A “Revelação de Gabriel” e o nascimento de um novo modelo messiânico
Fonte: Biblical Archaeology Review
http://bib-arch.org/bar/article.asp?PubID=BSBA&Volume=34&Issue=5&ArticleID=14
Traduzido por Charles Coffer Jr.
Uma nova inscrição, recentemente publicada no Biblical Archaeology Review pela primeira vez em inglês, pode ser a chave para desvendar uma nova compreensão de alguns fatos da história do messianismo judaico e cristão.
Escrito em uma pedra de 3 metros de altura, o novo texto tem muitas características dos fragmentados Manuscritos do Mar Morto, incluindo o fato de ser mal conservado. Com base na posição e forma das letras, o ilustre decifradores da inscrição (Ada Yardeni e Binyamin Elizur) datam-la no fim do primeiro século a.C. ou no início primeiro século d.C.
Yardeni descreve o texto como “uma composição literária semelhante à profecias bíblicas” A partir de uma palavra ou uma frase aqui e ali, ela observa que o texto é apocalíptico em caráter e vem de um grupo que acredita em um Messias Davídico. Ela chama o texto “Revelação de Gabriel”, ou Hazon Gabriel em hebraico.
Os Rolos do Mar Morto têm, em geral, revelado que muitos dos mesmos conceitos e crenças religiosas encontrados no cristianismo também são encontrados nos rolos, muitas vezes aparecendo primeiro nos rolos e, posteriormente, transparecendo no cristianismo antigo. Creio que isto também seja válido em relação ao messianismo da “Revelação de Gabriel”.
Como veremos, “Revelação de Gabriel” tem muita coisa a nos falar sobre um tipo diferente de um messias - o Messias filho de José, que é diferente do conceito bíblico de um Messias Davídico.
A tradição do “Messias filho de José” e sua morte aparece pela primeira vez no Talmude babilônico (Sukkah 52a).
Os rabinos ensinaram: O Messias ben David, que (como esperamos) vai aparecer em
um futuro próximo, o Santo, bendito seja Ele, irá dizer-lhe: Peça-me e dar-te-ei, como está escrito [Salmos 2:7-8]: “Vou anunciar o decreto ... Peça-me, e darei”, etc. Mas como o Messias ben David terá visto que o Messias ben Joseph, que o precedeu foi morto, ele vai dizer diante do Senhor: “Senhor do Universo, nada peço a Ti, senão a vida”. E o Senhor irá responder: “Isso já foi profetizado pelo teu pai Davi a ti, [Salmos 21:5]: ‘A vida que ele pediu a ti, tu deste a ele’”.
De acordo com o texto apocalíptico do sétimo século conhecido como Sefer Zerubabel, o “Messias filho de José”, foi morto pelo ímpio “Armilus” e foi posteriormente ressuscitado pelo Messias filho de David e pelo profeta Elijah. [1]
Essas tradições são claramente pós-cristãs, e muitos estudiosos consideram esta tradição judaica como um impacto do cristianismo sobre o Judaísmo. Algumas evidências, no entanto, indica que a figura do "Messias filho de José" é muito mais antiga. Em alguns textos da virada das eras para a era cristã, deparamo-nos com José como um filho de Deus que expia os pecados dos outros com o seu sofrimento. Por exemplo, em José e Aseneth, escrito entre 100 a.C. e 115 d.C. José é descrito como “filho de Deus” (6:3, 5, 13:13). José também é chamado de “filho primogênito de Deus” (18:11, 21:4, 23:10).
Em outro livro do período do Segundo Templo, O Testamento dos Doze Patriarcas, o testamento de Benjamin liga José a figura do Servo Sofredor de Isaías 52-53. Neste testamento, Jacob disse a José:
“‘Em você será cumprida a profecia celestial, que afirma que o imaculado será violado por homens sem lei e o sem pecado morrerá por causa dos homens ímpios’” [2] (ênfase acrescentada).
Essas citações sugerem que a designação do Messias sofredor como “filho de José” remonta ao período do Segundo Templo. [3]
Em outro Midrash posterior, Pesikta Rabbati, o Messias Efraim (um filho de José) é criado. Quanto a ele, os pecados dos outros "serão dobrados diante de seu jugo de ferro." O Santo, bendito seja ele, lhe pergunta se ele está disposto a tolerar este sofrimento. O Messias Efraim, filho de José, pergunta quanto tempo durará seu sofrimento. Sete anos, o Santo responde. Depois de mais diálogo, o Messias Efraim diz: “Mestre do Universo, com alegria em minha alma e alegria no meu coração eu tomo este sofrimento sobre mim mesmo, desde que nenhuma pessoa em Israel pereça; que não só aqueles que estão vivos sejam salvos em meus dias, mas também aqueles que estão mortos ...”. [4]
Nesse trecho da Pesikta Rabbati, o filho de Joseph (aqui Efraim) também aparece como o Messias identificado como o Servo Sofredor de Isaías.
Diversos estudiosos têm argumentado que essas passagens posteriores devem ser rastreadas a círculos cristãos. [5] Um erudito líder rabínico, Saul Lieberman, tem defendido a visão oposta. [6] Estou de acordo com Lieberman. [7] Penso que a “Revelação de Gabriel”, agora publicado na Biblical Archaeology Review, apóia a idéia de que a tradição do Messias filho de José que é morto remonta ao final do primeiro século a.C. ou dos primeiros primeiro século d.C. Embora grande parte do texto da “Revelação de Gabriel” não foi preservada ou é difícil de ler, existe o suficiente para fazer esses apontamentos.
Como Yardeni friza em seu artigo para a Biblical Archaeology Review, apesar da dificuldade na leitura do texto, o mesmo envolve “grupos messiânicos”. As personagens mencionadas são “claramente figuras apocalípticas”. Entre elas, duas que já foram citadas neste artigo: Davi e Efraim. Em “Revelação de Gabriel”, o Senhor fala com Davi, pedindo a ele que solicite a Efraim que coloque um sinal: "Meu servo Davi, peça a Efraim [que ele col]oque o sinal...” (linha 16-17 ). Infelizmente, a natureza do sinal não é especificado, mas parece ser o sinal de salvação. No entanto, o fato de que David é enviado por Deus para Efraim pedindo para colocar o sinal pode atestar que Efraim está em uma posição superior. Ele, e não Davi, é a pessoa-chave que é convidada a colocar o sinal; Davi é apenas o mensageiro!
A expressão “Meu servo David”, obviamente aparece muitas vezes na Bíblia como uma expressão de um líder escatológico (ver Ezequiel 34:23, 24, 37:24, 25). E, como temos observado, na Bíblia, Efraim é filho de Joseph. Os nomes “meu servo Davi” e “Efraim” mencionados em “Revelação de Gabriel” aparentemente são paralelos, respectivamente, aos títulos “Messias filho de Davi” e “Messias filho de José” no Talmude, que já chamamos atenção. E “Efraim” é o nome do Messias em Pesikta Rabbati, quando se diz que está prestes a sofrer a fim de expiar Israel. Assim, neste novo texto escrito sobre pedra, temos a mais antiga referência a figura messiânica de Efraim (embora em Jeremias 31:20, o Senhor diz Efraim: “Deveras, Efraim é um filho querido para mim” [ver também Oséias 11: 1-8]).
Também é interessante que este novo texto parece estar a predizer que em três dias o mal será derrotado pelos virtuosos. Eles têm a seguinte redação: “Em três dias você deve saber que, assim disse o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel, o mal foi quebrado pela justiça” (Linhas 19-21).
Mas há mais: A linha 80 começa com a frase “Em três dias”. Isso é seguido por outra palavra que os editores não puderam ler. Em seguida vem a frase “Eu, Gabriel”. Acredito que esta palavra “ilegível” é realmente legível. É a palavra ḥayeh, “viva” (חאיה). O arcanjo Gabriel está dando ordens para que alguém “viva”: “Em três dias, você deve viver”. Em outras palavras, em três dias, você deve retornar à vida (ser ressuscitado).
Existe ainda duas palavras adicionais que também são difíceis de ler. As letras não são fáceis de se entender, mas creio que a primeira palavra começa com um ג (Gimel) e um ו (vav). A próxima palavra é igualmente difícil. A letra ל (Lamed) é perfeitamente legível, e as letra anterior a ela parece ser uma ע (‘Ayin). Creio que a frase pode ser reconstruída da seguinte forma: “Em três dias, viva, eu, Gabriel, ordeno-te”. (Leshloshet Yamin ḥayeh, ani Gavriel, gozer alekha.) Ada Yardeni têm desde então concordado com essa leitura da ḥayeh e com o tradução “Em três dias, viva, eu, Gabriel ...”.
O arcanjo é alguém que ordena a ressurreição dos mortos em três dias.
Gabriel é naturalmente bem conhecido a partir do livro de Daniel, assim como do Evangelho de Lucas. Para Daniel, Gabriel aparece ao profeta em uma visão apocalíptica (Daniel 8:13-19). Na famosa cena em Anunciação do Evangelho de Lucas, o anjo Gabriel diz a Maria que ela terá um filho que será chamado Filho do Altíssimo:
“E eis que você vai conceber em seu ventre um filho, e deverá chamar seu nome de Jesus. Ele será grande e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi, e ele reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e seu reino não terá fim” (Lucas 1:31-33).
De acordo com as listas genealógicas em Mateus 1:1-16 e Lucas 3:23-38, Jesus é um descendente de Davi. Fala-se explicitamente que José, o pai de Jesus, era “da casa e da linhagem de Davi” (Lucas 2:4; ver também 1:27, 32, Mateus 1:20).
Jesus também é referido como o “Filho de Davi” várias vezes em outra parte no Evangelho (Mc 10:46, 11:10, Mateus 9:27, 12:23, 15:22, 20:30, 21:9; Luke 18:38) e, posteriormente, noutras partes do Novo Testamento (Romanos 1:3; 2 Timóteo 2:8, Apocalipse 5:5, 22:16). E toda história da Natividade (Mateus 2:1-18; Lucas 2:1-29) é projetada para enfatizar Jesus como um “Filho de Davi”. De acordo com os relatos da Natividade, Jesus, como Rei Davi, nasceu em Belém. No entanto, o próprio Jesus nunca se refere ao Messias como “Filho de Davi”, e ele não menciona ter qualquer vínculo com uma linhagem Davídica.
Em “Revelação de Gabriel”, veremos que outro messias - Efraim, ou o “Messias filho de José” - já era conhecido no final do primeiro século a.C. O “Efraim” da “Revelação de Gabriel” foi provavelmente baseado nos versículos bíblicos alusivos ao seu sofrimento como Filho de Deus (cf. Jeremias 31:17-20; Oséias 11:1-8). E o conteúdo de “Revelação de Gabriel” reflete elementos de morte e derramamento de sangue.
A figura messiânica de Davi é tradicionalmente representada como envolvendo bravura, habilidade militar e triunfo. A figura de Efraim, ou Messias filho de José, simboliza uma nova espécie de messianismo bastante diferente. Efraim é um messias do sofrimento e da morte.
Isso pode trazer uma nova luz sobre aquilo que tem sido uma enigmática tradição evangélica. Em passagens paralelas dos evangelhos sinópticos [b] (Marcos 12:35-37, Mateus 22:41-46; Lucas 20:41-44), Jesus está ensinando no Templo. Surpreendentemente, ele rejeita a idéia de que o Messias seja filho de Davi: “Como podem os escribas afirmarem:” indaga Jesus, “que o Cristo é o filho de Davi?” (Marcos 12:35).
Para demonstrar que o Messias não é o filho de Davi, Jesus cita o Salmo 110, atribuído no Bíblia Hebraica ao próprio Davi. Como o texto de Marcos (12:36) recita, Davi fala no salmo: “O próprio Davi, inspirada pelo Espírito Santo, declarou...” Jesus, em seguida, recita uma passagem do salmo:
“Disse o Senhor ao meu Senhor,
Senta ao meu lado direito,até que eu ponha teus inimigos sob teu pé”.
Jesus, então usa essa passagem para provar o seu ponto de vista: “Se Davi chama ele [o Messias] de ‘Senhor’, como pode ser ele seu filho?” Ou seja, Davi fala do Messias como “meu Senhor”, e não como “meu filho”. O Messias, portanto, não pode ser um filho de Davi. Usando o Salmo 110 como prova de seu texto, Jesus refuta o ponto de vista dos escribas de que Cristo, o Messias, deveria ser um filho ou descendente de Davi.
Isso parece estranho, tendo em conta o fato de que, como já foi observado anteriormente, tanto em Mateus como em Lucas, a linhagem de Jesus está especificamente ligada a Davi. Estou inclinado a considerar a passagem em que Jesus cita Salmo 110 como uma passagem historicamente fiável em que Jesus rejeita a idéia de que o Messias será um descendente de Davi. Não só versões deste incidente aparecem em todos os três evangelhos sinópticos, mas o próprio fato de que ela contraria a genealogias de Jesus sugere que esta versão contraditória deve ser autêntica. Caso contrário, os autores dos Evangelhos não teria incluído uma coisa tão gritante que colide com as suas freqüentes referências a Jesus como o Filho de Davi. [8]
Alguns estudiosos têm sugerido que Jesus pretendia alegar que o Messias não é apenas um filho de Davi, mas que também um status superior - possivelmente de Filho de Deus. No entanto, se tal fosse o caso, esperaríamos que Jesus tivesse ancorado sua afirmação em Salmos 2:7, “Tu és meu filho, eu hoje te gerei”, mais do que no primeiro versículo do Salmo 110, que não faz explícita referência ao Messias como o Filho de Deus.
Ao citar Salmo 110, Jesus pode muito bem estar a tentando dissipar as prevalentes expectativas de um messias triunfal, o tradicional “filho de Davi”.
Seu modelo ideal messiânico é diferente. Tal como acontece com o Messias Efraim, filho de José, o Messias Jesus envolve sofrimento e morte.
A nova inscrição descoberta, a “Revelação de Gabriel”, sugere que esse tipo diferente de Messias foi evoluindo na virada da era - diferente do Messias filho de Davi. Em vez de um militante Messias, prevê um Messias que sofre, morre e ressuscita. Jesus também entende o Messias como sendo um filho de José.
Como em “Revelação de Gabriel”, também no dizer de Jesus, Davi é secundário para o outro Messias. Em Nazaré, Jesus era conhecido como “filho de José” (Lucas 4:22, João 6:42). Assim, é perfeitamente possível que Jesus tenha se identificado como o Messias “Efraim”, o filho de José, que é mencionado em “Revelação de Gabriel”. [9]
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