3 DESCOBERTAS ARQUEOLÓGICAS QUE DESMENTEM A SAGA DA “CONQUISTA DE CANAÔ
Durante muito tempo acreditou-se que as narrativas da “Conquistas de Canaã” por Israel eram relatos verídicos. Atualmente, essa visão tem caído por terra. Muitos esquecem que papel aceita tudo e que por isso qualquer texto, seja bíblico ou não, precisa ser comprovado externa e internamente para que possa ser usado em um inventário histórico.
Durante muito tempo acreditou-se que as narrativas da “Conquistas de Canaã” por Israel eram relatos verídicos. Atualmente, essa visão tem caído por terra. Muitos esquecem que papel aceita tudo e que por isso qualquer texto, seja bíblico ou não, precisa ser comprovado externa e internamente para que possa ser usado em um inventário histórico.
Tradicionalmente, a “Conquistas de Canaã” é colocada entre os anos 1230 e 1220 a.C. A documentação referente a Canaã no final da Idade do Bronze (1550-1150 a.C.) é abundante: cartas do Tell el-Amama enviadas pelos senhores dos estados ao Egito, pelos hititas da Anatolia e pelos governantes de Babilônia. A maioria procede de governadores de cidades cananéias, como Jerusalém, Sichem, Megiddo, Hazor e Laquish. A capital da província egípcia de Canaã era Gaza. As guarnições egípcias estavam aquarteladas no Beth Shean e na Giafa. As cidades cananéias citadas neste período não eram verdadeiras cidades, mas apenas centros administrativos. Os cidadãos viviam em pequenas aldeias disseminadas pelo campo. As cidades tinham um palácio, um templo e poucos edifícios públicos.
3.1 A escravidão dos hebreus no Egito
Até certa época, a escravidão dos hebreus no Egito e o Êxodo não podiam ser questionados, pois textos egípcios testemunham que Ramsés II utilizou hapirus (= hebreus) na construção de fortalezas no delta do Nilo em regime de trabalho forçado. A Estela de Merneptah, faraó sucessor de Ramsés II, comprova a existência de israelitas na terra de Canaã na segunda metade do século XIII a.C., o que nos permitia fixar a data do êxodo aí por volta de 1250 a.C.
No entanto, Finkelstein e Silberman se perguntaram quem eram os semitas estabelecidos no Egito e se pode considerar que se trata de verdadeiros israelitas. Nenhuma inscrição egípcia ou documento do arquivo do Tell o-Amarna, composto por aproximadamente 400 cartas, datadas do século XIV a.C., e que descrevem detalhadamente a situação do Canaã, mencionam a presença de israelitas no Egito.
Hoje se sabe que a expulsão dos hicsos ocasionou a organização definitiva do Egito mediante um sistema de lugares fortificados com o passar da margem central do Delta, dentro das quais havia guarnições militares e administradores. Uma massa de israelitas fugitivos não poderiam atravessar esta linha defensiva. A esteira do Merneptah se refere a Israel como um grupo de pessoas que viviam em Canaã, e não à israelitas no Egito, que por outro lado não são mencionados em nenhum em qualquer documento do Egito.
Os israelitas foram relacionados com os hapirus, inclusive se pensou que a palavra tivesse alguma relação lingüística com o território ilri hebreu descrito nas cartas do Tell el-Amama, que viviam à margem da sociedade cananéia, desarraigados, ladrões, gente que viviam fora da lei e às vezes mercenários. No Egito trabalhavam em duas grandes obras públicas. O termo se propagou durante muitos séculos no Próximo Oriente. Não caracterizava a um grupo étnico, mas sim a uma situação sócio-econômica. Por isso, hapirus nada tem a ver com os israelitas.
Um dos maiores especialistas na história do Egito no Brasil, Julio Gralha, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita esteve no Egito, deu uma resposta incisiva: “Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito [...] a forma de servidão mostrada nos textos bíblicos em nada se parece com os indícios históricos e arqueológicos. Ou seja, é mais uma questão de fé”.
Por outro lado, é bastante significativo e muito interessante o fato dos egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.
3.2 Os quarenta anos no deserto do Sinai
Essas recentes pesquisas arqueológicas vêm demonstrando que vários relatos bíblicos não devem ser interpretados como eventos históricos, mas como lendas. Uma das mais impressionantes constatações arqueológicas versa sobre a impossibilidade dos israelitas terem passado quarenta anos no deserto do Sinai, e mais especificamente, em Kadesh-Barnea.
3.2 Os quarenta anos no deserto do Sinai
Essas recentes pesquisas arqueológicas vêm demonstrando que vários relatos bíblicos não devem ser interpretados como eventos históricos, mas como lendas. Uma das mais impressionantes constatações arqueológicas versa sobre a impossibilidade dos israelitas terem passado quarenta anos no deserto do Sinai, e mais especificamente, em Kadesh-Barnea.
Kadesh-Barnea foi o lugar onde, segundo o relato bíblico, os israelitas acamparam por 38 anos dos 40 que estiveram no Sinai. A localidade, que é um oásis com abundante água, identificou-se com o Ein Gadis. Não se encontrou nenhum material arqueológico do Bronze Tardio, tão somente restos de uma fortificação de finais da Idade do Ferro. Até mesmo a indicação de Kadesh-Barnea (Cades-Barnea) não é anterior ao século X a.C.
Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que:
O oásis [de Kadesh-Barnea] foi sistematicamente cavado nos anos de 1950 e 1970. O sítio não revelou nenhum vestígio do século XIII, a suposta época do Êxodo. As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Entretanto, nenhum traço da longa estadia dos israelitas foi encontrado. A ausência de qualquer evidência dessa longa jornada neste oásis assim como em toda a península do Sinai é um dos enigmas do relato do Êxodo.
De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), as evidências arqueológicas são conclusivas, dada as inúmeras e intransponíveis dificuldades encontradas para a historicidade desses textos bíblicos:
No século XVI a.C., o Egito tinha construído em toda a região uma série de fortes militares, perfeitamente administrados e equipados. Nada, do litoral oriental do Nilo até o mais afastado dos povos do Canaã, escapava a seu controle. Quase dois milhões de israelitas que tivessem fugido pelo deserto durante 40 (quarenta) anos teriam que ter chamado a atenção dessas tropas. Entretanto, nenhuma esteira da época faz referência a essa gente. Tampouco existiam outros sítios célebres, como Bersheba ou Edom. Não havia nenhum rei no Edom para enfrentar os israelitas. Esses sítios existiram, mas muito tempo depois do Êxodo, muito depois da emergência do reino de Judá. Nem sequer há rastros deixados por essa gente em sua peregrinação de 40 anos. Fomos capazes de achar rastros de minúsculos casarios de 40 ou 50 pessoas. A menos que essa multidão nunca se deteve a dormir, comer ou descansar: não existe o menor indício de seu trajeto pelo deserto.
Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), também afirma que:
No leste do delta, no Sinai, no Negev e mais ao norte havia guarnições egípcias permanentes. Havia ainda postos de inspeção. Os beduínos eram vigiados pela polícia paramilitar egípcia ao longo de toda a fronteira. Um baixo relevo no templo de Karnak atesta a existência de um sofisticado sistema de fortalezas que assegurava a logística da rota ao longo da costa norte. Era um itinerante estratégico para os egípcios que os levavam para a Mesopotâmia e Anatólia. Uma multidão em fuga não poderia passar por aí sem ser notada e detida por uma das guarnições.
Muitos críticos (especialmente cristãos que negam tais pesquisas), tem alegado a conclusão de que os quarenta anos no deserto se trata de “argumento de silêncio” e que por isso esse argumento não pode ser válido. Sobre isso Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), comenta que:
Pode-se contestar que é um argumento baseado na ausência de evidências, mas, ainda assim, sabemos tanta coisa sobre o período que não encontrar nenhum sinal na tela do radar, por assim dizer, é fatal para a teoria [da estadia dos israelitas no Sinai]. Além disso, o relato bíblico fala de 600 mil homens deixando o Egito durante o Êxodo, o que totalizaria 2 milhões de almas. Imagine o que seriam 2 milhões de pessoas deixando uma região do tamanho do Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões. Isso teria causado uma enorme lacuna no sistema social e econômico que certamente estaria presente nos registros. O resultado teria sido uma imediata crise econômica e, socialmente, o abalo irremediável do Império. Nada equivalente a isso foi encontrado nos registros. Não consigo conceber a ocorrência do Êxodo tal como descrito na Bíblia.
Ou seja:
a) O Egito possuía guarnições militares permanentes por todo o litoral do Sinai, de modo que os israelitas seriam, sem dúvida, notados.
b) A Bíblia diz que “os dias que caminhamos, desde Cades-Barnéia até que passamos o ribeiro de Zerede, foram trinta e oito anos, até que toda aquela geração dos homens de guerra se consumiu do meio do arraial, como o SENHOR lhes jurara. - Deuteronômio 2.14. No entanto, escavações realizadas em Kadesh-Barnea não revelou nenhum vestígio da suposta passagem dos israelitas nesse lugar.
c) As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores. Mas no caso dos israelitas no deserto do Sinai, não existe um único sinal só, nem ao menos microscópico.
c) O Sinal é bastante pequeno. A distância entre o Egito e a Palestina é de menos de 400 km, de modo em que para atravessá-la, não se demoraria mais que uma semana de caminhada. Desse modo, os israelitas seriam obrigados a deixar quaisquer rastros de sua estadia nesse deserto.
d) O choque que seria 2 milhões de pessoas (os israelitas) deixando o Egito, que tinha uma população de 3,5 milhões teria ocasionado grandes transformações tanto:
· Sociais;
· Econômicas;
· Políticas;
· Culturais, etc.
No entanto, nada disso ocorreu, e tanto o Egito quanto o Sinai da época continuaram a existir como se nada disso tivesse acontecido (como, de fato, não aconteceu).
e) Os arqueólogos possuem dados sólidos sobre o Sinai da suposta época da passagem dos israelitas, como registros, vestígios arqueológicos, etc.. No entanto, esses registros se apresentam como se tal passagem dos israelitas jamais tivesse ocorrido. Existem ricos vestígios e registros da época sobre os povos da região, mas não existe nenhum vestígio ou registro da passagem dos israelitas.
3.3 Exército de maltrapilhos
Uma das grandes dificuldades apontadas por Finkelstein e Silberman (2003) é que dificilmente andarilhos maltrapilhos seriam capazes de enfrentar grandes povos sedentários e militarmente treinados e armados como os cananeus de Retemu da época:
Como um exército em andrajos, viajando com mulheres, crianças e idosos, emergindo do deserto depois de décadas, poderia montar uma invasão efetiva? Como tal multidão desorganizada poderia vencer as grandes fortalezas de Canaã, com seus exércitos profissionais e suas bem treinadas unidades de bigas?
Pessoas sem treinamento militar, sem conhecimentos de estratégia de guerra e combate, etc. dificilmente seriam capazes de enfrentar (e muito menos vencer!) povos treinados militarmente que contavam, além do mais, com o poderio militar egípcio.
Mesmo em uma Canaã pateticamente fraca, como veremos a seguir, era praticamente impossível derrotá-los sem as condições prévias que o conhecimento militar proporciona – coisa que os israelitas da Conquista não tinham.
3.4 O silêncio das fontes históricas
Muitas pessoas não gostam ou simplesmente ignoram o Argumento do Silêncio, como se ele fosse totalmente falacioso. Porém, a falácia do Argumento do Silêncio vai depender muito dos dados que temos a mão. O Argumento do Silêncio é falho quando se trata de eventos não-mencionados que poderiam passar sem serem percebidos pelos comentaristas da época.
No entanto, quando se trata de Grandes Acontecimentos, o Argumento do Silêncio é verídico e muitas vezes certeiro. Por exemplo:
Suponhamos que se o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque se calassem a respeito da visita do Jô Soares a essa cidade, apelar para o Argumento do Silêncio para se afirmar que o Gordo nunca foi ou não esteve em Nova Iorque em certo período, é falho. A visita do Jô Soares a Nova Iorque não se caracteriza um evento de tamanho impacto para ser notado.
No entanto, quando falamos de um evento como o aparecimento e a subida do King Kong no Empire State, o assunto é outro. Nesse caso, dado a imprescindível e absoluta necessidade de se registrar um impacto de tão grandes proporções, além de exótico e espetacular, o New York Times e os demais jornais de Nova Iorque jamais deixariam de relatar tal fato se o mesmo realmente tivesse ocorrido.
Do ponto de vista histórico, o fato do New York Times e os demais jornais de Nova Iorque nunca terem registrado absolutamente nada sobre suposto incidente, significa que o Argumento do Silêncio é prova de que tal incidente jamais ocorreu (como, de fato, jamais ocorreu, a não ser na literatura e no cinema). Nesse caso, a ausência da evidência é evidência da ausência, e isso é indiscutível.
Outra coisa que devemos abordar nesse mesmo contexto do parágrafo anterior é que, dada a existência de fontes como o New York Times e os demais jornais da cidade de Nova Iorque, somado com a inexistência de qualquer notícia sobre o incidente do King Kong, é totalmente lógico e correto afirmar a não-ocorrência do fenômeno King Kong. Se, por outro lado, não houvesse nenhum jornal na cidade, não teríamos fontes sobre nada e assim não poderíamos tirar nenhuma conclusão sobre o King Kong.
No caso dos grandes e pequenos acontecimentos sociais e políticos de Canaã na suposta época da Conquista, possuímos muitos dados. Se não possuíssemos dado nenhum, não poderíamos chegar a nenhuma conclusão sobre a ocorrência da Conquista. No entanto, o problema é exatamente a enorme quantidade de dados sobre o período citado, somado ao total silêncio de qualquer uma dessas fontes sobre a Conquista.
De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):
Existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550 – 1150 a.C.) sobre os assuntos de Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos no Egito, anais dos reis egípcios, obras literárias e hinos.
No entanto, não existe nenhuma evidência, nem arqueológica e nem escrita, da suposta Conquista de Canaã. Vale lembrar que a Conquista de Canaã, sendo um acontecimento de enorme magnitude para o Oriente da época, equivaleria ao aparecimento do King Kong em Nova Iorque, de modo que se esses dois grandes eventos tivessem realmente acontecido, de forma nenhuma deixariam de ser registrados.
É como se os jornalistas passassem de frente ao Empire State, mas não vissem o Kong ou simplesmente o ignorassem.
Mas no caso da Conquista de Canaã, possuímos documentos da época em que egípcios e cananeus se comunicam como se nada tivesse acontecendo. Uma coisa é não termos documentos; outra, é termos de sobra e mesmo assim os mesmos se omitirem sobre determinado fato.
É dentro desse contexto que Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) afirma que:
É inconcebível que a destruição pelos invasores de tantas cidades vassalas, leais, não tivesse deixado nenhum traço nos vastos registros do império egípcio. A única menção independente ao nome de Israel nesse período – a estela da vitória de Merneptah – anuncia apenas que, ao contrário, esse povo obscuro vivendo em Canaã sofrera derrota esmagadora. Nitidamente, alguma coisa não combina quando o relato bíblico, a evidência arqueológica e os registros egípcios são colocados lado a lado.
Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) frisam que, quando os “Povos do Mar” começaram a invadir a Ásia, encontrou-se diversas alusões literárias e evidencias arqueológicas. Os próprios egípcios fizeram alusões literárias a esse conjunto de invasões realizadas por esses “Povos do Mar”, o que se caracterizou como um grande acontecimento – que jamais deixaria de ser percebido e comentado. No entanto, um acontecimento da mesma proporção e da mesma época – a invasão israelita e sua conquista das terras de Canaã – não foi nem sequer aludido de passagem.
Sendo que nenhum documento ou indicio arqueológico menciona a Conquista na época apontada pela Bíblia como a da Conquista, e sendo que tal conquista se caracterizaria como um grande acontecimento para o Antigo Oriente Médio de modo que jamais poderia deixar de ser mencionada caso houvesse acontecido, o veredicto é um só: A Conquista de Canaã jamais aconteceu.
3.5 Canaã sob o domínio egípcio
A Bíblia, por um lado, e os documentos da época da Conquista, juntamente com as descobertas arqueológicas, por outro lado, se contradizem de modo marcante no que se refere ao domínio e influência egípcia em Canaã.
Por um lado, temos a arqueologia e os documentos:
[...] as cartas Amarna revelam que Canaã era uma província egípcia, firmemente controlada por administração egípcia. A capital provincial situava-se em Gaza, mas tropas egípcias estavam permanentemente estacionadas em lugares-chave por todo o país, como em Betsã, ao sul do mar da Galiléia, e no porto de Jaffa (hoje parte da cidade de Tel Aviv) (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
Por um lado, temos a versão da Bíblia:
Na Bíblia, não existe o relato de nenhum egípcio fora das fronteiras de seu país, e nenhum é mencionado nas batalhas dentro de Canaã. Mesmo assim, textos contemporâneos e achados arqueológicos indicam que eles administravam e zelavam, de forma cuidadosa, pelos assuntos do país (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
De fato, nos textos bíblicos da Conquista, existe uma total ausência de referência aos egípcios que, caso houvesse ocorrido qualquer invasão israelita, teriam se manifestado e dizimado os israelitas prontamente. Essa falta de alusão equivale a narrar sobre aspectos políticos da Índia na época de Gandhi e se silenciar a respeito da hegemonia inglesa do país.
De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 41) desde a época do faraó Tutmés III (c. 1480-1425 a.C.) até muito tempo depois de Ramsés III, o Egito estava mantendo intenso domínio sobre Canaã, sendo que:
Para manter os domínios subjugados sob controle, considerava-se necessária a presença militar egípcia. Guarnições de arqueiros e condutores de carros de guerra, encarregados de manter a paz, ficavam estacionados em toda a Síria e a Palestina; recebiam suprimentos dos estados vassalos, dos quais se exigia que fornecessem aos soldados egípcios “comida e bebida, com gado, ovelhas, mel e óleo”.
Finkelstein e Silberman (2003, p. ???) continuam, afirmando que:
No século XIII a.C., o controle do Egito sobre Canaã era mais forte do que nunca. A qualquer demonstração de agitação política, o exército egípcio cruzaria o deserto do Sinai ao longo da costa do Mediterrâneo e marcharia contra cidades rebeladas ou povos incômodos. [...] Depois de cruzar o deserto, o exército egípcio poderia derrotar facilmente qualquer força rebelde e impor seu domínio sobre a população local.
Outro agravante, de acordo com Finkelstein e Silberman (2003), se refere a índole militar do faraó Ramsés II:
O faraó Ramsés II, que governou durante a maior parte do século XIII a.C., não teria, com certeza, afrouxado seu domínio militar sobre Canaã; ele foi um rei poderoso, talvez o mais forte de todos os faraós, além de ser profundamente interessado em política externa.
De fato, Ramsés II foi o faraó mais poderoso de todos os tempos. Em sua vida, dedicou-se a guerrear povos invasores, dos quais se destacaram os povos hititas (Heteus). Essa guerra contra os hititas foi abundantemente relatada em diversos documentos da época, que afirmam que os hititas não deixaram de ter uma resposta egípcia aos seus atos. De forma nenhuma, Ramsés II teria deixado a Conquista de Canaã pelos israelitas acontecer, tal como não deixou sem os hititas invadirem seus domínios sem realizar uma cruzada bélica contra esse povo.
Da mesma forma, o filho de Ramsés II, o faraó Merneptah, era “punho de ferro”. De acordo com Mcnelli et al. (1989, p. 51):
Em 1220 a.C., veio do oeste uma confederação hostil de líbios e misteriosos aliados asiáticos. Merneptá enfrentou a ameaça de frente, conferindo uma completa derrota ao inimigo, numa batalha que durou seis horas. Em comemoração à vitória, erigiu-se um monumento perto de Tebas: “Os homens vêm e vão com cantos, e não há súplicas dos homens em apuros”.
Note que a data dessa batalha, 1220 a.C., está bem próxima da época em que, de acordo com o texto bíblico, Israel conquista Canaã. Merneptah consegue vencer uma “confederação” inteira em apenas seis horas e ainda afirma que não há súplicas de nenhum homem sob seu domínio pedindo sua ajuda diante da ameaça de grupos invasores. Com toda a certeza, se os israelitas de Josué tivessem tentado tomar Canaã das mãos dos egípcios, Merneptah teria feito com eles exatamente o que ele afirma ter feito na famosa Estela de Merneptah (in FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003, p. 144): “Israel está destruído e não tem mais descendência”.
3.6 Cidades fracas
De acordo com Finkelstein e Silberman (2003), outra evidência que desmente os relatos bíblicos da Conquista de Canaã pelos israelitas se refere a estrutura e poder das cidades que foram supostamente invadidas:
Os príncipes das cidades de Canaã (descritos, no livro de Josué, como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que as cidades de Canaã, nesse período, não eram cidades regulares, do tipo que conhecemos na história posterior. Eram fortalezas administrativas para uma elite, abrigavam o rei, sua família e seu pequeno círculo de burocratas, com os camponeses vivendo espalhados pelas terras imediatamente vizinhas, em pequenas
aldeias. A típica cidade tinha apenas um palácio, um conjunto de edificações em torno de um templo e outros poucos prédios públicos, provavelmente residências para altos funcionários, hospedarias e outros edifícios administrativos.
Só para se ter uma idéia de tão pequenas e quão fracas era a maior parte das cidades cananéias, Finkelstein e Silberman (2003) apresentam textos da época em que reis cananeus pedem para seu suserano egípcio a quantia de apenas “Cinqüenta homens” para proteger a terra de invasões realizadas por outros povos cananeus:
Uma demonstração da pequena escala dessa sociedade é o pedido enviado pelo rei de Jerusalém ao faraó, em uma das cartas Amarna, solicitando cinqüenta homens ‘para proteger as terras’. A minúscula escala das forças armadas naquele período é confirmada por outra carta, enviada pelo rei de Megiddo, que pede ao faraó para mandar cem soldados a fim de proteger a cidade de um ataque de seu agressivo vizinho, o rei de Shechem.
De fato, se cidades como Jerusalém e Megiddo fossem realmente tão poderosas quanto a Bíblia quer que tivessem sido nesse período, teriam precisado de um número bem maior de soldados do que cinqüenta e cem homens. O ato de enviar uma carta pedindo auxilio ao suserano equivale a um ato de desespero e de extrema necessidade de ajuda. O interessante é que, no caso dessas cidades cananéias, esse desespero poderia ser sanado com o envio por parte dos egípcios de apenas menos de uma centena de homens.
3.7 A muralha invisível
A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII A.C., fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã.
No caso de Jericó e outras cidades, as descobertas arqueológicas comprovaram que as mesmas não possuíam muralhas no período alegado pela Bíblia.
De acordo com Finkelstein e Silberman (2003): “Não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades cananéias descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!”
E continua:
Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica.
A compreensão atual dos textos bíblicos que apresentam a estória da queda de Jericó pelas trombetas dos israelitas e pela intervenção divina, a luz das descobertas arqueológicas, nos revela que tais relatos devem ser lidos e interpretados como lendas folclóricas judaicas criadas no mesmo objetivo que as lendas romanas contidas em Ab Urbe Condita, de Tito Lívio e na Eneida de Virgílio: glorificação nacional.
A descoberta da inexistência histórica das muralhas de Jericó é até mais interessante do que as demais porque esta é uma das melhores evidências histórica que depõe diretamente contra a realização de um de milagre divino.
A constatação da ausência de muralhas nas cidades cananéias referidas na Bíblia como muradas é, de acordo com Fox (1993), totalizante, pois “Em todos os sítios, as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.
E continua:
Na década de 1930, um novo exame de sítio de Jericó deu a impressão de sugerir “vestígios claros de um imenso incêndio”, o colapso do circulo interior das muralhas e a destruição da cidade em torno de 1400 a.C. Outros logo transferiram a data para 1200 a.C., mas era um excesso de confiança. Inspeções posteriores fizeram a data recuar mil anos, a um ponto (2350 a.C.) fora de alcance de Josué. A parte mais alta do monte de Jericó [...] não deixou nenhum indício de uma grande muralha ou de uma cidade que, de qualquer maneira, precisaria ter sobrevivido entre as ruínas dos níveis inferiores da encosta ou do sopé do sítio (FOX, 1993).
Robin Lane Fox (1993) conclui sua revisão das descobertas arqueológicas com a seguinte declaração:
Pode ter havido uma aldeia de tamanho razoável em Jericó em torno de 1320 a.C., mas não havia nada que pudesse lembrar uma cidade ou muros intransponíveis. Depois de 1300 a.C., não houve qualquer ocupação humana no local: na data em geral atribuída ao Êxodo e à Conquista (c. 1250-1230 a.C.), os israelitas não teriam sequer a necessidade de tocar uma trombeta para tomar de assalto toda a área.
Finkelstein e Silberman (2003) explica porque as cidades cananéias daquela época não possuíam muralhas:
Com o Egito mantendo firme controle da segurança de toda a província, não havia necessidade de sólidas muralhas defensivas. Existia também uma razão econômica para a ausência de fortificações na maioria das cidades de Canaã. Com a imposição de pesados tributos pagos ao faraó pelos príncipes dessas cidades, os pequenos governantes locais não deviam ter os meios (ou autoridade) para se engajar em grandes obras públicas.
De fato, ao contrário do que a Bíblia relata, as cidades de Canaã da época da suposta “Conquista” não eram, definitivamente muradas, e muitas nem sequer habitadas. O anacronismo com o qual os autores dos textos sagrados escreveram essas estórias nos faz pensar no quanto a história pode ser prejudicada por uma ficção que se pretende ter sido verídica por seus defensores, e mais ainda o quanto a Civilização Ocidental vem sendo influenciada, tanto cultural, política, teológica e socialmente, por estórias destituídas de valor histórico, como essas.
3.8 Presença egípcia em Canaã e a continuidade dos povos cananeus
Outro fato que vem a deitar os relatos bíblicos por terra é o fato de que havia uma contínua interação entre o Egito e as cidades de Canaã mesmo após essas cidades terem sido totalmente destruídas por Josué de acordo com o texto bíblico.
Ou seja, cidades que supostamente foram destruídas no século XIII a.C., simplesmente continuaram a existir sem sequer um arranhão pelos séculos consecutivos. É como se existissem dois mundos paralelos: um em que essas cidades foram destruídas (o mundo da Bíblia) e outra em que essas cidades continuaram suas atividades com se nada tivesse acontecido.
A arqueologia descobriu evidências dramáticas da extensão da própria presença egípcia em Canaã. Uma fortaleza egípcia foi escavada no sítio de Betseã, ao sul do mar da Galiléia, por volta do ano de 1920; suas várias estruturas e pátios continham estátuas e monumentos com inscrições em hieróglifos, da época dos faraós Sethi (ou Seti) I (1294-1279 a.C.), Ramsés II (1279-1213 a.C.) e Ramsés III (1184-1153 a.C.). A antiga cidade de Megiddo, em Canaã, revelou indício de forte influência egípcia até a época do faraó Ramsés VI, que governou no final do século XII a.C. Isso foi muito depois da suposta conquista de Canaã pelos israelitas (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
Se as cidades cananéias foram realmente conquistadas e destruídas pelos israelitas como falam as narrativas bíblicas, por que essas mesmas cidades continuaram no mesmo lugar como se nada tivesse ocorrido? Por que seu rei continuou a governar normalmente como se não houvesse sido morto em batalha contra os israelitas? Por que as lavouras, os pastos e os rebanhos continuaram a ser administrados por seus donos se os israelitas conquistaram e destruíram tudo? Por que a religião local continuou a ser praticada se os israelitas a substituíram por seu egoísta monoteísmo? Por que essas mesmas cidades continuaram a se comunicar com os faraós egípcios até dezenas e centenas de anos depois da suposta “Conquista” sem relatar nada do ocorrido e como se nada tivesse acontecido? São coisas como essas que desmentem diretamente os relatos bíblicos.
3.9 A arqueologia das “cidade conquistadas” e a discrepância bíblica
A arqueologia vem derrubando, uma a uma, as várias narrativas bíblicas que discorrem sobre supostas invasões e conquistas que os israelitas realizaram supostamente a comando de Josué. Tais cidades são citadas no livro de Josué como ícones do triunfo de Israel, mas a arqueologia vem minando toda essa suposta glória.
De acordo com o historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993):
[Vários] problemas recorrem em vários sítios da Palestina mencionados nos livros de Josué e dos Juízes: ou não exibem sinais de ocupação urbana protegida por muralhas na data que se prefere para a chegada de Josué ou então não exibem sinais de uma onda única de destruição conjunta.
O que acontece é que os supostos acontecimentos bíblicos alegados em relação às várias cidades citadas na narrativa da Conquista simplesmente entram em contradição com os resultados das pesquisas arqueológicas.
Ø A cidade de Ai
De acordo com a Bíblia, Ai (ou Hai) foi uma das cidades que foram “completamente destruídas” pelos Israelitas. De acordo com Josué 8.27-28, de Ai os israelitas deixaram apenas um “montão de ruínas”. Essas ruínas, de fato, deveriam permanecer, como muitas outras ruínas, até os dias atuais para que os arqueólogos confirmassem o texto bíblico. No entanto, a arqueologia, mais uma vez, oferece um veredicto negativo em relação as narrativas bíblicas.
De acordo com Finkelstein e Silberman (2003):
Pequena discrepância entre a arqueologia e a Bíblia foi encontrada no sítio da antiga Hai (ou Ai), onde Josué armou sua inteligente emboscada, de acordo com a Bíblia. [...] Entre 1933 e 1935, a arqueóloga judaico-palestina Judith Marquet-Krause, educada na França, realizou uma escavação em larga escala em et-Tell (sitio de Ai) e encontrou muitos remanescentes de uma imensa cidade da antiga Idade do Bronze, datada de mais de um milênio antes do colapso de Canaã, na Idade do Bronze posterior. Nenhum pedaço de cerâmica ou qualquer outra indicação de um povoamento da Idade do Bronze posterior foi encontrado. Escavações retomadas mais ou menos no ano de 1960 produziram o mesmo quadro. Como Jericó, lá não havia nenhum povoamento na época de sua suposta conquista pelos filhos de Israel.
O historiador de Oxford, Robin Lane Fox (1993), confirma esse fato, através da seguinte afirmação:
Em Ai, uma primeira escavação que durou até 1935 foi reescavada até 1972, mas em nenhum caso se encontrou nada que contribuísse para o crédito à versão do livro de Josué. Os escavadores encontraram uma primeira cidade destruída por volta de 2350 a.C. Depois, não havia mais sinal de ocupação humana da área, nada que pudesse frustrar os invasores israelitas, quanto mais obrigá-los a uma segunda tentativa e por fim reduzir a cidade a um monte de pedras e sangue. Em qualquer das datas que se possa atribuir a Josué, simplesmente não existia nada em Ai. Durante o século XI a.C., alguns camponeses começaram a construir uma aldeia no local, mas seus esforços foram muito tardios e esparsos para justificar os relatos da Bíblia. As tentativas de negar que o sítio escavado (ex-tell) fosse de fato o sítio de Ai não tiveram qualquer êxito.
Donald Redford (apud FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2005), arqueólogo da Universidade da Pensilvânia, afirma que “As modernas técnicas arqueológicas permitem identificar os mais ínfimos vestígios deixados pela passagem de simples pastores”.
No entanto, nada foi encontrado em Ai do período de 1400 a 1200 a.C. – nada que viesse a dar crédito às narrativas bíblicas.
O “grande” arqueólogo biblista e fundamentalista, Albright, que já tinha conhecimento dessas discrepâncias, mas ocultava isso, dando uma “desculpa esfarrapada”, afirmando que os textos bíblicos se corromperam, mas que na verdade, se referiam a outras cidades: “Olhando para Hai, Albright sugeriu que a história da sua conquista se referia originalmente a Betel, em sua vizinhança, pois as duas cidades eram estreitamente associadas, tanto geograficamente como tradicionalmente” (FINKELSTEIN; SILBERMAN, 2003).
No entanto, Albright também se equivocou com essa explicação, sendo que a destruição de Betel se deu não por causa dos israelitas, mais por causa de outros povos, muitos anos depois.
Ø A “saga dos gabaonitas”
No que se refere à suposta “saga dos gabaonitas” apresentada na Bíblia, Finkelstein e Silberman (2003) apresenta os seguintes fatos:
E a saga dos gabaonitas, com seu pedido de proteção e clemência? Escavações no cômoro da vila de el-Jib, ao norte de Jerusalém, que um consenso erudito identificou como o sítio da bíblica Gabaon, revelaram remanescentes da Idade do Bronze média e da Idade do Ferro, mas nenhum da Idade do Bronze posterior. E pesquisas arqueológicas nos sítios de outras três cidades dos gabaonitas, Cafira, Berot, e Cariat-Iarim, mostraram o mesmo quadro: em nenhum dos sítios existiam remanescentes da Idade do Bronze posterior. O mesmo vale para outras cidades citadas na narrativa da conquista e na lista resumida dos reis de Canaã (Josué 12). Entre elas, encontramos Arad, no Neguev, e Hesebon, na Transjordânia, mencionada no último capítulo.
Ø As cidades de Laquis e Megido
A Bíblia afirma que Lachish (Laquis) foi tomada em dois dias pelos israelitas e que todos os habitantes da cidade foram mortos a fio da espada (Josué 10.32). No entanto, as escavações demonstraram que a queda de Laquis se deu muito tempo depois da suposta Conquista por Josué, conforme Finkelstein e Silberman (2003) explica:
Escavações em Lachish encontraram nos destroços um fragmento de metal – provavelmente um encaixe do principal portão da cidade – que leva o nome de Ramsés III. O achado nos diz que Lachish não deve ter sido destruída antes do reinado desse monarca, que governou entre 1184 e 1153 a.C. Por fim, a base de metal de uma estátua com o nome do faraó Ramsés VI (1143-1136 a.C.), achada nas ruínas de Megiddo, indica que o grande centro do vale de Jezrael, em Canaã, foi aniquilado, provavelmente na segunda metade do século XII (ou seja, cem anos
depois da data bíblica da ‘Conquista’).
De fato, se essas cidades tivessem sido destruídas na época em que a Bíblia alega ter sido, jamais se teria encontrado objetos e estátuas que cultuavam os imperadores faraós Ramsés III e Ramsés VI, que datam aproximadamente de um século depois, mas sim de Ramsés II ou de Merneptah. O achado da estátua dos então imperadores egípcios de Canaã, prova que os habitantes dessas cidades não foram “dizimados” como a narrativa bíblica afirma, e que a destruição da cidade se deu apenas centenas de anos depois da suposta Conquista de Canaã perpetrada pelos israelitas.
Ø As cidades de Hazor e outras cidades
O mesmo, de acordo com as recentes pesquisas e com Finkelstein e Silberman (2003), pode-se dizer em relação as seguintes cidades:
Relatos [bíblicos] informam que os reis de cada uma dessas quatro cidades – Hazor, Afec, Lachish e Megiddo – foram derrotados pelos israelitas sob a liderança de Josué. Mas a evidência arqueológica mostra que a destruição daquelas cidades ocorreu durante espaço de tempo de mais de um século. As causas possíveis incluem invasão, colapso social e lutas civis. Nenhuma força militar isolada provocou tal destruição, e com certeza não o fez em uma única campanha militar.
O interessante é que a Bíblia afirma claramente que Hazor foi “destruída a fogo”, e que seus habitantes foram “destruídos totalmente” (Josué 11.11). No entanto, a cerâmica encontrada nas ruínas dessa cidade foram datas inequívocamente por especialistas em Grécia micênica e por arqueólogos do Oriente Próximo como pertencentes aos anos posteriores ao ano de 1190 a.C., ou seja, vários anos após a conquista de Canaã pelos israelitas. E a ruína dessa cidade, de forma nenhuma, aconteceu “de uma só vez”.
Ø A cidade de Gibeão
Sobre a cidade de Gibeão, que o livro de Josué afirma ter sido uma “grande cidade como uma das cidades reais, e ainda maior do que Ai”, a arqueologia foi bastante clara. De acordo com Lane Fox, um dos próprios escavadores afirmou enfaticamente que: “Não pode haver dúvidas com base nos melhores indícios disponíveis de que não havia ali [Gibeão] qualquer cidade de alguma importância na época de Josué”.
Robin Lane Fox (1993), totalmente embasado nas descobertas mais recentes da arqueologia, afirma definitivamente que: “Em todos os sítios [estudados pelos arqueólogos], as cidades e as muralhas que Josué teria destruído trazem negativas peremptórias”.
Essas “negativas peremptórias” da arqueologia são gritantes o suficiente para que possamos compreender que essas narrativas bíblicas não são históricas, mas folclóricas. Não se referem a fatos históricos, mas a episódios criados pela mente dos israelitas para darem uma explicação sobre a origem de seu povo e para inspirar as gerações futuras no ideal nacionalista e religioso de Israel.
3.10 Como os israelitas inventaram essas estórias da “Conquista”?
A história do Israel depois da conquista é um ciclo de pecado, de castigo divino e de salvação. Nesse contexto, o Livro dos Juízes propõe uma interpretação teológica dos feitos que pretende descrever. As lutas dos israelitas contra os filisteus, os medianitas, os moabitas, etc., ilustram a difícil relação entre Deus e seu povo. Há muitos anos, os estudiosos aceitam que o Livro dos Juízes forma parte da História Deuteronômica, que é a expressão das aspirações políticas dos israelitas correntes em Judá durante o século VIII a.C., no tempo do governo do Josias.
Os autores do Deuteronômio consideram a idolatria como um perigo mortal para Israel. No primeiro capítulo do Livro do Josué, que se inclui na História Deuteronômica, as tribos do Judá e do Simeão, que formavam o reino meridional, tinham por missão sagrada conquistar as cidades cananéias. No entanto, a arqueologia provou que a origem dos israelitas se deve a profundas transformações sociais dos povos pastoris do altiplano e não aos conceitos bíblicos de pecado e de redenção.
Os antepassados dos israelitas eram na verdade um grupo étnico diferente e também possuíam concepções religiosas distintas.
Os anos do governo do Davi (c. 1005-970 a.C.) e do Salomão (c. 970-931 a.C.) consideraram-se como o século de ouro da História do Israel. No entanto, Recentemente se puseram em dúvida os dados arqueológicos que os apoiavam. O grande império do Davi e do Salomão não tem apojatura arqueológica. Os monumentos atribuídos ao Salomão parecem pertencer a outros reis. A leitura bíblica do império de Davi e Salomão se trata de um passado idealizado, de um século de ouro. Nenhum texto egípcio fala do Davi ou de Salomão, e nem sequer existem provas arqueológicas de construções de Davi ou de Salomão nem do palácio de Salomão em Jerusalém.
A Jerusalém da época de Davi, que segundo a Bíblia era uma grande cidade e cercada de muros, seria apenas uma aldeia. Deste fato se deduz que é improvável, para não dizer impossível, que Jerusalém tenha sido a capital de um império que se estendia desde mar Vermelho ao norte de Síria. A arqueologia não confirma a existência da riqueza, nem a organização administrativa, nem o número de soldados necessários para manter este império.
A arqueologia também constatou que país em época de Davi era rural. Não existem indícios de escrituras, nem de inscrições, nem de alfabetizados necessários para o funcionamento de uma monarquia. Tampouco há rastros de uma cultura unitária, nem de uma administração central. Jerusalém era uma típica aldeia do altiplano.
De fato, a arqueologia tem demonstrado que a visão bíblica do século de ouro de Davi e de Salomão não é exata; é uma projeção a tempos passados de Judá no século. VII a.C.
Finkelstein e Silberman estudaram, igualmente, as contribuições da arqueologia ao reino setentrional. Israel, em torno do ano de 900 a.C., tinha as características de um estado plenamente desenvolvido. Era governada por um bom aparelho burocrático. Tinha uma estratificação social baseada na distribuição de bens de luxo, uma importante atividade edilícia e um comércio próspero com as regiões próximas e assentamentos. Os centros administrativos regionais no Israel eram ativos no começo do século IX a.C. Estavam fortificados e contavam com palácios, como em Izreel, Samaria e Megiddo. A capital, Samaria, foi fundada no começos do século IX a.C. O urbanismo de Jerusalém data de finais do século VIII a.C.
Na opinião de Finkelstein e Silberman, não existe motivo para duvidar seriamente da confiabilidade do elenco bíblico dos reis da estirpe do Davi, que reinaram em Jerusalém depois de Davi. Em Jerusalém entre o final do século X e meados do século VIII a.C., reinaram 11 (onze) reis.
Ezequías (733-724 a.C.) governou 29 anos segundo o Segundo Livro dos Reis. O texto bíblico indica que restaurou a pureza do culto do Yahveh. A arqueologia sugere que o panorama real era muito diverso. Demonstra que a situação de Judá era totalmente diferente da de Israel. Não se tem descoberto nenhuma prova de atividade literária, nem religiosa, nem histórica no século X a.C.
No final do século VIII a.C., documentam-se em Judá as primeiras inscrições monumentais e os primeiros selos pessoais, sinais de um estado desenvolvido. Até o século VII a.C., não aparecem ostraka e pesos de pedra com inscrições, que demonstram a existência de registros burocráticos e de comércio.
Foi somente dentro desse desenvolvido contexto social, político, econômico e religioso que a Bíblia foi escrita.
O nome do rei Josias (639-609 a.C.) encontrou-se unido a um novo movimento religioso que deu um significado novo à identidade do cristianismo, em opinião de Finkelstein e Silberman. Foi deste movimento religioso que se originaram os documentos que constituem o núcleo da Bíblia.
O mais importante é o Livro da Lei, que foi “descoberto”, de acordo com a Bíblia, perto do ano de 622 no templo de Jerusalém é aceito como sendo o original do livro de Deuteronômio. Tal “descoberta” desencadeou uma revolução no ritual e uma radical reformulação da identidade israelita. De acordo com Finkelstein e Silberman, nele se encontram os elementos fundamentais do monoteísmo bíblico: o culto exclusivo a um deus e em um único lugar; a observância das festas da Páscoa e dos tabernáculos a nível nacional e centralizada; diferentes normas jurídicas referentes ao bem-estar; diversos aspectos sociais, assim como temas da justiça e da moral pessoal.
O Livro da Lei se converteu no código definitivo da Lei judaica. O Deuteronômio e a reforma religiosa de Josias tiveram a mesma ideologia. A aparição do Livro da Lei, como aponta Finkelstein e Silberman, coincide com os testemunhos arqueológicos, que provam a difusão do alfabetismo em Judá.
O Deuteronômio consagrou a unidade de Israel e colocou o centro de culto em Jerusalém. O Deuteronômio e algumas passagens do Pentateuco originaram uma saga épica para expressar o ressurgir de Judá. Os autores recolheram e reconstruíram as tradições mais importantes de Israel nos quatro primeiros livros da Torá, começando pelas histórias de Abraão, de Isaac e de Jacó, em um mundo que oferece reminiscências do século VII a.C. Criou-se uma grande epopéia nacional independente de um Egito que apresenta analogias geográficas com o da época do rei egípcio Psamético. Criou-se também a única epopéia da Conquista de Canaã. Condenou-se o próspero estado setentrional como aberração histórica. Também existe uma condenação expressa dos cananeus e dos matrimônios mistos.
Os estudiosos Albreth Alt e Martin Noth, sabendo da imensa discrepância entre os relatos bíblicos da Conquista e as evidencias históricas, e sabendo também da tendência universal entre todos os povos do mundo de inventar estórias fictícias para alimentarem seu ímpeto nacionalista e suas ideologias políticas e religiosas, afirmaram que as estórias bíblicas da Conquista não foram inventadas por acaso.
De acordo com esses dois estudiosos, as narrativas preservadas no Livro de Josué são “tradições etiológicas”, ou seja, contos e lendas sobre certas curiosidades que querem fornecer explicações para certos fatos regionais.
Finkelstein e Silberman (2003), fazendo alusão ao trabalho de Alt e Noth, afirma que:
[...] o povo, que vivia na cidade de Betel e em volta dela durante a Idade do Ferro indubitavelmente notou o imenso cômoro das ruínas da antiga Idade do Bronze, um pouco a leste. Essa ruína era quase dez vezes maior do que sua própria cidade, e os remanescentes de suas fortificações ainda impressionavam. Assim – argumentam Alt e Noth – as lendas podem ter começado a crescer em torno das ruínas, dos contos de vitórias de antigos heróis, que explicavam como foi possível tamanha destruição em uma cidade tão grande. Em outra região do país, o povo que vivia nos contrafortes de Shephelah pode ter ficado impressionado simplesmente pelo tamanho de um imenso bloco de pedra fechando a entrada da misteriosa caverna perto da cidade de Makkedah. Dessa forma, histórias que relacionavam o imenso bloco de pedra com atos heróicos do seu próprio passado nebuloso podem ter aparecido: a pedra selava a caverna onde cinco reis antigos se esconderam e mais tarde foram enterrados, como é explicado em Josué 10,16-27.
De acordo com esse ponto de vista, as histórias bíblicas, que terminam com a observação de que certo ponto de referência ainda podia ser visto ‘até mesmo hoje’, eram talvez lendas desse tipo. Num determinado ponto, essas histórias individuais foram coletadas e relacionadas a uma única campanha de um grande líder mítico da conquista de Canaã.
Foi desse modo que lendas como o Êxodo e a Conquista de Canaã foram sendo criadas e introduzidas no que mais tarde se constituiria o texto bíblico.
De fato, o Livro do Josué apresenta uma saga coerente com perspectiva teológica bem definida do livro de Deuteronômio, onde se apresenta o resultado de lendas e histórias acumuladas até o século VII a.C., no período de governo do rei Josias. Os topônimos são os desta região no século VII a.C. Geralmente se considerou o Livro do Josué como parte integrante da História Deuteronômica. Finkelstein e Silberman afirmam que nele se encontram o mesmo estilo, a mesma língua e a mesma mensagem do Deuteronômio. As aspirações de expansão territorial de Josias correspondem às conquistas do Josué.
Finkelstein e Silberman concluem sua análise, afirmando que:
[Desse modo] o que na verdade era uma série caótica de insurreições, causada por muitos fatores diferentes, e também por inúmeros grupos distintos, tornou-se, muitos séculos depois, uma saga brilhantemente elaborada a respeito de uma conquista territorial sob as bênçãos e o comando direto de Deus. a produção literária dessa saga realizou-se com propósitos muito diferentes da comemoração de lendas locais; foi passo importante para a criação da identidade pan-israelita.
Desse modo, concluem os arqueólogos israelitas, essas narrativas bíblicas não são História, mas uma criação ideológica e teológica, concebida para ser lida em público, inventadas e compiladas no contexto de uma revolução religioso-nacional.
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