapalhada” com um acontecimento da vida de Jesus considerado cada vez mais embaraçoso, tivesse procurado atenuá-lo de várias formas, até que João Evangelista finalmente o suprimiu de seu Evangelho".<br /></em><br />Segundo Crossan (1994, p. 268), a “<em>tradição não parece aceitar muito bem a idéia de João batizar Jesus, pois isso faz com que João pareça superior e Jesus um pecador”.</em><br /><br />“<em>O Batista constituía uma pedra no caminho no inicio da história de Jesus segundo o cristianismo, uma pedra bastante conhecida para ser ignorada ou negada, uma pedra que cada um dos evangelistas tinha que contornar da melhor forma possível”.</em> (Meier, 1996, p. 37).<br /><br />Se os Evangelhos fazem isso com João Batista, o que podemos pensar sobre o que fizeram a respeito de Jesus?</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Fontes:</div><div align="justify"> </div><div align="justify">ALAND, Kurt (ed.) [et al]. The New Testament Greek. Third Edition. Stuttgart-Germany: United Bible Societies, 1988. </div><div align="justify">ARENS, Eduardo. A Bíblia sem mitos. Uma introdução crítica. São Paulo: Paulus, 2007.</div><div align="justify">CERTEAU, Michel de. A Escrita da história. Trad. de Maria de L. Menezes; rev. técnica [de] Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. </div><div align="justify">FUNARI, Pedro Paulo A. Documentos: Análise tradicional e hermenêutica contemporânea. In: ______________. Antiguidade clássica. A história e a cultura a partir dos documentos. 2.ed. Campinas,SP: Editora da UNICAMP, 2003. </div><div align="justify">GINZBURG, Carlo. Relações de força. História, retórica, prova. Trad. Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. </div><div align="justify">CHEVITARESE, André Leonardo. CORNELLI, Gabrielli; SELVATICI, Mônica (Org.) Jesus de Nazaré: Uma Outra História. São Paulo: AnnaBlume; FAPESP, 2006. </div><div align="justify">CROSSAN, John Dominic. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu mediterrâneo. Trad. André Cardoso. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.</div><div align="justify">MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: as raízes do problema e da pessoa. 3. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. Vol. I. </div><div align="justify">MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I. </div><div align="justify">MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo: Abril, 1974. (Coleção. Os Pensadores). Volume 2. </div><div align="justify">VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006. </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-41982080665874728342009-02-19T19:29:00.000-08:002009-02-19T19:47:48.173-08:00Lucas é um historiador confiável? A controvérsia da confiabilidade histórica os evangelhos bíblicos<strong>Lucas é um historiador confiável? </strong><br /><br /><div align="justify">Por Richard Carrier¹ (adaptação²)<br /><br />A qualidade ou confiabilidade de um fonte requer uma avaliação de todos os fatores relevantes. Os evangelhos são falhos como relatos confiáveis porque falham em todos os critérios, não porque falham em um ou dois. Para encurtar a conversa, Lucas, o melhor deles, não oferece nenhuma das marcas de um historiador crítico e cuidadoso, em vez disso prega e propagandeia, e implicitamente serve uma agenda ideológica, não uma objetiva investigação em direção a verdade.</div><div align="justify"><br /> Para uma boa comparação extrema, compare os explícitos métodos de Arrian com Lucas-Atos: Arrian relata a história de Alexandre o Grande quinhentos anos após os fatos. Mas o faz explicitamente oferecendo um método seguro. Arrian diz que ignorou todas as obras não escritas por testemunhas. Em vez disso, confiou somente em antigos textos disponíveis de testemunhas oculares da campanha de Alexandre. Eles os nomeia e discute suas conexões com Alexandre. Ele então diz que, sobre cada ponto onde eles concordam, simplesmente registraria o que eles disseram, mas onde discordam de modo significativo, ele citaria ambos relatos e identificaria as fontes que discordam.<br /><br />Contudo, este não é o melhor método – métodos modernos foram melhorados consideravelmente –, mas está entre os melhores métodos empregados na antiguidade. Isso é consideravelmente diferente do que apenas escrever histórias quinhentos anos mais tarde. Deixando claro, se Arrian fez o que disse, ele é quase tão bom quanto a fonte de uma testemunha ocular (de fato, argumentavelmente melhor). Agora, perceba como Lucas não faz nada disso (nem nenhum outro evangelista).<br /><br />Não temos idéia sobre as fontes que Lucas usou e para quais informações. Também não temos idéia sobre como ele escolheu em quem confiar ou quem incluir. Lucas, portanto, não pode ser associado a Arrian como historiador crítico. Ele consegue ser ainda pior quando comparado como Polybius ou Thucydides. Nem mesmo alcança o nível de historiadores inferiores como Tácito e Josefo – que apesar de não oferecerem uma clara discussão dos seus métodos, frequentemente nomeiam suas fontes e explicitamente mostram um senso crítico ao escolher entre relatos divergentes e confusos.<br /><br />O significado disso é simples: consideramos um fato que esses historiadores executaram ao menos alguma pesquisa decente, criticamente examinaram a evidência e admitiram a dúvida ou as informações conflitantes.<br /><br />Não confiamos em nenhum historiador antigo tanto quanto confiamos em um bom historiador moderno – todos os antigos historiadores erraram em uma variedade de pontos por uma variedade de razões (então, por extensão, podemos estar certos que Lucas também). Mas confiamos nos antigos historiadores na medida em que eles demonstram as qualidades de um historiador confiável, como ser um pensador crítico com um interesse explícito em averiguar alegações contra documentos e relatos de testemunhas.<br /><br />Todos os evangelhos discordam. Mesmo Lucas, que alega ter seguido tudo precisamente, deixa de fora muitas coisas. Lucas também reescreve o que Jesus disse ou fez de modo levamente diferente da sua fonte (provavelmente Marcos) e oferece uma cronologia muito diferente da de João. Obviamente, deve ter havido discordâncias. Um historiador crítico comentaria as discordâncias e, se possível, as resolveria nomeando e citando fontes. Por exemplo, considere os atuais esforços dos cristãos para harmonizar os relatos dos evangelhos. Isso é exatamente o que um autor como Lucas teria feito, tivesse ele sido um historiador crítico e não apenas um porta-voz defendendo uma ideologia.<br /><br />Mas o problema, de fato, não é apenas que Lucas não se esforçou para resolver as disputas e diferenças entre suas fontes, assimo como não fez qualquer esforço para nomeá-las, averiguá-las ou estabelecer os méritos de qualquer uma das suas fontes. Este são problemas sérios. Mas o maior é que Lucas não diz nada sobre seus métodos – assim não podemos saber quão confiáveis são - ou suas fontes –, então não podemos saber quão confiáveis eles são – ou mesmo quem eram. Muitos outros historiadores ao menos nos dizem isso em algum lugar – alguns, como Appian e Josefo, mesmo ao escrever autobiografias inteiras.<br /><br />Mesmo no geral, Lucas não se comporta como um pensador crítico. Um pensador crítico começa cético e somente termina crendo após encontrar fortes evidências - e então esperar que sua audiência se aproxime da verdade do mesmo modo. Consequentemente, ele expressa dúvidas sobre alegações incríveis e então vai adiante explicando porque não acredita, ou admite no que ele acredita mas não é certo, e assim por diante. Historiadores antigos nem sempre são bons nisso. Mas ao menos o fazem um pouco. Lucas não. Entretanto, como eu havia dito, Lucas e os outros evangelistas estão, em termos de sinais de confiabilidade percebível, entre os “historiadores” do mais baixo escalão (e apropriadamente falando, em todo o Novo Testamento somente Lucas diz estar escrevendo história). Não são observadores neutros, mas crentes vendendo uma religião.<br /><br />***<br /><strong>Notas:</strong><br /> 1- Richard Carrier permite que todos seus textos sejam traduzidos, desde que sem fins lucrativos.<br /> 2- O texto é uma Adaptação, pois o artigo é uma refutação dirigida a James Patrick Holding, apologeta cristão fundamentalista.<br /> Fonte: <a href="http://www.infidels.org/library/modern/richard_carrier/resurrection/rubicon.html" target="_blank">http://www.infidels.org/library/modern/richard_carrier/resurrection/rubicon.html</a><br /> Tradução e adaptação: Sky Kunde</div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-10390196099978279202009-02-07T15:30:00.000-08:002009-02-07T15:33:10.443-08:00As várias faces da cruz: heresias, conflitos e diversidade na Antiguidade cristã<div align="justify"></div><p align="justify"><br />O Cristianismo nasceu em um entorno presidido pela diversidade. Tratava-se de uma seita judaica sem qualquer unicidade: havia cristãos mais rigorosos com respeito à observância da Lei Mosaica, enquanto havia outros mais permissivos, chamados de "cristãos helenistas", que viam a observância da Lei como um peso, e aceitavam novos batizados de origem pagã. </p><p align="justify">Porém, os problemas de divergência doutrinária e de ideologia foram aumentando com os séculos, à medida que a seita crescia e se formava a Igreja. Foi nesse contexto histórico que as vozes discordantes em relação a ortodoxia – a qual se proclamava a herdeira da tradição apostólica - foram cada vez mais estridentes, até provocar grandes cismas e heresias. A seguir oferecemos um catálogo das principais heresias da Antigüidade, até o século VI, com a condenação do Orígenes por parte do imperador Justiniano. </p><p align="justify">Nas primeiras décadas de existência do cristianismo, o próprio apóstolo Paulo teve que lutar com cristãos que não viam com bons olhos o batismo e aceitação, nas primeiras comunidades cristãs, de pagãos que não seguiam os ritos próprios da Lei mosaica, e em especial da circuncisão. Existia, pois, desde o início e sobretudo em Jerusalém, uma corrente que representava a vertente mais tradicionalmente judia, matriz de que procedia a nova comunidade espiritual. Existiram vários tipos de cristãos judaizantes no século II, como os Ebionitas, os Nazarenos, e correntes que tinham sua origem em idéias judaizantes, como o Milenarismo e os Elcasaítas. </p><p align="justify">Os Ebionitas foram a facção mais radical, partidários de uma estrita observância da Lei mosaica, que consideravam Jesus como um homem que chegou a ser "Cristo" (o Messias ou o Ungido, o que era sinônimo do Rei do Israel) por sua fidelidade à Lei. Os Ebionitas dispunham de um próprio Evangelho, que tinha ao Evangelho de Mateus como referência. Entretanto, omitia o relato da infância do Jesus, pois os Ebionitas negavam o nascimento virginal, sendo que, para eles, a união de Jesus com o Espírito se produziu no batismo. O Evangelho dos Ebionitas foi composto na primeira metade do século II. </p><p align="justify">Em princípios do século II também foi composto o Evangelho dos Nazarenos, que fora escrito em aramaico ou siríaco, muito próximo a escrita do Evangelho de Mateus. Este evangelho era utilizado por uma comunidade judaizante de fala aramaica, na região da Ásia. Desta época é o Evangelho dos Hebreus, que também tinha conotações judaizantes, mas de uma comunidade egípcia. </p><p align="justify">Entre as idéias judaizantes dos dois primeiros séculos do Cristianismo, encontramos o Milenarismo ou Quiliasta, baseado no Apocalipse. Muitos cristãos acreditavam na iminente restauração messiânica do Reino dos mil anos, que Cristo presidiria, com o correspondente julgamento final. Estas idéias se plasmaram no Apocalipse sírio do Baruc e no livro de IV Esdras, mas também aparecem com mais ou menos intensidade entre muitos autores e escritos mais ortodoxos, como por exemplo, na Epístola do Barnabé, ou nas obras de Justino ou Irineu.</p><p align="justify">Uma seita milenarista que se estendeu a Roma nos princípios do século II foi a dos Elcasaítas, seguidores do Alcibíades da Apaméia, que pregava a mensagem contida no Livro do Elcasai, um profeta palestino que propunha um batismo muito complexo e certas penitências, que lhe tinha sido revelado através de uma visão. O Elcasítismo tinha também alguns componentes pagãos, de tipo fundamentalmente ritual.</p><p align="justify">Desde o começo, o Cristianismo carecia de uma opinião unânime sobre a natureza do Jesus, pois a idéia de sua divindade se associava com dificuldade com as idéias mais judaizantes sobre o Deus único, ainda que fosse de mais fácil aceitação pelos pagãos conversos. Já nos próprios Evangelhos não se encontra uma unidade clara de critério sobre a divindade de Jesus. </p><p align="justify">O Evangelho de João e o de Marcos não nos falam da infância do Jesus, e tudo parece indicar que foi partir do batismo que se produziu a união entre o Espírito e o homem Jesus. Esta última tese é a que aceitavam os Adocionistas, corrente que mantinha que no batismo, Deus tinha adotado Jesus como seu Filho. Outra corrente, conhecida como Docetismo, considerava que o corpo do Jesus não era real, mas somente aparente. Essa seita foi rebatida nas Epístolas de João, que afirma: "quem não confessa que Jesus veio em carne é o espírito do anticristo". Esta corrente considerava que Jesus gozava de um corpo aparente, pois sua divindade lhe impedia de mesclar-se com o perecível. </p><p align="justify">No século II apareceram vários autores que defenderam teses docetistas, subordinacionistas e adocionistas, como Noeto da Esmirna, que não podia aceitar que o Pai e o Filho fossem pessoas diferentes, e por isso em Cristo se encarnava o próprio Deus, mas só como projeção. Práxeas defendeu uma tese conhecida como Monarquianismo, pois Deus é monarca único, e é quem se encarnou no Filho. Desse modo, foi o próprio Deus quem sofreu paixão e morte na cruz. Uma idéia oposta, mas apoiada igualmente na unidade de Deus, é o Adocionismo de Teódoto e Artemón, que mantinham que Jesus foi um homem adotado por Deus como instrumento de salvação, já que Deus não podia relacionar-se com a carne. Sabélio foi o continuador de Noeto em Roma, pois para ele Pai e Filho não são mais que modos ou aspectos de uma mesma personalidade, pois Deus se manifesta como Pai na Criação e como Filho em seu papel de salvador. O bispo de Roma condenou a Sabélio e a seus seguidores, chamados de "Modalistas", como hereges. A disputa não fou resolvida até a implantação de uma fórmula intermédia: o Concílio de Nicéia determinou que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram uma única substância e três pessoas (um homoousion e três hipóstasis). </p><p align="justify">Havia na Samaria um profeta ao que chamavam "Simão o Mago", de que falam os Atos dos Apóstolos 8.9-24, e de que dizia que tinha redimido a sua companheira, uma ex-prostituta, encarnação da Sophia. Os Simonianos e os Bardesianos, seguidores do Bardesanes, filósofo aramaico, aproximam-se da grande heresia do século II, o Gnosticismo.</p><p align="justify">O Gnosticismo se trata de um complexo vigamento de mitos e crenças, de que participaram distintas Escolas, e que tinham como comum denominador uma Gnosis. Os Gnósticos se opunha radicalmente à entidade divina do Antigo Testamento, e por isso representam o pólo oposto ao cristianismo judaizante, sendo que representavam uma opção culta e helenizada dentro do Cristianismo. Tal tipo de Cristianismo se aproxima dos Mistérios pagãos e, sobretudo, do sincretismo filosófico da época. Simonianos, Bardesianos e Fibionitas foram três seitas, próximas ao Gnosticismo, que mantiveram complexas cosmologias e certo componente gnostico, como via de salvação. </p><p align="justify">O Maniqueísmo, por sua vez, foi criado pelo profeta persa Mani no século III. Esse autor escreveu seus próprios textos, e teve grande difusão desde a Pérsia ao Extremo Oriente, e também ao Ocidente, chegando até a Espanha e a Gália. De forte influência zoroástrica, Mani falava de dois princípios antagônicos, a Luz e as Trevas; no Cosmos se mesclam ambos os princípios, que também se encontram no homem, e por isso este deve despertar à Luz, por meio de uma certa gnosis e um determinado comportamento de vida. </p><p align="justify">O Montanismo é a última grande heresia dos séculos II e III; Montano, de origem frigia, fundou junto a duas profetisas, Prisca e Maximilla, um movimento profético, que se propõe a realizar uma renovação no Cristianismo frente ao iminente fim do mundo. Propunha uma vida ascética apoiada em jejuns e abstinência sexual, convidando seus ouvintes a uma resignada disposição para o martírio. O Montanismo se estendeu por todo o Norte da África, e conquistou para suas filas a Tertuliano, um dos grandes Pais da Igreja. Sua rigorosidade terminou por gerar uma importante disputa sobre a impossibilidade de redenção dos pecados depois do batismo, que terminou afastando o Montanismo do cristianismo ortodoxo. </p><p align="justify">O século IV começa com a grande disputa trinitária, quando surgiram grandes heresias orientais sobre a questão cristológica. Ário foi o promotor da primeira grande disputa. Desenvolveu uma teologia trinitária subordinacionista, segundo a qual, Deus, único e indivisível, não pode compartilhar sua essência (ousía) com outra pessoa, e por isso o Filho não pode ser da mesma substância que o Pai. Para Ário, Deus é princípio (arché) e Cristo, o Logotipos, sendo engendrado, a primeira e superior das criaturas, criado fora do tempo, de absoluta perfeição, mas não compartilhando nem da eternidade nem da essência do Pai. O Espírito é a primeira criatura engendrada pelo Filho. Desse modo, essa vertente discordava da ordem de hierarquia entre as três entidades divinas, que formam a Trindade. </p><p align="justify">As teses de Ário foram condenadas no primeiro Concílio Ecumênico, celebrado em Nicéia no ano 325, sob a presidência do Imperador Constantino. Em dito Concílio se estabelece o Símbolo da Nicéia, que ainda se reza como o Credo católico, no que se afirma que há um só Deus, Pai, e o Filho, da mesma natureza que o Pai (homooúsios). </p><p align="justify">O Arianismo teve uma grande difusão, e não desapareceu depois do Concílio da Nicéia, pois o Imperador Constâncio favoreceu a esse segmento, tendo inclusive nomeando a um deles, Eusébio da Nicomédia, Patriarca de Constantinopla. O problema era a aceitação do termo homooúsios, o qual foi o responsável por uma disputa que ainda durou alguns anos. Ainda assim, o Arianismo conseguiu estender-se entre as monarquias góticas européias. Foram os três grandes teólogos capadócios: Basílio de Cesárea, Gregório Nacianceno e Gregório de Nisa, quem pôs fim a essa disputa, e conseguiram impor a formula "uma natureza, três pessoas" (una ousía treîs hypostáseis). Teodésio o Grande convocou o I Concilio Ecumênico de Constantinopla, onde se confirmou o credo da Nicéia, condenando definitivamente o Arianismo e as heresias afins. </p><p align="justify">Outras duas grandes controvérsias trinitárias foram: o Macedonismo, promovida por Macedônio, bispo de Constantinopla, que negava a divindade do Espírito Santo de forma subordinacionista. Foi condenada no Concílio de Constantinopla, onde foi confirmada a divindade do Espírito Santo; e o Apolinarismo, que seguia as tese de Apolinário de Laodicéia, teólogo inimigo das teses arianas e defensor da divindade de Cristo; esta heresia introduz a questão cristológica, que será debatida nos próximos Concílios Ecumênicos, contra o Nestorianismo e o Monofisismo. Para Apolinário, o Logotipos se encarna em um corpo e uma alma humana, mas sem a parte racional, sendo que no homem Jesus haveria uma inteligência e vontade divina; esta tese foi defendida pela Escola da Alexandria, representada por Cirilo e mais tarde pelos Monofisistas. Teodoro da Mopsuéstia e João Crisóstomo, representantes da Escola de Antioquia, opuseram-se ao Apolinarismo, no I Concílio de Constantinopla. Aqui começava a batalha entre as duas grandes Escolas Catequéticas da Alexandria e Antioquia. </p><p align="justify">A disputa sobre a natureza do Cristo enfrentava duas visões distintas sobre a alma humana, uma visão platônica sobre as três classes de almas encerradas em um corpo, e uma visão aristotélica segundo a qual a alma é a substância do corpo. Estes dois pontos de vista permitiam interpretar a encarnação do Logotipos de duas maneiras distintas: a primeira uma cristologia descendente, em que o Logotipos se faz carne (Lógos-sarx); e a segunda uma cristologia ascendente, onde o homem é assumido pelo Logotipos (Lógos-ánthropos). A Escola da Alexandria assumiu a cristologia descendente, que finalmente acabou se impondo, enquanto que a Escola da Antioquia, com o Teodoro da Mopsuéstia à cabeça, mantinha que a união entre o Logotipos e homem é uma conjunção (sináfeia), o que deixava claro que não havia mescla de naturezas. No ano 428, o imperador Teodosio II nomeia ao Nestório Patriarca de Constantinopla. Nestório, orador ardente, combateu do púlpito a popular concepção da Maria como "mãe de Deus" (theotocos); da teologia antioquena, Maria só podia ser mãe de Cristo, não do Logotipos que lhe é anterior. Cirilo de Alexandria, apoiando-se em teses próximas ao apolinarismo, mantinha que Cristo tinha uma única natureza, porém também tendo corpo e alma humanos - tese que conseguiu se impor e predominar no Concílio de Éfeso do ano 431, o que custou a condenação e deposição de Nestório.<br />A polêmica continuou uma geração mais tarde, mas dessa vez a ameaça de heterodoxia provinha da Alexandria, que tinha aceito a interpretação radical do Eutiques das fórmulas do Cirilo, e afirmava que em Cristo só havia uma única natureza, e que da união do Logotipos e o homem, fundiam-se e mesclavam as duas naturezas em uma só. Eutiques foi condenado pelo Patriarca Flaviano de Constantinopla. </p><p align="justify">No ano 451 se celebrou o Concílio da Calcedônia, que pretendia pôr paz entre as duas tendências radicais: o nestorianismo antioqueno e o monofisismo alexandrino, confirmando o Símbolo da Nicéia, e estabelecendo que em Cristo havia duas naturezas completas, sem confusão, sem mescla, e sem que a diferença de naturezas desaparecesse pela união. A Fórmula da Calcedônia foi aceita como dogma oficial, e o Nestorianismo e Monofisismo foram condenados. Entretanto, nem todos os imperadores foram partidários das teses da Calcedônia, o que permitiu uma certa expansão sobretudo do Monofisismo. Os Nestorianos se transladaram a Pérsia, onde constituíram uma igreja independente. </p><p align="justify">O imperador Hereclio I (610-641) interessou-se pela unidade da Igreja, e tentou encontrar uma fórmula que pudesse ser aceita por calcedonianos e monofisistas, fórmula que se denominou "Monotelismo", reconhecendo que em Cristo houve uma só vontade. Essa doutrina, que se impôs durante algum tempo, foi retificada pelo III Concílio de Constantinopla, ainda que, durante o reinado do imperador Constantino IV Pogonato, tenha se condenado o Monotelismo, declarando que em Cristo havia duas naturezas e duas vontades, sempre concordantes, no sentido de que a vontade humana seguia à divina. </p><p align="justify">Enquanto no Oriente se debatiam as questões trinitárias e cristológicas, no Ocidente se suscitavam também outras importantes disputa contra duas grandes heresias: o Pelagianismo e o Donatismo, combatidas por Agostinho de Hipona. Cabe citar também a heresia Priscilianista, que se baseava nos ensinamentos do primeiro mártir da heterodoxia: Prisciliano. Pelágio, natural da Britânia, pregou suas doutrinas pelo Norte da África, no feudo de Agostinho da Hipona, opondo-se às doutrinas deste, especialmente a aquelas que se referiam ao pecado original, que tanto preocupava ao Agostinho. Pelágio e Agostinho mantiveram uma polêmica sobre o pecado original, em duas obras: Sobre a Natureza, de Pelágio, e Sobre a Natureza e a Graça, do Agostinho. O juiz dessa polêmica foi um Papa, que resolveu excomungar ao Pelágio, e Agostinho venceu a disputa. </p><p align="justify">O Donatismo, por sua vez, foi um movimento de renovação cismático, que mantinha uma estrita e austera concepção do pecado e sua impossibilidade de redenção depois do batismo. Donato foi bispo de Cartago, onde combateu todos os cristãos que tinham apostatado da fé para evitar o martírio, e mantinha a impossibilidade de que estes repartissem sacramentos. Nesse contexto, Agostinho da Hipona criou a fórmula que se impôs de modo predominante no pensamento cristão da época: o sacramento tem valor "ex opere operato" (pela ação mesma), e não "ex opere operantis" (pela ação de quem o reparte). </p><p align="justify">O Priscilianismo é também um movimento de reforma, que basicamente propunha o retiro da vida mundana, para uma vida mais ascética e contemplativa; tratava-se de voltar para um cristianismo original, incluindo práticas como continência, jejum e pobreza. O Priscilianismo foi visto como uma ameaça para a Igreja predominante, pois pregava a perda do poder, sobretudo eclesiástico, que na época era enorme. Com falsas acusações e por razões de oportunidade política, Prisciliano foi acusado de herege e julgado, sendo o primeiro mártir da heterodoxia cristã. </p><p align="justify">Por fim, é curioso salientar a condenação, no ano 543, de Orígenes e de seu Origenismo. Foi o imperador Justiniano, que tinha fechado a Academia de Atenas e tinha proibido aos pagãos ensinar filosofia, promulgando um decreto em que enumerava os enganos do grande teólogo cristão Orígenes, para pôr fim a certas disputas e especulações de alguns monges ilustrados. </p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-75329636154157197342009-02-07T15:26:00.000-08:002009-02-07T15:29:04.511-08:00MASHIACH BEN EFRAIM: As Raízes Catastróficas do Imaginário Messiânico Cristão Primitivo<div align="justify"></div><p align="justify"><br />Acreditava-se, até recentemente, que os judeus da Palestina judaica da época de Jesus concebiam a vinda de um só messias, o messias "filho de Davi", que restauraria a realeza. No entanto, novas descobertas - e com elas novas interpretações sobre o imaginário judaico-cristão primitivo - têm mudado essa visão. Mediante essas descobertas, os pesquisadores se tornaram cada vez mais dispostos a conceberem o messianismo judaico da época de Jesus como pluriforme e variado, existindo não só uma ou duas, mas inúmeras concepções sobre o messias. </p><p align="justify"><br />O presente trabalho traz alguns apontamentos o chamado "messianismo catastrófico", sua antiguidade e sua relação com as tradições cristãs. Esperamos contribuir também para apagar os mitos de que os judeus do primeiro século não foram capazes de conceber um messias que morre e que a concepção messiânica na época de Jesus era homogênea. </p><p align="justify"><br />Não foram poucos os estudiosos que alegaram que a idéia de um messias sofredor, cujo destino era ser humilhado e assassinado, era uma idéia estranha às tradições messiânicas existentes na Palestina judaica do século I d.C. Rudolf Bultmann (apud, KNOHL, 2001) talvez tenha sido o estudioso que mais contribuiu para a disseminação da visão. </p><p align="justify"><br />Geza Vermes (2006: 215), por sua vez, não deixa dúvidas de que o modelo de messias que morre é posterior à escrita dos Evangelhos bíblicos, afirmando que a representação do Messias assassinado da tribo de Efraim na literatura rabínica é de pouca valia para o estudo dos Sinóticos, pois nenhum texto fala do Messias assassinado em época anterior à segunda revolta judaica contra Roma durante o reino de Adriano (132-5 d.C.). </p><p align="justify"><br />Com freqüência, a literatura rabínica faz menção a um messias chamado "Messias ben Efraim", também chamada de "Filho de José" ou "Filho de Efraim", que deveria morrer para salvar Israel. O Talmude Babilônico, Sukka 52ageralmente é concebido como a primeira referência ao messias filho de José na literatura rabínica. </p><p align="justify"><br />De acordo com o Talmude, Jerusalém se lamenta pelo assassinato do Messias filho de Efraim, cuja morte faria com que o Messias filho de Davi retornasse a terra para estabelecer o reinado messiânico, logo após ressuscitar o Messias filho de Efraim dos mortos. </p><p align="justify"><br />No entanto, a escritura do Talmude só começou nos séculos posteriores ao cristianismo e, portanto, conforme o exposto por Geza Vermes, o Messias Filho de José pode ser uma invenção judaica criada a partir de Jesus competir para o cristianismo. </p><p align="justify"><br />Em todo caso, tal modelo de messias era concebido pelos estudiosos como bastante tardio para ser capaz de trazer alguma contribuição aos estudos sobre o cristianismo primitivo, e foram muitos os especialistas que viram na figura messiânica de Efraim, ou Messias filho de José, uma "cópia" deliberada da figura messiânica de Jesus apresentada nos Evangelhos, e por isso não lhe deram crédito e muito menos antiguidade. </p><p align="justify"><br />No entanto, como ressalta Scardelai (1998: 120), a doutrina messiânica no tempo de Jesus é marcado pela fluidez e espontaneidade, além da quase total ausência de princípios doutrinários cristalizados e de uma forma única. Em outras palavras, não se deve esperar que o messianismo paletino-judaico do primeiro século apareça com uma só forma. </p><p align="justify"><br />Existiam outros modelos de personagens bíblicos que serviriam para formar outros e diferentes tipos de messias naquela época a serem assimilados por diversos grupos – inclusive o cristianismo. </p><p align="justify"><br />Um desses modelos seria o do "servo sofredor", tal como apresentada no texto do profeta Isaias (53.3-5) que o retrata como justo, manso e humilde, afirmando que o mesmo foi "desprezado e abandonado pelos os homens", e que levou "nossos sofrimentos sobre si e nossas dores". </p><p align="justify">Flusser (apud, SCARDELAI, 1998: 299), erroneamente, afirma que a idéia do messias como o "servo sofredor" de Isaias foi exclusiva do cristianismo, afirmando que a exegese judaica não aplica a imagem do "servo de Isaías" às qualificações pessoais messiânicas. </p><p align="justify"><br />No entanto, essa visão é equivocada. Knohl (2001: 38) afirma que interpretação messiânica de Isaias 53, sobre o "servo sofredor" não foi descoberta na igreja cristã. Ela já havida sido desenvolvida pelo Messias de Qumrã. </p><p align="justify"><br />O movimento de Qumrã, de acordo com Knohl (2001: 28, 31), já trazia a idéia de que o messias iria padecer, mas que também seria glorificado, que consta nos "Hinos Messiânicos dos Manuscritos do Mar Morto":</p><p align="justify"><br /><em>"[Quem] foi desprezado como [eu? E quem] foi rejeitado [pelos homens] como eu? Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se compara a mim [na resist]ência do mal? [...] [Q]uem foi considerado desprezível como eu e, no entanto, quem é igual a mim em minha glória?"</em> </p><p align="justify"><br />Tendo essa idéia sido explorada, juntamente com a do messias levítico, antes mesmo do cristianismo vir a existir, é lógico conceber que vários movimentos messiânicos e apocalípticos dos primeiros séculos compartilhavam dessas mesmas crenças. </p><p align="justify"><br />De acordo com Mitchell (MITCHELL, 2008 [online]), esse modelo de "servo sofredor" foi o principal inspirador de um tipo de messianismo diferente do messianismo real e sacerdotal, e que podemos encontrar indícios da existência da crença nesse messias nos Manuscritos de Qumrã. Esse modelo foi chamado de "messianismo efraimita-josefita", ou "Messias filho de Efraim/José".<br />Para provar a existência desse messias, Mitchell (2008: 03 [online]), compara as afirmações do Talmude Sukka 52b, que faz menção a quatro personagens escatológicos, chamados de "Os Quarto Artesãos", com o manuscrito de Qumrã de 4Q175 (4QTestimonia), uma antologia messiânica e coleção de textos bíblicos fundamentais ou "testemunhos", relacionadas com a crença messiânica. Ambos os documentos trazem o seguintes personagens desse quarteto messiânico: 1) o "Messias filho de Davi"; 2) o "Sacerdote Justo", ou "Melchizedek" (Melquisedeque); 3) Elias; 4) o "Messias da Guerra", que se refere ao "Messias filho de José". </p><p align="justify">Esse quarto messias é identificado com o personagem bíblico Josué, o general israelita, da tribo de José/Efraim, que comandou Israel na Conquista de Canaã. De fato, Josué foi homem de guerra e sucessor de Moisés, da tribo de Efraim, filho de José. Ele é, sem dúvida, o herói do quarto depoimento, assim como Moisés, a Estrela de Jacó, e os Sacerdotes Levita são os heróis dos três primeiros (MITCHELL, 2008: 01 [online]) </p><p align="justify">Desse modo, Mitchell prova não apenas que a tradição rabínica do Messias filho de Efraim/José é pré-rabínica, como também pode ter influenciado a formação da imagem de culto cristã.<br />A partir dessas considerações, pode-se deduzir a existência de um modelo de messias hoje esquecido, mas existente e provavelmente bastante popular na época de Jesus, cujo nome era Messias filho de José, identificado como um "novo Josué". Também se pode deduzir o papel desse messias nos eventos escatológicos: lutar contra os inimigos de Israel, ser derrotado, padecer, morrer e ressuscitar dos mortos. </p><p align="justify"><br />Kraft (2008 [online]) também comenta que uma versão latina de 4 Esdras 7.28f traz a figura do Messias vitorioso denominado "Josué", o qualmorre na transição para o novo mundo e cita uma tradução grega de Habacuque 3.13 que traz: "Tu sais para salvamento do teu povo, por Josué o teu ungido" ao invés de "Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu ungido". </p><p align="justify"><br />Os Oráculos Sibilinos 5.256-259 (In: KRAFT,2008 [online]), que data do ano de 140 a.C., traz a seguinte passagem messiânica: "[...] uma vez que deve vir do céu, um homem de pré-eminente […] o mais nobre dos Hebreus [...] que em seu tempo fez o sol parar" (tradução nossa).O único personagem bíblico que fez o sol parar foi Josué, na batalha de Aijalon (Js 10.12-14). Desse modo, esse homem "pré-eminente" configura um novo e escatológico Josué. Desse modo, também podemos questionar se o nome de Jesus de Nazaré não é mais que um título messiânico.<br />Knohl (2001: 41) propôs a hipótese de que a crença no messias que morre e ressuscita ao terceiro dia era uma representação imaginária bastante comum na Palestina do primeiro século – até mesmo muito tempo antes de Jesus ter nascido. </p><p align="justify">Essa hipótese foi confirmada em julho de 2008, pela descoberta do texto recém publicado chamado "Apocalipse de Gabriel", em que, de acordo com as restaurações textuais de Israel Knohl e de Ada Yardeni, também traz a idéia do messias ressurrecto. Esse texto data do final do século I a.C., o que significa que se trata de um documento pré-cristão (YARDENI, 2008 [online]). </p><p align="justify">Nas linhas 16-17 há a frase "Meu servo Davi, peça a Efraim [que ele col]oque o sinal..." (YARDENI, 2008 [online], linhas 16-17, p. 01). Infelizmente, a natureza do sinal não é especificada, mas, segundo Knohl (2009 [online]), parece ser o sinal de salvação. No entanto, o fato de Davi ser enviado por Deus para fazer um pedido a Efraim para colocar o sinal pode atestar que Efraim está em uma posição superior. Ele, e não Davi, é a pessoa-chave que é convidada a colocar o sinal; Davi é apenas o mensageiro. </p><p align="justify">Na linha 80 desse escrito, Gabriel determina ao "príncipe dos príncipes" (o messias) que: "Depois de três dias, viva (ressuscite)!" (YARDENI, 2008 [online],. linha 80, p. 02). Essa passagem - tal como a tradição que serviu de base para Apocalipse de João, cap. 11, como o Apocalipse de Zerubabel, e como o Oráculo de Histaspes – mostra que, em uma época anterior ao cristianismo, existiam expectativas messiânicas ligadas a crença de que o messias morreria e ressuscitaria no terceiro dia. </p><p align="justify">É importante frisar que as principais "profecias messiânicas" usadas pelos primeiros cristãos para fundamentar biblicamente a crença na ressurreição de Jesus, a saber, Oséias 6.2; 11.1 e Ezequiel 37, etc. fazem referência a união das Casas de Judá e de Efraim. É provável que a associação dessas profecias a Jesus fosse bastante antiga, de modo que permaneceram mesmo após a identidade efraimita do messianismo de Jesus ter sido suplantada e/ou esquecida. </p><p align="justify">Seja como for, temos várias indicações da presença de elementos efraimitas na tradição evangélica bíblica. </p><p align="justify">O Evangelho de João, que traz materiais tradicionais bastante antigos sobre Jesus, muitas vezes faz alusão a uma idéia diferente de messias, que se coaduna muito mais ao modelo messiânico efraimita que ao modelo davídico. Pietrantonio (2008 [online]) apresenta algumas indicações no Evangelho de João da influência do messianismo efraimita:</p><p align="justify"><em>[...] o EvJn (Evangelho de João] 11,54 relata que Jesus permaneceu três meses, segundo sua cronologia, em uma aldeia chamada Efraim. No NT [Novo Testamento] essa é a única vez e o único lugar em que se recorre a esse nome. [...] A razão histórica dada pelo EvJn é que sacerdotes e fariseus (11,47) decidiram matá-lo (11,53). [...] A retirada a Efraim geográfica, na redação do EvJn, requer uma compreensão teológica, profundamente cristológica, enraizada em uma das expectativas messiânicas daquele tempo, a do Messias ben/bar Efraim/José</em> (tradução nossa). </p><p align="justify">O Evangelho de João 11.50 também faz uma alusão explícita à tradição efraimita, quando afirma que o sumo-sacerdote José Caifás profetizou que Jesus deveria morrer "pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos". </p><p align="justify">Os "filhos de Deus", que andam "dispersos" se referem as Doze Tribos dispersas na época do Exílio Babilônico, que ocorreu no século VII a.C. Reunir as doze tribos e as duas casas de Israel, a saber: a Casa de Judá e a Casa de José/Efraim, era uma das prerrogativas do messias. </p><p align="justify">De acordo no Talmude Sukka 52a (cf.MITCHELL, In: AVERY-PECK, 2006: 83), quando o messias filho de Davi pede o "dom da vida" para que possa ressuscitar o messias filho de José, que foi morto pelas forças de Gogue e Magogue, o messias filho de José é o "primeiro da ressurreição dos mortos": não somente o messias filho de José é ressuscitado, mas também se realiza a esperança da ressurreição geral de todos os mortos profetizada em Daniel 12.2. </p><p align="justify">Da mesma forma que Jesus Cristo foi o "primeiro da ressurreição dos mortos" (1Co 15.20; Atos 26.23), o messias filho de José seria o primeiro a ressuscitar no evento da ressurreição geral de todos os mortos justos. </p><p align="justify"><strong>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</strong></p><p align="justify">BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. 4ª impressão. São Paulo: Ed. Paulus, 2006.<br />KNOHL, Israel. O Messias antes de Jesus.Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2001.<br />____________. The Messiah Son of Joseph: "Gabriel's Revelation" and the birth of a new messianic model. In: Biblical Archaeology Review.<br />KRAFT, Robert A. Was there a "messiah-joshua" tradition at the turn of the era?<br />MITCHELL, David C. Rabbi dosa and the rabbis differ: Messiah ben Joseph in the Babylonian Talmud. In: AVERY-PECK, Alan J.(Ed.). The Review of Rabbinic Judaism. Ancient, Medieval and Modern. Volume 9. Leiden,The Netherlands: Koninklijke Brill, 2006.<br />__________________. The Fourth Deliverer: A Josephite Messiah in 4QTestimonia.<br />PIETRANTONIO, Ricardo. El Mesías Asesinado. El Mesías ben Efraim en el Evangelio de Juan.<br />SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.<br />VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.<br />YARDENI, Ada. Hazom Gavriel in English.The Apocalypse of Gabriel. </p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-47722264423869852192009-02-07T15:20:00.000-08:002009-02-07T15:25:54.499-08:00O fenômeno da “historização de profecias” nos relatos da infância do evangelho apócrifo de Pseudo-Mateus: uma análise<div align="justify">John Dominic Crossan é um dos pesquisadores pioneiros na ênfase da natureza profético-historicizada da narrativa da Paixão e Ressurreição de Jesus nos Evangelhos Bíblicos. Segundo ele, 80% dos detalhes da Paixão de Jesus não correspondem a lembranças e/ou tradição recebida dos fatos que ocorreram na morte de Jesus. Os detalhes da paixão de Jesus foram criações artificiais da igreja, forjados primitivamente pelos primeiros membros do movimento e se desenvolvendo a partir de modelos idealizados sobre citações antigas a partir de uma leitura reflexiva dos textos das Escrituras judaicas – que mais tarde seriam chamadas de “Antigo Testamento” pelos cristãos. </div><div align="justify"><br />Esse ato de “forjar” narrativas a partir de profecias antigas é chamado de “Profecia Historicizada”. Crossan (ibid., p. 85) define profecia historicizada como “um evento histórico criado para cumprir uma antiga profecia”. </div><div align="justify"><br />Tal ato foi motivado, no cristianismo primitivo, pela necessidade de confirmar a messianicidade de Jesus, enquadrando-o em modelos bíblicos pré-existentes para que possa haver uma prova escritural da ascendência divina e profética de Jesus, uma forma de legitimação. Desse modo, os cristãos poderiam apresentar suas crenças diante de judeus e pagãos de forma justificada. O antigo credo cristão de 1Cotintios 15, por exemplo, apela as Escrituras hebraicas como forma de legitimar a natureza profética da morte e ressurreição de Jesus: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. </div><div align="justify"><br />O fenomeno da historicização é bastante familiar; historicizar não se consiste em transfor algo em fato histórico – ainda que o objetivo original de uma pessoa ao fazê-lo seja esse -, mas em transformar alguma coisa, como idéia, pensamento, frase, etc. em uma narrativa ou conto. </div><div align="justify"><br />O fenomeno da historicização é bastante frequente; costumamos, inconscientemente, historicizar preocupações através de sonhos, os quais muitas vezes nem sequer precisam de simbolismo para sabermos do que se trata. </div><div align="justify"><br />Na História, a historicização se constitui num processo, dissimuladamente deliberado ou não, de se criar narrativas e dar a ela status de acontecimento real. Muitos mau (ou Mal)-entendidos na História deram a luz supostos fatos históricos que até hoje são reverenciados como acontecimentos históricos. </div><div align="justify"><br />A historização, dessa forma, serve como uma das formas mais acessiveis e mais usadas de se criar ficções, tanto literárias quanto históricas, e por isso todo o historiador deve se atentar a ela.<br />O historiador Carlo Ginzburg (2002) mostra o quão a História pode ser prejudicada pela tendência de permitir que motivos ideológicos (idéias) e forças de diversas naturezas tendenciosas prevaleçam sobre a plausibilidade e factualidade histórica. Ginzburg apresenta o caso de um padre jesuíta chamado Le Golbien que, ao descrever o incidente de uma rebelião indígena em pleno século XVII, numa ilha das Filipinas (rebelião esta, diga-se de passagem, que ele conhecia apenas mediante poucos dados transmitidos em cartas, e nenhuma citação direta de qualquer fala de qualquer nativo), “narra” um longo e altamente eloqüente discurso que foi aceito historicamente na época como sendo de um índio guerreiro destacado. </div><div align="justify"><br />O discurso do índio é tão magnífico e tão portador de recursos retóricos, que Ginzburg consegue ver paralelos dele na literatura clássica, quanto à retórica, e em Montaigne, quanto às idéias. Nesse caso, Ginzburg prova que tal discurso jamais foi de fato pronunciado por quaisquer indígenas, mas que na verdade expressava o pensamento ideológico do autor, que foi expresso pela “boca do índio”. Assim, o padre Le Golbien deu corpo e alma a sua ideologia, sem precisar arriscar o pescoço, ao “historicizar” sob a forma de discurso um pensamento seu posto na boca de outra pessoa. O pensamento do padre Le Golbien acerca do “bom selvagem” se baseou em Montaigne que:<br /><br /><em>“Le Golbien transformou as argumentações de Montaigne numa arenga e o bom selvagem em Hurao, o líder indígena das ilhas Marianas, cheio de ódio contra a civilização européia. Ao realizar essa manobra retórica, Le Golbien se inspirou, se não me engano, num famoso fragmento de Tácido”.</em> (ibid., p. 93).<br /><br />Quando Ginzburg diz que Le Golbien transformou as argumentações de Montaigne numa arenga, ele está fazendo uma alusão a este processo de historicização. Em geral, Ginzburg utiliza o mesmo método que os estudiosos usam nas narrativas bíblicas para testar a sua historicidade. </div><div align="justify"><br />Passemos para um exemplo mais próximo do cristianismo. </div><div align="justify"><br />Um evangelho apócrifo bastante recente em relação aos demais, o Evangelho de Pseudo-Mateus da infância de Jesus, acrescenta novos fatos à vida de Jesus sobre os anos que seguiram seu nascimento. Tais fatos, combinados com os fatos já conhecidos dos evangelhos canônicos, que se caracterizam pela exuberância e características indubitavelmente míticas e lendárias, foram reconhecidos pelos estudiosos não como história relembrada, mas como produto da imaginação criativa do autor esse evangelho apócrifo.<br />O Evangelho de Pseudo-Mateus embeleza sua imaginação criativa ao usar pequenas citações veterotestamentárias como modelo para se criar uma narrativa sobre Jesus. A isso se chamada de Profecia Historicizada. Existem pelo menos quatro exemplos desse evangelho do que podemos chamar de Profecia Historicizada.<br /><br /><strong>Jesus e a profecia do boi e do burrico</strong><br /><br />O autor do evangelho de Pseudo-Mateus (in: PROENÇA, 2005, p. 505) “enriquece” nossos conhecimentos sobre a infância de Jesus oriundo dos demais evangelhos canônicos com o seguinte relato:<br /><br /><em>“No terceiro dia depois do nascimento do Senhor, Maria saiu da caverna; ela foi até o estábulo e colocou a criança numa manjedoura, e um boi e um burrico o adoraram. Então aquilo que foi dito através do profeta Isaías se cumpriu: “O boi conhece seu proprietário e o burrico a manjedoura de seu senhor”.</em><br /><br />Na verdade, é muito fácil de ver aqui a “profecia” criando o evento do que o evento real recorrendo ao seu paralelo na profecia.<br /><br /><strong>Jesus e os dragões</strong><br /><br />De acordo com o evangelho de Pseudo-Mateus, o Jesus menino “enfrenta” dragões, de modo em que prova sua ascendência divina a manifestar seu poder e autoridade, e remete relato a um suposto cumprimento de uma profecia:<br /><br /><em>“Quando eles chegaram a uma determinada caverna e quiseram descansar nela, Maria desceu da mula de carga e, sentando-se, segurou Jesus no colo. Havia três rapazes viajando com José e uma menina com Maria. E eis que, de repente, muitos dragões saíram da caverna. Quando os rapazes viram-nos na frente deles, eles gritaram com grande medo. Então Jesus desceu do colo de sua mãe, e ficou de pé diante dos dragões. Eles, porém, o adoraram, e, enquanto adoravam, recuaram. Então aquilo que foi dito através do profeta Davi se cumpriu: ‘Vos dragões da terra, louvai o Senhor, vós dragões e todas as criaturas do abismo’”</em> (ibid., loc. cit.).<br /><br />Note que a passagem dos Salmos citada pelo autor desse evangelho apócrifo em nada indica que o menino-messias iria submeter dragões diante do medo de sua família. No entanto, existem elementos-chave na citação que serviram para dar conteúdo ao relato: a palavra “terra” se transforma em “caverna”; o temor que o simples ato de imaginar essas criaturas fictícias causa, é materializado no medo dos rapazes na narrativa; ou louvor que os dragões prestam ao Senhor nos Salmos é narrado literalmente como reconhecimento e a adoração prestada pelos dragões à Jesus.<br /><br /><strong>Jesus e os lobos</strong><br /><br />O evangelho de Pseudo-Mateus também narra o fictício episodio dos lobos e leões que escoltavam a carroça em que o menino Jesus viajava.<br /><br /><em>“Eles [José, Maria, Jesus e os demais] viajavam entre os lobos e não estavam amedrontados; não houve dano de um para o outro. Então aquilo que foi dito pelo profeta se cumpriu: ‘Lobos serão apascentados com os cordeiros, o leão e o boi comerão juntos’. Havia dois bois e a carroça, na qual eles carregavam suas necessidades, que os leões guiavam em sua jornada”</em> (ibid., p. 506).<br /><br />Note que na frase “lobos serão apascentados com os cordeiros, o leão e o boi comerão juntos” não há nenhuma indicação de que a mesma se cumpra ou deveria se cumprir no contexto da vida particular de nenhuma pessoa especifica, nem na do messias, e nem na vida de Jesus. Se, no entanto, fossemos argumentar isso para um historicizador como o autor do evangelho de Pseudo-Mateus, seriamos rechaçados. </div><div align="justify"><br />Se para nós o fato de que tais passagens serem extremamente vagas e totalmente descontextualizadas nos impedem, por causa do bom senso, de realizarmos o que o autor desse evangelho apócrifo faz (e o que, indubitavelmente, os autores não somente dos evangelhos canônicos, mas de toda literatura neotestamentária fazem), por outro lado, para esses antigos historicizadores de profecias (tanto os autores de evangelhos apócrifos como de evangelhos canônicos) o fato delas serem vagas e descontextualizadas não impediam que fossem historicizadas. Muito pelo contrário. Na verdade, isso era o pré-requisito básico para que a historicização pudesse ser realizada e o sinal de que deveria ser realizada. </div><div align="justify"><br />Historicizar significava não somente que a mão de Deus estava por trás dessa interpretação, mas também (principalmente pelo fato dessas passagens serem vagas quando descontextualizadas) proporcionava uma sensação de irrefutabilidade dessa historização. A aparente infalseabilidade dessa interpretação era prova de que se tratava de uma interpretação inspirada e oriunda de Deus.<br /><br /><strong>Jesus e os ídolos egípcios</strong><br /><br />Por último, o evangelho de Pseudo-Mateus também nos apresenta um relato fictício de Jesus e sua família em um templo egípcio e do suposto acontecimento sobrenatural que se seguiu.<br /><br /><em>“E aconteceu que, quando a abençoadíssima Maria, com seu filho, entrou no templo, todos os ídolos foram jogados ao chão, ficando todos esmagados, convulsos e com suas faces despedaçadas. Assim ele revelaram abertamente que eram nada. Então aquilo que foi dito pelo profeta Isaías se cumpriu: ‘Eis que o Senhor Virá numa nuvem ligeira e entrará no Egito, e todos os ídolos feitos pelos egípcios serão removidos de sua presença’”</em> (ibid., p. 507).<br /><br />Diante dos exemplos aqui apresentados do evangelho apócrifo de Pseudo-Mateus, o leitor pode deduzir que a exercício de historicização de citações veterotestamentárias pode ser praticada infinitamente, cada historização correspondendo às noções preconcebidas e intuitos teológicos de cada autor, cada citação sendo distorcida, descontextualizada, reelaborada a adaptada para servir aos propósitos de cada historicizador. De fato, se deliberadamente nos dispuséssemos a historicizar toda passagem bíblica que achássemos pertinentes, então o epílogo do evangelho canônico de João (21.25) estaria certo em dizer: “Se fossem escritas [todas as outras coisas que Jesus fez] uma por uma, creio que o mundo não poderia conter os livros que se escreveriam”. A potencialidade prática da historicização de passagens a Bíblia judaica não tem limites e muito menos freios. </div><div align="justify"><br />Tais exemplos oriundos desse evangelho são exemplos vivos e inegáveis de que uma narrativa relativamente longa e/ou detalhada pode ser criada a partir de uma pequena citação das Escrituras judaicas e que tal prática também foi uma realidade nos séculos que se seguiram a morte de Jesus. </div><div align="justify"><br />Citamos esses exemplos porque temos pleno conhecimento de que o comprometimento emocional que a civilização ocidental possui em relação às narrativas da paixão de Jesus apresentadas nos evangelhos são muito fortes e basta somente isso para que rejeitem de forma aprioristica e indignada a realidade das Profecias Historicizadas. Como nenhum cristão possui qualquer comprometimento emocional com o evangelho apócrifo de Pseudo-Mateus, torna-se muito mais fácil perceber e aceitar o processo de historização acontecendo nesse evangelho.<br /><br /><strong>Bibliografia<br /></strong><br />BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. 4ª impressão. São Paulo: Ed. Paulus, 2006.<br />CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.<br />GINZBURG, Carlo. Relações de força. História, retórica, prova. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.<br />PROENÇA, Eduardo de (org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: Fonte editorial, 2005.</div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-34656148442668433092008-09-24T20:54:00.000-07:002008-09-24T20:59:08.858-07:00O MESSIAS FILHO DE JOSÉ: A “Revelação de Gabriel” e o nascimento de um novo modelo messiânico<div align="center"><strong>O MESSIAS FILHO DE JOSÉ<br />A “Revelação de Gabriel” e o nascimento de um novo modelo messiânico</strong><br /></div><br /><div align="right">De: Israel Knohl<br />Fonte: Biblical Archaeology Review<br />http://bib-arch.org/bar/article.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=5&ArticleID=14<br /><em>Traduzido por Charles Coffer Jr.</em><br /></div><div align="justify"><br />Uma nova inscrição, recentemente publicada no Biblical Archaeology Review pela primeira vez em inglês, pode ser a chave para desvendar uma nova compreensão de alguns fatos da história do messianismo judaico e cristão.<br /><br />Escrito em uma pedra de 3 metros de altura, o novo texto tem muitas características dos fragmentados Manuscritos do Mar Morto, incluindo o fato de ser mal conservado. Com base na posição e forma das letras, o ilustre decifradores da inscrição (Ada Yardeni e Binyamin Elizur) datam-la no fim do primeiro século a.C. ou no início primeiro século d.C.<br /><br />Yardeni descreve o texto como “uma composição literária semelhante à profecias bíblicas” A partir de uma palavra ou uma frase aqui e ali, ela observa que o texto é apocalíptico em caráter e vem de um grupo que acredita em um Messias Davídico. Ela chama o texto “Revelação de Gabriel”, ou Hazon Gabriel em hebraico.<br /><br />Os Rolos do Mar Morto têm, em geral, revelado que muitos dos mesmos conceitos e crenças religiosas encontrados no cristianismo também são encontrados nos rolos, muitas vezes aparecendo primeiro nos rolos e, posteriormente, transparecendo no cristianismo antigo. Creio que isto também seja válido em relação ao messianismo da “Revelação de Gabriel”.<br /><br />Como veremos, “Revelação de Gabriel” tem muita coisa a nos falar sobre um tipo diferente de um messias - o Messias filho de José, que é diferente do conceito bíblico de um Messias Davídico.<br /><br />A tradição do “Messias filho de José” e sua morte aparece pela primeira vez no Talmude babilônico (Sukkah 52a).<br /><br /><blockquote><p align="justify">Os rabinos ensinaram: O Messias ben David, que (como esperamos) vai aparecer em<br />um futuro próximo, o Santo, bendito seja Ele, irá dizer-lhe: Peça-me e dar-te-ei, como está escrito [Salmos 2:7-8]: “Vou anunciar o decreto ... Peça-me, e darei”, etc. Mas como o Messias ben David terá visto que o Messias ben Joseph, que o precedeu foi morto, ele vai dizer diante do Senhor: “Senhor do Universo, nada peço a Ti, senão a vida”. E o Senhor irá responder: “Isso já foi profetizado pelo teu pai Davi a ti, [Salmos 21:5]: ‘A vida que ele pediu a ti, tu deste a ele’”.<br /></p></blockquote><br />De acordo com o texto apocalíptico do sétimo século conhecido como Sefer Zerubabel, o “Messias filho de José”, foi morto pelo ímpio “Armilus” e foi posteriormente ressuscitado pelo Messias filho de David e pelo profeta Elijah. [1]<br /><br />Essas tradições são claramente pós-cristãs, e muitos estudiosos consideram esta tradição judaica como um impacto do cristianismo sobre o Judaísmo. Algumas evidências, no entanto, indica que a figura do "Messias filho de José" é muito mais antiga. Em alguns textos da virada das eras para a era cristã, deparamo-nos com José como um filho de Deus que expia os pecados dos outros com o seu sofrimento. Por exemplo, em José e Aseneth, escrito entre 100 a.C. e 115 d.C. José é descrito como “filho de Deus” (6:3, 5, 13:13). José também é chamado de “filho primogênito de Deus” (18:11, 21:4, 23:10).<br /><br />Em outro livro do período do Segundo Templo, O Testamento dos Doze Patriarcas, o testamento de Benjamin liga José a figura do Servo Sofredor de Isaías 52-53. Neste testamento, Jacob disse a José:<br /><br /><blockquote>“‘Em você será cumprida a profecia celestial, que afirma que o imaculado será violado por homens sem lei e o sem pecado morrerá por causa dos homens ímpios’” [2] (ênfase acrescentada). </blockquote><br />Essas citações sugerem que a designação do Messias sofredor como “filho de José” remonta ao período do Segundo Templo. [3]<br /><br />Em outro Midrash posterior, Pesikta Rabbati, o Messias Efraim (um filho de José) é criado. Quanto a ele, os pecados dos outros "serão dobrados diante de seu jugo de ferro." O Santo, bendito seja ele, lhe pergunta se ele está disposto a tolerar este sofrimento. O Messias Efraim, filho de José, pergunta quanto tempo durará seu sofrimento. Sete anos, o Santo responde. Depois de mais diálogo, o Messias Efraim diz: “Mestre do Universo, com alegria em minha alma e alegria no meu coração eu tomo este sofrimento sobre mim mesmo, desde que nenhuma pessoa em Israel pereça; que não só aqueles que estão vivos sejam salvos em meus dias, mas também aqueles que estão mortos ...”. [4]<br /><br />Nesse trecho da Pesikta Rabbati, o filho de Joseph (aqui Efraim) também aparece como o Messias identificado como o Servo Sofredor de Isaías.<br /><br />Diversos estudiosos têm argumentado que essas passagens posteriores devem ser rastreadas a círculos cristãos. [5] Um erudito líder rabínico, Saul Lieberman, tem defendido a visão oposta. [6] Estou de acordo com Lieberman. [7] Penso que a “Revelação de Gabriel”, agora publicado na Biblical Archaeology Review, apóia a idéia de que a tradição do Messias filho de José que é morto remonta ao final do primeiro século a.C. ou dos primeiros primeiro século d.C. Embora grande parte do texto da “Revelação de Gabriel” não foi preservada ou é difícil de ler, existe o suficiente para fazer esses apontamentos.<br /><br />Como Yardeni friza em seu artigo para a Biblical Archaeology Review, apesar da dificuldade na leitura do texto, o mesmo envolve “grupos messiânicos”. As personagens mencionadas são “claramente figuras apocalípticas”. Entre elas, duas que já foram citadas neste artigo: Davi e Efraim. Em “Revelação de Gabriel”, o Senhor fala com Davi, pedindo a ele que solicite a Efraim que coloque um sinal: "Meu servo Davi, peça a Efraim [que ele col]oque o sinal...” (linha 16-17 ). Infelizmente, a natureza do sinal não é especificado, mas parece ser o sinal de salvação. No entanto, o fato de que David é enviado por Deus para Efraim pedindo para colocar o sinal pode atestar que Efraim está em uma posição superior. Ele, e não Davi, é a pessoa-chave que é convidada a colocar o sinal; Davi é apenas o mensageiro!<br /><br />A expressão “Meu servo David”, obviamente aparece muitas vezes na Bíblia como uma expressão de um líder escatológico (ver Ezequiel 34:23, 24, 37:24, 25). E, como temos observado, na Bíblia, Efraim é filho de Joseph. Os nomes “meu servo Davi” e “Efraim” mencionados em “Revelação de Gabriel” aparentemente são paralelos, respectivamente, aos títulos “Messias filho de Davi” e “Messias filho de José” no Talmude, que já chamamos atenção. E “Efraim” é o nome do Messias em Pesikta Rabbati, quando se diz que está prestes a sofrer a fim de expiar Israel. Assim, neste novo texto escrito sobre pedra, temos a mais antiga referência a figura messiânica de Efraim (embora em Jeremias 31:20, o Senhor diz Efraim: “Deveras, Efraim é um filho querido para mim” [ver também Oséias 11: 1-8]).<br /><br />Também é interessante que este novo texto parece estar a predizer que em três dias o mal será derrotado pelos virtuosos. Eles têm a seguinte redação: “Em três dias você deve saber que, assim disse o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel, o mal foi quebrado pela justiça” (Linhas 19-21).<br /><br />Mas há mais: A linha 80 começa com a frase “Em três dias”. Isso é seguido por outra palavra que os editores não puderam ler. Em seguida vem a frase “Eu, Gabriel”. Acredito que esta palavra “ilegível” é realmente legível. É a palavra ḥayeh, “viva” (חאיה). O arcanjo Gabriel está dando ordens para que alguém “viva”: “Em três dias, você deve viver”. Em outras palavras, em três dias, você deve retornar à vida (ser ressuscitado).<br /><br />Existe ainda duas palavras adicionais que também são difíceis de ler. As letras não são fáceis de se entender, mas creio que a primeira palavra começa com um ג (Gimel) e um ו (vav). A próxima palavra é igualmente difícil. A letra ל (Lamed) é perfeitamente legível, e as letra anterior a ela parece ser uma ע (‘Ayin). Creio que a frase pode ser reconstruída da seguinte forma: “Em três dias, viva, eu, Gabriel, ordeno-te”. (Leshloshet Yamin ḥayeh, ani Gavriel, gozer alekha.) Ada Yardeni têm desde então concordado com essa leitura da ḥayeh e com o tradução “Em três dias, viva, eu, Gabriel ...”.<br /><br />O arcanjo é alguém que ordena a ressurreição dos mortos em três dias.<br /><br />Gabriel é naturalmente bem conhecido a partir do livro de Daniel, assim como do Evangelho de Lucas. Para Daniel, Gabriel aparece ao profeta em uma visão apocalíptica (Daniel 8:13-19). Na famosa cena em Anunciação do Evangelho de Lucas, o anjo Gabriel diz a Maria que ela terá um filho que será chamado Filho do Altíssimo:<br /><br /><blockquote>“E eis que você vai conceber em seu ventre um filho, e deverá chamar seu nome de Jesus. Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e seu reino não terá fim” (Lucas 1:31-33).</blockquote><br />De acordo com as listas genealógicas em Mateus 1:1-16 e Lucas 3:23-38, Jesus é um descendente de Davi. Fala-se explicitamente que José, o pai de Jesus, era “da casa e da linhagem de Davi” (Lucas 2:4; ver também 1:27, 32, Mateus 1:20).<br /><br />Jesus também é referido como o “Filho de Davi” várias vezes em outra parte no Evangelho (Mc 10:46, 11:10, Mateus 9:27, 12:23, 15:22, 20:30, 21:9; Luke 18:38) e, posteriormente, noutras partes do Novo Testamento (Romanos 1:3; 2 Timóteo 2:8, Apocalipse 5:5, 22:16). E toda história da Natividade (Mateus 2:1-18; Lucas 2:1-29) é projetada para enfatizar Jesus como um “Filho de Davi”. De acordo com os relatos da Natividade, Jesus, como Rei Davi, nasceu em Belém. No entanto, o próprio Jesus nunca se refere ao Messias como “Filho de Davi”, e ele não menciona ter qualquer vínculo com uma linhagem Davídica.<br /><br />Em “Revelação de Gabriel”, veremos que outro messias - Efraim, ou o “Messias filho de José” - já era conhecido no final do primeiro século a.C. O “Efraim” da “Revelação de Gabriel” foi provavelmente baseado nos versículos bíblicos alusivos ao seu sofrimento como Filho de Deus (cf. Jeremias 31:17-20; Oséias 11:1-8). E o conteúdo de “Revelação de Gabriel” reflete elementos de morte e derramamento de sangue.<br /><br />A figura messiânica de Davi é tradicionalmente representada como envolvendo bravura, habilidade militar e triunfo. A figura de Efraim, ou Messias filho de José, simboliza uma nova espécie de messianismo bastante diferente. Efraim é um messias do sofrimento e da morte.<br /><br />Isso pode trazer uma nova luz sobre aquilo que tem sido uma enigmática tradição evangélica. Em passagens paralelas dos evangelhos sinópticos [b] (Marcos 12:35-37, Mateus 22:41-46; Lucas 20:41-44), Jesus está ensinando no Templo. Surpreendentemente, ele rejeita a idéia de que o Messias seja filho de Davi: “Como podem os escribas afirmarem:” indaga Jesus, “que o Cristo é o filho de Davi?” (Marcos 12:35).<br /><br />Para demonstrar que o Messias não é o filho de Davi, Jesus cita o Salmo 110, atribuído no Bíblia Hebraica ao próprio Davi. Como o texto de Marcos (12:36) recita, Davi fala no salmo: “O próprio Davi, inspirada pelo Espírito Santo, declarou...” Jesus, em seguida, recita uma passagem do salmo:<br /><br /><blockquote><p>“Disse o Senhor ao meu Senhor,<br />Senta ao meu lado direito, </p><p>até que eu ponha teus inimigos sob teu pé”. </p></blockquote><br />Jesus, então usa essa passagem para provar o seu ponto de vista: “Se Davi chama ele [o Messias] de ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho?” Ou seja, Davi fala do Messias como “meu Senhor”, e não como “meu filho”. O Messias, portanto, não pode ser um filho de Davi. Usando o Salmo 110 como prova de seu texto, Jesus refuta o ponto de vista dos escribas de que Cristo, o Messias, deveria ser um filho ou descendente de Davi.<br /><br />Isso parece estranho, tendo em conta o fato de que, como já foi observado anteriormente, tanto em Mateus como em Lucas, a linhagem de Jesus está especificamente ligada a Davi. Estou inclinado a considerar a passagem em que Jesus cita Salmo 110 como uma passagem historicamente fiável em que Jesus rejeita a idéia de que o Messias será um descendente de Davi. Não só versões deste incidente aparecem em todos os três evangelhos sinópticos, mas o próprio fato de que ela contraria a genealogias de Jesus sugere que esta versão contraditória deve ser autêntica. Caso contrário, os autores dos Evangelhos não teria incluído uma coisa tão gritante que colide com as suas freqüentes referências a Jesus como o Filho de Davi. [8]<br /><br />Alguns estudiosos têm sugerido que Jesus pretendia alegar que o Messias não é apenas um filho de Davi, mas que também um status superior - possivelmente de Filho de Deus. No entanto, se tal fosse o caso, esperaríamos que Jesus tivesse ancorado sua afirmação em Salmos 2:7, “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”, mais do que no primeiro versículo do Salmo 110, que não faz explícita referência ao Messias como o Filho de Deus.<br /><br />Ao citar Salmo 110, Jesus pode muito bem estar a tentando dissipar as prevalentes expectativas de um messias triunfal, o tradicional “filho de Davi”.<br /><br />Seu modelo ideal messiânico é diferente. Tal como acontece com o Messias Efraim, filho de José, o Messias Jesus envolve sofrimento e morte.<br /><br />A nova inscrição descoberta, a “Revelação de Gabriel”, sugere que esse tipo diferente de Messias foi evoluindo na virada da era - diferente do Messias filho de Davi. Em vez de um militante Messias, prevê um Messias que sofre, morre e ressuscita. Jesus também entende o Messias como sendo um filho de José.<br /><br />Como em “Revelação de Gabriel”, também no dizer de Jesus, Davi é secundário para o outro Messias. Em Nazaré, Jesus era conhecido como “filho de José” (Lucas 4:22, João 6:42). Assim, é perfeitamente possível que Jesus tenha se identificado como o Messias “Efraim”, o filho de José, que é mencionado em “Revelação de Gabriel”. [9]<br /></div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-64761430487154700642008-09-19T06:29:00.006-07:002008-09-19T07:41:47.048-07:00Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 4)<div align="justify"><strong>4 O IMPACTO DA “NOVA ARQUEOLOGIA” NO CRISTIANISMO CONTEMPORÂNEO</strong><br /><br />Quando se trata de analisar a religião sob o prisma da História, as pessoas são freqüentemente bastante mal informadas, e quase sempre parciais. Principalmente quando falamos do cristianismo, existe uma nuvem de obscuridade dogmática que impede a maior parte das pessoas, principalmente aquelas que são ao mesmo tempo religiosamente fundamentalistas e leigas, de penetrar as entranhas do processo histórico. </div><div align="justify"><br />É nesse cenário que a Bíblia é vista como “verdade absoluta” e o cristianismo institucional é concebido como o grande portador das vontades de Deus. Essa visão limitada e distorcida dificilmente deixa alguma abertura para que o conhecimento científico entre trazendo alguma luz sobre as verdades históricas da religião. </div><div align="justify"><br />Atualmente, é fato que a natureza literária e ideológica da Bíblia entrou em contradição com os dados arqueológicos, que rechaçam seu valor histórico mesmo a despeito do otimismo dos arqueólogos da primeira metade do século XX. </div><div align="justify"><br />A hermenêutica e a exegese bíblica sempre estiveram condicionadas ao conhecimento externo dos fatos que as Escrituras Sagradas descrevem em seus textos, sendo que a arqueologia de campo tal como praticada no Oriente Próximo e, particularmente, no moderno estado do Israel, se torna um objeto importante e de grande interesse porque possui grandes implicações na hora de ler e compreender a Bíblia. </div><div align="justify"><br />No entanto, tais mudanças, ou mesmo reformulações, na leitura e compreensão da Bíblia nem sempre é algo confortável de se aceitar. </div><div align="justify"><br />De acordo com Vaux, “se a fé de Israel não se fundamente na História, tal fé é errônea e, portanto, o é, também, a nossa fé”. Isso reflete a preocupação em face as inúmeras e consistentes objeções que essas descobertas arqueológicas criaram, de forma tão direta e contundente, em relação aos episódios tidos como sagrados que se encontram associados com a crença pessoal de cada indivíduo que professe a fé cristã e judaica em nossa civilização, e com a forma como se lê a Bíblia. </div><div align="justify"><br />Conforme afirma Laughlin:<br /><br /><em><blockquote><em>[...] deve-se admitir que a arqueologia simplesmente não tem feito pela Bíblia o que antigos colegas profissionais esperaram que fizesse. Para um não crente este fato não é particularmente problemático. Mas para aqueles que fazem seu o judaísmo ou a fé cristã, o consenso que se está desenvolvendo hoje em arqueologia, assim como nos estudos de crítica literária, dá lugar a muitas e agudas questões sobre o uso da Bíblia como fonte de verdade religiosa.</em></blockquote></em><br />De fato, as implicações que essas descobertas podem exercer para o pensamento cristão tradicional são imensas. No entanto, cada pessoa, ou grupo, ou seita religiosa, interpreta as implicações dessas descobertas como quiserem </div><div align="justify"><br />No ano de 2007, o arqueólogo Zahi Hawass descobriu uma fortaleza militar egípcia em Qantara Sharq, na Península do Sinai, que seria mais uma evidência capaz de afirmar que o episódio bíblico do Êxodo judeu é apenas um mito, sendo que a descoberta coincide aproximadamente com a época em que o povo de Moisés teria migrado rumo à terra prometida. </div><div align="justify"><br />Quando entrevistado, Hawass (apud TERRA, 2007 [on line]), afirmou que “<em>Se alguém ficar chateado, eu não me importo. Às vezes, os arqueólogos têm de dizer que algo nunca aconteceu porque não há evidências históricas”.</em></div><div align="justify"><br />De fato, para um arqueólogo sem vínculos com religião e comprometido apenas com o saber, tais descobertas são apenas uma luz para a compreensão do passado e uma nova forma de ler os textos bíblicos. Já para os religiosos, principalmente para os fundamentalistas, tais descobertas despertam reações que nem sempre são deixam de ser emotivas. </div><div align="justify"><br />Da mesma forma que a fé cristã pode ser afetada pelas descobertas arqueológicas, a arqueologia pode ser afetada pela fé cristã de forma negativa. Quando os arqueólogos e historiadores derrubaram muitos mitos e inverdades históricas sem relação alguma com os textos bíblicos, não houve nenhuma manifestação ideológica contrária. Já no caso dos textos sagrados do cristianismo, as manifestações são constantes. Nenhum defensor veio fazer apologia à Ilíada ou à Eneida quando a arqueologia e a crítica histórica determinaram ser lendária a maior parte de seus relatos. No entanto, quando se trata da arqueologia e crítica histórica em face a Bíblia, as reações chegam a serem explosivas. </div><div align="justify"><br />Essa “explosividade”, por sua vez, afeta a própria disciplina acadêmica, ao questionar a validade ou até mesmo a credibilidade dos pesquisadores unicamente com base em um sentimentalismo ao texto bíblico e de forma totalmente infundada, como vem ocorrendo muito. </div><div align="justify"><br />Uma dessas reações, oriunda da parte cristandade – principalmente a da ala fundamentalista – se consiste em acusar os arqueólogos de “sensacionalismo” e dizer que tudo não passa de estratégia de Marketing. Já outros fundamentalistas afirmam que isso faz parte de uma conspiração mundial anticristã já profetizada no Apocalipse. </div><div align="justify"><br />De acordo com a revista A Hebraica (2005 [on line]), Finkelstein foi acusado, em Israel, de arruinar a educação da juventude e até de dar munição intelectual aos palestinos, e continua a ser repreendido por abalar os alicerces da fé cristã. Ainda assim, Finkelstein afirma que suas idéias não abalarão a fé de ninguém e responde que:<br /><br /><em><blockquote><em>Não há como provar que a Bíblia seja falsa porque sua verdade não está neste ou naquele evento histórico. Sua verdade está no grande valor das profecias e em sua moral. Não temo este colapso total, pois o edifício da fé não está construído em cima da arqueologia. Existe separação entre ciência e fé, que deve continuar havendo. Desde o século 19 pessoas achavam que Darwin levaria a religião à ruína. Claro que isto não acontecerá, pois há uma completa separação entre os dois campos.</em></blockquote></em><br />Finkelstein (op. cit.) também postula como uma possível reação contra suas descobertas arqueológicas a falsificação de achados com o fim de confirmar os relatos bíblicos:<br /><br /><em><blockquote><em>[...] prevejo a “descoberta” de novas falsificações arqueológicas. A direita cultural tentará produzir achados que sirvam de base para as afirmações dos arqueólogos conservadores. Não me surpreenderei se em breve “descobrirem” uma inscrição do Rei Salomão.<br /></em></blockquote></em><br />Falsificações e erros (deliberados ou acidentais) de interpretação, como já mostramos, fazem parte da história do cristianismo e suas reações diante das descobertas da arqueologia. </div><div align="justify"><br />De fato, é bastante difícil para grande parte das pessoas abrir seus corações e suas mentes para um entendimento da história sem fantasias, sem devaneios, sem ilusões, um entendimento que não pode ser simplesmente descartado apenas porque entra em choque com os nossos conceitos estabelecidos sobre o cristianismo, sobre a Bíblia, sobre a Igreja, sobre a fé, e sobre Jesus.<br /><br /><strong>4.1 A influência da “Nova Arqueologia” na leitura das Sagradas Escrituras</strong><br /><br />É fato que as descobertas arqueológicas – principalmente as apresentadas no presente trabalho – vêm influenciando, de várias formas, a nossa visão acerca dos textos sagrados. No entanto, resta-nos determinar de que forma. </div><div align="justify"><br />No que se refere ao público em geral, a reação é ambígua. Por um lado, os estudiosos, principalmente os acadêmicos, estão entusiasmados por chegarem cada vez mais perto de uma compreensão mais profunda e aperfeiçoada da história de Israel. Por outro lado, as inúmeras contradições entre os dados arqueológicos e o texto bíblico estão deixando os religiosos judeus e cristãos, cada vez mais em estado de perplexidade, sendo que tais descobertas parecem desconstruir por completo textos inteiros da bíblia. </div><div align="justify"><br />Nessa parte do trabalho, é imprescindível que se deixe bem claro os objetivos da arqueologia como disciplina acadêmica e científica diante dos textos bíblicos. </div><div align="justify"><br />De acordo com Arens (2007, p. 18), as descobertas arqueológicas não “desconstruíram” os textos bíblicos. Muito pelo contrário: <em>“a informação obtida das descobertas arqueológicas contribuiu muito para melhor situar e entender os textos bíblicos”.</em> </div><div align="justify"><br />A principal prioridade da arqueologia é adentrar nas conseqüências materiais dos eventos históricos com o fim de compreender as diversas dimensões desses acontecimentos. É um objetivo didático, vinculado apenas com a necessidade do saber. </div><div align="justify"><br />De forma alguma, é missão da arqueologia desconstruir as narrativas bíblicas do ponto de vista histórico, muito menos de derrubar ideologias religiosas milenares criadas ao redor de um livro sagrado. </div><div align="justify"><br />A principal tarefa da arqueologia é oferecer subsídios com os quais se possa melhor entender os textos bíblicos. </div><div align="justify"><br />No entanto, essa busca por compreensão e entendimento por parte da arqueologia, inevitavelmente, traz consigo diversas implicações que, conseqüentemente, podem ou não serem concebidas de forma negativa ou positiva. </div><div align="justify"><br />De acordo com Arens, é inevitável que exista, como conseqüência dessas descobertas, não uma desconstrução do texto bíblico, mas uma releitura ou uma nova forma de encarar o texto bíblico. Para exemplificar, Arens (2007, p. 225) enfatiza o papel de vários ramos da ciência para uma nova compreensão da Bíblia:<br /><br /><em><blockquote><em>Desde um século atrás, os estudos bíblicos vêm-se enriquecendo com as contribuições da arqueologia, das ciências sociais, da antropologia, da lingüística, da hermenêutica, entre outros. [...] A partir do momento em que conhecemos e levamos a sério a variedade de fatores que intervieram na composição da Bíblia, não podemos continuar pensando como antes.</em> </blockquote></em><br />Essa mudança de pensamento é vital para que nossos conhecimentos sejam capazes de serem ampliados mais ainda. </div><div align="justify"><br />Todas as descobertas arqueológicas, bem como outras contribuições multidisciplinares, nos têm trazido uma compreensão mais humana da Bíblia, enfatizando o lado humano da Bíblia em que a mesma se caracteriza como um livro humano, escrito por pessoas humanas e para pessoas humanas, dentro de um contexto humano, de modo que, como qualquer outro livro humano, possui estrutura peculiar e uma história que revela os processos de sua formação.<br />De acordo com Arens (2007, p. 17):<br /><br /><em><blockquote><em>Enquanto se defendia a Bíblia literal e estritamente como a palavra de Deus comunicada por inspiração divina a determinadas pessoas, não se pensava em perguntar quando e por que se escreveu este ou aquele livro, quem foi o escritor, se ele utilizou alguma tradição ou fonte de informação, se ele esteve influenciado pela situação histórica e cultural na qual vivia etc.</em> </blockquote></em><br />Todas essas indagações apresentadas na citação acima são imprescindíveis em qualquer estudo histórico e/ou literário que se pretenda realizar em relação a qualquer livro. Nesse sentido, Arens (2007, p. 19) também faz a seguinte afirmação:<br /><br /><em><blockquote><em>Só se começará a conhecer e compreender a Bíblia quando se estiver familiarizado com sua origem e com sua formação, quando se souber por que foram escritos os diferentes livros, e algo do mundo daqueles para os quais foram escritos diretamente, sua cultura e circunstâncias. Para conhecer e compreender a carta de São Paulo aos Gálatas, por exemplo, temos de familiarizar-nos com as circunstâncias sob as quais ele a escreveu, o que motivou o apóstolo (emissor) a fazê-lo, assim como as realidades culturais, políticas, religiosas e outras nas quais viviam os gálatas (receptores).</em> </blockquote></em><br />Como podemos notar, uma das mudanças de pensamento que essa nova visão traz através dessas novas descobertas é que idéias como inspiração divina, inerrância bíblica, entre outras, precisam ser reformuladas. O lado negativo em tudo isso é que são exatamente essas idéias que precisam ser revistas e reformuladas que constituem as principais crenças e ideologias fundamentalistas, sendo, desse modo, as que mais exercem resistência contra as novas tendências. </div><div align="justify"><br />É preciso frisar que nenhuma leitura fundamentalista e literalista dos textos bíblicos se preocupa em se aprofundar em nenhuma das questões sobre composição, formação e sobre os contextos multidimensionais em que a Bíblia foi escrita. O fundamentalismo já possui respostas para tudo isso, respostas essas que, geralmente, andam em contra-mão ao desenvolvimento científico. O fundamentalismo, como um movimento mais ideológico do que científico (ou seja, que pregam verdades pré-estabelecidas, ao invés de buscá-las), é bem um instrumento de estagnação do conhecimento do que um mero movimento conservador. </div><div align="justify"><br />O literalismo fundamentalista se preocupa unicamente em adequar suas visões de mundo e interpretações de natureza ideológica ao texto bíblico que - concebido não somente como a Palavra de Deus, mas também, e principalmente, como a verdade absoluta -, por sua vez, serve como um instrumento para legitimar essas interpretações e/ou ideologias. </div><div align="justify"><br />Essa leitura fundamentalista e anti-histórica traz consigo erros e disparates que podem trazer, por si sós, várias conseqüências negativas para a sociedade: <em>“A falta de estudo informado da Bíblia e de seus condicionamentos históricos e culturais leva, por exemplo, a proibir a transfusão de sangue (Testemunhas de Jeová). E pessoas morrem!”</em> (Ibid, p. 23). </div><div align="justify"><br />É por essa razão que a arqueologia se torna um elemento de suma importância para uma releitura dos textos bíblicos. Uma leitura nova e muito mais proveitosa, por ser mais científica e menos ideológica. </div><div align="justify"><br />De acordo com Auerbach (1998, p. 28), filólogo alemão e estudioso de literatura comparada e crítico literário, afirma que a Bíblia, por si mesma, já é um forte instrumento ideológico de controle, e mão de todo o fundamentalismo religioso:<br /><br /><em><blockquote><em>O mundo dos relatos das Sagradas Escrituras não se contenta com a pretensão de ser uma realidade histórica verdadeira – pretende ser o único verdadeiro, destinado ao domínio exclusivo. Qualquer outro cenário, quaisquer outros desfechos ou ordens não tem direito algum a se apresentar independentemente dele, e está escrito que todos eles, a história de toda a humanidade, se integrarão e se subordinarão aos seus quadros. Os relatos das Sagradas Escrituras não procuram o nosso favor [...], não nos lisonjeiam para nos agradar e encantar – o que querem é nos domina, e se nos negarmos a isso, então somos rebeldes.</em> </blockquote></em><br />Por outro lado, a arqueologia, ao questionar essa pretensão de verdade histórica absoluta, nos proporciona opções a mais, bem como uma maior liberdade de escolha. Sendo que a Bíblia descreve supostos acontecimentos que chamam para si o epíteto de “históricos”, é bem certo que alguns esses acontecimentos (que, como vimos, foram de grandes proporções) tenham deixado vestígios eternos na política e geografia da época, de modo que a arqueologia seja capaz de resgatá-los – caso exista historicidade nesses relatos. </div><div align="justify"><br />A arqueologia, como instrumento científico capaz de “voltar no tempo” e trazer certezas à nossa era sobre o passado distante, é a disciplina mais apta a adentrar na realidade literária da Bíblia e, utilizando critérios científicos, realizar julgamentos históricos sobre determinadas narrativas. </div><div align="justify"><br />Desse modo, a arqueologia, como disciplina autônoma e dotada de credibilidade científica, possui autoridade suficiente para desafiar a verdade histórica da Bíblia Sagrada, com o fim de determinar sua confiabilidade histórica ou falsidade. </div><div align="justify"><br />No entanto, como já foi dito, o que para alguns significa “desafio” ou mesmo “perseguição”, para outros significa apenas uma “releitura” dos textos bíblicos e uma reformulação de nossas idéias.<br />Se, para os fundamentalistas, reformular suas idéias e preconceitos se consiste em uma ação tão difícil de ser realizada, a culpa disso, com certeza, não é da arqueologia. </div><div align="justify"> </div><div align="justify">========================</div><div align="justify"> </div><div align="center"><strong>BIBLIOGRAFIA</strong><br /> </div><div align="left"><br />AUERBACH, Erich. <strong>Mimesis:</strong> a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1998.<br />A HEBRAICA. <strong>Arqueologia.</strong> As mais novas descobertas em Israel: entrevista com Israel Finkelstein. In: Revista “A HEBRAICA”. Edição: Jul. de 2005. Disponível em: http://www.hebraica.org.br/cabecalho/MateriaCompleta.asp?idMateria=104 Acesso em 17 de julho de 2008.<br />CPAD. 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Atualmente, essa visão tem caído por terra. Muitos esquecem que papel aceita tudo e que por isso qualquer texto, seja bíblico ou não, precisa ser comprovado externa e internamente para que possa ser usado em um inventário histórico. </div><div align="justify"><br />Tradicionalmente, a “Conquistas de Canaã” é colocada entre os anos 1230 e 1220 a.C. A documentação referente a Canaã no final da Idade do Bronze (1550-1150 a.C.) é abundante: cartas do Tell el-Amama enviadas pelos senhores dos estados ao Egito, pelos hititas da Anatolia e pelos governantes de Babilônia. A maioria procede de governadores de cidades cananéias, como Jerusalém, Sichem, Megiddo, Hazor e Laquish. A capital da província egípcia de Canaã era Gaza. As guarnições egípcias estavam aquarteladas no Beth Shean e na Giafa. As cidades cananéias citadas neste período não eram verdadeiras cidades, mas apenas centros administrativos. Os cidadãos viviam em pequenas aldeias disseminadas pelo campo. As cidades tinham um palácio, um templo e poucos edifícios públicos.<br /><br /><strong>3.1 A escravidão dos hebreus no Egito</strong><br /><br />Até certa época, a escravidão dos hebreus no Egito e o Êxodo não podiam ser questionados, pois textos egípcios testemunham que Ramsés II utilizou hapirus (= hebreus) na construção de fortalezas no delta do Nilo em regime de trabalho forçado. A Estela de Merneptah, faraó sucessor de Ramsés II, comprova a existência de israelitas na terra de Canaã na segunda metade do século XIII a.C., o que nos permitia fixar a data do êxodo aí por volta de 1250 a.C. </div><div align="justify"><br />No entanto, Finkelstein e Silberman se perguntaram quem eram os semitas estabelecidos no Egito e se pode considerar que se trata de verdadeiros israelitas. Nenhuma inscrição egípcia ou documento do arquivo do Tell o-Amarna, composto por aproximadamente 400 cartas, datadas do século XIV a.C., e que descrevem detalhadamente a situação do Canaã, mencionam a presença de israelitas no Egito. </div><div align="justify"><br />Hoje se sabe que a expulsão dos hicsos ocasionou a organização definitiva do Egito mediante um sistema de lugares fortificados com o passar da margem central do Delta, dentro das quais havia guarnições militares e administradores. Uma massa de israelitas fugitivos não poderiam atravessar esta linha defensiva. A esteira do Merneptah se refere a Israel como um grupo de pessoas que viviam em Canaã, e não à israelitas no Egito, que por outro lado não são mencionados em nenhum em qualquer documento do Egito. </div><div align="justify"><br />Os israelitas foram relacionados com os hapirus, inclusive se pensou que a palavra tivesse alguma relação lingüística com o território ilri hebreu descrito nas cartas do Tell el-Amama, que viviam à margem da sociedade cananéia, desarraigados, ladrões, gente que viviam fora da lei e às vezes mercenários. No Egito trabalhavam em duas grandes obras públicas. O termo se propagou durante muitos séculos no Próximo Oriente. Não caracterizava a um grupo étnico, mas sim a uma situação sócio-econômica. Por isso, hapirus nada tem a ver com os israelitas.</div><div align="justify"><br />Um dos maiores especialistas na história do Egito no Brasil, Julio Gralha, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita esteve no Egito, deu uma resposta incisiva: <em>“Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito [...] a forma de servidão mostrada nos textos bíblicos em nada se parece com os indícios históricos e arqueológicos. Ou seja, é mais uma questão de fé”.</em><br /></div><div align="justify">Por outro lado, é bastante significativo e muito interessante o fato dos egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.<br /><br /><strong>3.2 Os quarenta anos no deserto do Sinai</strong><br /><br />Essas recentes pesquisas arqueológicas vêm demonstrando que vários relatos bíblicos não devem ser interpretados como eventos históricos, mas como lendas. Uma das mais impressionantes constatações arqueológicas versa sobre a impossibilidade dos israelitas terem passado quarenta anos no deserto do Sinai, e mais especificamente, em Kadesh-Barnea. </div><div align="justify"><br />Kadesh-Barnea foi o lugar onde, segundo o relato bíblico, os israelitas acamparam por 38 anos dos 40 que estiveram no Sinai. A localidade, que é um oásis com abundante água, identificou-se com o Ein Gadis. Não se encontrou nenhum material arqueológico do Bronze Tardio, tão somente restos de uma fortificação de finais da Idade do Ferro. Até mesmo a indicação de Kadesh-Barnea (Cades-Barnea) não é anterior ao século X a.C. </div><div align="justify"><br />Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que:</div><div align="justify"> </div><div align="justify"><em><blockquote><em>O oásis [de Kadesh-Barnea] foi sistematicamente cavado nos anos de 1950 e 1970. O sítio não revelou nenhum vestígio do século XIII, a suposta época do Êxodo. As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Entretanto, nenhum traço da longa estadia dos israelitas foi encontrado. A ausência de qualquer evidência dessa longa jornada neste oásis assim como em toda a península do Sinai é um dos enigmas do relato do Êxodo. </em> </blockquote></em></div><div align="justify"><br />De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), as evidências arqueológicas são conclusivas, dada as inúmeras e intransponíveis dificuldades encontradas para a historicidade desses textos bíblicos:<br /></div><div align="justify"><em><blockquote><em>No século XVI a.C., o Egito tinha construído em toda a região uma série de fortes militares, perfeitamente administrados e equipados. Nada, do litoral oriental do Nilo até o mais afastado dos povos do Canaã, escapava a seu controle. Quase dois milhões de israelitas que tivessem fugido pelo deserto durante 40 (quarenta) anos teriam que ter chamado a atenção dessas tropas. Entretanto, nenhuma esteira da época faz referência a essa gente. Tampouco existiam outros sítios célebres, como Bersheba ou Edom. Não havia nenhum rei no Edom para enfrentar os israelitas. Esses sítios existiram, mas muito tempo depois do Êxodo, muito depois da emergência do reino de Judá. Nem sequer há rastros deixados por essa gente em sua peregrinação de 40 anos. Fomos capazes de achar rastros de minúsculos casarios de 40 ou 50 pessoas. A menos que essa multidão nunca se deteve a dormir, comer ou descansar: não existe o menor indício de seu trajeto pelo deserto.<br /></em></blockquote></em> </div><div align="justify">Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), também afirma que: </div><div align="justify"><br /><em><blockquote><em>No leste do delta, no Sinai, no Negev e mais ao norte havia guarnições egípcias permanentes. Havia ainda postos de inspeção. Os beduínos eram vigiados pela polícia paramilitar egípcia ao longo de toda a fronteira. Um baixo relevo no templo de Karnak atesta a existência de um sofisticado sistema de fortalezas que assegurava a logística da rota ao longo da costa norte. Era um itinerante estratégico para os egípcios que os levavam para a Mesopotâmia e Anatólia. Uma multidão em fuga não poderia passar por aí sem ser notada e detida por uma das guarnições. </em></blockquote></em></div><div align="justify"><br /> Muitos críticos (especialmente cristãos que negam tais pesquisas), tem alegado a conclusão de que os quarenta anos no deserto se trata de “argumento de silêncio” e que por isso esse argumento não pode ser válido. Sobre isso Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), comenta que: </div><div align="justify"><br /><em><blockquote><em>Pode-se contestar que é um argumento baseado na ausência de evidências, mas, ainda assim, sabemos tanta coisa sobre o período que não encontrar nenhum sinal na tela do radar, por assim dizer, é fatal para a teoria [da estadia dos israelitas no Sinai]. Além disso, o relato bíblico fala de 600 mil homens deixando o Egito durante o Êxodo, o que totalizaria 2 milhões de almas. Imagine o que seriam 2 milhões de pessoas deixando uma região do tamanho do Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões. Isso teria causado uma enorme lacuna no sistema social e econômico que certamente estaria presente nos registros. O resultado teria sido uma imediata crise econômica e, socialmente, o abalo irremediável do Império. Nada equivalente a isso foi encontrado nos registros. Não consigo conceber a ocorrência do Êxodo tal como descrito na Bíblia. </em></em><br /> </blockquote></div><div align="justify">Ou seja:</div><div align="justify"><br />a) O Egito possuía guarnições militares permanentes por todo o litoral do Sinai, de modo que os israelitas seriam, sem dúvida, notados. </div><div align="justify"><br />b) A Bíblia diz que “os dias que caminhamos, desde Cades-Barnéia até que passamos o ribeiro de Zerede, foram trinta e oito anos, até que toda aquela geração dos homens de guerra se consumiu do meio do arraial, como o SENHOR lhes jurara. - Deuteronômio 2.14. No entanto, escavações realizadas em Kadesh-Barnea não revelou nenhum vestígio da suposta passagem dos israelitas nesse lugar. </div><div align="justify"><br />c) As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Mas no caso dos israelitas no deserto do Sinai, não existe um único sinal só, nem ao menos microscópico. </div><div align="justify"><br />c) O Sinal é bastante pequeno. A distância entre o Egito e a Palestina é de menos de 400 km, de modo em que para atravessá-la, não se demoraria mais que uma semana de caminhada. Desse modo, os israelitas seriam obrigados a deixar quaisquer rastros de sua estadia nesse deserto.</div><div align="justify"><br />d) O choque que seria 2 milhões de pessoas (os israelitas) deixando o Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões teria ocasionado grandes transformações tanto:<br />· Sociais;<br />· Econômicas;<br />· Políticas;<br />· Culturais, etc.<br /><br />No entanto, nada disso ocorreu, e tanto o Egito quanto o Sinai da época continuaram a existir como se nada disso tivesse acontecido (como, de fato, não aconteceu). </div><div align="justify"><br />e) Os arqueólogos possuem dados sólidos sobre o Sinai da suposta época da passagem dos israelitas, como registros, vestígios arqueológicos, etc.. No entanto, esses registros se apresentam como se tal passagem dos israelitas jamais tivesse ocorrido. Existem ricos vestígios e registros da época sobre os povos da região, mas não existe nenhum vestígio ou registro da passagem dos israelitas.<br /><br /><strong>3.3 Exército de maltrapilhos</strong><br /><br />Uma das grandes dificuldades apontadas por Finkelstein e Silberman (2003) é que dificilmente andarilhos maltrapilhos seriam capazes de enfrentar grandes povos sedentários e militarmente treinados e armados como os cananeus de Retemu da época: <br /></div><div align="justify"><em><blockquote><em>Como um exército em andrajos, viajando com mulheres, crianças e idosos, emergindo do deserto depois de décadas, poderia montar uma invasão efetiva? Como tal multidão desorganizada poderia vencer as grandes fortalezas de Canaã, com seus exércitos profissionais e suas bem treinadas unidades de bigas?</em> </blockquote></em></div><div align="justify"><br />Pessoas sem treinamento militar, sem conhecimentos de estratégia de guerra e combate, etc. dificilmente seriam capazes de enfrentar (e muito menos vencer!) povos treinados militarmente que contavam, além do mais, com o poderio militar egípcio. </div><div align="justify"><br />Mesmo em uma Canaã pateticamente fraca, como veremos a seguir, era praticamente impossível derrotá-los sem as condições prévias que o conhecimento militar proporciona – coisa que os israelitas da Conquista não tinham.<br /><br /><strong>3.4 O silêncio das fontes históricas</strong><br /><br />Muitas pessoas não gostam ou simplesmente ignoram o Argumento do Silêncio, como se ele fosse totalmente falacioso. Porém, a falácia do Argumento do Silêncio vai depender muito dos dados que temos a mão. O Argumento do Silêncio é falho quando se trata de eventos não-mencionados que poderiam passar sem serem percebidos pelos comentaristas da época. </div><div align="justify"><br />No entanto, quando se trata de Grandes Acontecimentos, o Argumento do Silêncio é verídico e muitas vezes certeiro. Por exemplo:</div><div align="justify"><br />Suponhamos que se o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque se calassem a respeito da visita do Jô Soares a essa cidade, apelar para o Argumento do Silêncio para se afirmar que o Gordo nunca foi ou não esteve em Nova Iorque em certo período, é falho. A visita do Jô Soares a Nova Iorque não se caracteriza um evento de tamanho impacto para ser notado.<br />No entanto, quando falamos de um evento como o aparecimento e a subida do King Kong no Empire State, o assunto é outro. Nesse caso, dado a imprescindível e absoluta necessidade de se registrar um impacto de tão grandes proporções, além de exótico e espetacular, o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque jamais deixariam de relatar tal fato se o mesmo realmente tivesse ocorrido. </div><div align="justify"><br />Do ponto de vista histórico, o fato do New York Times e os demais jornais de Nova Iorque nunca terem registrado absolutamente nada sobre suposto incidente, significa que o Argumento do Silêncio é prova de que tal incidente jamais ocorreu (como, de fato, jamais ocorreu, a não ser na literatura e no cinema). Nesse caso, a ausência da evidência é evidência da ausência, e isso é indiscutível. </div><div align="justify"><br />Outra coisa que devemos abordar nesse mesmo contexto do parágrafo anterior é que, dada a existência de fontes como o New York Times e os demais jornais da cidade de Nova Iorque, somado com a inexistência de qualquer notícia sobre o incidente do King Kong, é totalmente lógico e correto afirmar a não-ocorrência do fenômeno King Kong. Se, por outro lado, não houvesse nenhum jornal na cidade, não teríamos fontes sobre nada e assim não poderíamos tirar nenhuma conclusão sobre o King Kong. </div><div align="justify"><br />No caso dos grandes e pequenos acontecimentos sociais e políticos de Canaã na suposta época da Conquista, possuímos muitos dados. Se não possuíssemos dado nenhum, não poderíamos chegar a nenhuma conclusão sobre a ocorrência da Conquista. No entanto, o problema é exatamente a enorme quantidade de dados sobre o período citado, somado ao total silêncio de qualquer uma dessas fontes sobre a Conquista. </div><div align="justify"><br />De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):<br /><br /></div><em><blockquote><em>Existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550 – 1150 a.C.) sobre os assuntos de Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos no Egito, anais dos reis egípcios, obras literárias e hinos.<br /></em></blockquote><div align="justify"></em><br />No entanto, não existe nenhuma evidência, nem arqueológica e nem escrita, da suposta Conquista de Canaã. Vale lembrar que a Conquista de Canaã, sendo um acontecimento de enorme magnitude para o Oriente da época, equivaleria ao aparecimento do King Kong em Nova Iorque, de modo que se esses dois grandes eventos tivessem realmente acontecido, de forma nenhuma deixariam de ser registrados. </div><div align="justify"><br />É como se os jornalistas passassem de frente ao Empire State, mas não vissem o Kong ou simplesmente o ignorassem. </div><div align="justify"><br />Mas no caso da Conquista de Canaã, possuímos documentos da época em que egípcios e cananeus se comunicam como se nada tivesse acontecendo. Uma coisa é não termos documentos; outra, é termos de sobra e mesmo assim os mesmos se omitirem sobre determinado fato. </div><div align="justify"><br />É dentro desse contexto que Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) afirma que:<br /><br /></div><em><blockquote><em>É inconcebível que a destruição pelos invasores de tantas cidades vassalas, leais, não tivesse deixado nenhum traço nos vastos registros do império egípcio. A única menção independente ao nome de Israel nesse período – a estela da vitória de Merneptah – anuncia apenas que, ao contrário, esse povo obscuro vivendo em Canaã sofrera derrota esmagadora. Nitidamente, alguma coisa não combina quando o relato bíblico, a evidência arqueológica e os registros egípcios são colocados lado a lado.</em> </blockquote></em><div align="justify"><br /> Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) frisam que, quando os “Povos do Mar” começaram a invadir a Ásia, encontrou-se diversas alusões literárias e evidencias arqueológicas. Os próprios egípcios fizeram alusões literárias a esse conjunto de invasões realizadas por esses “Povos do Mar”, o que se caracterizou como um grande acontecimento – que jamais deixaria de ser percebido e comentado. No entanto, um acontecimento da mesma proporção e da mesma época – a invasão israelita e sua conquista das terras de Canaã – não foi nem sequer aludido de passagem. </div><div align="justify"><br />Sendo que nenhum documento ou indicio arqueológico menciona a Conquista na época apontada pela Bíblia como a da Conquista, e sendo que tal conquista se caracterizaria como um grande acontecimento para o Antigo Oriente Médio de modo que jamais poderia deixar de ser mencionada caso houvesse acontecido, o veredicto é um só: A Conquista de Canaã jamais aconteceu.<br /><br /><strong>3.5 Canaã sob o domínio egípcio</strong><br /><br />A Bíblia, por um lado, e os documentos da época da Conquista, juntamente com as descobertas arqueológicas, por outro lado, se contradizem de modo marcante no que se refere ao domínio e influência egípcia em Canaã. </div><div align="justify"><br />Por um lado, temos a arqueologia e os documentos:<br /><br /></div><em><blockquote><em>[...] as cartas Amarna revelam que Canaã era uma província egípcia, firmemente controlada por administração egípcia. A capital provincial situava-se em Gaza, mas tropas egípcias estavam permanentemente estacionadas em lugares-chave por todo o país, como em Betsã, ao sul do mar da Galiléia, e no porto de Jaffa (hoje parte da cidade de Tel Aviv)</em> (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003). </blockquote><div align="justify"></em><br />Por um lado, temos a versão da Bíblia:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Na Bíblia, não existe o relato de nenhum egípcio fora das fronteiras de seu país, e nenhum é mencionado nas batalhas dentro de Canaã. Mesmo assim, textos contemporâneos e achados arqueológicos indicam que eles administravam e zelavam, de forma cuidadosa, pelos assuntos do país</em> (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).<br /></blockquote><div align="justify"></em> De fato, nos textos bíblicos da Conquista, existe uma total ausência de referência aos egípcios que, caso houvesse ocorrido qualquer invasão israelita, teriam se manifestado e dizimado os israelitas prontamente. Essa falta de alusão equivale a narrar sobre aspectos políticos da Índia na época de Gandhi e se silenciar a respeito da hegemonia inglesa do país. </div><div align="justify"><br />De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 41) desde a época do faraó Tutmés III (c. 1480-1425 a.C.) até muito tempo depois de Ramsés III, o Egito estava mantendo intenso domínio sobre Canaã, sendo que:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Para manter os domínios subjugados sob controle, considerava-se necessária a presença militar egípcia. Guarnições de arqueiros e condutores de carros de guerra, encarregados de manter a paz, ficavam estacionados em toda a Síria e a Palestina; recebiam suprimentos dos estados vassalos, dos quais se exigia que fornecessem aos soldados egípcios “comida e bebida, com gado, ovelhas, mel e óleo”.<br /></em></blockquote><div align="justify"></em><br />Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) continuam, afirmando que:<br /><br /></div><em><blockquote><em>No século XIII a.C., o controle do Egito sobre Canaã era mais forte do que nunca. A qualquer demonstração de agitação política, o exército egípcio cruzaria o deserto do Sinai ao longo da costa do Mediterrâneo e marcharia contra cidades rebeladas ou povos incômodos. [...] Depois de cruzar o deserto, o exército egípcio poderia derrotar facilmente qualquer força rebelde e impor seu domínio sobre a população local.</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />Outro agravante, de acordo com Finkelstein e Silberman (2003), se refere a índole militar do faraó Ramsés II:<br /><br /></div><blockquote><em>O faraó Ramsés II, que governou durante a maior parte do século XIII a.C., não<span> </span>teria, com certeza, afrouxado seu domínio militar sobre Canaã; ele foi um rei poderoso, talvez o mais forte de todos os faraós, além de ser profundamente interessado em política externa.<br /></em></blockquote><div align="justify"> De fato, Ramsés II foi o faraó mais poderoso de todos os tempos. Em sua vida, dedicou-se a guerrear povos invasores, dos quais se destacaram os povos hititas (Heteus). Essa guerra contra os hititas foi abundantemente relatada em diversos documentos da época, que afirmam que os hititas não deixaram de ter uma resposta egípcia aos seus atos. De forma nenhuma, Ramsés II teria deixado a Conquista de Canaã pelos israelitas acontecer, tal como não deixou sem os hititas invadirem seus domínios sem realizar uma cruzada bélica contra esse povo. </div><div align="justify"><br />Da mesma forma, o filho de Ramsés II, o faraó Merneptah, era “punho de ferro”. De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 51):</div><div align="justify"><br /></div><em><blockquote><em>Em 1220 a.C., veio do oeste uma confederação hostil de líbios e misteriosos aliados asiáticos. Merneptá enfrentou a ameaça de frente, conferindo uma completa derrota ao inimigo, numa batalha que durou seis horas. Em comemoração à vitória, erigiu-se um monumento perto de Tebas: “Os homens vêm e vão com cantos, e não há súplicas dos homens em apuros”.</em> </blockquote></em><div align="justify"><br /> Note que a data dessa batalha, 1220 a.C., está bem próxima da época em que, de acordo com o texto bíblico, Israel conquista Canaã. Merneptah consegue vencer uma “confederação” inteira em apenas seis horas e ainda afirma que não há súplicas de nenhum homem sob seu domínio pedindo sua ajuda diante da ameaça de grupos invasores. Com toda a certeza, se os israelitas de Josué tivessem tentado tomar Canaã das mãos dos egípcios, Merneptah teria feito com eles exatamente o que ele afirma ter feito na famosa Estela de Merneptah (in FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 144): “Israel está destruído e não tem mais descendência”.<br /><br /><strong>3.6 Cidades fracas</strong><br /><br />De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), outra evidência que desmente os relatos bíblicos da Conquista de Canaã pelos israelitas se refere a estrutura e poder das cidades que foram supostamente invadidas:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Os príncipes das cidades de Canaã (descritos, no livro de Josué, como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que as cidades de Canaã, nesse período, não eram cidades regulares, do tipo que conhecemos na história posterior. Eram fortalezas administrativas para uma elite, abrigavam o rei, sua família e seu pequeno círculo de burocratas, com os camponeses vivendo espalhados pelas terras imediatamente vizinhas, em pequenas<br />aldeias. A típica cidade tinha apenas um palácio, um conjunto de edificações em torno de um templo e outros poucos prédios públicos, provavelmente residências para altos funcionários, hospedarias e outros edifícios administrativos.<br /></em></blockquote><div align="justify"></em><br />Só para se ter uma idéia de tão pequenas e quão fracas era a maior parte das cidades cananéias, Finkelstein e Silberman (2003) apresentam textos da época em que reis cananeus pedem para seu suserano egípcio a quantia de apenas “Cinqüenta homens” para proteger a terra de invasões realizadas por outros povos cananeus:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Uma demonstração da pequena escala dessa sociedade é o pedido enviado pelo rei de Jerusalém ao faraó, em uma das cartas Amarna, solicitando cinqüenta homens ‘para proteger as terras’. A minúscula escala das forças armadas naquele período é confirmada por outra carta, enviada pelo rei de Megiddo, que pede ao faraó para mandar cem soldados a fim de proteger a cidade de um ataque de seu agressivo vizinho, o rei de Shechem.</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />De fato, se cidades como Jerusalém e Megiddo fossem realmente tão poderosas quanto a Bíblia quer que tivessem sido nesse período, teriam precisado de um número bem maior de soldados do que cinqüenta e cem homens. O ato de enviar uma carta pedindo auxilio ao suserano equivale a um ato de desespero e de extrema necessidade de ajuda. O interessante é que, no caso dessas cidades cananéias, esse desespero poderia ser sanado com o envio por parte dos egípcios de apenas menos de uma centena de homens.<br /><br /><strong>3.7 A muralha invisível</strong><br /><br />A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII A.C., fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã. </div><div align="justify"><br />No caso de Jericó e outras cidades, as descobertas arqueológicas comprovaram que as mesmas não possuíam muralhas no período alegado pela Bíblia. </div><div align="justify"><br />De acordo com Finkelstein e Silberman (2003): <em>“Não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades cananéias descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!” </em></div><em><div align="justify"><br /></em>E continua:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica.</em></blockquote><div align="justify"></em><br />A compreensão atual dos textos bíblicos que apresentam a estória da queda de Jericó pelas trombetas dos israelitas e pela intervenção divina, a luz das descobertas arqueológicas, nos revela que tais relatos devem ser lidos e interpretados como lendas folclóricas judaicas criadas no mesmo objetivo que as lendas romanas contidas em Ab Urbe Condita, de Tito Lívio e na Eneida de Virgílio: glorificação nacional. </div><div align="justify"><br />A descoberta da inexistência histórica das muralhas de Jericó é até mais interessante do que as demais porque esta é uma das melhores evidências histórica que depõe diretamente contra a realização de um de milagre divino. </div><div align="justify"><br />A constatação da ausência de muralhas nas cidades cananéias referidas na Bíblia como muradas é, de acordo com Fox (1993), totalizante, pois <em>“Em todos os sítios, as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.</em> </div><div align="justify"><br />E continua:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Na década de 1930, um novo exame de sítio de Jericó deu a impressão de sugerir “vestígios claros de um imenso incêndio”, o colapso do circulo interior das muralhas e a destruição da cidade em torno de 1400 a.C. Outros logo transferiram a data para 1200 a.C., mas era um excesso de confiança. Inspeções posteriores fizeram a data recuar mil anos, a um ponto (2350 a.C.) fora de alcance de Josué. A parte mais alta do monte de Jericó [...] não deixou nenhum indício de uma grande muralha ou de uma cidade que, de qualquer maneira, precisaria ter sobrevivido entre as ruínas dos níveis inferiores da encosta ou do sopé do sítio</em> (FOX, 1993). </blockquote></em><div align="justify"><br /> Robin Lane Fox (1993) conclui sua revisão das descobertas arqueológicas com a seguinte declaração:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Pode ter havido uma aldeia de tamanho razoável em Jericó em torno de 1320 a.C., mas não havia nada que pudesse lembrar uma cidade ou muros intransponíveis. Depois de 1300 a.C., não houve qualquer ocupação humana no local: na data em geral atribuída ao Êxodo e à Conquista (c. 1250-1230 a.C.), os israelitas não teriam sequer a necessidade de tocar uma trombeta para tomar de assalto toda a área.</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />Finkelstein e Silberman (2003) explica porque as cidades cananéias daquela época não possuíam muralhas:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Com o Egito mantendo firme controle da segurança de toda a província, não havia necessidade de sólidas muralhas defensivas. Existia também uma razão econômica para a ausência de fortificações na maioria das cidades de Canaã. Com a imposição de pesados tributos pagos ao faraó pelos príncipes dessas cidades, os pequenos governantes locais não deviam ter os meios (ou autoridade) para se engajar em grandes obras públicas.</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />De fato, ao contrário do que a Bíblia relata, as cidades de Canaã da época da suposta “Conquista” não eram, definitivamente muradas, e muitas nem sequer habitadas. O anacronismo com o qual os autores dos textos sagrados escreveram essas estórias nos faz pensar no quanto a história pode ser prejudicada por uma ficção que se pretende ter sido verídica por seus defensores, e mais ainda o quanto a Civilização Ocidental vem sendo influenciada, tanto cultural, política, teológica e socialmente, por estórias destituídas de valor histórico, como essas.<br /><br /><strong>3.8 Presença egípcia em Canaã e a continuidade dos povos cananeus<br /></strong><br />Outro fato que vem a deitar os relatos bíblicos por terra é o fato de que havia uma contínua interação entre o Egito e as cidades de Canaã mesmo após essas cidades terem sido totalmente destruídas por Josué de acordo com o texto bíblico. </div><div align="justify"><br />Ou seja, cidades que supostamente foram destruídas no século XIII a.C., simplesmente continuaram a existir sem sequer um arranhão pelos séculos consecutivos. É como se existissem dois mundos paralelos: um em que essas cidades foram destruídas (o mundo da Bíblia) e outra em que essas cidades continuaram suas atividades com se nada tivesse acontecido.<br /><br /></div><em><blockquote><em>A arqueologia descobriu evidências dramáticas da extensão da própria presença egípcia em Canaã. Uma fortaleza egípcia foi escavada no sítio de Betseã, ao sul do mar da Galiléia, por volta do ano de 1920; suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos com inscrições em hieróglifos, da época dos faraós Sethi (ou Seti) I (1294-1279 a.C.), Ramsés II (1279-1213 a.C.) e Ramsés III (1184-1153 a.C.). A antiga cidade de Megiddo, em Canaã, revelou indício de forte influência egípcia até a época do faraó Ramsés VI, que governou no final do século XII a.C. Isso foi muito depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas </em>(FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).<br /></blockquote><div align="justify"></em><br />Se as cidades cananéias foram realmente conquistadas e destruídas pelos israelitas como falam as narrativas bíblicas, por que essas mesmas cidades continuaram no mesmo lugar como se nada tivesse ocorrido? Por que seu rei continuou a governar normalmente como se não houvesse sido morto em batalha contra os israelitas? Por que as lavouras, os pastos e os rebanhos continuaram a ser administrados por seus donos se os israelitas conquistaram e destruíram tudo? Por que a religião local continuou a ser praticada se os israelitas a substituíram por seu egoísta monoteísmo? Por que essas mesmas cidades continuaram a se comunicar com os faraós egípcios até dezenas e centenas de anos depois da suposta “Conquista” sem relatar nada do ocorrido e como se nada tivesse acontecido? São coisas como essas que desmentem diretamente os relatos bíblicos.<br /><br /><strong>3.9 A arqueologia das “cidade conquistadas” e a discrepância bíblica<br /></strong><br />A arqueologia vem derrubando, uma a uma, as várias narrativas bíblicas que discorrem sobre supostas invasões e conquistas que os israelitas realizaram supostamente a comando de Josué. Tais cidades são citadas no livro de Josué como ícones do triunfo de Israel, mas a arqueologia vem minando toda essa suposta glória. </div><div align="justify"><br />De acordo com o historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993):<br /><br /></div><em><blockquote><em>[Vários] problemas recorrem em vários sítios da Palestina mencionados nos livros de Josué e dos Juízes: ou não exibem sinais de ocupação urbana protegida por muralhas na data que se prefere para a chegada de Josué ou então não exibem sinais de uma onda única de destruição conjunta.</em></blockquote><div align="justify"></em><br /> O que acontece é que os supostos acontecimentos bíblicos alegados em relação às várias cidades citadas na narrativa da Conquista simplesmente entram em contradição com os resultados das pesquisas arqueológicas.<br /><br /><strong>Ø A cidade de Ai</strong><br /><br />De acordo com a Bíblia, Ai (ou Hai) foi uma das cidades que foram “completamente destruídas” pelos Israelitas. De acordo com Josué 8.27-28, de Ai os israelitas deixaram apenas um “montão de ruínas”. Essas ruínas, de fato, deveriam permanecer, como muitas outras ruínas, até os dias atuais para que os arqueólogos confirmassem o texto bíblico. No entanto, a arqueologia, mais uma vez, oferece um veredicto negativo em relação as narrativas bíblicas. </div><div align="justify"><br />De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):<br /><br /></div><em><blockquote><em>Pequena discrepância entre a arqueologia e a Bíblia foi encontrada no sítio da antiga Hai (ou Ai), onde Josué armou sua inteligente emboscada, de acordo com a Bíblia. [...] Entre 1933 e 1935, a arqueóloga judaico-palestina Judith Marquet-Krause, educada na França, realizou uma escavação em larga escala em et-Tell (sitio de Ai) e encontrou muitos remanescentes de uma imensa cidade da antiga Idade do Bronze, datada de mais de um milênio antes do colapso de Canaã, na Idade do Bronze posterior. Nenhum pedaço de cerâmica ou qualquer outra indicação de um povoamento da Idade do Bronze posterior foi encontrado. Escavações retomadas mais ou menos no ano de 1960 produziram o mesmo quadro. Como Jericó, lá não havia nenhum povoamento na época de sua suposta conquista pelos filhos de Israel.</em> </blockquote></em><div align="justify"><br /> O historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993), confirma esse fato, através da seguinte afirmação: </div><div align="justify"> </div><div align="justify"><em><em><blockquote><em><em>Em Ai, uma primeira escavação que durou até 1935 foi reescavada até 1972, mas em nenhum caso se encontrou nada que contribuísse para o crédito à versão do livro de Josué. Os escavadores encontraram uma primeira cidade destruída por volta de 2350 a.C. Depois, não havia mais sinal de ocupação humana da área, nada que pudesse frustrar os invasores israelitas, quanto mais obrigá-los a uma segunda tentativa e por fim reduzir a cidade a um monte de pedras e sangue. Em qualquer das datas que se possa atribuir a Josué, simplesmente não existia nada em Ai. Durante o século XI a.C., alguns camponeses começaram a construir uma aldeia no local, mas seus esforços foram muito tardios e esparsos para justificar os relatos da Bíblia. As tentativas de negar que o sítio escavado (ex-tell) fosse de fato o sítio de Ai não tiveram qualquer êxito. </em></em> </blockquote></em></em></div><div align="justify"> </div><div align="justify">Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que “<em>As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores”.</em> </div><div align="justify"><br />No entanto, nada foi encontrado em Ai do período de 1400 a 1200 a.C. – nada que viesse a dar crédito às narrativas bíblicas. </div><div align="justify"><br />O “grande” arqueólogo biblista e fundamentalista, Albright, que já tinha conhecimento dessas discrepâncias, mas ocultava isso, dando uma “desculpa esfarrapada”, afirmando que os textos bíblicos se corromperam, mas que na verdade, se referiam a outras cidades: <em>“Olhando para Hai, Albright sugeriu que a história da sua conquista se referia originalmente a Betel, em sua vizinhança, pois as duas cidades eram estreitamente associadas, tanto geograficamente como tradicionalmente”</em> (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003). </div><div align="justify"><br />No entanto, Albright também se equivocou com essa explicação, sendo que a destruição de Betel se deu não por causa dos israelitas, mais por causa de outros povos, muitos anos depois.<br /><br /><strong>Ø A “saga dos gabaonitas”</strong><br /><br />No que se refere à suposta “saga dos gabaonitas” apresentada na Bíblia, Finkelstein e Silberman (2003) apresenta os seguintes fatos:<br /><br /></div><em><blockquote><em>E a saga dos gabaonitas, com seu pedido de proteção e clemência? Escavações no cômoro da vila de el-Jib, ao norte de Jerusalém, que um consenso erudito identificou como o sítio da bíblica Gabaon, revelaram remanescentes da Idade do Bronze média e da Idade do Ferro, mas nenhum da Idade do Bronze posterior. E pesquisas arqueológicas nos sítios de outras três cidades dos gabaonitas, Cafira, Berot, e Cariat-Iarim, mostraram o mesmo quadro: em nenhum dos sítios existiam remanescentes da Idade do Bronze posterior. O mesmo vale para outras cidades citadas na narrativa da conquista e na lista resumida dos reis de Canaã (Josué 12). Entre elas, encontramos Arad, no Neguev, e Hesebon, na Transjordânia, mencionada no último capítulo.<br /></em></blockquote><div align="justify"></em><br /><strong>Ø As cidades de Laquis e Megido</strong><br /><br />A Bíblia afirma que Lachish (Laquis) foi tomada em dois dias pelos israelitas e que todos os habitantes da cidade foram mortos a fio da espada (Josué 10.32). No entanto, as escavações demonstraram que a queda de Laquis se deu muito tempo depois da suposta Conquista por Josué, conforme Finkelstein e Silberman (2003) explica:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Escavações em Lachish encontraram nos destroços um fragmento de metal – provavelmente um encaixe do principal portão da cidade – que leva o nome de Ramsés III. O achado nos diz que Lachish não deve ter sido destruída antes do reinado desse monarca, que governou entre 1184 e 1153 a.C. Por fim, a base de metal de uma estátua com o nome do faraó Ramsés VI (1143-1136 a.C.), achada nas ruínas de Megiddo, indica que o grande centro do vale de Jezrael, em Canaã, foi aniquilado, provavelmente na segunda metade do século XII (ou seja, cem anos<br />depois da data bíblica da ‘Conquista’).</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />De fato, se essas cidades tivessem sido destruídas na época em que a Bíblia alega ter sido, jamais se teria encontrado objetos e estátuas que cultuavam os imperadores faraós Ramsés III e Ramsés VI, que datam aproximadamente de um século depois, mas sim de Ramsés II ou de Merneptah. O achado da estátua dos então imperadores egípcios de Canaã, prova que os habitantes dessas cidades não foram “dizimados” como a narrativa bíblica afirma, e que a destruição da cidade se deu apenas centenas de anos depois da suposta Conquista de Canaã perpetrada pelos israelitas.<br /><br /><strong>Ø As cidades de Hazor e outras cidades</strong><br /><br />O mesmo, de acordo com as recentes pesquisas e com Finkelstein e Silberman (2003), pode-se dizer em relação as seguintes cidades:<br /><br /></div><em><blockquote><em>Relatos [bíblicos] informam que os reis de cada uma dessas quatro cidades – Hazor, Afec, Lachish e Megiddo – foram derrotados pelos israelitas sob a liderança de Josué. Mas a evidência arqueológica mostra que a destruição daquelas cidades ocorreu durante espaço de tempo de mais de um século. As causas possíveis incluem invasão, colapso social e lutas civis. Nenhuma força militar isolada provocou tal destruição, e com certeza não o fez em uma única campanha militar.</em></blockquote><div align="justify"></em><br /> O interessante é que a Bíblia afirma claramente que Hazor foi “destruída a fogo”, e que seus habitantes foram “destruídos totalmente” (Josué 11.11). No entanto, a cerâmica encontrada nas ruínas dessa cidade foram datas inequívocamente por especialistas em Grécia micênica e por arqueólogos do Oriente Próximo como pertencentes aos anos posteriores ao ano de 1190 a.C., ou seja, vários anos após a conquista de Canaã pelos israelitas. E a ruína dessa cidade, de forma nenhuma, aconteceu “de uma só vez”.<br /><br /><strong>Ø A cidade de Gibeão</strong><br /><br />Sobre a cidade de Gibeão, que o livro de Josué afirma ter sido uma “grande cidade como uma das cidades reais, e ainda maior do que Ai”, a arqueologia foi bastante clara. De acordo com Lane Fox, um dos próprios escavadores afirmou enfaticamente que: <em>“Não pode haver dúvidas com base nos melhores indícios disponíveis de que não havia ali [Gibeão] qualquer cidade de alguma importância na época de Josué”.</em> </div><div align="justify"><br />Robin Lane Fox (1993), totalmente embasado nas descobertas mais recentes da arqueologia, afirma definitivamente que: <em>“Em todos os sítios [estudados pelos arqueólogos], as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.</em> </div><div align="justify"><br />Essas “negativas peremptórias” da arqueologia são gritantes o suficiente para que possamos compreender que essas narrativas bíblicas não são históricas, mas folclóricas. Não se referem a fatos históricos, mas a episódios criados pela mente dos israelitas para darem uma explicação sobre a origem de seu povo e para inspirar as gerações futuras no ideal nacionalista e religioso de Israel.<br /><br /><strong>3.10 Como os israelitas inventaram essas estórias da “Conquista”?<br /></strong><br />A história do Israel depois da conquista é um ciclo de pecado, de castigo divino e de salvação. Nesse contexto, o Livro dos Juízes propõe uma interpretação teológica dos feitos que pretende descrever. As lutas dos israelitas contra os filisteus, os medianitas, os moabitas, etc., ilustram a difícil relação entre Deus e seu povo. Há muitos anos, os estudiosos aceitam que o Livro dos Juízes forma parte da História Deuteronômica, que é a expressão das aspirações políticas dos israelitas correntes em Judá durante o século VIII a.C., no tempo do governo do Josias. </div><div align="justify"><br />Os autores do Deuteronômio consideram a idolatria como um perigo mortal para Israel. No primeiro capítulo do Livro do Josué, que se inclui na História Deuteronômica, as tribos do Judá e do Simeão, que formavam o reino meridional, tinham por missão sagrada conquistar as cidades cananéias. No entanto, a arqueologia provou que a origem dos israelitas se deve a profundas transformações sociais dos povos pastoris do altiplano e não aos conceitos bíblicos de pecado e de redenção. </div><div align="justify"><br />Os antepassados dos israelitas eram na verdade um grupo étnico diferente e também possuíam concepções religiosas distintas.</div><div align="justify"><br />Os anos do governo do Davi (c. 1005-970 a.C.) e do Salomão (c. 970-931 a.C.) consideraram-se como o século de ouro da História do Israel. No entanto, Recentemente se puseram em dúvida os dados arqueológicos que os apoiavam. O grande império do Davi e do Salomão não tem apojatura arqueológica. Os monumentos atribuídos ao Salomão parecem pertencer a outros reis. A leitura bíblica do império de Davi e Salomão se trata de um passado idealizado, de um século de ouro. Nenhum texto egípcio fala do Davi ou de Salomão, e nem sequer existem provas arqueológicas de construções de Davi ou de Salomão nem do palácio de Salomão em Jerusalém. </div><div align="justify"><br />A Jerusalém da época de Davi, que segundo a Bíblia era uma grande cidade e cercada de muros, seria apenas uma aldeia. Deste fato se deduz que é improvável, para não dizer impossível, que Jerusalém tenha sido a capital de um império que se estendia desde mar Vermelho ao norte de Síria. A arqueologia não confirma a existência da riqueza, nem a organização administrativa, nem o número de soldados necessários para manter este império.</div><div align="justify"><br />A arqueologia também constatou que país em época de Davi era rural. Não existem indícios de escrituras, nem de inscrições, nem de alfabetizados necessários para o funcionamento de uma monarquia. Tampouco há rastros de uma cultura unitária, nem de uma administração central. Jerusalém era uma típica aldeia do altiplano.</div><div align="justify"><br />De fato, a arqueologia tem demonstrado que a visão bíblica do século de ouro de Davi e de Salomão não é exata; é uma projeção a tempos passados de Judá no século. VII a.C.</div><div align="justify"><br />Finkelstein e Silberman estudaram, igualmente, as contribuições da arqueologia ao reino setentrional. Israel, em torno do ano de 900 a.C., tinha as características de um estado plenamente desenvolvido. Era governada por um bom aparelho burocrático. Tinha uma estratificação social baseada na distribuição de bens de luxo, uma importante atividade edilícia e um comércio próspero com as regiões próximas e assentamentos. Os centros administrativos regionais no Israel eram ativos no começo do século IX a.C. Estavam fortificados e contavam com palácios, como em Izreel, Samaria e Megiddo. A capital, Samaria, foi fundada no começos do século IX a.C. O urbanismo de Jerusalém data de finais do século VIII a.C. </div><div align="justify"><br />Na opinião de Finkelstein e Silberman, não existe motivo para duvidar seriamente da confiabilidade do elenco bíblico dos reis da estirpe do Davi, que reinaram em Jerusalém depois de Davi. Em Jerusalém entre o final do século X e meados do século VIII a.C., reinaram 11 (onze) reis. </div><div align="justify"><br />Ezequías (733-724 a.C.) governou 29 anos segundo o Segundo Livro dos Reis. O texto bíblico indica que restaurou a pureza do culto do Yahveh. A arqueologia sugere que o panorama real era muito diverso. Demonstra que a situação de Judá era totalmente diferente da de Israel. Não se tem descoberto nenhuma prova de atividade literária, nem religiosa, nem histórica no século X a.C. </div><div align="justify"><br />No final do século VIII a.C., documentam-se em Judá as primeiras inscrições monumentais e os primeiros selos pessoais, sinais de um estado desenvolvido. Até o século VII a.C., não aparecem ostraka e pesos de pedra com inscrições, que demonstram a existência de registros burocráticos e de comércio. </div><div align="justify"><br />Foi somente dentro desse desenvolvido contexto social, político, econômico e religioso que a Bíblia foi escrita. </div><div align="justify"><br />O nome do rei Josias (639-609 a.C.) encontrou-se unido a um novo movimento religioso que deu um significado novo à identidade do cristianismo, em opinião de Finkelstein e Silberman. Foi deste movimento religioso que se originaram os documentos que constituem o núcleo da Bíblia. </div><div align="justify"><br />O mais importante é o Livro da Lei, que foi “descoberto”, de acordo com a Bíblia, perto do ano de 622 no templo de Jerusalém é aceito como sendo o original do livro de Deuteronômio. Tal “descoberta” desencadeou uma revolução no ritual e uma radical reformulação da identidade israelita. De acordo com Finkelstein e Silberman, nele se encontram os elementos fundamentais do monoteísmo bíblico: o culto exclusivo a um deus e em um único lugar; a observância das festas da Páscoa e dos tabernáculos a nível nacional e centralizada; diferentes normas jurídicas referentes ao bem-estar; diversos aspectos sociais, assim como temas da justiça e da moral pessoal. </div><div align="justify"><br />O Livro da Lei se converteu no código definitivo da Lei judaica. O Deuteronômio e a reforma religiosa de Josias tiveram a mesma ideologia. A aparição do Livro da Lei, como aponta Finkelstein e Silberman, coincide com os testemunhos arqueológicos, que provam a difusão do alfabetismo em Judá. </div><div align="justify"><br />O Deuteronômio consagrou a unidade de Israel e colocou o centro de culto em Jerusalém. O Deuteronômio e algumas passagens do Pentateuco originaram uma saga épica para expressar o ressurgir de Judá. Os autores recolheram e reconstruíram as tradições mais importantes de Israel nos quatro primeiros livros da Torá, começando pelas histórias de Abraão, de Isaac e de Jacó, em um mundo que oferece reminiscências do século VII a.C. Criou-se uma grande epopéia nacional independente de um Egito que apresenta analogias geográficas com o da época do rei egípcio Psamético. Criou-se também a única epopéia da Conquista de Canaã. Condenou-se o próspero estado setentrional como aberração histórica. Também existe uma condenação expressa dos cananeus e dos matrimônios mistos. </div><div align="justify"><br />Os estudiosos Albreth Alt e Martin Noth, sabendo da imensa discrepância entre os relatos bíblicos da Conquista e as evidencias históricas, e sabendo também da tendência universal entre todos os povos do mundo de inventar estórias fictícias para alimentarem seu ímpeto nacionalista e suas ideologias políticas e religiosas, afirmaram que as estórias bíblicas da Conquista não foram inventadas por acaso. </div><div align="justify"><br />De acordo com esses dois estudiosos, as narrativas preservadas no Livro de Josué são “tradições etiológicas”, ou seja, contos e lendas sobre certas curiosidades que querem fornecer explicações para certos fatos regionais. </div><div align="justify"><br />Finkelstein e Silberman (2003), fazendo alusão ao trabalho de Alt e Noth, afirma que:<br /><br /></div><em><blockquote><em>[...] o povo, que vivia na cidade de Betel e em volta dela durante a Idade do Ferro indubitavelmente notou o imenso cômoro das ruínas da antiga Idade do Bronze, um pouco a leste. Essa ruína era quase dez vezes maior do que sua própria cidade, e os remanescentes de suas fortificações ainda impressionavam. Assim – argumentam Alt e Noth – as lendas podem ter começado a crescer em torno das ruínas, dos contos de vitórias de antigos heróis, que explicavam como foi possível tamanha destruição em uma cidade tão grande. Em outra região do país, o povo que vivia nos contrafortes de Shephelah pode ter ficado impressionado simplesmente pelo tamanho de um imenso bloco de pedra fechando a entrada da misteriosa caverna perto da cidade de Makkedah. Dessa forma, histórias que relacionavam o imenso bloco de pedra com atos heróicos do seu próprio passado nebuloso podem ter aparecido: a pedra selava a caverna onde cinco reis antigos se esconderam e mais tarde foram enterrados, como é explicado em Josué 10,16-27.<br />De acordo com esse ponto de vista, as histórias bíblicas, que terminam com a observação de que certo ponto de referência ainda podia ser visto ‘até mesmo hoje’, eram talvez lendas desse tipo. Num determinado ponto, essas histórias individuais foram coletadas e relacionadas a uma única campanha de um grande líder mítico da conquista de Canaã.<br /></em></blockquote><div align="justify"></em><br />Foi desse modo que lendas como o Êxodo e a Conquista de Canaã foram sendo criadas e introduzidas no que mais tarde se constituiria o texto bíblico. </div><div align="justify"><br />De fato, o Livro do Josué apresenta uma saga coerente com perspectiva teológica bem definida do livro de Deuteronômio, onde se apresenta o resultado de lendas e histórias acumuladas até o século VII a.C., no período de governo do rei Josias. Os topônimos são os desta região no século VII a.C. Geralmente se considerou o Livro do Josué como parte integrante da História Deuteronômica. Finkelstein e Silberman afirmam que nele se encontram o mesmo estilo, a mesma língua e a mesma mensagem do Deuteronômio. As aspirações de expansão territorial de Josias correspondem às conquistas do Josué. </div><div align="justify"><br />Finkelstein e Silberman concluem sua análise, afirmando que:<br /><br /><em><blockquote><em>[Desse modo] o que na verdade era uma série caótica de insurreições, causada por muitos fatores diferentes, e também por inúmeros grupos distintos, tornou-se, muitos séculos depois, uma saga brilhantemente elaborada a respeito de uma conquista territorial sob as bênçãos e o comando direto de Deus. a produção literária dessa saga realizou-se com propósitos muito diferentes da comemoração de lendas locais; foi passo importante para a criação da identidade pan-israelita.<br /></em></blockquote></em><br />Desse modo, concluem os arqueólogos israelitas, essas narrativas bíblicas não são História, mas uma criação ideológica e teológica, concebida para ser lida em público, inventadas e compiladas no contexto de uma revolução religioso-nacional. </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-31755598910085760722008-09-19T06:29:00.001-07:002008-09-19T06:46:56.350-07:00Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 2)<strong>2 DECLÍNIO E QUEDA DO MITO DA “CONFIRMAÇÃO HISTÓRICA” DA BÍBLIA</strong><br /><br /><div align="justify">Mais do que nunca a fé cristã tem andado tão bem, sendo que o número de seguidores somente aumenta a cada ano. Este fato vai exatamente em direção oposta ao que se pensou no passado, como Voltaire, na época do Iluminismo, que afirmava que dentro de duzentos anos o cristianismo já teria desaparecido. </div><div align="justify"> </div><div align="justify">De fato, não é de admirar que a fé cristã esteja tão em alta. A decepção para com o racionalismo e ciência, oriundo dos eventos desencadeados pela Primeira e Segunda Guerra Mundial, realmente levou muitas pessoas a depositarem suas esperanças e sonhos em diversos “ismos”, os quais apelavam para o lado emocional do ser humano. No entanto, no caso do cristianismo do século XX, a situação é um pouco diferente. Foi exatamente dentro dessa crise da racionalidade que o cristianismo mais apelou para o racional (sem deixar, é claro o lado emocional no escanteio) para firmar a fé cristã. </div><div align="justify"><br />Foi no século XX que os cristãos sentiram muito mais necessidade de apelar para a ciência, filosofia e história para confirmarem as bases de suas doutrinas. </div><div align="justify"><br />O criacionismo, por exemplo, em uma nítida investida contra as conclusões darwinianas acerca da mutação das espécies, surgiu como uma forma de consolo científico com que seus adeptos poderiam dizer: “Não precisamos virar nossos rostos, calados e frustrados, diante dos argumentos científicos deles. Eles procuram por ciência, não é mesmo? Pois será ‘ciência’ que daremos a eles!”. </div><div align="justify"><br />A partir de então temas antes vistos como inerentemente maniqueístas, como “ciência e fé” ou “fé e razão” se fundiram em “ciência da fé” e “fé racional”. A apologética do século XX foi uma nítida resposta a influencia ainda viva do pensamento iluminista antes e após as Grandes Guerras. </div><div align="justify"><br />Foi no início do século XX que a “apologética cristã” sentiu a necessidade de ver as crenças que tanto ardentemente defendia confirmada pela arqueologia.</div><div align="justify"><br />De modo que até nos dias atuais encontramos crentes usando a arqueologia bíblica para catequizar os fiéis e desmentir objeções dos críticos do cristianismo – tanto na igreja, no púlpito, nas missões, nos debates, enfim. </div><div align="justify"><br />Foi assim que cristãos do mundo inteiro, num acesso descontrolado de entusiasmo, afirmaram que não somente que “a Bíblia é confirmada pela arqueologia”, mas que também a própria fé cristã é, por causa dessa mesma arqueologia, a verdade (historicamente) absoluta! Nunca a fé cristã havia sido tão amplamente confirmada por uma disciplina acadêmica.</div><div align="justify"><br />Essas supostas descobertas arqueológicas não apenas impulsionaram o crescimento da fé cristã; elas também impulsionaram a fé cristã em direção a validação de alguns dos pressupostos da ciência e assim a mudarem sua visão de mundo. Se antes, não importando o que a ciência dissesse, ela nunca poderia ter a última palavra, agora a ciência era a juíza da fé cristã e a confirmava de forma surpreendente. Ou seja, se antes a fé era, per si, o meio-termo que confirmava a si mesma, agora a ciência estava incumbida de julgar a fé e de dar o veredicto – pelo menos na medida em que essa mesma ciência confirmava a fé cristã. </div><div align="justify"><br />O lado irônico nessa história é que a ciência só passou a ter valor no meio cristão moderno se ela estivesse confirmando os relatos e/ou a fé bíblica. Caso contrário, a ciência era mandada novamente para o mundo do “o-diabo-está-tentando-nos-enganar-mais-uma-vez”. O que não é de Deus, é, com certeza, do diabo. Não existe meio termo. Se antes se afirmava que “a razão é a maior inimiga da fé”, como dizia Martinho Lutero, agora a razão é a maior aliada da fé, como diz Wiliam Lane Craig, um filósofo cristão contemporâneo. </div><div align="justify"><br />Os cristãos fundamentalistas que ainda acreditam que a arqueologia corrobora sua fé continuam a colocar parte dessa fé na ciência, principalmente porque são capazes de ver nessa ciência – se usada como um instrumento de confirmação dos dogmas bíblicos - um requisito necessário e altamente sedutor para o processo de conversão de pessoas, principalmente, os incautos pertencentes à ala erudita das academias. </div><div align="justify"><br />É fato que o público leigo cristão sempre foi condicionado a depositar sua confiança unicamente nas páginas das Escrituras como se fossem a única verdade e absoluta, e a rechaçar a cientificidade como “devaneio do homem”. No entanto, a mudança que ocorreu a nível popular no século XX foi surpreendente, onde pela primeira vez na história, os cristãos poderiam ser autorizados a ter acesso ao material acadêmico e laico para verem ali sua fé confirmada. Desse modo, disciplinas acadêmicas como arqueologia e história vinham confirmando os relatos bíblicos e motivando a fé dos cristãos, como veremos a seguir.<br /><br /><br /><strong>2.1 O papel da mídia na criação do mito da confirmação da Bíblia<br /></strong><br />Até os anos de 1950, e indo, no máximo, ao inicio dos anos de 1990, a concepção acerca da arqueologia em face a Bíblia Sagrada era a seguinte:</div><div align="justify"><br /><blockquote> <em><em>[...] a arqueologia tem confirmado inúmeras passagens que tinham sido rejeitadas por críticos como não-históricas ou contraditórias a fatos conhecidos. No entanto descobertas arqueológicas mostraram que estas acusações críticas [...] estão erradas e que a Bíblia é confiável justamente nas afirmações pelas quais foi deixada de lado por não ser confiável. Não sabemos de nenhum caso no qual a Bíblia foi provada errada </em></em>(FREE, 1950, p. 134). </blockquote></div><div align="justify">Ao compararmos essa afirmação com informações mais atuais, somos levados a um marcante choque de idéias: </div><div align="justify"><blockquote><div align="justify"><br /><em><span class="">O consenso arqueológico, pelo menos até o ano de 1990,<br />era de que a Bíblia poderia ser lida basicamente como um documento histórico<br />confiável. [...] Agora, é evidente que muitos eventos da história bíblica não<br />aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram escritos. Alguns<br />eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente (FINKELSTEIN;<br />SILBERMAN, 2003, p. ???). </span><br /> </em></div></blockquote></div><div align="justify">O que aconteceu que, em menos de cinqüenta anos, a posição da arqueologia a respeito da confiabilidade histórica das Escrituras Sagrada mudaram tão drasticamente? </div><div align="justify"><br />Na verdade, o que aconteceu foi que diversos arqueólogos e comentaristas interpretaram certas descobertas arqueológicas como achados que davam crédito as Escrituras. Mas a arqueologia nunca e jamais confirmou a veracidade da Bíblia por inteiro, como os conservadores querem. </div><div align="justify"><br />Finkelstein (apud A HEBRAICA (2005 [on line]), afirma que: <em>“Estamos vivendo um processo de liberação da arqueologia de uma leitura muito conservadora e ingênua do texto bíblico”.</em> Foi essa leitura conservadora e ingênua do texto bíblico que motivou a criação do “mito” de que a arqueologia confirmava a Bíblia. </div><div align="justify"><br />De acordo com Fox (1993), informações erradas, omitidas e até mesmo fraudadas foram difundidas entre o público leigo e especialmente entre o público cristão, de tal forma que se criou um mito de que a arqueologia confirmava a Bíblia. </div><div align="justify"><br />Um exemplo de como informações sobre arqueologia bíblica podem ser inventadas e/ou omitidas é o caso das descobertas dos tabletes de argila de Ebla. Nos anos de 1970, foram encontradas várias inscrições em argila que supostamente traziam referências extra-bíblicas a respeito das cidades de Sodoma e Gomorra, outras cidades mencionadas no livro bíblico de Gênesis (especialmente as cinco cidades mencionadas no capítulo 14 de Gênesis), além de nomes de personagens bíblicos importantes, como Abraão e Birsa, rei de Gomorra. O marco das descobertas dos tabletes de Ebla seria a confirmação de que Abraão pudesse realmente ter existido. </div><div align="justify"><br />No entanto, de acordo com Fox (1993, p.???), esse sonho caiu por terra – só que ninguém soube:</div><div align="justify"><blockquote><em>Entre 1978 e 1981, os livros de arqueologia bíblica tiveram um novo estímulo e um novo segundo capítulo; correu pela imprensa a notícia de que Abraão tinha um contexto histórico. O que aconteceu depois, contudo, não foi tão difundido. O nome do rei de Gomorra não sobreviveu a uma releitura da tabuleta; duas das cinco cidades tiveram rapidamente o mesmo destino (os nomes de todas as cinco nunca haviam sido identificados na mesma tabuleta); as menções a Sodoma, Gomorra e as outras revelaram-se uma interpretação indevida. Como os nomes baseados no de Jeová, o do ancestral de Abraão esfumou-se como uma miragem de estudiosos. [...] Nem o sítio e nem o arquivo [de Ebla] lançam qualquer luz sobre qualquer aspecto do texto da Bíblia. </em></blockquote></div><div align="justify"><br />Fox (1993, p.???), ao citar um estudioso do assunto, coloca a seguinte frase entre aspas: <em>“Aqueles que trabalharam nas tabuletas de Ebla vêm hoje fazendo o possível para sepultar todo esse escândalo”.</em> No entanto, em qualquer escola bíblica, igreja e grupos religiosos, especialmente protestantes, e principalmente no Brasil, Ebla ainda vem sendo usado como argumento para sustentar posições infundadas de confirmação bíblica. Para se ter uma idéia disso, basta ler o “suplemento arqueológico” da Bíblia de referência Thompson (editora Vida) e comparar com o número de cristãos em todo o Brasil que possuem essa Bíblia de estudos e a usam em seus debates sobre arqueologia e fé. </div><div align="justify"><br />Um aspecto importante e que precisa ser enfatizado é que o mito da “confirmação histórica” da Bíblia não passa de uma construção da mídia e da indústria editorial - principalmente a indústria editorial cristã protestante, como no caso do Brasil. Enquanto editoras cristãs publicam apenas livros que “edifiquem a fé dos leitores” (não importando quantos erros e informações defasadas eles possam conter), a mídia simplesmente seleciona informações distorcidas ao divulgar notícias sensacionalistas de que a Bíblia é confirmada pela arqueologia. </div><div align="justify"><br />Um recente caso implica um documento arqueológico e as cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra. A reportagem deixa transparecer a idéia de que o texto faz alusão a destruição dessa cidade, enquanto na verdade esse paralelo foi apenas uma invenção da mídia para fazer sensacionalismo. </div><div align="justify"><br />A reportagem pode ser lida no site do Estadão, onde se publicou uma matéria (cujo título não tem nada a ver com a reportagem) intitulada “Placa de 700 a.C. traz relato de ‘destruição de Sodoma’” (ESTADÃO, 2008 [on line]). </div><div align="justify"><br />Prontamente, essa reportagem foi lida em muitos meios da comunidade cristã protestante brasileira – ajudando com isso a “reforçar a fé na confiabilidade da Bíblia”. </div><div align="justify"><br />O texto da reportagem afirma que foram descobertas: “<em>[...] inscrições cuneiformes de um bloco de argila datado de 700 a.C. e descobriram que se trata do testemunho feito por um astrônomo sumério sobre a passagem de um asteróide...”. </em>Até aqui nada de anormal. </div><div align="justify"><br />No entanto, a próxima parte do parágrafo afirma categoricamente: <em>“[...] um asteróide pode ter causado a destruição das cidades de Sodoma a e Gomorra”</em> (ESTADÃO, 2008 [on line]). </div><div align="justify"><br />Essa é uma afirmação muito forte até mesmo se usada a palavra “pode” antes do verbo. O texto precisa apresentar indícios no próprio texto, como os nomes de Sodoma e Gomorra, a queda do meteoro na Palestina, especificamente na região onde outrora havia sido essas duas cidades, etc. No entanto, o texto apenas apresenta uma análise do impacto do asteróide de mais de um quilômetro de diâmetro, que deve ter se dado no “dia 29 de junho de 3123 a.C. (calendário juliano)” nos Alpes austríacos, na região de Köfels causando um impacto cataclísmico. </div><div align="justify"><br />Aqui, faremos uma pequena pausa para pergunta: o que um asteróide que caiu nos Alpes austríacos tem a ver com de Sodoma e Gomorra? Como logo veremos, não existe relação nenhuma entre ambos.<br />O texto acrescenta que: </div><div align="justify"><br /><em><blockquote><em>[...] O pesquisador [Hempsell] sugere ainda que a nuvem de fumaça causada pela explosão do asteróide teria atingido o Sinai, algumas regiões do Oriente Médio e o norte do Egito. Hempsell afirma que mais pessoas teriam morrido por conta da fumaça do que pelo impacto da explosão nos Alpes</em> (ESTADÃO, 2008 [on line]). </blockquote></em></div><div align="justify"><br />Até agora a reportagem não apresentou nenhuma razão para essa associação entre o asteróide, que caiu na zona central da Europa, e o “fogo ardente” que, segundo a Bíblia, desceu exatamente sobre as cidades de Sodoma e Gomorra. </div><div align="justify"><br />Obviamente, se a razão desse paralelo entre a descoberta arqueológica e a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra esta na parte em que se fala sobre a “fumaça causada pela explosão do asteróide teria atingido o Sinai”, devemos dizer que isso é tolice. Fumaça não é a mesma coisa que fogo e, ainda que fosse, seria um absurdo afirmar que somente Sodoma e Gomorra foram destruídas pelo fogo enquanto a nuvem de fumaça (e, imaginativamente, de fogo) se estendeu desde a parte central da Europa até o monte as fronteiras do Egito. </div><div align="justify"><br />O fato é que o pesquisador que fez a descoberta somente fez uma alusão poética à estória de Sodoma e Gomorra. De forma nenhuma está afirmando que a descoberta corresponde diretamente a estória de Sodoma e Gomorra. O que aconteceu aqui foi que a mídia, com o objetivo de “sensacionalizar” uma notícia, atribuiu essa descoberta como uma “comprovação dos relatos bíblicos”. Pelo teor vago da reportagem, diversos religiosos do Brasil (muitos que, diga-se de passagem, costumam ler essas reportagens apenas superficialmente) não hesitaram em afirmar que “mais um achado arqueológico confirma a Bíblia”. </div><div align="justify"><br />Ao interpretar de forma distorcida e errônea informações arqueológicas, a mídia cria e ajuda a se desenvolver uma imagem falsa da realidade, onde a Bíblia é corroborada, página por página, pela arqueologia, quando a verdade é o oposto. </div><div align="justify"><br />Fox (1993, p.???) aponta um dos grandes divulgadores do mito de que Bíblia é corroborada pela arqueologia, mais lidos em todo o Brasil e no mundo – e com certeza um dos que mais ajudaram a divulgar esse mito:</div><div align="justify"><em><blockquote><em>Em 1956, um jornalista alemão, Werner Keller, demonstrou a força da crença do público na ligação entre as escrituras, as escavações e as viagens. Seu livro, A Bíblia como História, foi inicialmente publicado com o título A Bíblia está de fato correta, e o seguinte subtítulo: “A arqueologia confirma o Livro dos Livros”</em><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftn1" name="_ftnref1"><em>[1]</em></a><em>. [...] o mais estranho em relação a seu sucesso é que, se o lermos cuidadosamente, veremos que nada do que afirma emerge diretamente de qualquer indício arqueológico que confirme qualquer aspecto significativo do Livro dos Livros.</em> </blockquote></em></div><div align="justify"><br /> Esse apontamento é digno de nota, haja vista que tal fato significa que a imagem da Bíblia como sendo um livro histórico e arqueologicamente correto foi uma imagem construída, em parte pela mídia e em parte por cristãos esperançosos (para não dizer “desesperados”) de encontrar indícios externos ao seu livro sagrado que corroborasse sua fé.<br /><br /><strong>2.2 A arqueologia “albrightiana”</strong><br /><br />Uma das figuras da arqueologia mais famosas por aliar o uso da arqueologia para fundamentar a fé cristã e suas verdades bíblicas no inicio do século XX, foi W. F. Albright. Este arqueólogo foi o porta-voz união entre as descobertas arqueológicas e as perspectivas bíblicas. Seu trabalho se concentrou em escavações em cômoros de cidades nos quais o desenvolvimento da sociedade e da cultura pode ser traçado através de milênios. Mais do que um simples arqueólogo, Albright foi um líder do movimento arqueológico que estava começando a se formar e que em pouco tempo transformaria a face da cristandade americana. </div><div align="justify"><br />Albright centrava sua arqueologia na época dos patriarcas de Israel, e defendia que Abraão, Isaque e Jacó haviam sido não só personagens bíblicos históricos, mas que também os relatos que giram em torno de suas vidas e que se encontram cristalizados nas Escrituras judaicas, tais como, também, as incursões de Josué, foram eventos indiscutivelmente históricos. Insistia que <em>“como um todo, a imagem de Gênesis é histórica e não há razões para se duvidar da precisão dos detalhes biográficos”.</em> O impacto de tais palavras nos ouvidos dos crentes não puderam sequer ser descritos. </div><div align="justify"><br />Desse modo, a função da chamada “arqueologia bíblica” havia sido a de confirmar os eventos bíblicos – influenciando (ao contrário do que se afirma atualmente) determinadas doutrinas teológicas e, por fim desmentir supostas alegações de críticos que afirmavam que a Bíblia estava repleta de lendas. </div><div align="justify"><br />No entanto, as conclusões de Albright, com o tempo, foram se mostrando equivocadas. </div><div align="justify"><br />No que se refere ao estado da investigação sobre os patriarcas, Finkelstein e Neil Asher Silberman (2003) afirmam “<em>em quase todos os pontos de vista - histórico, psicológico, espiritual - os patriarcas são potentes criações literárias”</em> e dedicam a primeira parte de seu livro a interrogar sobre uma série de pontos cruciais da história do Israel. </div><div align="justify"><br />Albright encontrava o fundamento histórico do Gênesis na onomástica pessoal dos personagens bíblicos, nos insólitos costumes matrimoniais e na legislação relativa à aquisição das terras, porque tudo isso era muito parecido ao que se podia encontrar na sociedade mesopotâmica do II Milênio a.C. Finkelstein e Silberman contestam estas afirmações, ao enfatizarem que a suposta descida de Abraão a Canaã da Mesopotâmia, que Albright fazia coincidir com a migração amorréia, é dificilmente aceitável hoje em dia. <br /></div><em><blockquote><em>A presumida migração de grupos da Mesopotâmia na direção de Canaã – a chamada migração dos amorreus, na qual Albright colocou a chegada de Abraão e<br />sua família – foi, mais tarde, considerada ilusória. A arqueologia invalidou por completo a controvérsia de que um repentino, vasto movimento de população tivesse acontecido naquela época (Finkelstein, p. 57).</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />Outra constatação que refuta a “arqueologia albrightiana” é o fato de que a relação entre a legislação mesopotâmica e os costumes seguidos pelos patriarcas, é tão vaga que poderia ser aplicada a qualquer época. </div><div align="justify"><br />O fato é que a redação do relato dos patriarcas foi realizada no século VII a.C., data proposta pelo Finkelstein e pelo Silberman. Esta data é considerada totalmente certa pela arqueologia contemporânea. </div><div align="justify"><br />Os filhos de Jacó, em seus deslocamentos através do deserto do Egito, são descritos comerciantes caravaneiros, cujas mercadorias são drogas, bálsamo e mirra. Os camelos, uns dos meios fundamentais para o deslocamento de pessoas e transporte de mercadorias pelo deserto, não se domesticaram e empregaram nestas tarefas antes do ano 1000 a.C., mas seu uso somente se generalizou a partir do século VII a.C., como prova os ossos de camelos adultos de Tell Iamnia, importante centro caravaneiro da costa meridional do Israel, situado entre o Mediterrâneo e Arábia. </div><div align="justify"><br />As mercadorias que os filhos de Jacó levavam para vender ao Egito são citadas nos arquivos dos monarcas assírios nos séculos VIII e VII a.C. A estes dados se acrescenta a menção do rei dos filisteus Avimelech, que encontrou ao Isaac na cidade do Gherar. Os filisteus, população procedente do Egeu, não se assentaram na costa do Canaã até pouco depois do ano 1200 a.C. A cidade do Gherar, hoje Tell Hasor, na Idade do Ferro I, era uma aldeia quase insignificante, que só cobrou importância quando se converteu em cidade administrativa, fortificada, entre finais do século VIII e começos do século VII a.C. A cidade de Nínive, citada em Gênesis 10, só foi construída por Senaqueribe e Assurbanipal, reis assírios do século VII a.C. Note que o próprio relato sobre o Jardim do Éden já citava a Assíria de forma anacronicamente reveladora. </div><div align="justify"><br />A combinação de todos estes elementos: a primeira domesticação dos camelos e seu uso intensivo, o tráfico de mercadorias, a presença dos filisteus no Canaã, o auge e fortificação do Gherar, levam Finkelstein e Silberman a propor a data do século VIII ou VII como a data da redação das histórias bíblicas dos patriarcas. Esta data é confirmada por um dado proporcionado pelos arqueólogos israelitas, que possui grande força probatória: trata-se do exame das genealogias dos patriarcas, do nascimento de numerosas nações, etc.; com isso se descreve o mapa do Oriente Próximo do ponto de vista dos reinos do Judá e do Israel dos séculos. VIII e VII a.C. Somente a esta época se pode remontar certos nomes étnicos e toponímia que se encontram nos relatos bíblicos. Suas características se correspondem perfeitamente com o que sabemos das relações entre os reinos e os povos limítrofes com o Israel e com o de Judá. </div><div align="justify"><br />No que se refere a esses relatos da “Conquista”, a arqueologia fez o seu trabalho de passar o seu crivo, e de acordo com Finkelstein e Silberman (2003), a evidência de uma histórica conquista de Canaã pelos israelitas é fraca. Mais do que fraca, os relatos da Conquista de Canaã são por demais contraditórios para serem capazes de fornecer um quadro histórico da região abordada naquele período. </div><div align="justify"><br />Desse modo, Albright e sua “revolução arqueológica” simplesmente caíram para nunca mais se levantar. </div><div align="justify"><br />Infelizmente, ainda que as conclusões de Albright tenham se mostrando equivocadas, cristãos do Brasil e do mundo ainda se apóiam na arqueologia albrightiana para verem sua fé corroborada na arqueologia.<br /><br /><strong>2.3 A indústria editorial protestante e as velhas tendências da arqueologia</strong><br /><br />Em entrevista, quando perguntado por que escreveu o livro “A Bíblia não Tinha Razão” para atingir o grande público – ao contrário de seus colegas, que escrevem apenas para o público acadêmico -, Finkelstein respondeu:<br /></div><em><blockquote><em>O público se interessa por arqueologia bíblica, mas atualmente recebe apenas um ponto de vista. A grande audiência ainda está completamente sob influência da arqueologia conservadora que se fazia nos anos 1950. Achei que este era o momento de apresentar um ponto de vista diferente. Não estou interessado em convencer ninguém. Apenas digo: conheçam a arqueologia moderna e aceitem, se<br />quiser (A HEBRAICA, 2005 [on line]).</em> </blockquote><div align="justify"></em><br />A resposta de Finkelstein na citação acima revela um quadro bastante sintomático de nossa sociedade. Principalmente no Brasil, o público ainda se vê atrelado a informações não apenas defasadas da arqueologia, mas também tendenciosas. Não somente a mídia secular está acostumada a publicar reportagens sensacionalistas e equivocadas sobre descobertas que supostamente confirmam os relatos das Escrituras. As editoras cristãs possuem um papel ainda mais intenso nesse processo. </div><div align="justify"><br />A todo ano, as editoras cristãs publicam centenas de livros apologéticos, onde o leitor pode ter acesso a supostas descobertas arqueológicas e científicas que confirmam a sua fé e ajudam no processo de evangelização, mas que, no entanto, continuam a andar em contra-mão as recentes descobertas do meio acadêmico e as tendências que diferem de suas ideologias religiosas. </div><div align="justify"><br />De fato, desde os anos 50 do século XX a arqueologia tem deixado de confirmar os relatos da Bíblia, como fazia de forma aparente com Albright, para seguir uma linha independente cuja tendência é relevar disparates e contradições na narrativa bíblica. Estamos no final da primeira década do século XXI e inicio da segunda década e esse tempo foi o suficiente para mudar a opinião dos arqueólogos contemporâneos e relegar o movimento albrightiano para o limbo das ideologias caducas. Mas não foi tempo suficiente para expurgar esse demônio que ainda assola e ilude a alma do cristianismo contemporâneo. Ainda é forte a tendência cristã em se alegar que a Bíblia ainda continua a ser confirmada pela arqueologia. Para isso, talvez de forma inconsciente, recorrem às descobertas do inicio do século XX para corroboraram sua alegação. </div><div align="justify"><br />Por que essa mudança “da água para o vinho” na questão da confirmação arqueológica das narrativas? É o próprio Finkelstein quem lidera essa nova visão, e tudo isso não é resultado de uma tentativa demoníaca de tentar criticar e refutar os relatos bíblicos a qualquer custo. Essa nova forma de fazer arqueologia está apenas usando a arqueologia para interpretar os textos bíblicos e não os textos bíblicos para interpretar a arqueologia, como Albright fazia. De fato, este é o modo correto de se fazer pesquisa arqueológica. </div><div align="justify"><br />Várias editoras cristãs no Brasil possuem como única missão: “<em>Divulgar o Evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo a toda criatura e ensinar a guardar a sua Palavra até que Ele volte”</em> (CPAD, 2008 [online]). Publicar livros de teor científico que apresentem descobertas que podem abalar a fé cristã não está entre suas prioridades. Para isso, publica livros tendenciosos e defasados. </div><div align="justify"><br />No entanto, infelizmente a realidade brasileira das editoras cristãs, principalmente as protestantes (ou evangélicas), é outra, onde as mesmas se interessam mais em apresentar informações defasadas sobre arqueologia, pois seu compromisso está em divulgar material exclusivamente cristão para o público cristão. Vale salientar que não há nada de errado nessa atitude em si. O erro está no fato de que, dado esse objetivo, essas editoras publicam livros tendenciosos e cheios de erros, com informações arqueológicas selecionadas e ultrapassadas – o que vem a contribuir para o emburrecimento de seus leitores cristãos, que ficam privados de um conhecimento arqueológico de qualidade. Livros que fazem sucesso entre os leitores, e que podem trazer informações úteis sobre teologia e religiosidade, mas que apresentam informações equivocadas, ultrapassadas e altamente tendenciosas sobre a ciência e história. </div><div align="justify"><br />Livros defasados, como “Arqueologia do Velho Testamento”, de Merril F. Unger, (Editora Batista Regular), e “Merece Confiança o Antigo Testamento?”, de Gleason L. Archer Júnior, (Editora Vida Nova), que ainda são muito citadas no mundo cristão, podem trazer diversos prejuízos não somente para o conhecimento tanto leigo e acadêmico sobre arqueologia, mas também para a própria fé cristã, pois a confiança do crente acaba por ser depositada sobre um erro. </div><div align="justify"><br />As descobertas arqueológicas existem não para destruir os textos bíblicos, mas para complementá-los. Se, por exemplo, a arqueologia descobre que a Conquista de Canaã pelos israelitas, relatada nas páginas da Bíblia, jamais ocorreu, isso é um indício de nosso modo corriqueiro de interpretar o texto Bíblico está errado. Significa que temos que interpretar o texto bíblico não como um fato histórico, mas como um produto literário das circunstancias sociais, culturais e religiosas de quem ou do grupo que escreveu esse texto. Nesse quesito, a arqueologia é essencial para uma leitura mais cientifica da Bíblia e para uma reformulação da hermenêutica bíblica moderna e exegese. </div><div align="justify"> </div><div align="justify">------------------------</div><div align="justify"><strong>Notas:</strong><br /><a title="" style="mso-footnote-id: ftn1" href="http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=6986760881037521773#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Aqui no Brasil, o título desse livro foi “...E a Bíblia tinha razão”, livro bastante difundido entre o público leigo e cristão. </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-2139140661543426722008-09-19T06:29:00.000-07:002008-09-19T06:34:29.327-07:00Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras (Parte 1)<p align="center"><strong><span style="font-size:180%;">Arqueologia contemporânea e a Conquista de Canaã:</span><br />Evidências arqueológicas que desmentem as Sagradas Escrituras</strong><br /><br />Charles Coffer Jr.</p><p align="left"><strong>1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS</strong></p><strong></strong><p align="justify"> Em uma investigação histórica, qualquer que seja o fenômeno em estudo, a análise e a interpretação das fontes são os procedimentos fundamentais para a compreensão e explicação da estrutura e funcionamento das entidades sócio-culturais que produziram essas fontes. Ordenamento social, interesses econômicos, idéias e ideologias, influências externas e todos os fatos e fenômenos históricos influenciam sua conformação e desenvolvimento. </p><p align="justify">O primeiro passo dessa metodologia é a revisão exaustiva das fontes, processo que recebe a denominação de “crítica de fontes”, estabelecendo sua veracidade, contemplando seu caráter primário ou secundário e estabelecendo o contexto histórico das mesmas. </p><p align="justify">É no âmbito da história antiga, especificamente na história do Oriente Próximo, onde durante a maior parte do século XX se deixaram de lado essas premissas fundamentais de toda investigação histórica moderna. A aceitação preconcebida e utilização da literatura bíblica do Antigo Testamento como fonte confiável em seus relatos, com o propósito de descrever os aspectos sociais, políticos e econômicos do Israel na antiga a Palestina, é onde fica patente essa falência metodológica, em que os investigadores-arqueólogos foram incapazes de desenvolver uma perspectiva crítica, que integre os dados lingüístico-textuais e arqueológicos em uma síntese histórica depurada de elementos alheios ao âmbito da investigação arqueológico-histórica. </p><p align="justify">Foi nesse contexto que muitos arqueólogos, motivados pelo desejo cego de provar a confiabilidade da Bíblia de uma forma ou de outra – mas já as tomando como certas a a priori – começaram a interpretar os achados arqueológicos de acordo com os relatos da Bíblia e, desse modo, tiraram toda a autonomia da arqueologia ao submetê-la a literatura bíblica sagrada. Dessa forma, a Bíblia, que deveria ser confirmada pela arqueologia, se tornou o critério para se confirmar a arqueologia, sendo a primeira teria total a prioridade sobre a segunda. </p><p align="justify">São precisamente estes elementos, de grande peso até em nossos dias, como é a fé judaico-cristã e a influência sócio-cultural dos escritos bíblicos, além das necessidades político-territoriais do moderno estado do Israel, que condicionaram no público geral e em boa parte do mundo acadêmico, uma visão equivocada da história das sociedades do Oriente Próximo entre a tardia idade de Bronze e a finalização da Idade de Ferro (1550-540 a.C.). </p><p align="justify">Erros de interpretação, fraudes, equívocos e falta de compreensão se tornaram sinônimo de evidência arqueológica, e a cada nova descoberta arqueológica, mais a fé cristã era confirmada e alicerçada sobre falsos alicerces. </p><p align="justify">Atualmente, esse quadro vem mudando. A precisão metodológica tem retornado para o seio da pesquisa acadêmica da arqueologia. </p><p align="justify">gora, o quadro se inverteu: ao invés da Bíblia confirmar a descoberta arqueológica (que passaria a ser interpretada de acordo com o texto bíblico, o qual já havia sido tomado, a priori, como confiável), as descobertas arqueológicas passaram a ser o critério externo da confiabilidade (ou falta) da Bíblia. A Bíblia, como qualquer fonte histórica, não pode ser tomada presumidamente como confiável. </p><p align="justify">Esta nova perspectiva tem suas raízes na “Nova Arqueologia”, que desde aproximadamente os anos de 1970 vem revolucionando a arqueologia na Palestina, graças a um novo paradigma que põe ênfase na multidisciplinaridade, fazendo desta disciplina um trabalho conjunto de diversas áreas das ciências, como Botânica, zoologia, crítica literária, antropologia, história, geologia, etc.<br />De acordo com essa nova visão da arqueologia, as descobertas arqueológicas, longe de confirmar os relatos bíblicos, propõem aos cristãos e ao público em geral a realizarem uma nova leitura da Bíblia. Não mais uma leitura ingênua e acrítica dos textos bíblicos, mas uma leitura histórica, dotada das mais recentes análises e evidências arqueológicas. </p><p align="justify">Este trabalho apresenta algumas das análises e descobertas arqueológicas que não apenas se calam diante de supostos acontecimentos narrados nas páginas da Bíblia Sagrada, mas que chegam até mesmo a contradizer relatos bíblicos, como os da “Conquista”, comprovando que a Bíblia é uma redação que não contém um testemunho contemporâneo dos acontecimentos que descreve e que na realidade reflete as idéias e interesses de um grupo religioso e político de um período posterior, já depois da queda de Israel (720 a.C.) ou pós-exílico (587 a.C.). </p><p align="justify">Com este trabalho se pretende examinar as contribuições de Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, que recentemente têm publicado um estudo muito interessante sobre este tema. Todos estes trabalhos foram traduzidos na língua portuguesa nos últimos anos.<br /><br /><strong> </strong></p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-71279621648336762792008-07-21T19:19:00.000-07:002009-10-31T11:18:29.232-07:00O QUE REALMENTE ACONTECEU?<div align="center"><strong><span style="font-size:180%;">O QUE REALMENTE ACONTECEU?</span></strong>
<br /><em><span style="font-size:130%;"></span></em></div><div align="center"><em><span style="font-size:130%;">A Ascensão do Cristianismo Primitivo, 30-70 E।C।</span></em></div><div align="right"></div><div align="right">Gerd Lüdemann</div><div align="right"><span style="font-size:85%;">Fonte:Free Inquiry, Abril/Maio de 2007: </span></div><div align="right"><a class="transl_class" id="0" href="http://www%3cspan%20title=/">।secularhumanism.org/"><span style="font-size:85%;">http://www।secularhumanism.org</span></a><span style="font-size:85%;">
<br />Tradução: Charles Coffer Jr</span></div><div align="right"><span style="font-size:85%;"></span></div><div align="justify">
<br />“Os tempos, eles estão mudando” - e assim são as modernas percepções das origens Cristãs. Tendo como norma os Evangelhos e os Atos, os tradicionalistas negligenciaram por muito tempo a precipitada saída dos discípulos da Galiléia após a execução de Jesus, preferindo focar as mulheres leais ao túmulo vazio e a miraculosa infusão do êxtase espiritual no Pentecostes. Hoje, no entanto, muitos estudiosos vêem o túmulo vazio como um especial articulado, e as línguas de fogo em Jerusalém como uma mítica dramatização das convicções que gradualmente surgiram na Galiléia antes dos discípulos retornarem à Cidade Santa com a sua proclamação do Senhor ressuscitado. Apesar de Lucas ter idealizado um retrato de um movimento unificado e uma única doutrina sendo propagada de Jerusalém para Roma - e daí para todo o mundo - os estudiosos agora reconhecem várias tradições de tão antiga data como na primeira década após a morte de Jesus. Além da comunidade judaica-aramaica em Jerusalém, houve “igrejas” de judeus helenísticos em Damasco e Antioquia que testemunharam Paulo se transformar de perseguidor a propagador. Assim evoluiu cristianismo paulino e, a partir dele a primazia das tradições gentílicas que encontramos em Marcos e Lucas. Alguns estudiosos irão bem longe para ver o começo distinto dos grupos representados por textos como o Didachê, os Evangelhos de Tomé e Maria, os ditos da Fonte (Q), e uma série de textos gnósticos. Mais precisamente, alguns destes grupos surgiram após o ano de 70 EC (Era Cristã), mas a multiformidade do cristianismo primitivo é agora indubitável; e os contos míticos de uma única origem cristã têm dado lugar a considerações históricas baseadas em provas objetivas e análise crítica.
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<br />Quando Jesus foi crucificado numa sexta-feira na Primavera de (aproximadamente) 30 E.C, após ter sido detido por militares romanos, os discípulos masculinos que tinham acompanhado-o a Jerusalém fugiram com medo de volta à sua terra nativa, a Galiléia. Vários membros do sexo feminino de sua comitiva foram mais perseverantes, entre eles uma mulher chamada Maria, da aldeia galilaica e piscícola de Magdala.
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<br />É claro que Roma tinha razão suficiente para executar Jesus: desordeiros - especialmente qualquer um que parecesse ter pretensões reais - deveriam ser sumariamente removidos. E embora Jesus tenha rejeitado o radical programa teocrático de insurgentes tais como Judas o Galileu, o seu radicalismo ético, social e econômico foi baseada em uma mensagem de Deus similar ao advento abrupto do reino e na regra exclusiva. Mais precisamente, as declarações políticas de Jesus são raras, e ele nunca contrapôs explicitamente Deus e o imperador, mas algumas das suas ações simbólicas tinham, ao menos para a crítica contemporânea, dimensões políticas. Pense apenas na sua atribuição de doze pescadores para governarem sobre Israel, o contraste entre a sua supostamente humilde entrada em Jerusalém e do show de pompa e poder típico da entrada do governador romano, ou o seu altamente ambíguo comentário sobre uma moeda romana e o poder imperial nela representada. O claro subtexto dessas performances foi um gritante ultimato: Deus ou o imperador. Se Deus realmente governa, qualquer repartição da autoridade deve ser, na melhor das hipóteses, derivada e provisória.
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<br />Além disso, a violenta interrupção dos negócios no templo na Páscoa judaica por Jesus certamente alarmou os sacerdotes de Jerusalém: isso poderia muito bem ter sido visto (ou mesmo pretendido) como uma simbólica destruição do templo. O seu objetivo não era nem reformar nem prevenir outra poluição, mas sim mais parecia fazer um eco a sua chamada para um novo templo concedido por Deus. Juntamente com relatos de pretensões messiânicas, que incluiu uma reivindicação de um ser há muito tempo esperado, chamado "Filho do homem", estas ameaças percebidas deram aos sacerdotes de Jerusalém diversos motivos para instar uma ação contra o inimigo comum.
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<br />A prisão de Jesus e sua morte - sem o benefício de um julgamento - ocorreram em um único dia. Sendo que o dia seguinte era o sábado, o problema do despejo do corpo apareceu. A Lei e o costume judaico proibiam que um cadáver fosse deixando na cruz de noite, mas é ainda mais ofensivo para as sensibilidades judaicas deixar o corpo permanecer lá em um sábado. As autoridades romanas aparentemente permitiram que o corpo de Jesus fosse retirado da cruz; a isso os líderes judaicos confiaram o seu sepultamento a José de Arimatéia ou pessoas desconhecidas enterraram ou mesmo se livraram do cadáver de outra maneira. Ambos os oficiais romanos e judaicos suporam que este seria o fim da questão.
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<br />Os pensamentos de Jesus e seus sentimentos em suas últimas horas são obviamente desconhecidos. Sendo que nenhum de seus seguidores estava presente, as frases atribuídas a ele a partir de sua prisão até a sua morte são certamente criações da comunidade cristã. Claramente, os relatos que temos divergem amplamente e refletem as noções preconcebidas de vários evangelistas. Lucas, por exemplo, vai tão longe a ponto de retratar Jesus prometendo ao criminoso em sua direita um lugar com ele no paraíso naquele mesmo dia, e depois pediu a Deus que perdoasse seus inimigos, e finalmente entregou seu próprio espírito nas mãos do Pai. Estes motivos da glória de Jesus e soberania inundam como um fio escarlate toda a narrativa de Lucas em Atos.
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<br /><strong>OS DISCÍPULOS SUPERARAM O DESASTRE DA SEXTA-FEIRA SANTA</strong>
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<br />Para os discípulos de Jesus, a sua morte foi um choque tão grave que exigiu um processo de reconceitualização- que começou na Galiléia e foi marcada por experiências visionárias. Pouco tempo depois da Sexta-Feira Santa, Pedro teve uma experiência visual e auditiva da presença de Jesus que deu início a uma extraordinária reação em cadeia. Na Galiléia, Pedro instituiu (ou reconstituiu) o círculo dos doze, presumivelmente modelado sobre o grupo fundado por Jesus. Também pode ter refletido a convicção compartilhada de que as doze tribos de Israel deveria simbolicamente anunciar a chegada iminente do reino de Deus. Afinal de contas, eles tinham seguido Jesus a Jerusalém ansiando, e talvez parcialmente esperando, o advento de que “reino”, uma incipiente noção derivada da mensagem e do exemplo de seu mestre. Primeiramente, a morte de Jesus tinha destruído as suas esperanças anteriores, mas repetições da experiência de Pedro reacenderam e, finalmente, superaram a morte de Jesus. O reino de Deus havia começado, mas não na forma como os discípulos tinham esperado.
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<br />Aparições post-mortem de Jesus - tanto a Pedro, que havia repudiado Jesus e depois desertado e para os outros discípulos que tinham fugido anteriormente - foram certamente tomadas com o significado de perdão, e naturalmente o conteúdo dessas experiências foi transmitido aos outros. Sem dúvida, os relatos enfatizam que, longe de abandonar a Jesus, Deus lhe tinha levado para o céu. Eles podem até mesmo ter sugerido - talvez especulativamente de início - que Jesus em breve iria reaparecer do céu como o Filho do homem. Esse cenário predispôs seus seguidores a enveredar por um tremendo novo empreendimento: mulheres e homens que tinham acompanhado Jesus a Jerusalém retornariam para continuar o trabalho que o líder havia deixado inacabado. Mais uma vez (e talvez fosse a última oferta de Deus), eles poderiam pedir por uma mudança de coração e de mente. Estas primeiras visões reportadas por Pedro e pelos doze provaram ser tão infecciosas que somos informados de outra aparição, desta vez a mais de quinhentas pessoas de uma só vez. Neste ponto, sem dúvida, qualquer interpretação não-extática falha (comes to grief).
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<br />O poder dinâmico de tal começo não deve ser subestimado. Os próprios irmãos de Jesus foram suficientemente arrebatados no entusiasmo que Tiago - que tivera tão pouca simpatia pela causa de Jesus, e que provavelmente participou da tentativa relatada para afastar o seu irmão “louco” (Marcos 3:21) - disse ter recebido uma visão individual. Além destes encontros pessoais visionários com o “Ressuscitado”, três poderosos elementos históricos definiram e galvanizaram o início da comunidade fé: (1), o ato de partir o pão juntos recapturando, e assim restaurando, a presença do mestre que havia sido tão cruelmente morto; (2) Recordar as suas palavras e obras, redefinindo-os em seu meio, e (3) as promessas messiânicas da Escritura, especialmente os familiares hinos dos Salmos, tornaram-se expressões da realidade atual do exaltado Filho do homem.
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<br /><strong>O AUMENTO DA FACÇÃO HELENISTA E SUA EXPULSÃO DE JERUSALEM</strong>
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<br />Mesmo nessa fase precoce, o movimento assumiu novas dimensões quando os judeus de língua grega de Jerusalém se tornaram parte dela - talvez na seqüência de uma experiência extática relatada dos mais de quinhentos irmãos de uma só vez na festa do Pentecostes. Isto levou a uma nova interpretação espiritual das palavras de Jesus e de uma iminente expectativa de que prejudicaram sua prévia fidelidade à Torá e ao culto no templo. A reação hostil dos sacerdotes do templo foi inevitável, e quando, na resultante altercação, um carismático líder Helenista foi morto, o grupo fugiu de Jerusalém e começou a espalhar a sua mensagem sobre Jesus, que apelou para a inclusão dos gentios - para cidades como Damasco, Antioquia, e Cesaréia. Como Lucas indica, eles foram os primeiros a transferir o cristianismo primitivo para as cidades do império e a alterar a nova fé, de uma seita rural da Galileia em uma bem sucedida religião da cidade.
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<br /><strong>OS MISSIONÁRIOS INTINERANTES E A COMUNIDADE Q</strong>
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<br />Outro grupo de seguidores de Jesus - itinerantes ativistas ignorados pelo livro de Atos - permaneceram nas áreas rurais onde o radicalismo ético de Jesus foi bem recebido, a dimensão econômica da sua mensagem radical oferecia uma escolha clara entre Deus e as políticas confiscatórias de Roma. Sua depreciação aos ricos é tão dura que chega a ser exagerada. Enquanto os sem-abrigos podem facilmente se despedirem de seus amigos e parentes e aspirar à exaltação da vida espiritual sem emprego, posses, ou mesmo meio de defesa, os ricos só poderiam encontrar salvação se renunciassem seus bens - uma tarefa muito mais difícil para os “que têm” do que para os que “que não têm”. No entanto, enquanto um tema recorrente do ascetismo marca o cristianismo antigo como um movimento recrutado entre os despossuídos e com um forte ethos contra-cultural, a ética universal e exaltada de Jesus foi inerente desde o inicio. Assim, cristianismo primitivo mostra um espírito duplo: ao mesmo tempo em que procura sair ou derrubar uma sociedade corrupta, os fieis tentam estabelecer os mais elevados princípios éticos.
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<br />A postura ética do cristianismo inicial, combinando resistência política e reprovação moral, mostra que o radicalismo ético pode ter renascido na luta política logo na primeira geração após a morte de Jesus. Na verdade, a coleção de ditos conhecida como Q (a fonte provável de muitos dos ditos de Jesus em Mateus e Lucas) desafia o ethos radical itinerante. Em três pontos, parte de uma fórmula de apresentação das palavras de Jesus para narrar sua tentação, a sua cura de um servo do centurião, e sua cura de um cego e mudo endemoniado. Juntamente com a exposição das observações de Jesus sobre o príncipe dos demônios, estes parecem, para certo número de estudiosos, reflexo posterior de uma edição que, por sua vez, indica um contexto social diferente.
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<br />O clímax da história da tentação pode muito bem aludir à tentativa de Calígula em 39/40 EC de colocar a sua própria estátua no templo, a crise que provavelmente obrigou o incipiente movimento radical a reavaliar a sua ética e a compilar por escrito o conjunto de suas tradições. A história do centurião cuja fé surpreende Jesus, poderia então compensar o mito anti-autoritarista ao retratar um qualificado representante do império, que reconheceu a autoridade de Jesus e ganhou o seu respeito. Neste contexto, o provérbio sobre o reino dividido de Beelzebul transforma-se numa metáfora para o conflito imperial entre Deus e Satanás e os exorcismos um vívido exemplo do domínio de Jesus sobre o mundo. Quando Jesus confrontou esses detentores do poder com ações simbólicas, o editor de Q estava formulando a consciência dos primeiros movimentos por satirizar a potência imperial romana como a ineficaz a postura de Satanás.
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<br /><strong>PAULO, UM PERSECUTOR DA IGREJA, TORNA-SE UM MISSIONÁRIO DO EVANGELHO
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<br />Paulo de Tarso está entre as mais influentes figuras na Cristandade Ocidente. Ao mesmo tempo um judeu, um romano, e um cristão, ele viu-se como um apóstolo chamado pessoalmente pelo Jesus ressuscitado para levar o Evangelho ao mundo Gentio. Nascido na mesma época em que Jesus, algumas centenas de milhas ao norte de seu mestre nativo da Galiléia, Paulo era um judeu da Diáspora que tinha herdado de seu pai a cidadania romana e, portanto, pertencia a ambos os mundos, o judaico e o Greco-Romano. Apesar das restrições judaicas sobre o contato com gregos, recebeu uma educação básica, mediada através Judaísmo Helenístico, que incluiu o ensino em língua grega e o estudo da retórica. Ainda assim, elementos profundamente impregnados de sua cultura ancestral apareceram e permaneceram nas suas cartas muitos anos mais tarde. Mais precisamente, a familiaridade com o teatro, as competições na arena, e disputas filosóficas no mercado mostrou-lhe a amplitude e a beleza do mundo Helenístico e a seu vigor inatamente racional; mas sua religião ancestral oferecia tanto um sentimento de pertencimento e como a segurança de exclusividade. Longe de ser um típico seguidor de sua fé ancestral, ele sabia muito da Escritura Judaica em grego e aceitou a Deus que havia escolhido Israel e prescrito regras para que pudessem viver por elas. Não admira que Paulo tenha deixado seu lar ancestral de Jerusalém; ele queria prosseguir seus estudos no centro do mundo, onde o templo de seu Pai celestial se situava e onde o sacrifício diário era oferecido pelos pecados do povo. Aqui, o jovem entusiástico iria completar sua educação como um Fariseu; aqui, ele iria seguir sua ordenada carreira como um erudito.
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<br />Mas como o resultado de um zelo delimitado no fanatismo, tudo acabou de outra forma. Em Damasco, Paulo encontrou um grupo de judeus de língua grega, que se identificavam com um Galileu crucificado chamado Jesus e que haviam ido tão longe para proclamá-lo como Messias. Não só isso, eles alegaram que ele havia sido elevado por Deus e, também, divulgaram suas críticas da lei. Então, como se anunciando um criminoso crucificado como Messias não era suficiente, ele pediu mudanças na prática judaica! Foi demais para Paulo. A eleição de Israel tinha levado muitas vezes a glorificar Deus em seu zelo pela lei ancestral, e Paulo tentou forçadamente conter este novo movimento. Outros não viram qualquer razão para uma intervenção draconiana, mas os jovens zelosos viam isso como uma ameaça. O rápido crescimento dessa grande seita diaspórica tinha provado sua razão. Imaginar que ele estava prestes a desempenhar um papel importante na divulgação de um movimento que em breve seria uma ameaça mortal para os judeus tiraria todo o seu fôlego.
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<br />Mas, no decorrer da sua furiosa perseguição em Damasco, aquele cujos discípulos ele estava molestando apareceu a Paulo em uma visão. Punido pessoalmente pelo Senhor ressuscitado, Paulo não teve escolha: era imperativo entrar em seu serviço, para aquele que certamente era o Filho de Deus, e a todos os seus seguidores tinham dito que ele era de verdadeiro. O perseguidor devem imediatamente entrar na comunidade que ele tinha perseguido. Evidentemente, a visão celeste o fez ficar cego - tudo isso ocorreu em um nível profundamente emocional - mas um dos seus novos irmãos na fé, Ananias, curou Paulo em nome de Jesus, recebendo-o, e o instruindo na nova fé da qual ele tinha apenas um rudimentar conhecimento de perseguidor.
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<br /><strong>PAULO DESCOBRE SEU DISTINTIVO PAPEL NO DRAMA DA SALVAÇÃO</strong>
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<br />Com tempo para refletir sobre a aparição de Jesus e o seu significado, Paulo relembrou-se das passagens nas Escrituras que anunciada um futuro Messias. Mas como ele poderia conciliar estas passagens com o fato de o líder desses cristãos havia morrido na cruz? Nenhuma das profecias tinha concebido um Messias em sofrimento, mas o Senhor celestial que havia lhe abordado era indiscutivelmente o Jesus crucificado. O ex-fariseu biblicamente sofisticado encontrou uma pronta resposta: num intrépido salto de pensamento, ele havia combinado o ideal judaico de Messias com o “servo sofredor” a partir do livro de Isaías - a fusão foi facilitada pelo fato do sofrimento de Jesus ter sido caracterizado somente como uma breve passagem para a glória celeste. A analogia deve ser válida para todos os Cristãos: todos sofrem tribulação antes do grande dia.
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<br />Na Escritura, Paulo também descobriu o seu próprio papel no drama celestial. Ele ansiosamente sentiu que havia um novo significado nas passagens de Isaías e Jeremias, em que os profetas afirmam que o próprio Deus os tinha ordenado no ventre de suas mães; talvez ele também, como os grandes profetas do passado, tivesse sido especialmente chamado para ser um pregador apostólico. A tremenda autoconfiança que agora havia preenchido Paulo excedia até mesmo a de seu período pré-cristão - um desenvolvimento tanto mais notável quando se considera que este entusiasta de Tarso nunca conheceu pessoalmente Jesus de Nazaré.
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<br />Mas como poderia Paulo alegar autoridade diretamente do Senhor ressuscitado sem ter aprendido dos seguidores, que ele tinha tão recentemente perseguido, algo da vida e dos ensinamentos de seu líder? Como poderia uma experiência visionária dar a ele um lugar de igualdade com os pessoais seguidores de Jesus? Sua estratégia foi apropriar-se da fórmula que ele deve ter aprendido tanto a partir das comunidades de Damasco ou de Antioquia como parte da instituição da Ceia do Senhor: "Eu recebi do Senhor o que também foi entregue a vocês...". Ele similarmente explicou tudo o mais que ele havia aprendido - ou quis reclamar que tinha aprendido - acerca de Jesus. A autoridade do Senhor, que tinha sido comissionada pessoalmente o esse apóstolo, automaticamente santificou as palavras de Paulo. Acreditando-se estar em contacto direto com o Senhor, Paulo tomou a suas mais profundas convicções como revelações - e seguiu-as sem hesitação.
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<br />Enquanto o céu era quase sempre um livro aberto para Paulo, um anjo de Satanás também poderia castigá-lo se o Senhor assim o quisesse ou se a seu suplemento de revelações lhe subisse à sua cabeça. Por outro lado, ele era suficientemente seguro de si para invocar o poder de Satanás, quando preservava a comunidade das impurezas e para salvar a alma de um pecador da exigida condenação da morte. Paulo também viu o espírito de Satanás agindo quando apóstolos rivais criaram discórdias nas comunidades que ele havia fundado. Ainda assim, Satanás e os seus anjos agiam apenas como se estivessem predeterminados por Deus e jamais ganharam poder sobre Paulo e suas comunidades. Eles não poderia frustrar o propósito de Deus, que tinha enviado o seu Filho ao mundo para salvar os homens e mulheres do pecado. Como um auto-proclamado agente de Deus e do Senhor Jesus, Paulo estava vinculado a este drama cósmico da redenção. O ponto-chave foi que a salvação seria, e deveria, incluir os Gentios: eles deviam pertencer à Igreja de Jesus Cristo em pé de igualdade com os Judeus que acreditavam em Jesus. Naturalmente, esse ponto de vista foi repugnante para muitos cristãos judaicos.
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<br /><strong>A NOVA EXPERIÊNCIA SE DESENVOLVE EM PAULO E ENTRE OUTROS CRISTÃOS
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<br />Desde o começo, Paulo tinha quase inebriantemente experimentado a unidade da igreja composta de Judeus e Gentios. Vemos esta primeira na uma passagem de Gálatas (3:26-28), em que ele cita a liturgia para o batismo de conversos: "Não há nem judeu nem grego, nem homem nem mulher, escravo nem livre, mas todos são um em Jesus Cristo". Nesta fórmula, que foi repetida uma e outra vez no culto, os limites cuidadosamente construídos de Israel foram demolidos. Também aparece em seu jubilante grito de 2 Coríntios (5:17-18): “Se alguém está em Cristo, nova criatura é, as coisas velhas já passaram, eis que o novo chegou. Tudo isto [é] de Deus, que nos tem reconciliado para si mesmo através de Cristo”.
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<br />Essa nova experiência chamava por ritos que a mantivesse viva. Paulo conhecia os dois principais ritos - batismo e a Eucaristia - desde a congregação que ele outrora havia perseguido. Que também eram os principais rituais de outras comunidades em desenvolvimento que aprendemos através do Evangelho de Marcos, cujo autor anônimo, um jovem contemporâneo de Paulo, forma o seu Evangelho com os relatos do batismo de Jesus (Marcos 1:9-11) e sua instituição da Eucaristia (Mc 14:22-25). Trata-se de um todo, mas alguns indícios mostram que o evangelista está conscientemente envolvido na criação narrativa de uma nova comunidade da fé, que inclui tanto os Judeus como Gentios. Nos relatos de Marcos (escritos cerca de 70 EC) Jesus leva a sua mensagem para áreas gentias da Galiléia, sua fama precede-o em uma viagem a Siro-Fenícia, e ele repetidamente anula códigos de pureza e dietéticos que por muito tempo tinham distinguido Judeus de Gentios. Marcos também invoca o venerado Isaías ao colocar na boca de Jesus a garantia de que a casa de Deus deve ser aberta a todos os povos. O que equivale a uma política de abertura aos Gentios não pode ser um aspecto imprevisto de seu mais antigo Evangelho.
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<br />A narrativa de Lucas em Atos (o que pode ter sido escrito cinco décadas depois) conta uma história diferente: a rejeição judaica da nova mensagem foi o que provocou a missão Gentia. Mas ele provavelmente trabalhou de outra maneira, com a erosão das tradições e práticas judaicas facilitando a conversão dos gentios e provocando o ultraje judaico. Seja como for, Marcos e Lucas concordam ao retratar um abismo cada vez maior entre o Cristianismo e suas raízes Judaicas.
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<br /><strong>AS DESAVENÇAS DO CRISTIANISMO PAULINO PARA O JUDAISMO: RAZÕES E RESULTADOS</strong>
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<br />As aparições do Senhor ressuscitado aos primeiros Cristãos não foram experiências sensoriais, mas “espirituais”, e as suas esperanças espirituais visavam um evento ainda maior - o retorno de Jesus sobre as nuvens do céu, acompanhado pelo tão-previsto estabelecimento do reino de Deus. Estas estimulantes especulações apresentaram para Paulo um problema. Em tal atmosfera tão sobrecarregada, como ele poderia impressionar os seguidores pessoais de Jesus sobre a importância e a validade de suas próprias experiências extáticas e assim convencê-los de que o seu apostolado e autoridade eram iguais aos deles? Como seria a sua interpretação da vida e dos ensinamentos de Jesus ser feito paradigmático?
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<br />O instável relacionamento de Paulo com a comunidade de Jerusalém indica claramente o estresse existente. Uma visita inicial de duas semanas cerca de três anos após a sua visão de Cristo permitiu a Paulo fazer, cautelosamente, contato com Cefas (Pedro), o primeiro discípulo de Jesus, e atual líder do movimento. A missão Gentílica, a pessoa de Jesus de Nazaré, bem como a natureza dos eventos da Páscoa já eram questões bastante espinhosas. Paulo estava satisfeito por esta reunião e especialmente pela validação da sua atividade de pregação que logo se seguiu. Eventos importantes logo vieram espessa e rapidamente. Não só a missão Gentílica de Paulo revelou ser extraordinariamente bem sucedida, mas também comunidades judaico-cristãs nasceram em Lida, Jope, Cesaréia, Sidom, e noutros locais. O “Espírito Santo”, imaginado como um ser misterioso e miraculoso, encontrou ampla aceitação e favorecimento, em primeiro lugar na Síria e, em seguida, nas comunidades Paulinas na Galácia, Macedônia, e Acaia. Um movimento havia nascido, trazido à vida por um homem que, sem nunca ter conhecido o Jesus terreno, estava mais em contato com a contraparte celeste.
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<br />A situação era como um gigantesco navio fechado cheio de água quente. O número crescente de discípulos que invocaram o Cristo ressuscitado levou o Judaísmo à sua ebulição, e a água já não podia mais ser contida. O recipiente rebentou, a água derramou-se para fora, e, ainda em vaporização, encontrou maneiras diferentes canais um tanto mais calmas. Em suma, inúmeras novas comunidades que abraçaram tanto Judeus como Gentios foram criadas apenas para gerar conflitos mais tarde – os Cristãos Judaicos conservadores estavam escandalizados por causa da atividade de não observância nas comunidades mistas e tentaram ilegalizá-los. Eles não apenas perceberam o que Cristãos Gentios fizeram, mas eles também estavam determinados de que o ecumenismo não deveria enfraquecer a sua própria identidade única e prática.
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<br />A exigência de estrita segregação dos Cristãos Judaicos de seus irmãos pagãos não tardou muito em chegar. Na presença de Paulo, representantes de Jerusalém fomentaram uma amarga controvérsia sobre preocupações com pureza na comunidade mista de Antioquia e, assim, ameaçando tudo o que ele tinha alcançado. E assim foi que, catorze anos após a primeira visita, Paulo recebeu uma revelação de seu Senhor celestial para voltar a Jerusalém. Orgulhoso e inflexível, ocupou-se de levar com ele Tito, um grego incircunciso, para estabelecer um precedente. Não é coincidência que o antigo parceiro de missão de Paulo, Barnabé era também uma parte litigante para a discussão, mas sim, também, foram os Cristãos Judaicos conservadores que, como Paulo coloca, surgiram na comunidade (mista) e provocou uma dura disputa. Inicialmente, foi completamente diferente da primeira visita, pois além de Cefas, João já tinha uma voz, e o irmão biológico de Jesus, Tiago, liderou o triunvirato. Isso é indicativo da mudança no alinhamento de forças, em que dois dos discípulos originais estavam subordinados a um, o qual já tinha sido - no mínimo - cético em relação ao ministério de Jesus.
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<br />Depois, sem dúvida, de um vigoroso debate, ficou de acordo que a igreja de Jerusalém fosse difundir as Boas Novas aos judeus, e Paulo e Barnabé iriam espalhar-las aos Gentios. Como muitos tratados, esse era uma espécie de declaração bem maleável que permitiu que ambas as partes lessem suas próprias formas de entenderem-no; além disso, a situação era muito diferente para os judeus que vivem na Palestina que aqueles na Diáspora. Para Paulo era mais importante se chegar a um acordo, para que fosse respondida a principal preocupação de Paulo: a saber, assegurar a unidade da Igreja.
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<br />Mas o acordo falhou em não conseguir responder ao intenso problema de como as pessoas nas comunidades mistas iria viver juntas. Longe de se afastar de uma rigorosa segregação entre Cristãos Judeus e Gentios, o acordo foi sobre as condições da separação. Ainda assim, apesar de todos os problemas da “fórmula da união”, todos ficaram de acordo sobre um recolhimento de fundos para ajudar à comunidade Jerusalém - um projeto que, ironicamente, seria um teste para provar o relacionamento entre as Igrejas Cristãs-Gentia e as igrejas Cristãs-Judaica.
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<br />Barnabé foi incumbido para trazer fundos da igreja de Antioquia, e Paulo, a partir das igrejas na Grécia e Galácia que ele havia fundado logo em finais dos anos 30. Isto permitiria que Paulo mantivesse os líderes de Jerusalém em seu acordo (servindo assim de um instrumento de política da Igreja) e, ao mesmo tempo em que confirma que o seu apostolado para os Gentios foi baseado na unidade da igreja composta de Judeus e Gentios. Sem essa unidade, ele acreditava, o seu apostolado para os Gentios era nulo e sem efeito.
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<br />Além disso, Paulo já tinha previsto uma missão em Espanha, a fim de conquistar a última parte do mundo conhecido para o seu Senhor. Esta foi uma questão de certa urgência, pois a vinda do Senhor estava perto. Mas, uma vez que o acordo teve de ser salvaguardado, Paulo primeiro realizou uma viagem entre as suas comunidades para assegurar o recolhimento e solidificar o vínculo entre suas igrejas e aqueles em Jerusalém. No primeiro dia de cada semana, ele instruía, os membros de cada comunidade deveriam depositar alguma coisa aparte, a fim de garantir uma melhor soma quando Paulo viajasse para receber os fundos que iria entregar à delegação que iria levá-los a Jerusalém. Naturalmente, a viagem serviu mais para fins políticos e financeiros. Quando surgiu a oportunidade, como já havia acontecido em Éfeso, Paulo fundou novas comunidades de fiéis. E, evidentemente, as atuais comunidades necessitavam de seu aconselhamento pessoal e de sua exortação, ou do reforço de delegados como Tito ou Timóteo.
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<br />Então o desastre começou. Ultraconservadores de Jerusalém começaram a invadir as comunidades de Paulo e ameaçaram destruir tudo o que ele havia trabalhosamente construído e firmemente defendido. Os tradicionalistas “falsos irmãos” que ele tinha derrotado em Jerusalém agora o atacavam nas suas próprias igrejas. Eles desafiaram sua autoridade apostólica e apelaram para a mais estreita observância da lei, e assim, conduzindo uma disputa entre Paulo e Jerusalém. Assim, a batalha para o recolhimento tornou-se a batalha para a unidade da Igreja também. Para certificar-se de que a cobrança seria recebida em Jerusalém, Paulo mudou seus planos e aderiu à delegação transportando-lo para lá. Esta seria sua terceira campanha de uma luta em que ele já havia prevalecido.
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<br />Na altura desse conflito, pouco antes de Paulo se estabelecer fora de Jerusalém, ele escreveu sua carta à igreja Romana, uma carta que deve ter sido destinada aos olhos da comunidade de Jerusalém também. Nesse memorável documento, o apóstolo proclamou sua mensagem de justiça pela fé, prometendo salvação, com base na expiação concedida pela morte de Jesus, que estava disponível tanto para os Judeus como para os Gentios. Estranhamente, porém, não parece fazer notar que, em Romanos 9-11 ele parcialmente retratou grande parte de seu ensinamento anterior. Quer seja de um latente etnocentrismo ou de um desejo de capturar a afeição de partidários Judeus, ele agora afirmava que depois de um conjunto completo de Gentios ter sido convertido, todos de Israel seriam salva sem reservas - na verdade, sem sequer acreditarem em Cristo (Romanos 11:26 ). De repente, ser uma das pessoas escolhidas pareceu ser mais valioso do que ele fez parecer nos primeiros oito capítulos.
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<br />Sua explicação para isso aparece no início do capítulo 9: ele sofre profundamente e pessoalmente por conta de muitos dos seus irmãos Judeus que não encontraram a salvação em Cristo, e ele queria ser separado der Cristo se isso tiver efeito em sua libertação. Vendo nos calcanhares afiados de Paulo o seu perspicaz menosprezo pela lei judaica, isso soaria estranho, sem dúvida, para que sancione uma prioridade final do sentimento sobre o pensamento – em Paulo como em quase todos os seres humanos.
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<br />Este aparente amolecimento, porém, não iria permitir aos Judeus alívio nas épocas posteriores. Nas próprias igrejas Gentílico-cristãs de Paulo, a sua dispensa especial para Israel não poderia impedir incrédulos Judeus de serem condenados à eternidade, como uma provisão não poderia salvar Gentios incrédulos da condenação no futuro. Um subseqüente editor do [evangelho de] Marcos atribui ao Jesus ressuscitado uma maldição [proferida por ele] (Marcos 16:16): “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado”.
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<br /><strong>O MAIS ANTIGO EVANGELISTA DO REPÚDIO AO JUDAISMO</strong>
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<br />O Jesus de Marcos é um ser celeste com uma forma terrena. Muito antes da ressurreição, a glória divina iluminou sua vida. Para dramatizar esta dupla natureza, Marcos coloca cenas de epifania no início, meio e final da sua narrativa. No batismo de Jesus, uma voz celestial o identifica como o filho de Deus; na história da transfiguração, a mesma voz celeste repete o título, e na cruz, um centurião romano - um Gentio - é a primeira pessoa a confessar a filiação divina de Jesus. As duas primeiras são proclamações divinas dirigidas apenas a Jesus e aos seus discípulos, mas o centurião é um homem cuja mensagem será transmitida aos outros. O mistério divino é revelado gradualmente, mas em vez de Jesus alegar sua divindade, esta foi atribuída a ele - no último momento por alguém pouco provável de ser movido pela providência divina.
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<br />A cada vez maior distância entre Judaísmo e que só mais tarde foi denominado “cristianismo” resultou em grande medida na opinião de Paulo sobre a divindade de Jesus, com base em sua ressurreição e a convicção de que a ação única de Deus tinha conferido esse estatuto a ele. Refletindo esta visão no seu Evangelho, Marcos confere ao Jesus terreno poderes divinos e continuamente critica os discípulos pelo que ele considera como a incapacidade dos discípulos de construir uma ponte conceptual entre o Jesus que eles conhecem e o Filho Eterno. É esta divinização de Jesus (a qual pelo menos é paralela, se a mesma não for derivada diretamente de Paulo), que levou a tradição Evangélica inexoravelmente para longe do monoteísmo estrito do judaísmo.
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<br />Esta separação é evidente nas recorrentes narrativas de Marcos sobre o conflito com os adversários judeus acerca da observação do sábado, regulamentos de pureza, bem como o valor do sacrifício. Mas isso é mais marcante na sua ação no templo como um símbolo. Para Paulo, isso foi o suficiente para que Jesus cumprisse as profecias judaicas; Marcos o faz profetizar a destruição daqueles vários seguimentos do Judaísmo e faz com que seu último grito acompanhe o véu do templo - que representa a exclusividade e santidade do culto - se rasgar ao meio. E a idealizada coincidência desse cataclismo com a confissão do centurião (o soldado na cruz não poderia ter visto o templo) é uma afirmação indiscutivelmente simbólica tanto da superação cristã do judaísmo como da inclusão dos Gentios no regime de Salvação de Deus.
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<br /><strong>PAULO COMO UMA FONTE DE ALIENAÇÃO D<span class="">O </span>JUDAISMO</strong>
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<br />O próprio Paulo experimentou o repúdio Judaico-Cristão da fusão com o Cristianismo Gentio. Não foi apenas o recolhimento que ele trouxe a Jerusalém foi rejeitado, mas os hostis “irmãos” Judaico-Cristãos também o denunciaram as autoridades romanas, acusando-o de ter colocado um Cristão Gentio dentro do templo. Aprisionado, Paulo recorreu ao imperador para sua vida e apenas assim chegou a Roma, onde foi executado sob Nero. Ele nunca chegou à Espanha. ‘
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<br />Não obstante o resultado trágico, é justo dizer que as acusações contra Paulo - que ele estava ensinando aos Judeus da Diáspora a não circuncidarem seus filhos e, em geral, afastando-os da lei judaica – eram essencialmente válidas. Embora esses itens não estejam explícitos nos escritos de Paulo (na verdade, ele enfaticamente exorta os judeus a não renunciar à circuncisão), a sua pregação teve resultados muito semelhantes a essas acusações.
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<br />Visto que as comunidades Judaico-Cristãs Paulinas eram frequentemente uma minoria alienada de sua religião-mãe, muitos abandonaram a circuncisão e logo perderam sua identidade judaica. Além disso, a doutrina do apóstolo da justificação pela fé, não só contestava a sanção da lei judaica, mas também poderia ser facilmente mal-interpretada como libertinismo. Também não menos importante, a posição Paulo sobre a lei não era de nenhuma maneira clara. Tendo concluído que uma vida em Cristo proporcionava as respostas a todas as questões significativas, ele fez afirmações contraditórias ou equivocadas sobre a competência e vigor da lei; e depois disso, seus opositores judaico-cristãos não puderam chegar a um entendimento com ele.
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<br /><strong>PAULO E O ILUMINISMO GREGO</strong>
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<br />Dessa auto-descrição “Gentios para aos Gentios e Judeu para os Judeus” tinha-se tornado, com efeito, nem um Gentio nem um Judeu. Combinando uma forte medida de arrogância e uma tendência para o descuido, ele deve ter sido um perplexo para os espíritos honestos. Mas, como atesta a sua grande realização, esta abertura em todos os lados foi um bom caminho para alcançar o sucesso. Apenas em Atenas ele se chocou com um muro de tijolos. Quando ele tentou impressionar os filósofos Estóicos e Epicurístas proclamando o julgamento futuro através de Cristo e a ressurreição corporal, eles sumariamente lhe mostraram os seus limites. Sua religião, alicerçada na experiência mística, não alcançara o desafio intelectual da Grécia. Que ele não fundou a comunidade de Atenas pode ser um dado indicativo; isso sugere que a sua intervenção na Primeira Carta aos Coríntios sobre a sabedoria humana sendo loucura para Deus foi, em parte uma fuga e, em parte uma forma de racionalizar o menosprezo ateniense.
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<br />Para Paulo a religião não era o produto de uma mente treinada na lógica - uma mente que objetivamente examina de todos os conceitos e pontos de vista sem ceder aos fantasmas da imaginação. Pelo contrário, o Cristianismo Helenístico que é o seu legado mostrou um gosto sobrenatural em sua sujeição à autoridade e entrega a orientação divina: no seu centro não está a mente, mas as emoções - a exaltação mística de self apreendida pelo Espírito.
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<br />Na verdade, o sucesso de Cristianismo Paulino refletiu sua consonância com o espírito da época. O mundo tinha-se tornado cansado do pensamento. As pessoas queriam e procuravam uma forma conveniente para garantir a sua imortalidade, e um dos modos mais populares para alcançar isso foi pela iniciação em mistérios, dois exemplos dos quais foram batismo e a Ceia do Senhor. Sejamos francos: a marca de Paulo do Cristianismo -, que se tornou o movimento da forma espiritual normativa - constituía uma reação contra o Iluminismo grego, ao mesmo tempo em que a lei estatal, o costume, e mesmo as formas de saudação vieram a ser dominados pelo autoritarismo. A essência da liberdade na Grécia antiga era estrangulada juntamente com o espírito constitucional do estado romano. Prerrogativa substituída pela investigação; fé substituída pelo conhecimento; a independência do espírito humano deu lugar à humilde subordinação a uma deidade todo-poderosa no céu; e a escrava observância dos mandamentos divinos suplantando a moralidade natural humana. Quando o trabalho de Paulo foi realizado, a queda da vibrante cultura milenar que tinha crescido as margens do Helenismo foi concluída.
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<br /><strong>O RESULTADO DA ATIVIDADE DE PAULO</strong>
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<br />O que Paulo conseguiu? Antes de mais nada, é claro que a Igreja Cristã deve sua existência a este homem Judeu de Tarso; Lucas justamente dedica mais da metade dos Atos ao que podemos chamar de o verdadeiro fundador do cristianismo. E Paulo tinha razão quando disse que ele trabalhava mais arduamente do que todo o resto; ele definiu o rumo da futura viagem da Igreja ao transplantar sua incompreensão da religião de Jesus para território Gentio e, ao contrário de seu instinto mais profundo, forjou a duradoura separação da igreja e Israel.
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<br />Isso, por sua vez, ocasionou os trágicos resultados da sua atividade - uma cadeia de eventos que se estendeu por quase dois milênios para além do horizonte temporal dessa narrativa. Cristãos anti-judaicos sobre solo pagão receberam um forte impulso a partir de Paulo, juntamente com outros, e tiveram um efeito devastador. Os autores Novo Testamento iniciaram uma vergonhosa tradição de agressão aos judeus não-crentes por não aceitarem a Jesus como seu salvador. Exceto para Paulo e seus irmãos em Cristo, o judaísmo nunca teria sido levado a este abismo.
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<br />Além disso, Paulo e os outros cristãos primitivos enfrentaram desafios insuperáveis de razão crítica, acusações que enfraquecem quase todos os detalhes de seu sistema de crença: (1) a noção de que o Filho de Deus teve de expiar os pecados do mundo, (2) a absurda identificação de Jesus com o tão esperado Messias de Israel - e com isso as arrogantes alegações de Paulo e de outros autores Cristãos por falarem de alguém que nunca haviam conhecido; (3), a opinião de que os seres humanos podem fundamentar em desejos místicos uma séria expectativa da ajuda decisiva; (4) confundir afirmações sobre a Lei que persistentemente ocultam seus pressupostos, incluindo a estranha noção de que uma solução - Cristo - já foi achada antes mesmo que a questão pudesse ter sido colocada; e (5) a alegação de que um acontecimento histórico possa trazer salvação pessoal a toda a humanidade.
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<br />Podemos talvez compreender um homem do primeiro século aceitando servos anônimos de Jesus fazendo tais afirmações estúpidas, mas tais alegações tornam-se perigosas quando, após dois milênios, elas ainda são defendidas pelas igrejas cristãs, e até mesmo por teólogos acadêmicos. Considere apenas um exemplo: essas pessoas afirmam que a ressurreição de Jesus é de objetiva e de significância histórica - na verdade, que é o <em>turning point</em> da história mundial e, por conseguinte, um acontecimento de importância cósmica.
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<br /><strong>O EFEITO DESASTROSO DO "MONOTEÍSMO" CRISTÃO E SUA TEOLOGIA POLÍTICA</strong>
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<br />Com os evangelhos apócrifos, como os atribuídos a Tomé e a Maria, juntamente com a Fonte dos ditos (Q) e o Didachê, temos evidências da existência de outras tradições cristãs antigas, mas, de uma maneira geral, suas contribuições foram marginalizadas, reprimidas, ou assimiladas. Essa é a expressão da fé proto-ortodoxa que temos analisado, a vertente que se tornou aquilo que conhecemos como Cristianismo histórico. Narrar a história dessa forma dominante de cristianismo primitivo significa fazer julgamentos críticos sobre Paulo e seus irmãos em Cristo. Que o apóstolo aos Gentios foi uma figura elevada no Cristianismo primitivo - na realidade, o verdadeiro fundador da Igreja – isso é certo. Mas a perspectiva de que suas cartas e do restante dos escritos do Novo Testamento representam a palavra de Deus é um crime contra a humanidade e contra a razão. Estudar-los hoje deveria fazer-nos reconhecer que tal pensamento não oferece uma chave útil para o futuro. Sua imagem de Deus não pode reclamar o respeito dos descrentes, mas somente comandar pela obediência pretendida para evitar o castigo eterno do inferno. O Cristianismo primitivo era um monoteísmo cristologicamente distorcido à beira de se tornar um totalitarismo que faltava com respeito a qualquer dissidente interno, e descrentes - tais como os Judeus e pagãos - fora da igreja. Apenas três séculos depois, na realidade, esses dissidentes (ou simplesmente diferentes) grupos tornaram-se o alvo de uma ação conjunta dos “verdadeiros” fiéis e das forças políticas do Império Romano. Eles foram destruídos, neutralizados, ou expulsos. A queima de livros relatada em Atos 19 como uma ação voluntária por antigos pagãos prefigurou séculos de violência contra os opositores da ortodoxia cristã. A abertura de Lucas ao Império Romano proporcionou ricos frutos.
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<br />Apesar dos muitos infelizes resultados históricos de apologética Cristã primitiva, não se pode negar as realizações humanas das primeiras igrejas nem duvidar que estas derivaram em grande medida do empenho consciente de seus membros com o que eles percebiam como sendo Deus। Ao mesmo tempo, o zelo religioso dos seus representantes permanece suspeitamente próximo de um fanatismo que, uma vez que encontraram um aliado no poder político, custaram a vida de pelo menos um milhão de pessoas por séculos nos últimos dois milênios. Infelizmente, como a história mostra, o conflito inevitável gira em torno desse tipo de compromisso contra o bem-estar dos meros mortais homens e mulheres. </div><div align="justify"></div><div align="justify">-------------------------------</div><div align="justify"></div><div align="justify"><em><strong>Gerd Lüdemann</strong> é professor de Historia e Literatura de Cristianismo Antigo na Universidade de Göttingen, Alemanha, diretor doe Instituto dos Estudos sobre o Cristianismo Antigo, e um patricionidor do Jesus Project. A universidade impôs restrições a seu ensinamento, devido ao seu trabalho na crítica religiosa. Seu novo livro é o “Evangelho e a Intolerância” (2007)।</em></div><p><em>********</em></p><p><em>Charles Coffer <span class="">Jr </span>é Graduando em História pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA / CESI. </em></p><div align="justify">
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<br /></div><div align="justify"></div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-15988752194001546032008-07-07T00:07:00.000-07:002008-07-15T18:42:51.830-07:00"Em três dias, você deve viver"<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9PhO1ujQmVdLHlBq7aDGN-j2APZnfm2EoLUJDkzFSZxCGI9p9tQb5v8SkD5SmnAkFVy_qo34rpHt_CqWYWpDqIFwjiAfGuzH_uQG8t3cMABRo6eJDYaAelUK3ipDjP4zYDp5oDFZmRxdO/s1600-h/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg"></a><br /><br /><div align="center"><strong>Comentários introdutórios</strong></div><br /><br /><div align="justify"><br /><em>O texto que disponibilizo aqui foi traduzido de última hora. Mal a descoberta do tablete anterior as estórias de Jesus foi feita, este artigo já saiu nos Estados Unidos. Traduzí as pressas, e por isso espero que tenha ficado legível. Algumas considerações devem ser feitas:<br /><br /><strong>1) Quem é Israel Knohl:</strong> Knohl publicou um livro no ano de 2000 onde apresentava sua tese de que um messias sofredor era crença muito comum muito antes mesmo do movimento de Jesus começar a existir. Mas sua teoria não angariou nenhum crédito no mundo acadêmico, porque ele não tinha qualquer prova textual de que essa crença existia antes de Jesus. As referencias judaicas a um messias que morria pareciam criações bem posteriores a Jesus, datando o 2° século d.C. Mas com essa nova descoberta, sua teoria passa a ser confirmada e com ela uma nova reinterpretação da tradição judaica da época do 2° templo e do messianismo cristão primitico.<br /><br /><strong>2) Sobre Mashiah ben Joseph:</strong> Em minha monografia de graduação, chamada “Querigma: a formação da imagem de culto a Jesus Cristo no cristianismo primitivo” (UEMA, 2008), dediquei boa parte para dissertar sobre o “Messias Filho de José”. Minha tese era a de que a referência a José, marido de Maria, como pai (biológico ou adotivo) de Jesus era uma construção folclórica judaica, baseada na crença do messias filho de José. No entanto, ao ler Geza Vermes, Scardelai e J. P. Meier, me deparei com argumentos que colocavam em xeque essa minha teoria. Eu me baseava em Dn 9, que fala sobre a morte de um sacerdote judeu, como a possível fonte para a crença em um messias que morre anterior a era cristã. Coletei, inclusive, boas referências taumúdicas, etc. No entanto, como disse Vermes, não existe (ou existia) evidencias da crença no messias que morre, chamado Filho de José, na tradição judaica, anterior a Bar Kokhba. Esses autores foram unânimes em dizer que o messias Filho de José, que morre, é uma criação lendária que data do ano de 130 d.C., na época da última revolta judaica. Pensei: “Não vou colocar uma coisa sem fundamento ou evidencias na minha monografia”. Por isso, eliminei essa parte de minha monografia e fui me dedicar a outros aspectos mitológicos de Jesus Cristo.<br /><br />No entanto, essa nova descoberta torna defasada a opinião desses autores, de modo que, prontamente, reabri essa parte da minha monografia e acrescentarei os dados contidos nesse artigo para enriquecer o conteúdo. Como atrasei a apresentação e defesa de minha monografia para daqui a seis meses, terei tempo suficiente para redigir. O que quero enfatizar aqui é minha alegria e satisfação de ver minha teoria (que coincide com a de Knohl) ser evidenciada pela descoberta desse texto. Espero que o nosso ideal de “repensar” o cristianismo seja alcançado e ilumine a vida e mente de milhões de cristãos no mundo inteiro que ainda se encontram obscurecidos pelas idéias mitológicas e folclóricas contidas nos Evangelhos Bíblicos.<br /><br />Charles Coffer Jr.</em><br /><br />====================================================</div><br /><br /><div align="center"><br /><strong><span style="font-size:180%;">"Em três dias, você deve viver"</span></strong></div><br /><div align="justify"></div><div align="right"><br /><em>Por Israel Knohl<br />Traduzido por: Charles Coffer Júnior<br />Fonte: </em><a href="http://www.haaretz.com/hasen/spages/850657.html"><em>http://www.haaretz.com/hasen/spages/850657.हटमल</a></em></div><br /><br /><div align="justify"><br /><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTsJq9-51L-UYkPqK5tdJORlbNf4E8rDBI_raQesk7xB8qkR-LQV0CZ0FWiJkVnv5rwmwez9_Hprg-BzsTwy8gEd6MGbAgpCfNZAOg0KmCls667MXGqJ7MFMBcIaOGYpA6Y2Wh8qIDvXLO/s1600-h/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5220453816817824402" style="FLOAT: right; MARGIN: 0px 0px 10px 10px; CURSOR: hand" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTsJq9-51L-UYkPqK5tdJORlbNf4E8rDBI_raQesk7xB8qkR-LQV0CZ0FWiJkVnv5rwmwez9_Hprg-BzsTwy8gEd6MGbAgpCfNZAOg0KmCls667MXGqJ7MFMBcIaOGYpA6Y2Wh8qIDvXLO/s320/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg" border="0" /></a><br />A primeira menção do "Messias morto", chamado Mashiah ben Yosef (Messias Filho de José), é do Talmud (Sukkah 52a). No meu livro "O Messias Antes de Jesus" (University of California Press, 2000), considero que a história desse Messias morto é baseada em um fato histórico. Penso que está ligada à revolta judaica na Terra de Israel na seqüência da morte do Rei Herodes, em 4 a.C. Esta insurreição judaica foi brutalmente reprimida pelos exércitos de Herodes e do imperador romano Augusto, e os líderes da revolta messiânica foram mortos. Estes eventos definem a tradição do Messias morto Filho de Joseph em movimento e abriu o caminho para a emergência do conceito de "messianismo catastrófico". Interpretações do texto bíblico ajudaram a moldar a convicção de que a morte do messias era um elemento necessário e indivisível de salvação. A minha conclusão, baseada em escritos apocalípticos datados deste período, foi de que certos grupos acreditavam o Messias iria morrer, ser ressuscitada em três dias, e subir ao céu (ver "O Messias Antes de Jesus", 27-42). <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9PhO1ujQmVdLHlBq7aDGN-j2APZnfm2EoLUJDkzFSZxCGI9p9tQb5v8SkD5SmnAkFVy_qo34rpHt_CqWYWpDqIFwjiAfGuzH_uQG8t3cMABRo6eJDYaAelUK3ipDjP4zYDp5oDFZmRxdO/s1600-h/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg"></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9PhO1ujQmVdLHlBq7aDGN-j2APZnfm2EoLUJDkzFSZxCGI9p9tQb5v8SkD5SmnAkFVy_qo34rpHt_CqWYWpDqIFwjiAfGuzH_uQG8t3cMABRo6eJDYaAelUK3ipDjP4zYDp5oDFZmRxdO/s1600-h/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg"></a><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh9PhO1ujQmVdLHlBq7aDGN-j2APZnfm2EoLUJDkzFSZxCGI9p9tQb5v8SkD5SmnAkFVy_qo34rpHt_CqWYWpDqIFwjiAfGuzH_uQG8t3cMABRo6eJDYaAelUK3ipDjP4zYDp5oDFZmRxdO/s1600-h/Ressurrei%C3%A7%C3%A3o+no+terceiro+dia+de+Simon.jpg"></a><br /><br />Ada Yardeni e Binyamin Elitzur recentemente publicaram o texto de um fascinante texto que eles chamam de "Hazon Gabriel" ou o Apocalipse Gabriel (Cathedra magazine, vol. 123). Este texto, gravado em pedra, veicula a visão apocalíptica do Arcanjo Gabriel. Yardeni e Elitzur datam-no pelos seus recursos lingüísticos e as formas das letras para o final do primeiro século a.C.<br /><br />Nas linhas 16-17 do texto, Deus aborda Davi da seguinte forma: "Avdi David bakesh min lifnei Efraim" <em>("O meu servo David, Efraim pergunta</em>"). Na Bíblia, Efraim é o filho de Joseph. Este prevê a criação de uma equivalência entre David e Efraim e os Talmudicos "Mashiah ben David " e "Messias Filho de Joseph", e confirma a minha teoria de que o Messias Filho de Joseph já era uma figura conhecida no final do primeiro século a.C.<br /><br />Embora Yardeni e Elitzur ofereçam uma excelente leitura do texto, na minha opinião, uma das mais importantes palavras não foi devidamente decifrado. Linha 80 começa com a frase "Leshloshet Yamin" ( "<em>Em três dias</em>"), seguida por outra palavra que os editores não podiam ler. Em seguida vem a frase "Ani Gavriel" ( "Eu, Gabriel"). Creio que este "ilegível" palavra é realmente legível. É a palavra "hayeh" (viva), e que o Arcanjo Gabriel está dando ordens a alguém: "Leshloshet Yamin hayeh" ( "<em>Em três dias, você deve viver</em>"). Em outras palavras, em três dias, você deve retornar à vida (compare "bedamaiyikh ha'ee" - traduzido como "viver no teu sangue" - em Ezekiel 16:6). A palavra "haye" (viver) está escrito aqui com alef. Ortografia semelhante aparece nos Rolos do Mar Morto, por exemplo, no rolo de Isaías, onde a palavra "yakeh" (30:31) é escrito com um alef após o Yod.<br /><br />Esta é seguida por dois traços de duas outras palavras. As letras não são fáceis de fazer, mas a primeira palavra que parece começar com uma gimmel e vav. A próxima palavra não é clara. A letra lamed é perfeitamente legível, e a letra antes dele parece ser um ayin. Creio que a frase pode ser reconstruída da seguinte redação: "Leshloshet Yamin hayeh, ani Gavriel, gozer alekha" <em>("Em três dias, volte à vida, eu, Gabriel, comando a você").</em> O arcanjo está ordenando a ressurreição dos mortos dentro de três dias. Para quem ele está falando?<br /><br /><strong>O que é o "príncipe dos príncipes"?</strong><br /><br />A resposta aparece na linha seguinte, Linha 81: "Sar hasarin" ("príncipe dos Príncipes"). A frase seguinte: "Leshloshet Yamin khayeh, ani Gavriel, gozer alekha, sar hasarin" (Em três dias, eu, Gabriel, comando a você, príncipe dos príncipes. "Quem é o" príncipe dos príncipes "? A principal fonte bíblica para a Revelação de Gabriel é a narrativa do Livro de Daniel (8:15-26), em que o Arcanjo Gabriel revela-se a Daniel pela primeira vez. Gabriel descreve um <em>“rei da feroz semblante”. Este rei "está destruindo os poderosos e o povo dos santos ... ele deve também se erguer contra o príncipe dos príncipes "(</em>Daniel 8:24-25).<br /><br />O autor do Apocalipse Gabriel parece estar a interpretar a narrativa bíblica da seguinte forma: Um rei mal se levanta e praticamente destrói o povo judeu, o "povo dos santos." Ele ainda consegue superar e matar seu líder, o "príncipe dos príncipes". Este é o líder que será ressuscitado, em três dias.<br /><br />Foi o príncipe dos príncipes uma figura histórica? Creio que ele era. A chave para identificar ele está na frase "arubot tzurim", o que vem depois da referência ao príncipe dos Príncipes. Na Bíblia eo Talmud, a palavra "aruba" significa uma abertura estreita ou fenda. "Tzurim" são rochas (a palavra aparece aqui em uma forma subvocalizada, sem a letra vav). "Arubot tzurim" seria, assim, uma fenda. A morte do príncipe dos príncipes é de alguma forma associada com uma abertura rochosa.<br /><br />O Apocalipse de Gabriel, como já dissemos, foi datado, com base em lingüística e ortografia, no final do primeiro século a.C. (antes de Cristo). As circunstâncias que envolveram a descoberta da inscrição são desconhecidas. Tudo que somos informados pelos editores é que ele pode ter sido descoberto na Transjordânia. Isto nos leva a Transjordânia ainda no final do primeiro século a.C. Não sabemos de nenhum líder judeu ou rei que foi morto na Antiguidade e cuja morte tenha algum tipo de conexão a um desfiladeiro rochoso?<br /><br />A revolta em 4 a.C. consistiu-se numa ânsia de liberdade. Os rebeldes tentaram vencer o jugo da monarquia Herodiana, que gozava do apoio dos Romanos. A insurreição, que começou em Jerusalém, e espalhada por todo o país, teve vários líderes. Um estudo de ambas as fontes judaicas e romanas mostra que o mais destacado deles foi Simon, que operava a partir de Transjordânia. Simon declarou-se rei, usava uma coroa, e foi percebido como rei pelos seus seguidores, o que pendia sobre ele a esperança messiânica.<br /><br />Esta é a forma como historiador do primeiro século judeu Josephus (Flávio Josefo) descreve a morte de Simon em combate: <em>"O próprio Simon, esforçando-se para escapar de uma ravina íngreme, foi interceptado pela Gratus [um comandante do exército de Herodes], que atingiu o fugitivo de lado com um golpe no pescoço, que cortada a cabeça de seu corpo".</em> Com a sua referência a uma fenda rochosa e o príncipe dos príncipes, o texto parece estar aludindo à morte de Simon, o líder rebelde que foi coroado rei, em um estreito desfiladeiro em Transjordânia.<br /><br /><strong>Carruagem para o céu</strong><br /><br />Mas o Gabriel de Apocalipse menciona também outras mortes. Na linha 57, encontramos a frase "barragem tvuhey yerushalayim" ("o sangue dos mortos de Jerusalém"). A linha 67 diz: "Ei Baser al barragem zu hamerkava shelahen" ( <em>"Diga-lhe sobre o sangue. Esta é a sua Merkava [celeste carruagem]</em>"). A mensagem a ser transmitida é a de que o sangue das pessoas que foram mortas tornar-se-á sua "carruagem" para o céu.<br /><br />Pairando no fundo, é claro, está a história de Elias da ascensão ao céu: <em>"Eis, parecia existir uma carruagem de fogo, e cavalos de fogo ... e Elias subiu ao céu em um redemoinho"</em> (II Reis 2:11 ).<br /><br />Simon, o príncipe dos príncipes, foi o líder messiânico de um grupo ativo na Transjordânia. O Apocalipse de Gabriel aparece, portanto, ter sido escrito por seus seguidores, e reflete uma tentativa de lidar com o fracasso da revolta e da morte do seu líder, lembrando os versículos do Livro de Daniel que incorporam as palavras do arcanjo.<br /><br />O "rei da feroz semblante" é identificado como o imperador romano Augusto, cujo exército brutalmente reprimia a revolta. Simon, o líder rebelde consagrado rei, é identificado como o príncipe dos príncipes. O assassinato de Simon por partidários do rei do mal é interpretado como um cumprimento da visão de Gabriel. Afinal de contas, Gabriel profetizou que o rei de feroz semblante iria contra o príncipe dos príncipes. <em>"Mas ele deve ser quebrado sem mão alguma</em>", o versículo continua. A implicação é que com a morte do líder messiânico, os seus problemas estão para chegar ao fim: A queda do inimigo e salvação estão próximos. "Leshloshet Yamin tayda ki-nishbar hara melifnay hatzedek" ("<em>Em três dias você vai saber que o mal será derrotado pela justiça"</em>), lemos em linhas 19-21.<br /><br />Se o Apocalipse Gabriel data para o final do primeiro século a.C., como já foi afirmado, em seguida, durante este período, que foi próximo ao tempo do nascimento de Jesus, havia pessoas que acreditavam que a morte do messias foi uma parte integrante do processo de salvação. Tornou-se um artigo de fé que o líder messiânico morto seria ressuscitada no prazo de três dias, e subir ao céu em uma carruagem.<br /><br />O Apocalipse de Gabriel confirma assim a minha tese de que a crença em um salin e messias ressuscitado existiam antes da atividade messiânica de Jesus. A publicação deste texto é extremamente importante. Trata-se de uma descoberta que apela a uma reavaliação completa de todos os anteriores estudos acadêmicos sobre o tema do messianismo, tanto judaico como cristão.<br /><br /><em>Israel Knohl é Yehezkel Kaufmann professor de Estudos Bíblicos na Universidade Hebraica de Jerusalém e um investigador sénior no Instituto Shalom Hartman.</em> </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-52616825475119248042008-05-10T12:14:00.000-07:002008-05-10T12:20:10.663-07:00O nascimento divino de Cristo<div align="center"><strong>O nascimento divino de Cristo</strong></div><div align="right"><strong>by Charles Coffer Jr.</strong></div><div align="justify"><br /><br />De acordo com Vermes (2006b), quando o cristianismo primitivo passou do ambiente judaico para o ambiente helenistico-romano, a expressão “Filho de Deus”, que significa apenas aquele que segue a Deus, ou um homem santo, que anda com Deus, que tem o Espírito (Santo) de Deus, ganhou conotações de semi-divino, ou seja, alguém nascido de um Deus, ou seja, um semi-deus, um herói, ou propriamente um deus, um importante aspecto sobre este último deve ser enfatizado. </div><div align="justify"><br />Achtemeier (apud CORNELLI, 2003) destaca que o chamado theios ander (homem divino), conceito bastante comum na antiguidade e no contexto histórico em que o imaginário cristão primitivo estava inserido, possui determinados padrões, nos quais a imagem de culto de Jesus Cristo também está inserida:<br /><br /><em>As características do theios ander (homem divino) podem ser brevemente resumidas: um nascimento maravilhoso, uma carreira marcada pelo dom de uma linguagem persuasiva e dominadora, a capacidade de fazer milagres, incluindo curas e adivinhações, e uma morte de alguma maneira extraordinária. Com essas características, praticamente todo filósofo ou exorcista seria um candidato [...]. Mas seja designando “herói”, seja designando theios ander, este grupo de conceitos representava uma maneira de compreender homens extraordinários nos termos de sua relação com a divindade, e nesse sentido, pode ser uma ferramenta útil para a pesquisa sobre o desenvolvimento do NT (Novo Testamento bíblico).</em><br /><br />Desse modo, podemos classificar o perfil dos “homens divinos” da seguinte forma:</div><ul><li>Um nascimento maravilhoso;</li><li>Uma carreira marcada pelo dom de uma linguagem persuasiva e dominadora;</li><li>A capacidade de fazer milagres (incluindo curas e adivinhações);</li><li>Uma morte de alguma maneira extraordinária.</li></ul><p align="justify">Não somente Jesus Cristo, mas também várias figuras mitológicas e lendárias do passado greco-romano se enquadram nesse perfil. </p><p align="justify"><br />Brocher (apud AUERBACH, 1998, p. 75) nos apresenta características gerais do “herói” no mundo antigo, as quais possuem paralelos com os mitos em torno de Jesus:<br /><br /><em>O herói é um homem dotado de mais força, inteligência e coragem que os outros homens. Ele realiza façanhas das que os demais são incapazes. Conquista a glória e provoca a inveja. Estes privilégios, ele os deverá pagar. A idéia de que o herói compra sua grandeza ao preço de sua própria vida acha-se encarnada no mito de Aquiles. O filho de Peleu recebeu a opção, assim nos foi dito, ou de uma vida longa e obscura, ou de uma vida curta e gloriosa. Ele preferirá esta última e perece, na flor da idade, sob os muros de Tróia após haver realizado proezas imortais. [...] Chegamos assim a classificar os acontecimentos da vida do herói em duas categorias: uns, exaltando sua força e sua glória; outros, pelo contrário, seus crimes, humilhações e sofrimentos, que constituem a contrapartida dos primeiros. Enviados pelos deuses, estes acontecimentos testemunham verdadeira perseguição exercida contra o herói. Desta maneira, o oráculo que anuncia o nascimento do herói e demonstra, assim, que os deuses se interessam por ele, prevê ao mesmo tempo os desastres que lhe ocorrerão.</em><br /><br />Desse modo, Jesus possui as seguintes características em comum com os heróis citados no texto acima:</p><ul><li>Ele é dotado de atributos incomuns e realiza façanhas das quais os demais são incapazes de realizar;</li><li>Na mesma medida em que conquista a glória, provoca a inveja;</li><li> A vida do herói se caracteriza por uma dialética entre exaltação de sua glória, de um lado; e seus (supostos) crimes, humilhações e sofrimentos, por outro lado;</li><li>Sempre há um sinal, na narrativa de seu nascimento, que indica que o herói é foi enviado pelos deuses;</li><li>Existe uma dialética no anuncio do nascimento do herói entre o fato de que o oráculo demonstra que os deuses se interessam por ele e o fato de que esse mesmo oráculo prevê os desastres que lhe ocorrerão.</li></ul><p align="justify"><br />Nesse contexto, a morte do herói ganha status cósmicos, caracterizando-se como o ato apoteótico de sua vida. Tal como Jesus, César, ao ser queimado depois de assassinado, foi visto sendo elevado aos céus. </p><p align="justify">Tal como o nascimento de Jesus Cristo, o nascimento de César Augusto também foi envolto de características maravilhosas. </p><p align="justify">Crossan (2004, p. 67) comenta que:<br /><br /><em>No livro Vida dos Césares, escrito durante o primeiro quarto do século II, o historiador Suetônio relata a concepção de Otávio, futuro Augusto. Esta concepção divina aconteceu mais de meio século antes da de Jesus. Enquanto se prepara para narrar a morte do imperador, Suetônio faz uma pausa para registrar os presságios que indicavam seu grande destino no nascimento e na vida, bem como na morte. Eis como sua mãe, Ácia, o concebeu (rolfe, v.1, pp. 264-267):<br /><br />“Quando Ácia veio no meio da noite para o serviço solene de Apolo, sua liteira foi colocada no templo e ela caiu no sono, enquanto as outras matronas também dormiam. De repente, uma serpente deslizou até ela e logo depois foi embora. Quando acordou, ela se purificou, com depois dos abraços do marido, e imediatamente apareceu-lhe no corpo certa marca em cores igual a uma serpente da qual ela não conseguiu se livrar; por isso, logo ela deixou de ir aos banhos públicos. No décimo mês depois disso, Augusto nasceu e foi, assim, considerado filho de Apolo” (Augusto Divinizado, 94,4).<br /></em><br />De fato, tais atribuições acerca da natividade de Otávio foram-lhe imputadas somente muito tempo depois de seu nascimento, quando seus feitos deram a razão para o imaginário popular acrescentar essa lenda à sua vida. </p><p align="justify">O mesmo se aconteceu na vida de Jesus. Existe uma influência “gentílica” na questão do nascimento virginal por dois fatores: </p><p align="justify">Primeiro: Jesus é claramente dito como filho de José no evangelho de Marcos, que é a fonte original dos outros sinópticos. Nele não há descrição de um nascimento virginal, o que mostra que, ao menos originalmente, essa história não tinha ênfase.</p><p align="justify">Segundo: para quem conhece mitologia, existem diversos heróis que são filhos de deuses e humanas, como Hércules, Aquiles e Perseu, só para citar alguns, além de que até mesmo alguns personagens reais, como Alexandre já foi considerado como filho de um deus (no caso, Apolo), embora todo mundo soubesse que seu pai era o famoso rei Filipe da Macedônia! E, sem falar, que os próprios imperadores romanos eram transformados em deuses após a sua morte (fato conhecido como "apoteose"). Essa tradição do deus-homem vem do Egito, pois o faraó considerava-se descendente dos deuses.</p><p align="justify">Para que Jesus fosse considerado como o "Filho de Deus" para os gentios, idéia que faria mais sentido para eles do que o "Messias" judaico (e sendo aquele, na verdade, uma extrapolação deste conceito anterior), ou seja, um Herói (semi-deus) no conhecido conceito greco-romano, teria que ter nascido, pois, da união de um deus com um humana, no caso, concebido por Maria por meio do Espírito Santo (uma das figuras trinitárias). De fato, isso é foi uma forma de se helenizar o mito do "Messias" judaico. </p><p align="justify">De acordo com Ginzburg (2001, p. 105), somando com o paralelo pagão, a concepção sobre o nascimento virginal de Jesus foi corroborada por um erro deliberado de tradução do texto de Isaias 7.14, da língua hebraica para a grega, realizado por um grupo de setenta estudiosos, a mando de Ptolomeu II, para que o auxilio dos judeus que falavam grego. Ela foi traduzida peça por peça em Alexandria, Egito, entre o anos de 250 e 150 a.C.</p><p align="justify">A palavra hebraica “almah”, que significa jovem, foi traduzida para o grego partenos, que significa virgem. Desse modo, “transformava uma predição normalíssima, embora formulada no contexto de um discurso talvez messiânico (“Eis que a moça conceberá e dará a luz um filho”), numa profecia sobrenatural (“Eis que a virgem conceberá e dará a luz um filho”). Desse modo, um erro de tradução se transforma em um dos mais marcantes episódios da vida de Jesus, o seu nascimento virginal, onde Maria, recém casada com José, mas inviolada, concebe e dá a luz a Jesus. </p><p align="justify">Stendahl (<em>apud</em> GINZBURG, 2001, p. 107) afirma que <em>“na história da natividade, todo o contexto parece ter sido construído a partir de um núcleo – as citações – que, do ponto de vista do desenvolvimento, atuou como um germe”. </em></p><p align="justify">Não apenas as questões ligadas ao messianismo e ao nascimento de Jesus foram transformados para moldar a figura de Cristo, mas também diversos outros aspectos que caracterizam a vida e os feitos de Jesus, os quais não possuem valor histórico, mas são elementos imaginários incorporados. </p><p align="justify">Uma análise dos relatos sobre o nascimento de Jesus vistos em Mateus e Lucas revela alguns pontos complexos e contraditórios. O primeiro problema já complicado aparece nas genealogias de Jesus. Segundo Mateus, José é filho de Jacó (Mt 1,16). Já para Lucas, José é filho de Eli (Lc 3,24). E a discordância na lista não termina aí. Ademais, qual é o real interesse em se falar sobre a árvore genealógica masculina de Jesus se José, de fato, não é o pai dele?</p><p align="justify">Os problemas, no entanto, só começaram. No relato de Mateus, José e Maria se encontram em Belém, tendo que fugir para o Egito por conta da perseguição de Herodes. Após a morte de Herodes eles retornam à Palestina. Desta feita, com medo de Arquelau acabam indo para Nazaré, de acordo com um dito profético não encontrado em nenhuma parte das escrituras: ele será chamado Nazareno. </p><p align="justify">Já no relato de Lucas, José e Maria moram em Nazaré. Eles vão para Belém apenas por conta do recenseamento sob Quirino, governador da Síria. Neste relato, eles levam o menino após o nascimento em Belém até Jerusalém e depois retornam para a cidade de Nazaré.</p><p align="justify">Vamos cruzar historicamente os dois relatos então. O primeiro recenseamento sob Quirino ocorreu no ano de 6 ou 7 d.C. Herodes, no entanto, morreu em 4 a.C. Neste sentido, ou Jesus nasceu na época do censo em Quirino e então Mateus está equivocado em 10 anos ou senão é Lucas quem está com um erro em 10 anos. </p><p align="justify">De acordo com Crossan (1994, p. 410), este censo nunca ocorreu. E mesmo, supondo a hipótese de tal evento, Crossan enfatiza que:<br /><br /><em>As pessoas eram recenseadas, de acordo com o costume romano, em seu local de domicílio ou trabalho, e nunca no lugar em que nasceram. Isso é uma questão de senso comum. O objetivo do senso era a taxação; registrar as pessoas no seu local de origem, ao invés de no lugar em que trabalhavam, seria o pesadelo de qualquer burocrata (op. cit.).<br /></em><br />No que se refere à credibilidade histórica dessas passagens, Zuurmond (1998, p. 108) afirma que: “seria difícil tirar outra conclusão senão esta: que a credibilidade dessas narrativas é nula. <em>[...] Os evangelistas, cada um de seu modo, cuidam de harmonizar esses prelúdios a sua concepção teológica. São narrativas com teor querigmático, não relatos históricos”.</em> </p><p align="justify">De fato, uma leitura seqüencial dos evangelhos normalmente nos impede de não perceber com clareza os pontos que não se encaixam nos relatos. Enquanto lemos um texto após o outro, tudo parece se encaixar. No entanto, quando se faz uma leitura em paralelo, a coisa começa a ficar bem mais complicada. </p><p align="justify">Crossan, (1994, p.409) afirma que “<em>A Concepção Virginal de Jesus e Da Linhagem de Davi [tal como apresentada nos Evangelhos bíblicos] não nos dão nenhuma informação biográfica sobre o Jesus histórico”. </em></p><p align="justify">No que se refere ao possível lugar de nascimento do Jesus Histórico, Koester (1995, p. 54) afirma que:<br /><br /><em>Alguns dados externos da vida de Jesus são visíveis como blocos irregulares da tradição. Ele deve ter vindo da cidade galiléia de Nazaré, no norte da Palestina, onde nasceu e cresceu (seu nascimento em Belém é uma ficção teológica posterior que procurou ligar Jesus à cidade de Davi).</em><br /><br />Vermes (1996, p. 13) também comenta nesse sentido:<br /><br /><em>Jesus viveu na Galiléia, uma província governada, no decorrer de sua vida, não pelos romanos, mas por um filho de Herodes, o Grande. Sua cidade natal foi Nazaré, um lugar insignificante que não mereceu referências de Josefo, do Mishnah, nem do Talmude, e cuja primeira menção fora do Novo Testamento é uma inscrição de Cesaréia datada do século III ou IV. É incerto se ele nasceu em Nazaré ou alhures. De todo modo, a lenda de Belém é altamente suspeita.</em><br /><br />Desse modo, devido ao fato de Jesus ter vivido na Galiléia, aos seus discípulos serem chamados de nazarenos, devido às insolúveis contradições dos relatos sobre o nascimento nos dois evangelistas, bem como da necessidade de se associar Jesus à descendência de Davi para lhe conferir autoridade nas prerrogativas de o afirmarem como o Messias (elaboradas pelos primeiros cristãos) e buscando investigar histórica e logicamente a cerca da real verdade dos fatos, os historiadores chegaram à conclusão de que Jesus não nasceu em Belém, mas que tais relatos são lendas oriundas das tradições e imaginários populares em face a hermenêutica utilizada nas Escrituras Hebraicas. </p><p align="justify">De fato, existe uma tradição oral por trás do relato do nascimento de Jesus em Belém, a qual ultrapassa o plano escrituristico das Escrituras judaicas e se estabelece no terreno que mais interagiu com a tradição oral popular: a hermenêutica bíblica:<br /><br /><em>[...] a tradição dizia que o messias deveria nascer em Belém e sua linhagem era da família real de Davi (Lc 2 e Mt 2). Sabiam que toda a vida do mestre tinha sido vivida como judeu fiel que reconhecia nas Escrituras a suprema autoridade, fonte primeira das práticas, observações e interpretações inovadoras. Todo esse quadro literário sedutor não pode ter sido mera criação lendária vinda da imaginação fértil do escritor. Mas elas foram redigidas a partir de tradições vivas já existentes (e pré-cristãs) e que circulavam oralmente em histórias e contos populares, até serem adaptadas à redação final do NT (Novo Testamento) e à nova crença.</em> (SCARDELAI, 1998, p. 232)<br /><br />Scardelai (1998, p. 59) nos esclarece que:<br /><br /><em>A antiga idéia da realeza davídica fez ressoar às suas margens uma narrativa lendária sobre o nascimento do messias que, ao que tudo indica, prevalecia entre as mais conhecidas tradições judaicas do século I da era cristã. Diz a lenda que no mesmo instante em que o Templo de Jerusalém estava sendo arrasado pelos romanos ocorria o nascimento do messias, filho de Davi, na cidade de Belém. [...] Até o momento em que essa história fora transmitida oralmente, provavelmente desde o século I, ela sofreu variações literárias posteriores a fim de se ajustar às tradições compostas.</em><br /><br />Tal tradição popular, que mais tarde serviu de base para a criação das narrativas da infância de Jesus apresentadas nos evangelhos bíblicos, reflete tanto o medo que os judeus tinham em relação à destruição do Templo (símbolo do culto e da religião judaica) como da esperança de que Deus iria os salvar naquele momento, enviando o seu messias. </p>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-6494179341589417132008-05-09T19:35:00.000-07:002008-05-09T19:43:45.680-07:00O Novo Testamento é historicamente confiável? - Uma breve crítica ao livro “Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu”<div align="center"><strong><span style="font-size:180%;">O Novo Testamento é historicamente confiável?<br /></span><em>Uma breve crítica ao livro “Não Tenho Fé Suficiente Para Ser Ateu” de Norman Geisler e Frank Turek</em></strong></div><div align="right"><strong><em>By Charles Coffer Jr.</em></strong></div><strong></strong><div align="justify"><br /><br />O cristianismo é uma religião exclusivista e atéia. Ela propõe o monopólio da verdade ao mesmo tempo em que descarta, a priori, a existência de Deuses que não sejam os seus.<br /><br />Um filólogo alemão, Erich Auerbach, estudioso de literatura comparada e crítico de literatura, já havia notado este problema quando escreveu:<br /><br /><em>“O mundo dos relatos das Sagradas Escrituras não se contenta com a pretensão de ser uma realidade histórica verdadeira – pretende ser o único verdadeiro, destinado ao domínio exclusivo. Qualquer outro cenário, quaisquer outros desfechos ou ordens não têm direito algum a se apresentar independentemente dele, e está escrito que todos eles, a história de toda a humanidade, se integrarão e se subordinarão aos seus quadros. Os relatos das Sagradas Escrituras não procuram o nosso favor [...], não nos lisonjeiam para nos agradar e encantar – o que querem é nos dominar, e se nos negarmos a isso, então somos rebeldes”.<br /></em><br />A pretensão cristã é um problema sério que vem assolando o mundo há séculos. Morte, dor e sofrimento são frutos legítimos dessa pretensão, e o resultado vem sendo o aumento da ignorância de todas as camadas sociais no mundo.<br /><br />A fonte da pretensão cristã são as Escrituras Sagradas. A fé supositória de que a Bíblia é a “Palavra de Deus” (coisa que a mesma nunca alegou para si) tem induzido cristãos em todo o mundo a acreditarem fielmente que esse é “inerrante” e que qualquer erro, discrepância ou contradição que possa ser encontrada na Bíblia deve ser “interpretada” de um modo em que esses erros possam ser suprimidos. De fato, é um show de “cara eu ganho, coroa você perde”.<br /><br />Nenhum outra obra literária da Antiguidade é tão fanaticamente defendido assim, apesar do fato de muitos deles possuírem até mais historicidade do que qualquer livro do Novo Testamento. De fato, se se tomassem qualquer obra literária da Antiguidade de acordo com o método cristão de se interpretar o texto de um modo em que esses erros possam ser suprimidos, teríamos diversas “Palavras de Deus” por aí. Qualquer livro, se interpretado da forma cega e acrítica com que os cristãos fundamentalistas interpretam sua Bíblia, estaria isento de erros para sempre.<br /><br />Infelizmente, essa busca cega e incansável pela confirmação da veracidade dos relatos bíblicos não importando o que dizem os fatos, tem levado a história como disciplina acadêmica para “caminhos escuros”.<br /><br />Atualmente, chegamos a um ponto em que a própria história é falsificada para que os relatos bíblicos se tornem verdadeiros. Isso foi verdade no começo do século XX, com William Albright, que interpretava a história de acordo com a Bíblia, e não a Bíblia de acordo com a história. E continua a ser verdade nos dias atuais, apesar das novas e reveladoras descobertas históricas e científicas que comprometem, de vez, a verdade das Escrituras.<br /><br />Norman Geisler e Frank Turek apresentam “dez razões” para confiar na historicidade do Novo Testamento. Achei interessante e comecei a ler. Mas apenas notei os mesmos erros de sempre. Decidi, então, criar um texto objetando a conclusão simplista de Geisler e Turek, dois “grandes” apologetas da fé cristã tradicionais. Quero dizer que não me considero "ateu". Esta palavra é por demais vaga para descrever o que penso sobre o cristianismo. Por isso, não estou tomando as dores de qualquer ateu ou me posicionando contra os teístas cristãos. Estou apenas denunciando falsos cristãos que forçam os fatos a se condirzerem com suas idéias. Nesse texto, suprimi duas das “dez razões” por achar redundantes. O resultado aparece nas linhas a seguir. Os textos em vermelho são de Geisler e Turek; os azuis são os comentários que fiz.<br /><br /><strong>1. Os autores do NT incluíram detalhes embaraçosos sobre si mesmos.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">“Se você e seus amigos estivessem forjando uma história que você quisesse que fosse vista como verdadeira, vocês se mostrariam como covardes, tolos e apáticos, pessoas que foram advertidas e que duvidaram? É claro que não. Mas é exatamente isso que encontramos no NT”.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">O argumento se baseia no Critério do Constrangimento, o qual é falho. Nem tudo o que potencialmente é capaz de causar constrangimento para o autor no texto escrito por este é verdadeiro. Ademais, muito do que hoje em dia podemos considerar constrangedor, para a igreja primitiva não o era necessariamente a seus olhos, em seu tempo. Por exemplo, o evangelho de Marcos apresenta Jesus sendo rejeitado e abandonado por todos: por sua família, por seu povo, por sua cidade, pela multidão que viram seus milagres e até mesmo por seus discípulos. Mas isso não significa que todo esse quadro seja realmente histórico. Marcos possuía intenções literárias específicas: apresentar a queda e a apoteose de Jesus. Muitas narrativas fictícias da antiguidade seguiam esse modelo: o “herói” da estória era humilhado, rejeitados, abandonados, feridos e mesmo morto. Mas a recompensa logo chegava e o herói era reerguido as maiores alturas e glorificado. Ademais, também vemos que Mateus e Lucas (que dependeram na narrativa de Marcos) omitiram e mesmo adulteram muito dos relatos originais de Marcos, por motivos de constrangimento, ou seja, porque não gostaram da forma que Marcos contou suas histórias.<br /></span><br /><strong>2. Os autores do NT incluíram as exigências de Jesus. Esse argumento é interessante e se aproxima dos outros dois argumentos já analisados.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">Se os autores do NT estavam inventando uma história, certamente não inventaram uma que tenha tornado a vida mais fácil para eles. Esse Jesus tinha alguns padrões bastante exigentes. O Sermão do Monte (Mateus 5), por exemplo, não parece ser uma invenção humana. São mandamentos difíceis de ser cumpridos pelos seres humanos e parecem ir na direção contrária dos interesses dos homens que os registraram. E certamente são contrários aos desejos de muitos hoje que desejam uma religião de espiritualidade sem exigências morais.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">Muitas partes dos relatos dos evangelhos possuem grande probabilidade de serem verídicos. Outras, não. Os padrões de exigência do Sermão do Monte não são nada comparados com o cumprimento das leis da Torá. Sabe-se que em época bastante primitiva do cristianismo, havia uma disputa entre cristãos sobre seguir, sim ou não, os rituais veterotestamentários, como o Sabá, alimentação, circuncisão, etc. No entanto, nas páginas dos evangelhos observamos Jesus resolvendo muitas dessas questões. Se, de fato, Jesus já havia abolido a necessidade da guarda desses mandamentos, porque seus discípulos, após sua morte, pareceram ignorar suas palavras? A resposta é obvia: a tradição cristã retrojetou a Jesus idéias posteriores que correspondiam as suas novas exigências ideológicas. Isso explica porque o Ebionismo, que foi o tipo de cristianismo mais antigo e mais próximo dos verdadeiros ensinamentos de Jesus, continuavam guardando a Torá, assim como Pedro e Tiago (irmão de Jesus) demonstraram, nas suas disputas ideológicas com o apostolo Paulo.</span><br /><br /><br /><strong>3. Os autores do NT incluíram fatos relacionados à ressurreição de Jesus que eles não poderiam ter inventado.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">Eles registraram que Jesus foi sepultado por José de Arimatéia, um membro do Sinédrio – o conselho do governo jadaico que sentenciou Jesus à morte por blasfêmia. Esse não é um fato que poderiam ter inventado. Considerando a amargura que certos cristãos guardavam no coração contra as autoridades judaicas, por que eles colocariam um membro do Sinédrio de maneira tão positiva? E por que colocariam Jesus na sepultura de uma autoridade judaica? [...] Todos os quatro evangelhos dizem que as mulheres foram as primeiras testemunhas do túmulo vazio e as primeiras a saberem da ressurreição. [...] as mulheres em geral não eram sequer consideradas testemunhas confiáveis naquela cultura do século I. O fato é que o testemunho de uma mulher não tinha peso num tribunal. Desse modo, se você estivesse inventando uma história da ressurreição de Jesus no século I, evitaria o testemunho de mulheres e faria homens – os corajosos – serem os primeiros a descobrir o túmulo vazio e o Jesus ressurreto. Citar o testemunho de mulheres seria um golpe fatal à tentativa de fazer uma mentira ser vista como verdade.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">No caso de José de Arimatéia, se você perguntar se poderia haver necessidade para se inventar esse personagem, a resposta é sim. Como afirmou o historiador André Chevitarese: “Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas [e primeiramente o de Marcos] têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de José de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa - sua única função na história é essa”. Por isso, existiram fortes razões para os discípulos inventarem o personagem de José de Arimatéia, sendo que este serviria de intermediário entre o corpo de Jesus e seus seguidores. Além disso, os evangelhos definem José de Arimatéia como membro do Sinédrio, ao mesmo tempo em que um discípulo de Jesus (com exceção de Mateus, que omite seu envolvimento com o Sinédrio e simplesmente afirma que ele era um “homem rico”.<br /><br />Já no caso das mulheres, a questão do testemunho não era importante para os evangelistas, pois eles já sabiam, através de uma antiga tradição, que Jesus havia aparecido aos discípulos homens e que isso já era confirmação suficiente para eles. Por isso, poderiam ter acrescentado o relato de mulheres no túmulo vazio sem nenhum problema. Se fossem convocados a irem a um tribunal dar testemunho sobre a ressurreição de Jesus, com certeza para eles bastaria o testemunho dos discípulos que viram Jesus ressuscitado, e não de mulheres que viram apenas o túmulo vazio e que somente depois viram Jesus ressuscitado.<br /></span><br /><strong>4. Os autores do NT incluíram em seus textos, pelo menos, 30 pessoas historicamente confirmadas.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">Não há maneira de os autores do NT terem seguido adiante escrevendo mentiras descaradas sobre Pilatos, Caifás, Festo, Félix e toda a linhagem de Herodes. Alguém os teria acusado por terem envolvido falsamente essas pessoas em acontecimentos que nunca ocorreram. Os autores do NT sabiam disso e não teriam incluído tantas pessoas reais de destaque numa ficção que tinha o objetivo de enganar.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">Envolver personagens históricos em narrativas fictícias era coisa comum na Antiguidade. Ademais, o argumento falha ao alegar que se os relatos dos autores do NT fossem falsos, seria “muito fácil” desmascará-los. Isso não é verdade. Primeiro, os evangelhos foram escritos muito tempo depois dos acontecimentos, de modo em que as pessoas que estavam envolvidas nas narrativas ou que poderiam discordar delas já não estavam mais vidas. Segundo, os evangelhos, por sua vez, não foram obras “públicas”. Era endereçadas apenas para quem interessava: os cristãos. Só encontramos atestação extra-cristã sobre eles a partir do século II. Terceiro, boa parte da literatura judaica e romana desse período não chegaram até nós. Sendo que jamais ficaríamos sabendo que os opositores do cristianismo tentaram desmascarar o cristianismo em seus primórdios por outro meio senão um texto escrito, como saber se fato tais textos foram escritos? De fato, não possuímos textos judaicos antigos que acusem os discípulos de terem roubado o corpo.<br /></span><br /><strong>5. Os autores do NT incluíram detalhes divergentes.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">Os críticos são rápidos em citar os relatos aparentemente contraditórios dos evangelhos como evidência de que não são dignos de confiança em informação precisa. [...] Duas testemunhas oculares independentes raramente vêem todos os mesmos detalhes e descrevem um fato exatamente com as mesmas palavras. Elas vão registrar o mesmo fato principal (Jesus ressuscitou dos mortos), mas podem diferir nos detalhes (quantos anjos havia no túmulo). De fato, quando um juiz ouve duas testemunhas que dão testemunho idêntico, palavra por palavra, o que corretamente presume? Conluio. As testemunhas se encontraram antecipadamente para que suas versões do fato concordassem. Ironicamente, não é o NT que é contraditório, mas sim os críticos. Por um lado, os críticos afirmam que os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) são por demais uniformes para serem fontes independentes. Por outro lado, afirmam que eles são muito divergentes para estarem contando a verdade. Desse modo, o que eles são? Muito uniformes ou muito divergentes?<br /></span><br /><span style="color:#3333ff;">Primeiramente, deve-se ressaltar que as contradições evangélicas são muito mais do que meras questões sobre o número de coisas relatadas. As contradições vão muito mais longe, como: Marcos e Mateus afirmam que os dois malfeitores crucificados com Jesus o insultavam. Marcos é um relato mais antigo que Lucas, e de fato Lucas dependeu de Marcos em toda a narrativa. No entanto, Lucas afirma que um dos malfeitores não o insultou, mas o defendeu. Para a maioria dos estudiosos essa história é muito semelhante as que foram inventadas pelos evangelhos apócrifos. O intuito de Luas ai não é apresentar fatos históricos, mas ensinar e consolidar a fé de seus ouvintes. Por isso inventou tal estória. Há outros casos, como o que Jesus afirma, na santa ceia, que não voltará a beber vinho até que o reino de Deus chegue. No entanto, na cruz, ele bebe vinagre (uma espécie de vinho oxidado).<br />Segundo, a opinião dos críticos de que os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) são por demais uniformes para serem fontes independentes e muito divergentes para estarem contando a verdade é coerente. Os evangelhos de Mateus e Lucas copiaram o evangelho de Marcos. Isso explica a uniformidade. No entanto, nesse processo de cópia, acrescentaram detalhes e mudaram tanto a seqüência, como a forma e o conteúdo de diversas narrativas. Isso explica a divergência.<br /></span><br /><strong>6 Os autores do NT desafiam seus leitores a conferir os fatos verificáveis, até mesmo fatos sobre milagres.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">1) Lucas diz isso a Teófilo (Luc. 1:1-4);<br /><br />2) Pedro diz que os apóstolos não seguiram fábulas engenhosamente inventadas, mas que foram testemunhas oculares da majestade de Cristo (II Ped. 1:16);<br /><br />3) Paulo faz uma ousada declaração a Festo e ao rei Agripa sobre o Cristo ressurreto (Atos 26) e<br /><br />4) reafirma um antigo credo que identificou mais de 500 testemunhas oculares do Cristo ressurreto (I Cor. 15).<br /><br />5) Paulo faz uma afirmação aos cristãos de Corinto que nunca teria feito a não ser que estivesse dizendo a verdade. Em sua segunda carta aos corintios, ele declara que anteriormente realizara milagres entre eles (II Cor. 12:12). Por que Paulo diria isso a eles a não ser que realmente tivesse realizado os milagres? Ele teria destruído completamente sua credibilidade ao pedir que se lembrassem de milagres que nunca realizara diante deles.<br /></span><br /><span style="color:#3333ff;">Partindo a hipótese de que os relatos do NT são, todos, inverídicos (o que não é nossa opinião), podemos dizer o seguinte sobre os pontos levantados:<br /><br />1) Lucas poderia muito bem falar para Teofilo e seus autores para conferir os fatos que narra quando os fatos já se encontram há muito tempo no passado. Tal como no caso do historiador romano Tito Lívio, Lucas apela para tradições já aceitas, das quais, muitas delas, a despeito de terem sido aceitas pela comunidade como verdadeiras, não passam de lendas sem fundamento histórico. Um dos maiores pesquisadores do mundo, por exemplo, chamado Raymond Brown, analisou ao longo de mais de 800 páginas de seu estudo, as narrativas da infância tanto do evangelho de Lucas como as de Mateus e concluiu: “[...] a análise cuidadosa das narrativas da infância [de Jesus apresentadas nos evangelhos] torna improvável que qualquer um dos relatos seja histórico. [...] Por causa da discordância entre as duas narrativas da infância, da falta de confirmação de seu material em qualquer outra passagem do Novo Testamento, da ausência de confirmação extrabíblica de acontecimentos altamente públicos nas narrativas, de aparentes incorreções (o recenseamento que afetou os galileus durante o governo de Quirino, no tempo de Herodes) e da total incerteza sobre as fontes dos evangelistas para o que é narrado, fiz um julgamento cuidadoso negando que os dois relatos possam ser completamente históricos e achando improvável que qualquer um deles seja completamente históricos”.<br /><br />2) É comum um falsificador de documentos afirmar que sua narrativa é verídica e que foi testemunha ocular os eventos relatados, sendo que todos sabem que testemunhas oculares são mais confiáveis. Isso é fato para a epistola de Pedro, que é uma falsificação da autoria de uma pessoa que não foi Pedro.<br /><br />3) É uma tendência comum entre os antigos cristãos inventarem relatos fictícios ou expandirem relatos históricos com lendas. Essa tendência é constante nos evangelhos apócrifos, e teve inicio nos evangelhos canônicos. O autor de Atos, por exemplo, costura alterar e expandir histórias de acontecimentos, principalmente as relacionadas ao apostolo Paulo. Por exemplo, o próprio Paulo fala sobre a disputa com Pedro e Tiago no Concilio de Jerusalém, em Gálatas 2. O relato paralelo em Atos 15, porém, é bastante diferente e até mesmo contraditório. O autor de Atos ameniza o embate e a posição de Pedro, e chega a inventar a estória do centurião Cornélio para salvar Pedro de se tornar um “herege” contra Paulo. A briga entre Paulo e Pedro, em Gálatas 2 é muito pior e muito mais realista do que em Atos 15.<br /><br />4) Um dos principais problemas é em história é a interpretação dos fatos; que mais de 500 pessoas tiveram algum tipo de experiência em que acreditaram ser Jesus ressuscitado dos mortos, isso é bem provável. Agora, julgar que essas pessoas – ou mesmo Paulo – estejam corretas em definir esta experiência como a ressurreição de Jesus dos mortos, é algo bastante problemático. Por exemplo, milhares de pessoas alegam ter tido contato direto e intenso com “Botos encantados” na cidade de Parintins-Am (Brasil), em que o Boto se transforma em gente e invade festas. Mas será que essas pessoas estão certas em interpretar esse fato como aparições de Botos encantados?<br /><br />5) É bastante normal supostas ocorrências de “milagres” em várias igrejas e seitas cristãs (e não cristãs!) diversas, ministradas por certa pessoa, até mesmo em nossos dias. Agora, saber o que realmente são esses milagres é tarefa complicada. Os cristãos atribuem ao poder de satanás todos os milagres extra-cristãos. O mesmo pode ser dito em relação aos milagres cristãos. E, no caso da igreja de Coríntios, não sabemos qual foi a resposta dada por essa igreja à Paulo. Não sabemos se os corintios chegaram a enviar uma carta como resposta a ele, dizendo “Você nunca realizou milagres em nossa comunidade!”.<br /></span><br /><strong>7. Os autores do NT descrevem milagres da mesma forma que descrevem outros fatos históricos: por meio de um relato simples e sem retoques.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">Detalhes embelezados e extravagantes são fortes sinais de que um relato histórico tem elementos lendários.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">Tais embelezamentos são encontrados ao longo de todos os evangelhos, dos antigos aos mais posteriores. O evangelho de João, por exemplo, apresenta um Jesus muito mais poderoso e glorioso do que Marcos. No relato da Paixão, por exemplo, Marcos apresenta um Jesus bastante humano, frágio, e que teme a própria morte; já João apresenta um Jesus triunfante enfrentando com coragem seu destino; O Jesus apresentado por Marcos aparenta mais ser um profeta designado por Deus a uma missão; O Jesus de João, por sua vez, é o próprio Deus! O fato é que é exatamente isso que esperamos de um relato posterior e embelezado.</span><br /><br /><strong>8. Os autores do NT abandonaram parte de suas crenças e práticas sagradas de longa data, adotaram novas crenças e práticas e não negaram seu testemunho sob perseguição ou ameaça de morte.</strong><br /><br /><span style="color:#ff0000;">E não são apenas os autores do NT que fazem isso. Milhares de judeus, dentre eles sacerdotes fariseus, converteram-se ao cristianismo e juntam-se aos apóstolos ao abandonarem o sistema de sacrifícios de animais prescrito por Moisés, ao aceitar Jesus como integrante da Divindade (o que era inaceitável naquela cultura estritamente monoteísta) e ao abandonar a idéia de um Messias conquistador terrestre. Além disso, conforme observa Peter Kreeft, “por que os apóstolos mentiriam? ... se eles mentiram, qual foi sua motivação, o que eles obtiveram com isso? O que eles ganharam com tudo isso foi incompreensão, rejeição, perseguição, tortura e martírio. Que bela lista de prêmios!” Embora muitas pessoas venham a morrer por uma mentira que considerem verdade, nenhuma pessoa sã morrerá por aquilo que sabe que é uma mentira.</span><br /><br /><span style="color:#3333ff;">A resposta para toda essa questão se encontra na última linha: partindo do ponto de vista de que os relatos bíblicos do NT sejam falsos, era muito verossímil morrer por aquilo que se acredita ser verdadeiro. Mas existe muita diferença entre acreditar que algo seja verdadeiro e este ser realmente verdadeiro. De fato, fé demais em uma mentira não torna essa mentira uma verdade. Morrer por causa de uma mentira que se acredita ser verdade é fato. E o cristianismo cai nessa cilada.<br /></span><br /><span style="color:#ff0000;">Conclusão de Norman Geisler e Frank Turek: “Quando Jesus chegou, a maioria dos autores do NT era de judeus religiosos que consideravam o judaísmo a única religião verdadeira e que se consideravam o povo escolhido de Deus. Alguma coisa dramática deve ter acontecido para tirá-los do sono dogmático e levá-los a um novo sistema de crenças que não lhes prometia nada além de problemas na Terra. À luz de tudo isso, não temos fé suficiente para sermos céticos em relação ao Novo Testamento.”<br /></span><br /><span style="color:#3333ff;">À luz de todas essas pressuposições inverídicas, a conclusão é bastante fácil de ser tomada. Mas levando em consideração diversos detalhes deixados de lado por esses autores, a questão se torna bastante complicada. Primeiro, nos primórdios do cristianismo, os “judeus religiosos que consideravam o judaísmo a única religião verdadeira e que se consideravam o povo escolhido de Deus” não abandonaram essa idéia. De fato, o cristianismo não foi, de primeiro, uma religião paralela ao judaísmo; o cristianismo foi um tipo de judaísmo. Era uma facção judaica tal como a dos fariseus, saduceus, essênios e zelotes. E muito menos deixaram de acreditar nos dogmas de sua religião ou deixaram de observar os mandamentos e rituais judaicos. A “igreja cristã” só nasceu muitos anos depois, quando o cristianismo se lançou ao mundo numa carreira missionária e se afastou do contexto judaico. Foi nesse clima pagão que Paulo e outros proporam o abandono da religião judaica aos judeus que já eram cristãos. A fé cristã, no principio, foi apenas um movimento de “reforma” dentro do judaísmo. Foi apenas muito tempo depois que se tornou uma religião independente e ideologicamente autônoma. </span></div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6986760881037521773.post-9436280566421185932008-05-08T18:24:00.000-07:002008-05-08T18:34:29.034-07:00Aleijadinho foi um personagem real ou apenas uma lenda?<div align="justify"><em>Nem todo personagem histórico está isento de ser rebaixado a categoria de "inexistente", e se isso já é verdade em relação aos personagens de nossa Idade Moderna e Contemporânea, quanto mais aqueles personagens que viveram na Idade Antiga.<br /><br />São muitos os personagens da Antiguidade que estão sendo ou já foram rebaixados, pela Histórica, a meros mitos fictícios sem historicidade alguma. Alguns exemplos foram Licurgo, o suposto legislador de Esparta; Moisés, líder do suposto Êxodo bíblico e até mesmo Jesus de Nazaré.<br /><br />Aqui, vamos trazer uma reportagem da Revista BrHistória, que trata sobre os mistérios que envolvem a figura de Aleijadinho, um grande escultor do século XVIII.<br /><br />Chegaram a escrever tese de doutorado propondo que este personagem jamais tenha existido. </em></div><div align="justify"><em></em></div><div align="justify"><em>Vamos ao texto:<br />-------<br />Ps.: Os erros, quaisquer que houver, devem-se ao fato de que foi o meu irmãozinho de 10 anos quem digitou, manualmente, o texto da revista, como uma forma disfarçada, bolada por mim, de ensinar “informática” para ele. rsrsrs.<br /></div></em><div align="left">C. C. J. </div><div align="left"></div><div align="left">------------------------------------------------------- </div><div align="center"></div><div align="center"><br /><strong>Aleijadinho foi um personagem real ou apenas uma lenda?</strong></div><strong></strong><div align="justify"><br /><br />Como saber se Aleijadinho existiu ou não? A maioria dos autores que contesta a existência do artista (e não foram poucos) não apresenta uma argumentação sólida. Mesmo assim, o surgimento de tal hipótese representa por si só um fato curioso (afinal, ninguém contesta a existência de machado de Assis!). Isso se deve ao fato de a principal fonte de informação sobre a vida do escultor ser uma biografia escrita 44 anos após sua morte por Rodrigo José Ferreira Bretas, que se baseou nos relatos da anciã nora de Aleijadinho, Joana Lopes. Com o passar dos anos e a descoberta de diversos documentos sobre a realização de certas obras, verificou-se que algumas informações dessa primeira biografia, intitulada Traços biográficos relativos ao finado Antonio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho, não estavam corretas. Logo, as informações ali contidas poderiam ser inverossímeis. Esses fatores possibilitaram o surgimento de uma desconfiança e das primeiras teorias de que o artista poderia não passar de um mito criado por Bretas.<br /><br />Uma dessas teorias merece destaque. O historiador paulista Dalton Sala é autor de uma tese de doutorado em que afirma que Aleijadinho é um mito criado pelo Estado Novo, comandado pelo presidente Getulio Vargas. Para Sala, o mito foi criado para a construção da identidade nacional como foi Tiradentes, sendo um protótipo do brasileiro que superou as dificuldades por meio da criatividade.<br /><br />Realmente o mito é de uma beleza extraordinária: um mulato bastardo e aleijado, filho de uma escrava e um senhor português, que nasceu condenado, mas superou as dificuldades da doença e venceu na vida, tornado-se uns dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. O símbolo de um povo vira-lata, mas lutador e perseverante, que sobrevive graças a sua esperteza.<br /><br />No entanto, o estudioso Fernando Jorge, em seu livro O aleijadinho, faz uma análise pormenorizada de( mais de 400 livros, artigos e documentos ) e chega à conclusão de que aleijadinho realmente existiu. Esses documentos originais se encontram em arquivos públicos e igrejas, como, por exemplo, a certidão de óbito do escultor registrada no livro da matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antonio Dias, em Ouro preto.<br /><br />Fonte:<br /><br />MULLER, Leandro. Os mistérios do gênio Aleijadinho. In: <strong>Revista BrHistória</strong>. São Paulo: Editorial Duetto, Ano 1, n° 03. </div>Francisco Vieira Jr.http://www.blogger.com/profile/08442857286116290998noreply@blogger.com1