Seguidores

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Resposta a um cristão: sobre a historicidade de Moisés

Resposta a um cristão: sobre a historicidade de Moisés


“Fomos curados da antiga ilusão de que a confiabilidade de tradições históricas pode ser facilmente demonstrada pela pá do arqueólogo.” - A. Momigliano.

O seguinte artigo se consiste em uma refutação de uma pretensa resposta a um ateu que pediu ao cristão uma razão do porquê ele ter certeza de que Moisés realmente existiu.

O texto que pretendo usar nesse artigo se encontra no blog Soli Deo Gloriae, no seguinte link: http://eliel777.blogspot.com/2007/09/resposta-um-ateu-historicidade-de-moiss.html

Gostaria de começar meus comentários citando o último comentário dessa pretensa resposta apologética:

“Portanto, é mais lógico e mais racional acreditar que Moisés existiu”.

Uma coisa é acreditar em um acontecimento potencialmente histórico, ou não, de acordo com a lógica e a racionalidade. Outra, é acreditar de acordo com conclusões oriundas de pesquisas históricas. A história utiliza de hipóteses, argumentos lógicos e racionalidade. Mas somente quando os fatos estão obscuros demais para a visão do pesquisador. De fato, a história possui certos critérios que, quando aplicados, nos proporcionam um grau de certeza quanto à historicidade de determinado fato.

“Primeiramente devo dizer que vou usar a Bíblia sim. Me pedir para provar que Moisés existiu sem usar o único livro que cita ele [...]".
.
.
Esse é o primeiro problema de historicidade do personagem bíblico Moisés. É critério histórico (e na minha opinião, o critério mais importante) usar mais de uma fonte para se determinar a historicidade de um fato. Mais que isso, a fonte deve ser independente.
.
Éxiste muito mais probabilidade de um fato registrado por duas fontes independentes ser histórico do que se for cidado apenas por uma fonte apenas. O mesmo vale para personagens duvidosamente históricos. Como a Bíblia é o único livro que cita este personagem, é mais que razoável criticar a existencia de Moisés. O mesmo pode ser dito acerca de demais personagens pretenciosamente históricos da Antiguidade até a Idade Contemporânea.
.
.
"Me pedir para provar que Moisés existiu sem usar o único livro que cita ele, seria o mesmo que pedir para eu provar que Augusto Cezar viveu existiu sem usar nenhum livro de História Romana”.

Considero esse comentário uma prestidigitação retórica. O autor, ao comparar Moisés com Augusto Cezar [sic] e a Bíblia com um livro de História Romana já começa pressupondo, ou dando a entender, que a Bíblia é um livro de História. No entanto, as coisas não são tão simples assim.

Existe uma diferença básica entre a Bíblia e um livro de História. Livros de História selecionam dados transmitidos por testemunhas que, direta ou indiretamente, possuem conhecimento do evento. A História começa com certa definição das fontes. De fato, se ao se escrever um livro de História, não se atentar para a definição das fontes, estarás escrevendo ficção apenas.

A Bíblia, por outro lado, é em sua maior parte uma compilação de literatura cujas fontes são anônimas, antigas, tradicionais e criativas.

“Para começar vamos compreender o contexto histórico dos acontecimentos: A força imperial da época era o Egito e, de acordo com a Torah, Moises liderou a libertação da nação de Israel da escravidão do Egito”.

Esse é um dos principais problemas da argumentação desse apologista. Ele pretende definir o contexto histórico dos acontecimentos a partir do próprio texto que está pedindo para ser provado historicamente. É como tentar definir o contexto histórico das origens de Roma a partir dos relatos registrados na Eneida de Virgilio.

A História demonstrou que o suposto contexto histórico registrado nos relatos da Eneida não são histórico, mas refletem apenas tradições recebidas e deturpadas, ou seja, um emaranhado de lendas antigas e que, de acordo com as evidencias arqueológicas, não possuem veracidade histórica.

Guardem bem essa última sentença, pois a análise crítico-histórica da Eneida nos sugere que as respostas para as nossas perguntas e dúvidas sobre a historicidade e contexto histórico do suposto Êxodo bíblico só podem ser respondidos, no atual estágio do desenvolvimento da pesquisa em ciências sociais, a partir da arqueologia. Logo mais, apresentaremos a visão da recente arqueologia acerca dessa questão.

“A primeira pergunta que vem é a seguinte: Em que seria interessante para um egípcio escrever sobre esse triunfo de Moises? Ou nas nações vizinhas, para que alguém escreveria um relato mentiroso que expunha ao ridículo o Todo-Poderoso Egito?”

Essa é uma oportunidade para colocarmos algumas coisas em questão. A pesquisa histórica utiliza o critério da Múltipla Atestação como a determinação de prováveis fatos históricos. Isso significa que fatos relatados por diferentes fontes independentes uma da outra possui mais chances de serem considerados fatos históricos.

Sobre o triunfo de Moisés temos apenas uma fonte que nos relata tal fato. Sendo que a questão da escassez das fontes ainda não foi levantada, seria interessante levantar a seguinte questão: o fato dos egípcios não ter relatado o suposto triunfo de Moisés não abre a possibilidade para a não-ocorrência histórica desse evento? Como o foco desse artigo é a historicidade, essa questão é bastante pertinente e deve ser levantada.

Primeiramente, deve-se frisar que o autor do texto é reducionista no que se refere a sua visão geral dos Egípcios. Não é uma questão de ser “interessante” a fulano ou a sicrano, mas sobre a possibilidade de um egípcio escrever sobre o suposto triunfo de Moisés.

A possibilidade existe, sim. As estelas de Kamose, encontradas no templo de Karnak, no Egito, nos anos 30 do século XX, por H. Chevier corrobora essa possibilidade. Nessas estelas, as vitórias e conquistas do povo asiático chamado “Hicsos” são descritas de forma bastante significativa nos relatos dessa estela. A estela revela o estado caótico em que o Egito passava na época da XIV dinastia. Algo mais surpreendente é que a estela revela que o próprio rei Kamose, de Tebas, não foi capaz de realizar o desejo de expulsar os Hicsos do Egito. Para um rei, isso era uma grande derrota. Ainda assim foi relatada. Desse modo, o argumento de que os egípcios não poderiam registrar os triunfos de outros povos em seus escritos cai por terra.

"Suponha que um babilônico inventasse toda uma história como essa e escreve tudo em um pergaminho. Rapidamente esse pergaminho seria destruído pelos egípcios antes que os escravos começassem a ter delírios de grandeza".

O interessante é que os relatos da estela de Kamose haviam sido escritos em uma tabinha achada em Tebas no ano de 1910, e tais informações contidas nesses relatos foram transmitidos por um período de mais de mil até serem escritas, novamente, pelo historiador egípcio Maneton, no século III a.C.. O argumento de que “rapidamente esse pergaminho [relatos] seria destruído pelos egípcios” não passa de uma suposição infundada. Transferindo o significado da expressão “anti-judaismo” para os egípcios, podemos dizer que a frase do autor acima demonstra um espírito “anti-egiptismo” ao conceder aos egípcios tamanha obstinação em esconder fatos desfavoráveis.

“A história de Moisés foi escrita pelo povo que a viveu, os hebreus. Por que não considerar a versão deles? Seria ela tendenciosa e não verdadeira?”

A versão judaica do relato do Êxodo pode e deve ser considerada, no entanto, na presença de outras versões independentes. De fato, não possuímos a versão egípcia do Êxodo bíblico. Segundo o autor acima, isso se deve porque os egípcios não quiseram escrever tal coisa, pois o Êxodo foi “traumático demais” para eles.

O fato é que essa questão demanda uma resposta muito mais séria e complexa do que se pensa. Em um encontro de História Antiga e Medieval, um dos maiores especialistas na história do Egito, Julio Gralha Ph.D, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita estiveram no Egito, a resposta dele foi incisiva: “Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito”. É interessante os egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.

"[...] se a vida de Moises fosse uma farsa [...] logo que tivesse sido contada, fontes internas e externas a Israel a teriam negado e, na Historia, percebemos o inverso".

O autor realmente desconhece a história de Israel. Sua perspectiva ainda está profundamente influenciada pelos relatos bíblicos. Esse argumento é uma velha estratégia apologética cristã para falsear a historicidade dos relatos bíblicos. Tipo “se Elias não tivesse subido em uma carruagem de fogo para o céu, alguém certamente teria aparecido e desmentido toda a estória”, “se o corpo de Jesus ainda estivesse no sepulcro, os judeus poderiam a qualquer momento aparecer com o corpo e desmentir os apóstolos” e “se Pedro não tivesse curado um coxo com sua sombra, alguém teria aparecido e desmentido a estória”. Esse argumento é errôneo, a medida em que presume a existência de um elemento acusador como condição necessária para a existência de mitos na tradição bíblica. Na ausência desse acusador, segue-se que o relato é verdadeiro e histórico. Esse argumento equivale a dizer que se os relatos da Eneida não fossem históricos, certamente teria aparecido alguém para desmentir suas mentiras épicas sobre a fundação de Roma.

É bastante significativo que historiadores antigos, como Tito Lívio, contam que Rômulo foi o fundador e primeiro rei de Roma, se, de acordo com Grimal (1992), “a fundação de Roma está rodeada de lendas”. Onde estão os sabinos para desmentirem a lenda do Rapto das Sabinas? Onde estão os estruscos, os latinos, os samnitas, etc. para refutarem as falsas alegações históricas dos romanos.

É sabidos que possuímos inúmeras fontes independentes, ainda que lendárias, sobre a origem de Roma. Sobre o Êxodo israelita, o suposto acontecimento que deu origem ao povo israelita como um povo livre, só possuímos uma única fonte.

É interessante como o autor quer que os judeus que viveram nos anos posteriores ao Êxodo fossem tão conscienciosos acerca da história de seu povo. As evidencias arqueológicas demonstram que até o século VII a.C., as tradições que compõem as Escrituras judaicas ainda não haviam sido escritas e que a condição do povo israelita era bastante inferior e rudimentar para que compusessem um povo letrado e criterioso.

Tal como em toda a história judaica, apenas um pequeno grupo de pessoas, a elite, era letrada e erudita o suficiente para transmitir a tradição ao populacho humilde e rural. De acordo com o arqueólogo Philip R. Davies, a literatura bíblica é o produto de uma classe profissional, ou seja, de escribas empregados pelo Templo. Nas sociedades agrárias não mais de 5% da população é letrada e “nunca devemos assumir, como tem sido freqüentemente feito pelos estudiosos bíblicos, que ‘tradições’ populares orais naturalmente se transformam em literatura. ‘Literatura popular’ na Bíblia se parece mais com a ‘música popular’ nas obras de Bartok, Janacek ou Vaughan Williams”. Desse modo, afirmar que existia uma tradição oral bastante popularizada do Êxodo de Moisés na época citada pelo autor do texto é uma suposição sem fundamento.

Os leitores devem ser também profissionalmente letrados. “A literatura não é para o conjunto da sociedade, como pressuposto por muitos estudiosos bíblicos. Escreve-se, em boa parte, para o próprio consumo”. Bibliotecas e arquivos estavam associados a templos e cortes, como se vê em Ugarit, Ebla, Mari, Assíria ou Tell el-Amarna (Egito). Alguma evidência de tais arquivos ou bibliotecas em Judá? É possível, se nós pensarmos nas evidências exibidas por Josefo e fontes rabínicas sobre escritos guardados no Templo.

De fato, temos que analisar o que a arqueologia tem a nos dizer sobre a História de Israel.

Primeiramente, temos que esclarecer os objetivos da arqueologia. Segundo o arqueólogo Philip R. Davies:

“Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do ‘Israel’ bíblico para as páginas da história da Palestina [...] Nós temos que extrair nossa definição do povo da Palestina de suas próprias relíquias. [...] o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico”

A velha impressão do inicio do século XX de que a arqueologia provava a veracidade dos relatos foi uma ilusão oriunda do ato de se interpretar a arqueologia de acordo com a visão já predeterminada da Bíblia.

De fato, primeiramente, só para começar, a arqueologia “purificada” do preconceito bíblico nos tem provado que “não há referências extra-bíblicas ao ‘império’ bíblico de Davi e Salomão”. Para Philip Davies, não podemos identificar automaticamente a população da Palestina na Idade do Ferro (a partir de 1200 a.C.) e de certo modo também a do período persa, com o “Israel” bíblico. Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do “Israel” bíblico para as páginas da história da Palestina.
.
Trabalhando com as definições de ‘Israel’, ‘Cananeus’, ‘Exílio’ e ‘Período Persa’, o autor conclui que é simplesmente impossível pretender que a literatura bíblica ofereça um retrato suficientemente claro do que é o seu ‘Israel’, de modo a justificar uma interpretação e aplicação históricas. E reafirma: o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico.

Essa situação piora quando retornamos ao período em que o suposto Êxodo bíblico ocorreu.
.
A Bíblia relata que, cerca de 400 anos antes de Moisés, os ancestrais do povo de Israel, liderados pelo patriarca Jacó, deixaram seu lar na Palestina e se estabeleceram no norte do Egito, junto à parte leste da foz do rio Nilo. Os egípcios teriam permitido esse assentamento porque, na época, o mais importante funcionário do faraó era José, filho de Jacó. Décadas mais tarde, um novo faraó teria ficado insatisfeito com o crescimento populacional dos descendentes do patriarca e os transformado em escravos.

Por algum tempo, arqueólogos e historiadores acharam que haviam identificado evidências em favor dos elementos básicos dessa trama. No entanto, não achou-se nenhuma menção aos israelitas ou a José e sua família em documentos egípcios ou de outros reinos do Oriente Médio em toda a alegada época em que os israelitas estiveram no Egito. Pior ainda, até hoje não foi encontrado nenhum sítio arqueológico no Sinai que pudesse ser associado aos 40 anos que os israelitas teriam passado no deserto depois de deixar o Egito.

Ora, pode-se argumentar que os textos existentes são bastante escassos e que os textos que provavelmente citavam os israelitas na Bíblica se perderam ou foram destruídos pelos egípcios e por isso não há referencias egípcias sobre os relatos bíblicos do Êxodo.

Finkelstein e Silberman confirmam que as migrações de Canaã para o Egito são bem documentadas pela arqueologia e por textos da época. O fato é que os arqueólogos já possuem muitos escritos e documentos pertencentes a esse período, de modo que não citar o Israel bíblico seria o mesmo que escritores romanos do século I e II deixarem de citar a existência de cristãos no império. A ausência dessa citação é bastante significativa e na maior parte das vezes proporciona evidência negativa a supostos fatos históricos.

De acordo com Milton Schwantes, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, se combinassemos o relato do Êxodo com o que se sabe sobre o contexto histórico dos egípcios da época da Idade do Ferro, o que teríamos não seria a grandiosa cena bíblica, mas sim “uma cena de pequeno porte -- estamos falando de grupos minoritários, de 150 pessoas fugindo pelo deserto. Em vez do exército egípcio inteiro perseguindo essa meia dúzia de pobres e sendo engolido pelo mar, o que houve foram uns três cavalos afundando na lama”.
Estamos citando as contradições geográficas e históricas da narrativa do Êxodo apenas de passagem. Citá-las por completo demandaria um tópico inteiro.

Israel Finkelstein, arqueólogo da Universidade de Tel-Aviv, em Israel, conta que uma série de novos assentamentos associados às antigas cidades israelitas aparecem na Palestina por volta da mesma época em que a estela de Merneptah foi erigida. Acontece que a cultura material -- o tipo de construções, utensílios de cerâmica etc. -- desses "israelitas" é idêntica à que já existia em Canaã antes de esses assentamentos surgirem. Tudo indica, portanto, que eles seriam colonos nativos da região, e não vindos de fora.

Para Finkelstein, isso significa que a história do Êxodo foi redigida bem mais tarde, por volta do século 7 a.C. O confronto com o Egito teria sido usado como forma de marcar a independência dos israelitas em relação aos vizinhos, que estavam tentando restabelecer seu domínio na Palestina. A figura de Moisés, talvez um herói quase mítico já nessa época (talvez associado a legislação israelita antes mesmo de ter sido associado ao Êxodo bíblico), teria sido incorporada a essa versão da origem da nação.

De acordo com Davies, a arqueologia tem nos mostrado que “a estória de Israel do Gênesis a Juízes não deve ser tratada como história” assim como “o resto da estória bíblica, de Saul ou Davi em diante”, mas sim como “obviamente literária”. Ele comenta que “Baseado em dados bíblicos e não-bíblicos, as condições sociais apropriadas para a emergência do Israel bíblico parecem poder ser encontradas no Yehud [Judá] da época persa”.

Davies argumenta, baseado em pesquisas feitas por E. A. Knauf, que o hebraico bíblico não corresponde a nenhuma das línguas israelitas, tais como estão nas inscrições. “Knauf conclui que o hebraico bíblico é a língua de um corpus literário que apareceu, segundo seu ponto de vista, nos períodos exílico e pós-exílico". De modo que não há argumentos lingüísticos para datar a literatura bíblica no período pré-exílico.
.
Assim, Davies também comenta que “foi durante os Períodos Persa e Helenístico que a literatura bíblica deve ter sido composta, e é na sociedade desta época que nós devemos agora procurar pelas pré-condições que permitiram e motivaram a geração deste construto ideológico que é o Israel bíblico”.

O argumento de que “se o Êxodo fosse mentira logo teria sido desacreditado” baseia-se no desconhecimento das reais circunstancias históricas que culminaram na criação desse relato. Davies enfatiza que a sociedade de Israel tem seu verdadeiro inicio no século VII a.C. e que a história literária do Êxodo deu-se aproximadamente da seguinte forma: “[...] a classe dos escribas desta nova sociedade cria uma identidade e uma herança para si mesma na Palestina, uma identidade expressa em um corpus literário vigoroso e marcante. A esta identidade é dado o nome ‘Israel’ (que agora existe ao lado de Judá). A própria sociedade, ou mais propriamente partes desta sociedade, transformar-se-á naquele Israel que ela mesma criou, na medida em que ela aceita a presumida história deste Israel como a sua própria história, aceita sua constituição, crenças e hábitos como seus, e começa a encarnar aquela identidade. Este é, como eu o vejo, um processo chave na transformação de uma sociedade histórica em um ‘Israel’ autoconsciente com uma longa e impressionante história”.

Resumindo, as evidencias arqueológicas nos apresentam as seguintes conclusões:

1. Não há vestígio algum de hebreus no deserto do Egito a Israel. Para o mesmo período, há apenas aldeias rurais da Idade do Bronze, de poucas centenas de habitantes, sempre na região de Israel. Nada significante fora de lá. A formação deste povo, segundo os achados arqueológicos, foi pela junção e crescimento de tais assentamentos.

2. Não há indícios de escravidão hebraica no Egito. Os egípcios sequer escravizavam como relata os detalhes da Bíblia, eles tinham outros tratamentos. Além disso, eles relatavam - e adoravam isso - sobre os escravos de guerra... e não há hebreus no meio.

Julio Gralha também afirma que “a forma de servidão mostrada nos textos bíblicos em nada se parece com os indícios históricos e arqueológicos. Ou seja, é mais uma questão de fé”.

3. Dizer que os egípcios não relatavam suas derrotas é uma invenção cristã. Eles relatavam suas derrotas, empates e vitórias e, em todos os casos, romanceavam o heroísmo do exército e a divindade do faraó. E não há nenhum exército destruído por um mar que se abre.

4. As migrações de Canaã para o Egito e vice-versa são bem documentadas pela arqueologia e por textos da época. A ausência da citação do Israel bíblico é bastante significativa, e sugere que Israel jamais esteve no Egito.

Fienkelstein afirma que “existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550-1150 a.C.) sobre assuntos em Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos do Egito, anais dos reis egipcios, obras literárias e hinos”. Ainda assim, não há nem sequer uma pequena indicação de que Israel esteve no Egito.

5. Não há relatos de nenhuma das pragas, por mais que os crentes adorem compará-las com eventos da natureza. Os relatos do Papiro de Ipuur (Papiro de Ipuwer) foram escritos aproximadamente durante o primeiro e o segundo periodo intermediário de Egito, de cerca do ano 1850 a 1600 a.C., de modo que não possuem relação nenhuma com o Êxodo bíblico.

6. Não há relatos de mortes em série de primogênitos, ainda mais o do faraó. E as mortes da família do faraó são registradas fartamente.

7. Nenhum posto ou cidade egípcia, assim como nenhum outro povo do deserto relatam a fuga e a passagem dos hebreus. E haviam milhares no caminho. Até na Bíblia há relatos de confrontos.

8. Não há registros de Moisés, Josué, Abraão.

9. Os achados da suposta época de Salomão, após o Êxodo, mostram aldeias centenas de vezes mais atrasadas e menores que o povo que fugiu do Egito.

10. Afirmar que “alguém” poderia desmentir os relatos do Êxodo se fossem falsos, é ignorar o contexto sócio-histórico da época, em que a lenda ainda estava em pleno desenvolvimento.

"Um fato interessante é que a seqüência dos acontecimentos narrados faz com que Moisés tenha realmente existido. Veja, alguns fatos históricos sobre Israel: 538 a.C. - O Rei Ciro, dos Persas, assina o edito que liberta o povo de judeu do Egito. Esse acontecimento envolve uma outra nação além de Israel, a Pérsia). Se essa referência ao edito do Rei Ciro, encontrada na Bíblia, não fosse verdadeira, os pérsas já teriam exposto provas de que não o é e o Antigo Testamento não teria credibilidade há muito tempo. E outro aspecto interessante que comprova que esse edito é real: Se Esdras (que cita essa passagem) escrevesse algo para enganar o povo, de forma nenhuma ele citaria outras nações ou outros reis, pois se estivesse mentindo, sua farsa seria revelada com mais facilidade".

É fato reconhecido pela História que praticamente todas as nações da terra inventavam lendas e ficções relacionando elas mesmas com as demais. Nem por isso, houve um processo de refutação universal de mentiras forjadas por essas nações em toda a história. Grande parte dessas estórias não eram feitas para serem lidas pelo povo ou pelas nações vizinhas. Apenas uma elite tinha acesso a esse conhecimento, e por isso esses relatos poderiam ganhar prestigio na medida em que se tornavam mais antigos.

"Se Saul existiu e foi rei, logo a história dos Juízes é verdadeira. Imagine se o Presidente Lula saísse falando que ele foi o primeiro presidente da história do Brasil, alguém acreditaria? Não! Pois todos sabemos que ele não o é. Portanto se tivesse existido outros reis antes de Saul e algum desocupado inventasse uma história de que Saul teria sido o primeiro rei, ninguém acreditaria e o boato logo desapareceria. Saul, portanto foi o primeiro rei de Israel e antes dele, a nação era governada pelos juízes".

Como já foi enfatizado, a conclusão dos arqueólogos é que tais relatos foram criados centenas de anos após o periodo em que supostamente ocorreram. São criações tradicionais e literárias cujo objetivo eram sustentar ideologias nacionais. Da mesma forma, se a lenda de Rômulo sobre ter sido o fundador de Roma fosse mentira, ninguém teria acreditado. Mesmo assim os romanos acreditaram nessa lenda que, por sua vez, provou-se, pela arqueologia, ser fictícia. De fato, a simplificação grosseira que o autor faz acima, como se pudesse deduzir a realidade social e cultural daquela época a partir dos próprios preconceitos atuais, não possui fundamento algum.

Daqui em diante, o autor cria uma falsa relação de causa e efeito de forma bastante imaginativa com os relatos bíblicos seguintes, do tipo “se x aconteceu, y também aconteceu; se y aconteceu, logo z também aconteceu”.

Um ponto interessante é quando o autor faz a seguinte afirmação:

“Se a tomada de Jericó aconteceu, logo Moisés existiu”.

De acordo com Finkelstein, “descobertas que revolucionaram o estudo do Israel primitivo lançaram sérias dúvidas sobre as bases históricas das tão famosas estórias bíblicas como as peregrinações dos patriarcas, o Êxodo do Egito, a conquista de Canaã e o glorioso império de Davi e Salomão”.

Finkelstein faz uma afirmação ainda mais interessante: “Os locais mencionados na narrativa do êxodo são reais. Alguns eram bem conhecidos e aparentemente estavam ocupados em épocas mais antigas e em épocas mais recentes - após o estabelecimento do reino de Judá, quando a narrativa bíblica foi pela primeira vez escrita. Infelizmente, para os defensores da historicidade do êxodo, estes locais estavam desocupados exatamente na época em que aparentemente eles exerceram algum papel nas andanças dos israelitas pelo deserto”.

É interessante que na época da suposta queda de Jericó havia um forte governo de Ramsés II presente em Canaã, como se pode ver na fortaleza egípcia de Bet-Shean e em Meguido, de modo que os egípcios em Canaã não ficariam indiferentes a uma destruição tal como a de Josué.

A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII AEC, fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã.

Finkelstein afirma que “os príncipes das cidades de Canaã (descritos no livro de Josué como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que [...] não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades canaanitas descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!”

E continua: “Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica”.

De fato, podemos dizer que, seguindo a linha de raciocínio do autor do texto, se a tomada de Jericó NÃO aconteceu, logo Moisés NÃO existiu.

“Portanto, se Moisés não existiu, Josué não o substituiu; Se Josué não o substituiu, Jericó não foi tomada; Se Jericó não foi tomada, o período dos juízes não aconteceu; Se o período dos Juízes não aconteceu é impossível Saul ter sido o primeiro rei de Israel; Obviamente, Davi não foi perseguido por um rei chamado Saul e não assumiu o trono após ele; Se Davi não foi Rei, o reino não dividiu em duas partes; Se o reino não se dividiu em duas partes... e assim por diante”.

Pela primeira vez em todo o texto, o autor está correto e em plena harmonia com as descobertas da arqueologia contemporânea.

“Portanto, se Moisés não existiu, toda a história de Israel foi inventada. E aí você entra em uma sinuca de bico”.

O problema de se tirar conclusões lógicas sem um profundo conhecimento histórico é esse. As generalizações não param por aí...

"Se Moisés não existiu, 28 escritores (que pouco, ou nunca, se comunicaram) em um período de 800 anos aproximadamente, escreveram mentiras que se tornaram as Histórias do povo de Israel. E o pior, tem que aceitar que o povo aceitou essas mentiras como verdade sabendo que são mentiras!"

Esse é mais um dos clássicos argumentos apologetas cristãos, que se destacam de duas formas: 1) pressupõe que algo, que foi amplamente acreditado por muito tempo e muitas pessoas, não pode ser mentira 2) dar a impressão de que praticamente seria necessário um “milagre grandioso” para que o povo acreditasse numa mentira.

Esse mesmo argumento é usado no caso da ressurreição de Cristo, em que os apologetas acreditam que somente somente algo absolutamente sobrenatural seria capaz de explicar a intensa fé cristã na ressurreição e que é praticamente impossível que tal fé pudesse ter sido forjada.

"Tudo que citei foi no campo histórico".

O interessante é que o autor não cita sequer uma fonte para apoiar suas idéias. Apenas usa de seu “raciocínio lógico” – coisa que funciona muito bem em construções imaginárias, mas que, na pesquisa histórica, deve vir, incondicionalmente, acompanhado de fatos.

"Todos em Israel acreditam que esses preceitos lhes foram dados por um tal de Moisés. Basta fazer o processo acima e ir voltando a fita. Se Moisés não existiu, alguém os entregou isso e conseguiu com que acreditassem que foi um tal de Moisés".

A questão de se todos os judeus acreditam nisso ou não é outra questão. Ainda que acreditem intensamente e até mesmo morram por isso, isso não torna os relatos verdadeiros. A fé de um povo em algo não o torna verdadeiro. Ademais, é interessante frisar que o próprio Finkelstein é um judeu, e que possivelmente os cristãos dão mais crédito a esses relatos bíblicos do que os próprios judeus da atualidade dão.

"Por que essas leis e rituais tiveram aceitação do povo?"

Acredito que uma análise paralela aos povos pagãos ajudaria a responder a essa questão: porque as leis de Licurgo (um personagem fictício) e rituais de mistério tiveram aceitação do povo pagão? Pelo fato de serem pagãos? Não há nada no mundo capaz de impedir um determinado povo a acreditar em uma lenda se os mesmos estiverem propensos a acreditar. E isso é verdade principalmente para os povos da Antiguidade, que acreditavam em coisas que deixariam os contos-da-carrouchina de boca aberta.

"Exatamente porque a pessoa que os entregou tinha credibilidade entre o povo".

Aqui o autor reconstrói um episódio que julga ser histórico de uma forma imaginária. O fato é que não se tem conhecimento de que a situação tenha sido exatamente essa, e que os indícios e evidencias arqueológicas nos levam para um contexto totalmente diferente daqueles oriundos pela imaginação criativa e “lógica” do autor.

"Se fosse um Zé Ninguém que tivesse saído no meio dos arraiais com um novo código de regras ninguém ia aceitar, muito menos levar o nome de um tal de Moisés (que ninguém viu) por vários séculos".

Como frisamos, a real situação histórica não pode e nem é tão simplista como o autor quer que seja.

"Portanto, é mais lógico e mais racional acreditar que Moisés existiu".

Da mesma forma que é mais sensato e honestamente aceitável acreditar, seguindo as recentes descobertas arqueológicas e históricas – as quais são as únicas disciplinas que de fato podem nos ajudar a resolver essa questão -, que o Moisés bíblico nunca tenha existido.
Fica-se, portanto, provado mais uma vez que os apologetas cristãos deturpam, distorcem, omitem e acrescentam coisas de forma desesperada, em um intuito cego e fanático de provar sua fé.
.
Esperamos que em um futuro próximo o fanatismo e a ignorancia possam deixar de reinar no seio da cristandade e que a mesma possa desfrutar de uma visão mais abrangente da realidade.
.
Charles Coffer Jr.

terça-feira, 15 de abril de 2008

O QUE ACONTECEU E O QUE NÃO ACONTECEU

JESUS:
O QUE ACONTECEU E O QUE NÃO ACONTECEU
VERDADE E MITO

O inventário a seguir apresenta aproximadamente 130 "fatos" sobre a vida e a pessoa de Jesus apresentados nos evangelhos, selecionando entre eles os quais aconteceram sem margem de dúvidas e entre os que indubitavelmente não aconteceram.

Entre esses dois pólos, há os requisitos " O que provavelmente aconteceu", "O que pode ter acontecido" e " que provavelmente não aconteceu".

O inventário a seguir foi baseado numa compilação das conclusões de diversos estudiosos contemporâneos, tanto conservadores quanto progressistas.

Obs.: O virtual posicionamento dos milagres de Jesus categorias 04 e 05 não se basearam nos pressupostos naturalistas anti-sobrenaturalistas dos liberais, mas somente na análise de historicidade baseada em dois estudiosos nada liberais: J. P. Meier e Raymond Brown (ambos católicos romanos) e entre outros estudiosos protestantes e luteranos. Usou-se também os recursos de Geza Vermes, J. D. Crossan, J. P. Sanders, entre outros. A bibliografia ainda é a mesma dos demais artigos, e consta no final desse inventário.

1. O que de fato aconteceu sem margem de dúvidas:

  • Jesus realmente viveu como Judeu na Palestina
  • João Batista pregando no deserto o batismo do arrependimento para remissão de pecados, no rio Jordão
  • Jesus é batizado por João Batista
  • A prisão de João Batista
  • A existência dos discípulos de João
  • Jesus proclamou o Reino de Deus
  • Jesus morreu crucificado
  • Jesus ensinou em parábolas
  • Na época de Jesus acreditava-se que ele praticava exorcismos
  • Jesus orou usando "Abba" etc.

2. O que provavelmente aconteceu:

  • Jesus escolheu e treinou os discípulos
  • A purificação do templo
  • Os discípulos acreditaram que haviam visto Jesus ressuscitado depois de sua morte
  • A oração “Pai-Nosso” de Jesus
  • Jesus perante Pilatos
  • Fuga geral dos discípulos
  • A prisão de Jesus
  • A traição de Judas
  • A residência em Nazaré

3. O que pode ter acontecido:

  • João envia mensageiros a Jesus
  • Jesus fala sobre o divorcio
  • O exorcismo do endemoniado geraseno
  • A cura do menino lunático
  • Jesus perante o Sanhedrin
  • Nascimento em uma manjedoura
  • A apresentação de Jesus no templo
  • Os parentes de Jesus diziam que ele estava louco
  • A Última Ceia
  • Diálogo de Jesus sobre a questão do tributo
  • A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém

4. O que provavelmente não aconteceu:

  • Jesus transformou água em vinho
  • Jesus venerado por homens sábios
  • Pedro corta a orelha do guarda do sacerdote
  • O Nascimento de Jesus em Belém
  • João Batista confessa a superioridade de Jesus e sua inferioridade em relação a ele
  • A tentação de Jesus no deserto por quarenta dias
  • A fala de Jesus sobre “dar a própria vida em resgate de muitos”
  • As curas de Jesus efetuadas no templo após a purificação do mesmo
  • O exorcismo do endemoninhado de Cafarnaum
  • Diálogo entre Jesus e o demônio do geraseno
  • A cura do homem da mão ressequida
  • O discurso de Jesus sobre o Sábado no episodio do homem da mão ressequida
  • A cura do paralítico de Cafarnaum
  • A cura de um paralítico em João 5
  • A cura da mulher enferma de Lucas 13.10-17
  • A cura de um cego em Betsaida
  • A cura do cego de nascença em João 9
  • A cura do leproso
  • A cura dos dez leprosos
  • A cura de um surdo e gago
  • A cura do criado do centurião
  • A cura do filho de um oficial do rei em João 4.46-54
  • A ressurreição da filha de Jairo
  • A ressurreição de Lázaro
  • João Batista confessa a superioridade de Jesus e sua inferioridade em relação a ele
  • As curas de Jesus efetuadas no templo após a purificação do mesmo
  • O beijo da traição de Judas
  • A descrição da Morte de Judas
  • Profecia de Jesus sobre a traição de Judas
  • Agonia no Getsêmani
  • A oração de Jesus no Getsêmani
  • Oração de Jesus no Monte das Oliveiras
  • Profecia de Jesus sobre a fuga dos discípulos
  • O episódio da mulher do vaso de alabastro
  • O episódio da pesca milagrosa pós-ressurreição em João 21
  • A notícia do anjo Gabriel
  • Concepção virginal
  • A voz que saiu do céu e a descida da “pomba”
  • A repreensão de Jesus aos escribas no episodio do paralítico de Cafarnaum
  • João envia mensageiros a Jesus
  • O testemunho de Jesus sobre João
  • A cura dos dois cegos em Mateus 9.27-31
  • Os samaritanos não recebem Jesus em Lucas 9. 51-56
  • Os samaritanos crêem em Jesus em João 4.39-42
  • A missão dos setenta
  • A visita de Nicodemos a Jesus
  • O relato da mulher de Samaria em João 4
  • Alguns gregos desejam ver Jesus
  • O episodio da pecadora que ungiu os pés de Jesus
  • O episódio dos guardas mandados para prender Jesus em João 7.25-36;45-53
  • A instrução de Jesus aos Doze para pregarem
  • A insistência de Jesus de não fazerem publicidade de seus feitos milagrosos (o “segredo messiânico”)
  • A escolha dos Doze apóstolos
  • A confissão de Pedro
  • A predição de Jesus sobre sua morte e ressurreição (três vezes)
  • A transfiguração
  • A cura do cego em Jericó
  • Debate de Jesus e os saduceus sobre a ressurreição dos mortos
  • O sermão profético
  • Debates entre Jesus e os fariseus na Galiléia

5. O que de fato não aconteceu além de qualquer dúvida:

  • Massacre das crianças por Herodes Magno
  • O relato do diálogo entre o bom ladrão e Jesus na cruz
  • O relato da morte de João Batista a pedido de Salomé e suas causas
  • O episodio do da moeda achada na boca do peixe
  • O pedido da mãe de Tiago e João para que os filhos se assentem ao lado de Jesus no reino
  • O censo realizado nos dias de Herodes
  • A sabedoria precoce do menino Jesus
  • O episódio da figueira sem frutos
  • A cura do mudo endemoninhado em Mateus 9.32-34
  • O episodio da mulher siro-fenícia
  • A cura da sogra de Pedro
  • A cura da mulher hemorrágica
  • A cura de um hidrópico em Lucas 14.1-6
  • Pedro corta a orelha do guarda do sacerdote
  • A ressurreição do filho da viúva de Naim em Lucas 7.11-17
  • O episódio da pesca milagrosa em Lucas
  • Jesus caminha sobre as águas
  • Jesus acalma a tempestade
  • O relato das bodas de Caná
  • A primeira multiplicação de pães e peixes
  • A segunda multiplicação de pães e peixes
  • A visita dos magos do Oriente
  • O cântico de Simeão
  • A estrela no oriente
  • O episodio de Zacarias e Isabel em Lucas 1.5-80
  • Jesus expele os demônios para os porcos
  • Relato da prisão de Jesus (pela “Multidão” em Marcos / pelas “tropas romanas” em João)
  • Participação de sumos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos na prisão de Jesus no Getsêmani
  • Soldados romanos caindo por terra quando Jesus lhes dirige a palavra
  • Relato do julgamento de Jesus
  • As acusações a Jesus no julgamento
  • A negação de Pedro
  • A acusação do crime em Jo 11.45-53
  • Anistia de Barrabás
  • Julgamento herodiano em Lc 23.6-12
  • Encontro de Jesus com Anás em João 18-12-24
  • Relato da ofensa a Jesus no açoitamento
  • Relato do cuspe e perfuração
  • Jesus entre dois ladrões
  • Dialogo entre Jesus e o “bom ladrão”
  • O ato de não quebrar as pernas de Jesus
  • Tirando a sorte pelas vestes de Jesus
  • Fel e vinagre para beber
  • Declaração dos romanos sobre a inocência de Jesus
  • Relato da exigência dos judeus em prol da crucificação
  • Relato do sepultamento de Jesus por parte de seus amigos (José de Arimatéia)
  • Relato das especiarias trazidas ao túmulo
  • Guardas no sepulcro de Jesus
  • Mulheres no sepulcro
  • Relatos do sepultamento
  • O episodio dos dois discípulos no caminho de Emaús
  • O relato da morte de João Batista a pedido de Salomé e suas causas
  • A fuga para o Egito
  • O relato da mulher adultera de João 8.

Bibiografia consultada

CROSSAN, John Dominic. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu mediterrâneo. Trad. André Cardoso. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

CROSSAN, John Dominic. O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. (or.ing. 1998). São Paulo: Paulinas, 2004.

CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus?: as raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.

DURÃES, Aline. Jesus: Entre o mito e a história. In: Jornal da UFRJ. Ano 3, N°. 29. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Novembro de 2007.

EHRMAN, Bart. O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: quem mudou a Bíblia e por quê? Rio de Janeiro: Prestígio, 2006.

GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: Nove reflexões sobre a distância. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

HANSON, John S.; HORSLEY, Richard A. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.

HORSLEY, Richard A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. Tradução de Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 2004.

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. II.

MACK, Burton L. O evangelho perdido: O livro de Q & as origens cristãs. Tradução de Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: as raízes do problema e da pessoa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. Vol. I.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mensagem. Rio de Janeiro: Imago, 1997. Vol. II, livro II.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Milagres. Rio de Janeiro: Imago, 1998. Vol. II, livro III.

SALDARINI, A. J. Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian society: a sociological approach. Cambridge: William Eerdmans, 2001.

VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.

domingo, 6 de abril de 2008

O QUE OS ESTUDIOSOS PENSAM DA BÍBLIA

O QUE OS ESTUDIOSOS PENSAM DA BÍBLIA
Coleção de aforismos
by: Charles Coffer Jr.


Já que os cristãos fundamentalistas adoram usar citações de não-especialistas, escritores defasados e leigos em Bíblia para "provarem" que ela é realmente fidedigna do ponto de vista histórico, aqui vão alguns especialistas que esses mesmos cristãos não conhecem ou nunca leram - exatamente porque perdem muito tempo lendo apenas a literatura que a igreja determina que leiam. Lá vai:


“Quase tudo que pode ser sabido a respeito de Yeshuá procede do Novo Testamento, e de escritos afins ou heréticos. Tais escritos são tendenciosos: seu intento em relação a nós, leitores ou ouvintes, é evidente e catequizador. [...] O Novo Testamento é mito e fé; não se trata de relato factual. [...] Jesus carece tanto de história quanto de biografia, e não temos como saber quais dos seus ditos são autênticos”.Harold Bloom, professor e crítico literário estadunidense, considerado o maior crítico literário do mundo.


“A primeira compreensão proporcionada pelo ponto de vista do formgeschichte é que [os evangelhos] nunca foi um testemunho “puramente” histórico de Jesus. Seja qual forem os ditos, palavras e os atos de Jesus, eles sempre foram um testemunho de fé, formulados pela pregação e exortação a fim de converter os incrédulos e confirmar os fiéis”. - Martin Dibelius, teólogo alemão e professor de Novo Testamento na Universidade de Heidelberg.


“[...] a análise cuidadosa das narrativas da infância [de Jesus apresentadas nos evangelhos] torna improvável que qualquer um dos relatos seja histórico. [...] “Por causa da discordância entre as duas narrativas da infância, da falta de confirmação de seu material em qualquer outra passagem do Novo Testamento, da ausência de confirmação extrabíblica de acontecimentos altamente públicos nas narrativas, de aparentes incorreções (o recenseamento que afetou os galileus durante o governo de Quirino, no tempo de Herodes) e da total incerteza sobre as fontes dos evangelistas para o que é narrado, fiz um julgamento cuidadoso negando que os dois relatos possam ser completamente históricos e achando improvável que qualquer um deles seja completamente históricos”. - Raymond Brown, conhecido como “o decano dos especialistas do NT”, é atualmente internacionalmente reconhecido como um dos maiores estudiosos bíblicos que já existiu, foi o único americano a ser escolhido duas vezes por dois papas para integrar a Pontíficia Comissão Bíblia.


“Todo leitor é alguém que seleciona. Ao ler um livro, escolhe as partes com as quais mais se identifica. Os evangelistas também são assim, tanto que escreveram três evangelhos chamados sinóticos, ou seja, com a mesma perspectiva, mas completamente distintos. Ainda que semelhantes e que dêem a impressão de veicularem a mesma história, se observarmos com um olhar mais apurado, veremos que cada um dos textos [dos três evangelhos chamados sinóticos] propõe uma interpretação de Jesus diferente. Ou seja, os evangelistas deformaram Jesus”. - Paulo Nogueira, teólogo da Universidade Metodista de São Paulo – Umesp:


“A palavra “verdadeiro” tem muitos significados. Pode-se distinguir entre “verdadeiro” segundo a fé e “verdadeiro” segundo a história. Podem-se distinguir diversos níveis de verdade histórica. Que Jesus historicamente tenha existido, é difícil afirmar, porque sua vida e sobretudo sua morte chegaram até nós envolvidas e obscurecidas pela vontade de demonstrar que ele de fato fora o messias anunciado pelos profetas”. Carlo Gizburg, um dos maiores historiadores da atualidade.


“Inúmeras lendas também foram inseridas na tradição sinótica. “lenda” é uma história que narra um evento particular com detalhes admiráveis ou prodigiosos. A tradição sinótica encerra uma única lenda cultural, a da instituição da Ceia do Senhor. Todas as outras são lendas biográficas (as narrativas do nascimento e da infância, as histórias sobre João Batista, a tentação de Jesus, a entrada em Jerusalém). A maioria dessas lendas segue o modelo das narrativas da bíblia de Israel. Isso está especialmente evidente no relato da paixão, todo ele baseado nos motivos bíblicos da história do justo sofredor do Dêutero-Isaias e de vários Salmos. Típico dessas lendas é adotarem floreios descritivos com moderação e realçarem um único evento”. - Helmut Koester, estudioso do Novo Testamento, é um dos mais renomados pesquisadores da História do cristianismo primitivo”.


“Os evangelhos não fornecem informações facilmente para a compreensão histórica [...]. Eles normalmente projetam sobre a vida de Jesus controvérsias posteriores entre as comunidades cristãs e judaicas e podem simplesmente refletir uma falta de entendimento de um autor tardio das tradições à sua disposição e da sociedade palestina”. - A. J Saldarini, estudioso da história e do Novo Testamento.


“Não há confirmação irrefutável de que o homem Jesus tenha vivido. Existem argumentos propondo que Jesus é a somatória de várias personagens, ou que sua pessoa possa ter sido inflada até chegar à condição de mito. De fato é preciso se entregar a uma formidável devoção ao fundamentalismo para se acreditar piamente no que a Bíblia contém sobre o assunto. As Escrituras são contraditórias e incompletas. Na verdade, mais simbólicas do que documentais”. - Robert Funk, teólogo da Universidade de Montana e um dos bravos acadêmicos do Seminário de Jesus.


“As narrativas da Paixão não são história relembrada, mas profecia historicizada. [...]A verossimilitude sugere que os escritores que viveram no primeiro século A.D. não descreveriam um cenário totalmente implausível sem uma razão teológica. [...] as profundezas da teologia quase sempre sobrepujam a superfície da história. [...] em termos dos seus próprios interesses, algo como a plausibilidade histórica relativa, ou verossimilitude, era tudo o que os sinóticos exigiam. E essa exigência foi frequentemente deixada de lado por preocupações de ordem teológica, apologética, polêmica ou quanto à pura narrativa. [...] todos os escritores dos evangelhos, precisamente como tal, permitiram que forças teológicas, apologéticas, polêmicas ou referentes à narrativa pura prevalecessem sobre a plausibilidade histórica superficial, em graus variados. ”. - John Dominic Crossan, teólogo e figura importante no campo da arqueologia bíblica, antropologia, Novo Testamento e Alta Crítica.


“[Entre os] documentos cristãos mais antigos, os evangelhos [...] não podem ser usados para focalizar dados históricos objetivos do período (da vida de Jesus). Os evangelistas já estão impregnados pela reflexão teológico-cristológica da comunidade cristã tardia, de maneira que passam uma versão já metamorfoseada da comunidade primeva [...] [Por isso] não se deve perder de vista que a redação final dos evangelhos não foi feita sem antes ter passado por um complexo período oral, havendo, portanto, uma seleção natural dos relatos que estavam sendo redigidos. Esse processo, longo e gradual, influenciou o rumo teológico que estava em formação nas comunidades cristãs”. - Donizete Scardelai, teológico e estudioso do Novo Testamento.


“Os quatro evangelhos são realmente fontes difíceis; o fato de serem os primeiros escolhidos da rede não significa a garantia de que eles reproduzem as palavras e os atos históricos de Jesus. Impregnados da fé pascal da Igreja Primitiva, altamente seletivos e ordenados segundo diversos programas teológicos, os Evangelhos canônicos exigem uma seleção minuciosa para deles se retirar informações confiáveis à pesquisa. [...] Décadas de adaptação litúrgica, expansão homilética e atividade criativa por parte dos profetas cristãos deixaram sua influencia nas palavras de Jesus nos Quatro Evangelhos". - John P. Meier, especialista em Novo Testamento, e padre católico. Editor da The Catholic Biblical Quarterly e presidente do Catholic Biblical Association. É autor da série “Um Judeu Marginal”.


“[...] hoje não sabemos quase nada com relação à vida e à personalidade de Jesus, já que as primeiras fontes cristãs não revelam interesse em qualquer dos dois aspectos, além de serem fragmentárias e, no mais das vezes, baseadas em lendas....” - Rudolf Bultmann, foi docente na área de Bíblia e Novo Testamento em Marburg. Ocupou-se com muitos temas da teologia, filologia e arqueologia.


“[...] a natureza da tradição sinóptica é tal que o ônus da prova recairá sobre a alegação de autenticidade”. - Norman Perrin, Norman Perrin foi Professor de Novo Testamento na Divinity School, da Universidade de Chicago.


“Jamais li algo tão tendencioso quanto os Evangelhos”.– Harold Bloom, professor e crítico literário estadunidense, considerado o maior crítico literário do mundo. Autor de “Jesus e Javé” e “O Livro de J”.


“Considero a maior parte dos Evangelhos leitura sumamente desagradável. [...] Pergunto-me por quanto tempo, e até onde, é possível se esquivar ou resistir à sugestão de que a estruturação editorial das Escrituras é, fundamentalmente, um processo desonesto”. Northrop Frye, um dos mais célebres críticos literários do século XX. Autor de “Anatomia da crítica” e de “O código dos códigos”.


“O consenso arqueológico, pelo menos até o ano de 1990, era de que a Bíblia poderia ser lida basicamente como um documento histórico confiável. [...] Agora, é evidente que muitos eventos da história bíblica não aconteceram numa determinada era ou da maneira como foram escritos. Alguns eventos famosos da Bíblia jamais aconteceram inteiramente”. - Israel Finkelstein, ex-Diretor do Instituto de Arqueologia Sonia e Marco Nadler da Universidade de Tel Aviv, Israel, de 1996 a 2002. Em 2005 tornou-se o titular da Cátedra Jacob M. Alkow de Arqueologia de Israel nas Idades do Bronze e do Ferro da mesma Universidade, e ganhou, com Graeme Barker, o prêmio Dan David, de 1 milhão de dólares.


“As recentes descobertas da arqueologia têm revolucionado o estudo do antigo Israel e jogaram sérias dúvidas sobre as bases históricas de muitas narrativas bíblicas, como as peregrinações dos patriarcas, o êxodo do Egito e a conquista de Canaã, e o glorioso império de Davi e Salomão”. - Israel Finkelstein, atualmente considerado o maior arqueológico bíblico que existe.


“[A Bíblia é] uma saga épica, composta por uma surpreendente coleção de escritos históricos, memórias e lendas, contos folclóricos e historietas, propaganda real, profecia e poesia antiga. [...] É uma coleção de lendas, leis, poesia, profecias, filosofia e história”. - Israel Finkelstein, autor do livro “E a Bíblia não tinha razão”.


“São inúmeras as contradições entre os achados arqueológicos e as narrativas bíblicas para propor que a Bíblia ofereça uma descrição precisa do que ocorrera de fato”. - Israel Finkelstein, historiador e arqueólogo.


“As escrituras não são infalíveis; não são a ‘palavra de Deus’; o que lemos hoje é às vezes apenas uma versão textual entre alternativas anteriores; seu relato pode ser demonstravelmente falso (como as conquistas de Josué ou a Natividade de Jesus); pode atribuir a determinadas pessoas palavras que nunca pronunciaram. [...] Os acontecimentos e os relatos são muitas vezes inverídicos por serem contraditórios ou por não corresponderem a fatos que conhecemos de outras fontes”.– Robin Lane Fox, acadêmico inglês historiador, professor em Oxford, e especialista em História Antiga.

“O mundo dos relatos das Sagradas Escrituras não se contenta com a pretensão de ser uma realidade histórica verdadeira – pretende ser o único verdadeiro, destinado ao domínio exclusivo. Qualquer outro cenário, quaisquer outros desfechos ou ordens não tem direito algum a se apresentar independentemente dele, e está escrito que todos eles, a história de toda a humanidade, se integrarão e se subordinarão aos seus quadros. Os relatos das Sagradas Escrituras não procuram o nosso favor [...], não nos lisonjeiam para nos agradar e encantar – o que querem é nos domina, e se nos negarmos a isso, então somos rebeldes”. - Erich Auerbach, filólogo alemão e estudioso de literatura comparada assim como crítico de literatura.

"Na década de 1960 havia um grande debate acerca da veracidade do relato bíblico a respeito dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó. O famoso arqueólogo William Allbright defendeu a historicidade dos patriarcas. Hoje, este debate está superado. Nenhum arqueólogo ou historiador atualmente considera o Gênesis como uma descrição de eventos históricos daquela época. Neste ponto, é impossível retroceder. Estamos vivendo um processo de liberação da arqueologia de uma leitura muito conservadora e ingênua do texto bíblico. Isto não poderá ser interrompido ou dramaticamente revertido". - Israel Finkelstein, atualmente considerado o maior arqueológico bíblico que existe.

"Infelizmente, o conhecimento que dele [do movimento de Jesus no início] temos é limitado e distorcido pela inabilidade da parte inicial dos Atos dos Apóstolos. Lucas, imaginando-se que ele tenha escrito esse documento, não se encontrava em Jerusalém na época. Não era uma testemunha ocular. Era membro da missão aos gentios e produto do movimento da diáspora. Não nutria simpatia cultural nem, na verdade, doutrinal para com os apóstolos pentecostais; nesse contexto, não só era um forasteiro como estava mal-informado". - Paul Johnson, historiador e autor de "História do Cristianismo".

"Os últimos dias da vida de Jesus não ocorreram da maneira relatada nos Evangelhos. Nem quem os escreveu sabia o que aconteceu. Fica muito claro pela narrativa bíblica que os evangelistas fogem, eles não estão lá. Jesus fica sozinho em seus últimos dias. Não tenho a menor dúvida em afirmar que os detalhes da narrativa são ficcionais, são uma invenção". - Gabriele Cornelli, professor de filosofia e teologia, da Universidade Metodista de São Paulo.

"[...] os quatro Evangelhos Canônicos certamente apresentam semelhanças com as biografias greco-romanas (juntamente com outros tipos de literatura da época, como o “romance”, ou novela). [...] o que consideramos o principal indicio de um romance histórico – a criação do diálogo ou a utilização de personagens não-históricos – era admissível nos antigos textos históricos. Assim, as linhas divisórias entre o que se poderia considerar história e romance histórico já não eram muito nítidas na literatura antiga". - J. P. Meier, em "Um Judeu Marginal.

“Os esforços de se reconstituir a tradição literária [dos Evangelhos bíblicos] por meio de uma análise das formas literárias (Crítica da Forma) levou muitos eruditos à conclusão de que a formulação e preservação da tradição acerca de Jesus foi estimulada não por interesses históricos, mas por interesses intrinsecamente relacionados á fé”. -- W. G. Kürnmel, especialista alemão em Novo Testamento.

“Os Evangelhos são propaganda religiosa projetada para converter o leitor. Sejamos honestos e admitamos que os Evangelhos são parciais a favor de Jesus”. - Joel Stephen Williams. Este autor é um cristão fundamentalista que, não conseguindo mais se segurar, enfim confessou a tendenciosidade dos evangelhos.

"[...] seria difícil tirar outra conclusão senão esta: que a credibilidade dessas narrativas é nula. [...] Os evangelistas, cada um de seu modo, cuidam de harmonizar esses prelúdios a sua concepção teológica. São narrativas com teor querigmático, não relatos históricos”. - Rochus Zuurmond, professor de teologia bíblica da Universidade Livre de Amsterdã, na Holanda.

"O processo de falsificação e modelagem sobre o homem Jesus, suas palavras e ações, começaram bem mais cedo no cristianismo e já estava numa fase bastante avançada quando aparece no Novo Testamento". - Gerd Ludemann, professor de História do Cristianismo Primitivo, na Alemanha.

terça-feira, 1 de abril de 2008

O Jesus Histórico - Matéria da Superinteressante

Capítulo Final
De Jesus a Cristo. Imagine Nova York como o centro espiritual do mundo muçulmano. Ou mesmo a Basílica de São Pedro, no Vaticano, transformada numa mesquita dedicada ao profeta Maomé. Improvável, não? "Foi algo dessas proporções que aconteceu com a expansão do cristianismo", diz André Chevitarese. "Em cerca de três séculos, a crença de uns poucos seguidores se tornou a religião oficial do Império Romano, o mesmo império que havia ordenado a sua morte."Como isso ocorreu?
Para os cristãos, a resposta é simples: Jesus ressuscitou. Essa seria a evidência de que o homem crucificado não era, afinal, apenas um homem e sim Cristo, o messias esperado pelo povo judeu. Mas como entender o evento da ressurreição? "Nenhum outro tipo de milagre se choca mais com a mentalidade cética da moderna cultura ocidental", diz o padre John P. Meier. Para ele, ficar especulando sobre o que aconteceu com o corpo de Jesus é, do ponto de vista da história, uma tarefa inútil. "A essência da crença na ressurreição é que, ao morrer, Jesus ascendeu em sua humanidade à presença de Deus", diz Meier. "Descobrir qual a ligação dessa humanidade com o seu corpo físico não é matéria dos historiadores."
Mas se a ressurreição é uma questão de fé e não de história, os estudiosos estão pelo menos conseguindo esclarecer detalhes sobre o terrível momento que a teria antecedido: a crucificação. Tudo começou em 1968, quando foi descoberto na região de Giv'at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém, o único esqueleto de um crucificado conhecido pela ciência. Depois que os ossos foram analisados pelos pesquisadores do Departamento de Antiguidades de Israel e da Escola de Medicina Hadassah, da Universidade Hebraica de Jerusalém, conclui-se que os braços não foram pregados, mas amarrados na travessa da cruz. Já as pernas do condenado foram colocadas em ambos os lados da base vertical de madeira, com pregos segurando o calcanhar em cada lado. Não havia evidências de que suas pernas haviam sido quebradas depois da crucificação para apressar a sua morte. "O curioso é que uma revelação surpreendente sobre a morte na cruz não surgiu da descoberta de esqueletos, mas da falta deles", diz Pedro Lima Vasconcellos, da PUC de São Paulo. "Afinal, se centenas e até milhares de pessoas foram crucificadas na época, por que apenas um esqueleto foi encontrado?"
O historiador John Dominic Crossan diz que há uma razão terrível para isso: "As três penas romanas supremas eram morrer na cruz, no fogo e entregue às feras", diz Crossan. "O que as tornava supremas não era a sua crueldade desumana ou sua desonra pública, mas o fato de que não podia restar nada para ser enterrado no final." Apesar de ser fácil de entender por que não sobraria nada de um cadáver consumido pelo fogo ou devorado por leões, ele diz que a maioria das pessoas esquece que, no caso da crucificação, o corpo era exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. Como um ato de terrorismo de Estado, a extinção do cadáver também tinha como vantagem para as autoridades evitar que o túmulo do condenado se tornasse local de culto e resistência.
Mesmo que ninguém saiba o que ocorreu após a morte de Jesus (alguns historiadores acham razoável que a família e os amigos pudessem ter reivindicado o seu corpo), o fato é que seus seguidores passaram a relatar suas aparições. "Não se deve subestimar o poder dessas experiências em nome do racionalismo", diz Paulo Nogueira, professor da Universidade Metodista de São Paulo. "Afinal, as pessoas tinham visões, entravam em transe. É uma simplificação, por exemplo, ficar tentando encontrar razões sociológicas para explicar a experiência mística responsável pela conversão de Paulo."Nascido na cidade de Tarso, na atual Turquia, Paulo (São Paulo, para os católicos) talvez seja o homem que, sozinho, fez mais pela expansão do cristianismo que qualquer outro dos seguidores de Jesus. O curioso é que, antes de se converter, ele era uma espécie de agente policial encarregado de perseguir os cristãos. "Sua conversão foi tão surpreendente na época como seria hoje ver um embaixador israelense se converter à causa palestina", diz Monica Selvatici, doutoranda em História da Unicamp e especialista em Paulo. "Suas idéias terminaram afastando o cristianismo do judaísmo da época."
Ela explica que, depois da morte de Jesus, não havia uma distinção clara entre judeus e cristãos. "Os seguidores de Jesus eram apenas judeus que defendiam a tese de que ele era o messias, ao contrário daqueles que não o reconheciam como tal", diz Mônica. "Eram uma ala do judaísmo, assim como o PT tem alas que não representam as idéias predominantes do partido." Como falava grego muito bem e foi um dos cristãos que mais viajaram, ele discordava dos judeus-cristãos que defendiam a tese de que os gentios convertidos precisavam seguir rigorosamente a lei judaica, incluindo aí a necessidade da circuncisão - não vista com bons olhos pelos estrangeiros. Em suas cartas (epístolas), são famosas as polêmicas travadas com Tiago (São Tiago, para os católicos), suposto irmão de Jesus, que teria sido um defensor de um cristianismo mais fiel ao judaísmo.
Mas a idéia central de Paulo, resumida na frase de que "o verdadeiro cristão se justifica pela fé e não pelos trabalhos da lei", prevaleceu. Os gentios podiam agora se converter sem tantos empecilhos e o cristianismo ganhou novas fronteiras. "Paulo ajudou a tirar de Jesus a imagem de um messias para o povo hebreu, transformando-o num salvador de todos os povos", diz Mônica. "Jesus deixou de ser um fenômeno regional para ganhar um caráter universal."A influência de Paulo é tão grande, que há historiadores que chegam a dizer que o cristianismo como o conhecemos é, na verdade, um "paulismo". "Isso é um exagero", diz Paula Fredriksen, professora de estudos religiosos da Universidade de Boston e autora do livro From Jesus To Christ ("De Jesus a Cristo", inédito no Brasil). "Com ou sem Paulo, já havia um movimento forte entre os judeus cristãos de que os gentios não precisavam seguir estritamente as leis para serem salvos", diz Paula.Mas o que levaria um cidadão romano a trocar os seus deuses para cultuar um judeu da Galiléia? (Lembrando que, na época da morte de Jesus, um cidadão romano sabia tão pouco sobre as várias correntes do judaísmo como um ocidental hoje sabe sobre as linhas do Islã.) "O cristianismo trouxe uma idéia de salvação da alma que não existia na religião romana", diz Pedro Paulo Funari, professor de história e arqueologia da Unicamp. "A religião romana tinha um aspecto formal, público, pouco ligado às inquietações da vida depois da morte". Mas Funari explica que, apesar do formalismo das crenças romanas, a idéia de salvação da alma já estava difundida na população pela influência de algumas religiões orientais, como o culto a Íris e Osíris, do Egito. "Isso deve ter facilitado ainda mais a expansão do cristianismo em Roma", diz Funari.
O ápice dessa expansão se deu quando o imperador romano Constantino converteu-se ao cristianismo, no século 4. Ninguém sabe ao certo se ele foi motivado mais por dilemas espirituais do que razões políticas (afinal, ao se converter, ele pôde contar com o apoio dos cristãos e com a estrutura de um Igreja já bem organizada.) O certo é que alguns séculos depois, a cruz, imagem brutal da sua crucificação, foi usada para invocar a guerra e a paz entre os povos. E Yeshua, o judeu pobre que morreu praticamente despercebido durante a Páscoa em Jerusalém, já era conhecido por boa parte do mundo como o Cristo. O mesmo Cristo cujo nascimento passou a ser celebrado todos os anos, no mês de dezembro, no dia de Natal.

DEZ MOTIVOS PARA DUVIDAR DA VERACIDADE HISTÓRICA DOS EVANGELHOS BÍBLICOS

DEZ MOTIVOS PARA DUVIDAR DA VERACIDADE HISTÓRICA DOS EVANGELHOS BÍBLICOS

de: Charles Coffer Jr.


1. Folclore tradicional. Desde a época dos acontecimentos históricos (30 d.C) até a redação (70 d.C.), a lembrança dos fatos ocorridos só sobreviveu de forma coletiva através da Tradição Oral, a qual, por sua própria natureza fluída e maleável, permite constantes reformulações, se transformando de acordo com o imaginário popular, se fragmentando ou mesmo se perdendo, ao ponto de se adaptar ou mesmo cada vez mais se aperfeiçoar, cumprindo com as exigências e necessidades do contexto social e das circunstancias.

2. Concepções anacrônicas da igreja primitiva refletivas na tradição oral recebida. Os relatos evangelísticos estão impregnados das concepções anacrônicas da igreja primitiva, as quais, na maior parte das vezes, não correspondem aos fatos históricos relembrados e muito menos possuindo qualquer núcleo histórico. De fato, a maior parte do conteúdo das tradições orais foi formulada a partir do kerigma da morte de Jesus – acontecimento que deu origem a um oceano de reflexões e uma revolução no pensamento cristão e na concepção sobre Jesus. A morte de Jesus redirecionou a atenção dos primeiros discípulos da mensagem e da vida de Jesus para o significado de sua morte e suposta ressurreição – transformando uma religião que tinha como foco a mensagem do advento do Reino de Deus para uma religião que cultua a personalidade transcendental de um ser deificado.

3. Criações redacionais. Os relatos evangelísticos estão impregnados das concepções anacrônicas adquiridas na fase redacional, de modo que mais refletem as concepções teológicas de seus autores, ficando evidente que os mesmos cuidaram de lapidar a tradição recebida (já alterada) para que as mesmas se adequassem aos seus fins, chegando até mesmo a criar relatos fictícios e/ou idéias sobre Jesus que acordo com suas próprias concepções.

4. Concepções anacrônicas da igreja primitiva refletivas na redação. Os próprios redatores dos evangelhos cuidaram de embutir em seus relatos as concepções contemporâneas da(s) comunidade(s) da(s) qual(s) o mesmo fazia parte, e assim muitas vezes colocando na boca de Jesus palavras criadas posteriormente pela igreja, e acrescentando detalhes da vida de Jesus que se adequavam a concepção que tinham dele – sendo estes muitas vezes detalhes inéditos. Todo o Novo Testamento reflete a concepção da igreja mais do que as próprias concepções de Jesus de Nazaré.

5. Multiplicidade e divergências teológicas. O Novo Testamento, se analisado não como uma unidade orgânica, mas como uma coletânea de documentos únicos e autônomos – tendo cada um o seu próprio contexto social, político e teológico distintos – apresenta uma série de concepções teológicas divergentes e irreconciliáveis, cada uma correspondendo às respectivas idiossincrasias de cada autor.


6. Evolução progressiva do imaginário teológico. Ao detectar blocos/textos que contenham elementos anteriores aos demais e ao analisarmos comparando-os com aqueles que contem elementos posteriores (que correspondem a um período mais avançado), percebe-se grandes saltos progressivos, cada um maior que o outro, nas concepções imaginárias e teológicas característica de cada bloco/texto. O que sugere uma evolução e um desenvolvimento cada vez mais acentuado para o rumo de uma complexidade maior e mais avançado sobre a idéia de Cristo e na teologia em si.

7. Contradições históricas e geográficas. Os relatos evangélicos contradizem na maior parte das vezes dados históricos e/ou geográficos já conhecidos, deixando transparecer assim o escasso e incompleto conhecimento de um autor posterior acerca da narrativa que apresenta.

8. Contradições internas. Os relatos evangélicos se contradizem mutua e consistentemente, cada um acrescentando, modificando ou omitindo o que bem entende por diversos motivos – principalmente de ordem teológica.

9. Manipulação sinóptica. Sendo que os evangelhos de Lucas e de Mateus (de também o de João) tinham e usaram o evangelho de Marcos na composição de suas narrativas, o fizeram ao mesmo tempo em que distorciam, omitiam, lapidavam e embelezavam os relatos de sua fonte – por motivos que vão desde constrangimentos até divergências de opiniões teológicas e cristológicas.

10. Núcleo histórico comprometido. O núcleo histórico, ainda que existente nas partes mais profundas da tradição oral recebida pelos evangelistas, se encontra fragmentado e bastante desgastado, sendo esta a principal dificuldade na busca do Jesus Histórico.

Fontes:


AMARAL, Amadeu. Tradições populares. 3 ed. São Paulo: Hucitec, 1982.

BELSSELAAR, José Van De. Introdução aos estudos históricos. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: EPU, 1973.

CROSSAN, John Dominic. O Jesus histórico: a vida de um camponês judeu mediterrâneo. Trad. André Cardoso. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

CROSSAN, John Dominic. O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. (or.ing. 1998). São Paulo: Paulinas, 2004.

CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus?: as raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.

DURÃES, Aline. Jesus: Entre o mito e a história. In: Jornal da UFRJ. Ano 3, N°. 29. Universidade Federal do Rio de Janeiro: Novembro de 2007.

FULLER, Reginald. The Formation of the Resurrection Narratives. Fortress. 1971.

GINZBURG, Carlo. Olhos de madeira: Nove reflexões sobre a distância. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

HANSON, John S.; HORSLEY, Richard A. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995.

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Rio de Janeiro: Imago, 2001.

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: História e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. II.

LUDEMANN, Gerd. O que realmente aconteceu?: A ascensão do Cristianismo Primitivo, 30-70 EC. Free Inquiry, Abril/Maio de 2007. http://www.secularhumanism.org/ . (Tradução minha).

MACK, Burton L. O evangelho perdido: O livro de Q & as origens cristãs. Tradução de Sérgio Alcides. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: as raízes do problema e da pessoa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1993. Vol. I.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Companheiros. Rio de Janeiro: Imago, 2003. Vol. III, livro I.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Competidores. Rio de Janeiro: Imago, 2004. Vol. III, livro II.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mensagem. Rio de Janeiro: Imago, 1997. Vol. II, livro II.

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Milagres. Rio de Janeiro: Imago, 1998. Vol. II, livro III.

SALDARINI, A. J. Pharisees, Scribes and Sadducees in Palestinian society: a sociological approach. Cambridge: William Eerdmans, 2001.

SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.

VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.