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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ORIGEM E JUSTIFICAÇÃO DO BATISMO NO PENSAMENTO CRISTÃO PRIMITIVO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Neste e nos próximos tópios abordaremos questões relacionadas ao batismo cristão, enfatizando diversas problemáticas, como sua origem na liturgia cristã e a justificação para sua prática dentro do imaginário do cristianismo primitivo.

A ênfase dada a este tema reside no fato de o batismo de Jesus por João Batista constituir, ao nosso ver, o ponto axial não apenas na tradição mnemônica de Jesus herdada pela posteridade, mas também da própria figura história de Jesus, a qual, ao se submeter ao batismo como requisito (além do arrependimento) “para perdão dos pecados”, comunica-se aos historiadores do presente quem ele realmente foi: um simples pecador, isto é, um homem, uma pessoa como qualquer outra.

Um dos objetivos primordiais da pesquisa acerca do Jesus Histórico é resgatar a pessoa humana de Jesus, o pobre pregador nascido no humilde povoado rural de Nazaré, desentranhando-a de dentro da cristologia que lhe transformou em um ser mítico, de acordo com o universo imaginário de outrora marcado pelo maravilhoso e pelo idílico.

Primeiramente, deve-se enfatizar o status histórico que goza o batismo na pesquisa sobre as origens critãs: diversas fontes, sejam cristãs ou extracristãs, mostram que o batismo constitui uma prática bastante antiga, anterior até mesmo ao próprio movimento que configurou o cristianismo (cf. Gerd Theissen, O Manual do Jesus Histórico).

Analiticamente, o batismo, palavra de raiz etimológica grega baptizou, diz respeito à prática de a) mergulhar b) o neófito c) em água d) para purificá-lo (isto é, o seu ser) de seus pecados e) efetuando assim um dos passos para a redenção completa de seus pecados e assim f) ao emergir, para que g) possa enfim adentrar ao movimento. Trata-se, portanto, de um ritual expiatório, iniciatório e mágico-simbólico – elementos que serão retomados posteriormente para uma abordagem mais meticulosa.

Pois bem, no cenário da Palestina judaica do final dos anos 20 do século I, João Batista surgiu como a principal figura que realizada batismos tanto em Josefo como nos Evangelhos. A despeito das alegações jofefinas que contrariaram a função purificadora e por tanto expiatória stricto sensu do batismo de João (confundindo-a com a função iniciática), a função precípua dessa prática em João era a finalização do processo de remissão do pecado configurada na "purificação", que iniciava-se a partir do arrependimento e do comprometimento em não pecar mais e em seguir os ensinamentos do mestre.

Portanto, o ritual do batismo de João Batista possuía duas funções: i) imediata; ii) mediata. A função imediata era a purificação do ser para assim contribuir para obter a redenção dos pecados (já que, para obter o perdão dos pecados, era necessário não apenas arrepender-se e abandonar a prática, mas também purificar-se espiritualmente deles, lavando-os - o que revela sua natureza mágica, que será abordada mais a frente...). A função mediata era a iniciação em um movimento maior, já que a perca da redenção condizia com a continuidade da prática do pecado.

Vale ressaltar que “pecado” constitui um conceito meramente religioso, isto é, trata-se dos “delitos” praticados contra uma suposta ordem moral de origem e natureza divina defendida pela religião estabelecida. Deve-se ressaltar também que enfatizamos aqui a função purificadora do batismo para distinguí-la de uma função expiatória, já que, hipoteticamente (por razões que serão vistas mais a frente), o batismo também poderia ser usado para purificar o ser de elementos impurificantes distintos dos pecados, devido sua natureza abrangente.

Nesse sentido, propomos, juntamente com alguns pesquisadores, a existência de 2 (duas) relações entre Jesus e o batismo ao qual foi submetido:

A) Purificação dos seus pecados (certamente aqueles cometidos em sua vida pregressa, obviamente durante a década de 20);

B) Iniciação no movimento de João Batista (implicando com isso sua posição como discípulo do Batista).

Quanto ao item A, a conclusão para nós é clara: i) a cristologia que considera Jesus um ser “sem pecado” é uma invenção do imaginário cristão primitivo, retrojetada nas memórias sobre Jesus e até mesmo à sua desconhecida infância. Tal posição é corroborada por diversos textos que deixam claro que a submissão de Jesus ao batismo foi o marco pelo qual VEIO A SE TORNAR um ser além-homem; ii) o batismo de João possuía esta função precípua – selar o processo de remissão dos pecados. As alternativas proporcionadas pelos evangelistas são, como apontou Crossan, meras tentativas de justificar um fato pretérito constrangedor mediante as crenças já estabelecidas no presente, ou seja, anacronismo. Se o batismo desempenha o papel de remir os pecados do batizando, é lógico que Jesus, ao ser batizado, tinha em mente ter seus pecados redimidos por completo. Considerando tratar-se o pecado de uma concepção pré-cristã, não existem justificativas para classificar Jesus dentro de uma categoria distinta a dos diversos “pecadores” que compareceram a cerimônia do Batista para ter seu ser purificado do pecado.

Quanto ao item B, remetemos o leitor a obra “Um Judeu Marginal” de J. P. Meier, no volume especial em que trata da figura de João Batista. Concordamos com seu ponto de vista no sentido de que Jesus tornou-se discípulo de João Batista, ao lado de Cefas (Pedro), entre outras personagens que mais tarde exerceriam papel de destaque no movimento de Jesus (cf. Meier, 1994).

De fato, toda a carreira de Jesus começa a partir de sua entrada no movimento de João Batista, chamado aqui de “Movimento radical do Reino”, em contraposição ao movimento que Jesus criaria após a morte de seu mestre, o chamado “Movimento moderado do Reino”. Não existem fontes documentais qualificadas que proporcionem informações históricas válidas sobre o período que antecede ao batismo de Jesus, a não ser lendas da igreja primitiva conservadas nas partes iniciais dos Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos por volta dos anos 80 e 90 d.C. (fato que indica o fenômeno histórico da significância: apenas é rememorado através da escrita da história fatos significativos. Como nenhum fato histórico sobre Jesus anterior ao seu batismo foi rememorado, infere-se que Jesus não tenha desempenhado de maneira significativa ou digna de nota até então).

A classificação entre Movimento radical e Movimento moderado explica-se pelo fato, observado por Crossan, de que a mensagem de Jesus e a mensagem de João Batista coincidem-se em diversos pontos, menos em um requisito fundamental: quanto ao teor radical. Em outras palavras, enquanto Batista falava em um Reino de Deus violento, abrupto, com fogo, sangue e morte, Jesus falava em um Reino de Deus caloroso, simpático, moderado, enfatizando o amor, a caridade e a vida.

Segundo Crossan, o marco histórico que desencadeou essa mudança conceptual acerca do entendimento sobre o Reino de Deus consistiu na morte de João Batista por Herodes em Maqueronte. Tal fato, na visão de Crossan, exerceu grave impacto na mente de Jesus, fazendo-o reconsiderar alguns pontos da mensagem de seu mentor, sob o risco inclusive de abandonar o movimento e retornar a sua vida pregressa de “pecador”.

Assim, foi necessária uma mudança na doutrina do Reino capaz de explicar a situação sócio-política e existencial vigente. Foi desse modo que Jesus deu prosseguimento ao movimento criado/iniciado por Batista, transformando este movimento segundo suas conveniências e dando ensejo a um, pode-se chamar, “novo movimento”, que exerceria mais influência e prestígio que o de seu mestre – pelo menos para alguns indivíduos até meados do século, quando passaria a não encontrar mais nenhum rival importante.

Nesse ínterim, surge um problema: adotou Jesus a prática do batizador tal qual seu mentor João Batista?

Este é o fato a se comprovar. Os fatos já comprovados que são essenciais para uma abordagem deste fato por comprovar são: i) João Batista batizava; ii) Jesus era pupilo de João Batista; iii) Jesus deu continuidade ao movimento, apesar de tê-lo modificado significativamente; iv) após a morte de Jesus a prática do batismo tornou-se parte do cotidiano cristão, exercendo tanto a função imediata como mediata.

As opiniões dos historiadores são dispares quanto a possibilidade de Jesus ter sido um batizador como seu mestre: enquanto John Dominic Crossan (pesquisador que exclui o Evangelho de João dos estudos das origens cristãs...) rejeita que Jesus tenha praticado batismos, J. P. Meier o aceita sem maiores embargos, pautando-se no texto de João 3.22 em diante (discorrendo também sobre a negação dessa prática em João 4.2). Como justificativa, Meier alega que a prática do batismo por Jesus explicaria a continuidade entre o batismo de João e o batismo exercido pelos discípulos de Jesus e pelas comunidades primitivas em geral (Teoria do Batismo de Jesus).

Contudo, contra essa alegação poderíamos argumentar simplesmente que os cristãos primitivos batizavam em homenagem à prática ao qual o próprio Jesus fora submetido, como uma representação do batismo do mestre, uma figura da morte e ressurreição do salvador na vida do cristão. Assim, não constitui relação necessária Jesus ter realizado batismo e o batismo exercido pelos cristãos posteriores. Trata-se da Teoria da Homenagem como origem do batismo no seio cerimonial cristão.

Entretanto, não vemos problema algum em considerar que Jesus tenha realizado batismo, já que, ao encabeçar um movimento tal qual e nos mesmos moldes do movimento de seu falecido mentor, com toda certeza retomaria não somente sua pregação (ainda que reformulada), mas também vários de seus rituais, sentindo-se, na categoria de mestre, um continuador não apenas das representações (doutrina), mas também das práticas (liturgia) de seu mentor. Além disso, não compartilhamos da radicalização existente na obra de Crossan que tende a rechaçar qualquer tradição conservada ou apresentada pelo Evangelho de João.

Tendo sido realizadas tais tentativas de esclarecer as primeiras questões históricas pertinentes ao tema acerca do batismo primitivo, a partir de agora nos focaremos em questões mais específicas, capazes, talvez, de explicar não somente a adoção do batismo por parte de João Batista, mas também por (possivelmente) Jesus e (certamente) por todo o Cristianismo primitivo.

A primeira questão a ser respondida será a própria razão de ser do batismo: por que a realização do batismo era importante diante de suas funções mediata e imediata? Em outras palavras, o que existe no ato batismal que o faz ser digno ou preferível de ser utilizado para o cumprimento das duas funções, já que outros atos poderiam ser utilizados ao invés deste? Mais estritamente falando: sabendo que, ao esmiuçar-se os componentes do batismo, obtendo-se genericamente 3 (três), a saber: a) ÁGUA; b) MERGULHO; c) EMERSÃO, quais os papeis desempenhados por esses três componentes que justificariam sua prática.

Esta será a questão a ser abordada no próximo tópico, para o qual teremos a ajuda da obra do mitólogo romeniano Mircea Eliade.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Retorno do blog

Avisamos aos interessados que o blog estará retomando as atividades nas próximas semanas. Um forte abraço!!!