Resposta a um cristão: sobre a historicidade de Moisés
“Fomos curados da antiga ilusão de que a confiabilidade de tradições históricas pode ser facilmente demonstrada pela pá do arqueólogo.” - A. Momigliano.
O seguinte artigo se consiste em uma refutação de uma pretensa resposta a um ateu que pediu ao cristão uma razão do porquê ele ter certeza de que Moisés realmente existiu.
O texto que pretendo usar nesse artigo se encontra no blog Soli Deo Gloriae, no seguinte link: http://eliel777.blogspot.com/2007/09/resposta-um-ateu-historicidade-de-moiss.html
“Fomos curados da antiga ilusão de que a confiabilidade de tradições históricas pode ser facilmente demonstrada pela pá do arqueólogo.” - A. Momigliano.
O seguinte artigo se consiste em uma refutação de uma pretensa resposta a um ateu que pediu ao cristão uma razão do porquê ele ter certeza de que Moisés realmente existiu.
O texto que pretendo usar nesse artigo se encontra no blog Soli Deo Gloriae, no seguinte link: http://eliel777.blogspot.com/2007/09/resposta-um-ateu-historicidade-de-moiss.html
Gostaria de começar meus comentários citando o último comentário dessa pretensa resposta apologética:
“Portanto, é mais lógico e mais racional acreditar que Moisés existiu”.
Uma coisa é acreditar em um acontecimento potencialmente histórico, ou não, de acordo com a lógica e a racionalidade. Outra, é acreditar de acordo com conclusões oriundas de pesquisas históricas. A história utiliza de hipóteses, argumentos lógicos e racionalidade. Mas somente quando os fatos estão obscuros demais para a visão do pesquisador. De fato, a história possui certos critérios que, quando aplicados, nos proporcionam um grau de certeza quanto à historicidade de determinado fato.
“Primeiramente devo dizer que vou usar a Bíblia sim. Me pedir para provar que Moisés existiu sem usar o único livro que cita ele [...]".
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Esse é o primeiro problema de historicidade do personagem bíblico Moisés. É critério histórico (e na minha opinião, o critério mais importante) usar mais de uma fonte para se determinar a historicidade de um fato. Mais que isso, a fonte deve ser independente.
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Éxiste muito mais probabilidade de um fato registrado por duas fontes independentes ser histórico do que se for cidado apenas por uma fonte apenas. O mesmo vale para personagens duvidosamente históricos. Como a Bíblia é o único livro que cita este personagem, é mais que razoável criticar a existencia de Moisés. O mesmo pode ser dito acerca de demais personagens pretenciosamente históricos da Antiguidade até a Idade Contemporânea.
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"Me pedir para provar que Moisés existiu sem usar o único livro que cita ele, seria o mesmo que pedir para eu provar que Augusto Cezar viveu existiu sem usar nenhum livro de História Romana”.
Considero esse comentário uma prestidigitação retórica. O autor, ao comparar Moisés com Augusto Cezar [sic] e a Bíblia com um livro de História Romana já começa pressupondo, ou dando a entender, que a Bíblia é um livro de História. No entanto, as coisas não são tão simples assim.
Existe uma diferença básica entre a Bíblia e um livro de História. Livros de História selecionam dados transmitidos por testemunhas que, direta ou indiretamente, possuem conhecimento do evento. A História começa com certa definição das fontes. De fato, se ao se escrever um livro de História, não se atentar para a definição das fontes, estarás escrevendo ficção apenas.
A Bíblia, por outro lado, é em sua maior parte uma compilação de literatura cujas fontes são anônimas, antigas, tradicionais e criativas.
“Para começar vamos compreender o contexto histórico dos acontecimentos: A força imperial da época era o Egito e, de acordo com a Torah, Moises liderou a libertação da nação de Israel da escravidão do Egito”.
Esse é um dos principais problemas da argumentação desse apologista. Ele pretende definir o contexto histórico dos acontecimentos a partir do próprio texto que está pedindo para ser provado historicamente. É como tentar definir o contexto histórico das origens de Roma a partir dos relatos registrados na Eneida de Virgilio.
A História demonstrou que o suposto contexto histórico registrado nos relatos da Eneida não são histórico, mas refletem apenas tradições recebidas e deturpadas, ou seja, um emaranhado de lendas antigas e que, de acordo com as evidencias arqueológicas, não possuem veracidade histórica.
Guardem bem essa última sentença, pois a análise crítico-histórica da Eneida nos sugere que as respostas para as nossas perguntas e dúvidas sobre a historicidade e contexto histórico do suposto Êxodo bíblico só podem ser respondidos, no atual estágio do desenvolvimento da pesquisa em ciências sociais, a partir da arqueologia. Logo mais, apresentaremos a visão da recente arqueologia acerca dessa questão.
“A primeira pergunta que vem é a seguinte: Em que seria interessante para um egípcio escrever sobre esse triunfo de Moises? Ou nas nações vizinhas, para que alguém escreveria um relato mentiroso que expunha ao ridículo o Todo-Poderoso Egito?”
Essa é uma oportunidade para colocarmos algumas coisas em questão. A pesquisa histórica utiliza o critério da Múltipla Atestação como a determinação de prováveis fatos históricos. Isso significa que fatos relatados por diferentes fontes independentes uma da outra possui mais chances de serem considerados fatos históricos.
Sobre o triunfo de Moisés temos apenas uma fonte que nos relata tal fato. Sendo que a questão da escassez das fontes ainda não foi levantada, seria interessante levantar a seguinte questão: o fato dos egípcios não ter relatado o suposto triunfo de Moisés não abre a possibilidade para a não-ocorrência histórica desse evento? Como o foco desse artigo é a historicidade, essa questão é bastante pertinente e deve ser levantada.
Primeiramente, deve-se frisar que o autor do texto é reducionista no que se refere a sua visão geral dos Egípcios. Não é uma questão de ser “interessante” a fulano ou a sicrano, mas sobre a possibilidade de um egípcio escrever sobre o suposto triunfo de Moisés.
A possibilidade existe, sim. As estelas de Kamose, encontradas no templo de Karnak, no Egito, nos anos 30 do século XX, por H. Chevier corrobora essa possibilidade. Nessas estelas, as vitórias e conquistas do povo asiático chamado “Hicsos” são descritas de forma bastante significativa nos relatos dessa estela. A estela revela o estado caótico em que o Egito passava na época da XIV dinastia. Algo mais surpreendente é que a estela revela que o próprio rei Kamose, de Tebas, não foi capaz de realizar o desejo de expulsar os Hicsos do Egito. Para um rei, isso era uma grande derrota. Ainda assim foi relatada. Desse modo, o argumento de que os egípcios não poderiam registrar os triunfos de outros povos em seus escritos cai por terra.
"Suponha que um babilônico inventasse toda uma história como essa e escreve tudo em um pergaminho. Rapidamente esse pergaminho seria destruído pelos egípcios antes que os escravos começassem a ter delírios de grandeza".
O interessante é que os relatos da estela de Kamose haviam sido escritos em uma tabinha achada em Tebas no ano de 1910, e tais informações contidas nesses relatos foram transmitidos por um período de mais de mil até serem escritas, novamente, pelo historiador egípcio Maneton, no século III a.C.. O argumento de que “rapidamente esse pergaminho [relatos] seria destruído pelos egípcios” não passa de uma suposição infundada. Transferindo o significado da expressão “anti-judaismo” para os egípcios, podemos dizer que a frase do autor acima demonstra um espírito “anti-egiptismo” ao conceder aos egípcios tamanha obstinação em esconder fatos desfavoráveis.
“A história de Moisés foi escrita pelo povo que a viveu, os hebreus. Por que não considerar a versão deles? Seria ela tendenciosa e não verdadeira?”
A versão judaica do relato do Êxodo pode e deve ser considerada, no entanto, na presença de outras versões independentes. De fato, não possuímos a versão egípcia do Êxodo bíblico. Segundo o autor acima, isso se deve porque os egípcios não quiseram escrever tal coisa, pois o Êxodo foi “traumático demais” para eles.
O fato é que essa questão demanda uma resposta muito mais séria e complexa do que se pensa. Em um encontro de História Antiga e Medieval, um dos maiores especialistas na história do Egito, Julio Gralha Ph.D, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita estiveram no Egito, a resposta dele foi incisiva: “Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito”. É interessante os egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.
"[...] se a vida de Moises fosse uma farsa [...] logo que tivesse sido contada, fontes internas e externas a Israel a teriam negado e, na Historia, percebemos o inverso".
O autor realmente desconhece a história de Israel. Sua perspectiva ainda está profundamente influenciada pelos relatos bíblicos. Esse argumento é uma velha estratégia apologética cristã para falsear a historicidade dos relatos bíblicos. Tipo “se Elias não tivesse subido em uma carruagem de fogo para o céu, alguém certamente teria aparecido e desmentido toda a estória”, “se o corpo de Jesus ainda estivesse no sepulcro, os judeus poderiam a qualquer momento aparecer com o corpo e desmentir os apóstolos” e “se Pedro não tivesse curado um coxo com sua sombra, alguém teria aparecido e desmentido a estória”. Esse argumento é errôneo, a medida em que presume a existência de um elemento acusador como condição necessária para a existência de mitos na tradição bíblica. Na ausência desse acusador, segue-se que o relato é verdadeiro e histórico. Esse argumento equivale a dizer que se os relatos da Eneida não fossem históricos, certamente teria aparecido alguém para desmentir suas mentiras épicas sobre a fundação de Roma.
É bastante significativo que historiadores antigos, como Tito Lívio, contam que Rômulo foi o fundador e primeiro rei de Roma, se, de acordo com Grimal (1992), “a fundação de Roma está rodeada de lendas”. Onde estão os sabinos para desmentirem a lenda do Rapto das Sabinas? Onde estão os estruscos, os latinos, os samnitas, etc. para refutarem as falsas alegações históricas dos romanos.
É sabidos que possuímos inúmeras fontes independentes, ainda que lendárias, sobre a origem de Roma. Sobre o Êxodo israelita, o suposto acontecimento que deu origem ao povo israelita como um povo livre, só possuímos uma única fonte.
É interessante como o autor quer que os judeus que viveram nos anos posteriores ao Êxodo fossem tão conscienciosos acerca da história de seu povo. As evidencias arqueológicas demonstram que até o século VII a.C., as tradições que compõem as Escrituras judaicas ainda não haviam sido escritas e que a condição do povo israelita era bastante inferior e rudimentar para que compusessem um povo letrado e criterioso.
Tal como em toda a história judaica, apenas um pequeno grupo de pessoas, a elite, era letrada e erudita o suficiente para transmitir a tradição ao populacho humilde e rural. De acordo com o arqueólogo Philip R. Davies, a literatura bíblica é o produto de uma classe profissional, ou seja, de escribas empregados pelo Templo. Nas sociedades agrárias não mais de 5% da população é letrada e “nunca devemos assumir, como tem sido freqüentemente feito pelos estudiosos bíblicos, que ‘tradições’ populares orais naturalmente se transformam em literatura. ‘Literatura popular’ na Bíblia se parece mais com a ‘música popular’ nas obras de Bartok, Janacek ou Vaughan Williams”. Desse modo, afirmar que existia uma tradição oral bastante popularizada do Êxodo de Moisés na época citada pelo autor do texto é uma suposição sem fundamento.
Os leitores devem ser também profissionalmente letrados. “A literatura não é para o conjunto da sociedade, como pressuposto por muitos estudiosos bíblicos. Escreve-se, em boa parte, para o próprio consumo”. Bibliotecas e arquivos estavam associados a templos e cortes, como se vê em Ugarit, Ebla, Mari, Assíria ou Tell el-Amarna (Egito). Alguma evidência de tais arquivos ou bibliotecas em Judá? É possível, se nós pensarmos nas evidências exibidas por Josefo e fontes rabínicas sobre escritos guardados no Templo.
De fato, temos que analisar o que a arqueologia tem a nos dizer sobre a História de Israel.
Primeiramente, temos que esclarecer os objetivos da arqueologia. Segundo o arqueólogo Philip R. Davies:
“Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do ‘Israel’ bíblico para as páginas da história da Palestina [...] Nós temos que extrair nossa definição do povo da Palestina de suas próprias relíquias. [...] o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico”
A velha impressão do inicio do século XX de que a arqueologia provava a veracidade dos relatos foi uma ilusão oriunda do ato de se interpretar a arqueologia de acordo com a visão já predeterminada da Bíblia.
De fato, primeiramente, só para começar, a arqueologia “purificada” do preconceito bíblico nos tem provado que “não há referências extra-bíblicas ao ‘império’ bíblico de Davi e Salomão”. Para Philip Davies, não podemos identificar automaticamente a população da Palestina na Idade do Ferro (a partir de 1200 a.C.) e de certo modo também a do período persa, com o “Israel” bíblico. Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do “Israel” bíblico para as páginas da história da Palestina.
Considero esse comentário uma prestidigitação retórica. O autor, ao comparar Moisés com Augusto Cezar [sic] e a Bíblia com um livro de História Romana já começa pressupondo, ou dando a entender, que a Bíblia é um livro de História. No entanto, as coisas não são tão simples assim.
Existe uma diferença básica entre a Bíblia e um livro de História. Livros de História selecionam dados transmitidos por testemunhas que, direta ou indiretamente, possuem conhecimento do evento. A História começa com certa definição das fontes. De fato, se ao se escrever um livro de História, não se atentar para a definição das fontes, estarás escrevendo ficção apenas.
A Bíblia, por outro lado, é em sua maior parte uma compilação de literatura cujas fontes são anônimas, antigas, tradicionais e criativas.
“Para começar vamos compreender o contexto histórico dos acontecimentos: A força imperial da época era o Egito e, de acordo com a Torah, Moises liderou a libertação da nação de Israel da escravidão do Egito”.
Esse é um dos principais problemas da argumentação desse apologista. Ele pretende definir o contexto histórico dos acontecimentos a partir do próprio texto que está pedindo para ser provado historicamente. É como tentar definir o contexto histórico das origens de Roma a partir dos relatos registrados na Eneida de Virgilio.
A História demonstrou que o suposto contexto histórico registrado nos relatos da Eneida não são histórico, mas refletem apenas tradições recebidas e deturpadas, ou seja, um emaranhado de lendas antigas e que, de acordo com as evidencias arqueológicas, não possuem veracidade histórica.
Guardem bem essa última sentença, pois a análise crítico-histórica da Eneida nos sugere que as respostas para as nossas perguntas e dúvidas sobre a historicidade e contexto histórico do suposto Êxodo bíblico só podem ser respondidos, no atual estágio do desenvolvimento da pesquisa em ciências sociais, a partir da arqueologia. Logo mais, apresentaremos a visão da recente arqueologia acerca dessa questão.
“A primeira pergunta que vem é a seguinte: Em que seria interessante para um egípcio escrever sobre esse triunfo de Moises? Ou nas nações vizinhas, para que alguém escreveria um relato mentiroso que expunha ao ridículo o Todo-Poderoso Egito?”
Essa é uma oportunidade para colocarmos algumas coisas em questão. A pesquisa histórica utiliza o critério da Múltipla Atestação como a determinação de prováveis fatos históricos. Isso significa que fatos relatados por diferentes fontes independentes uma da outra possui mais chances de serem considerados fatos históricos.
Sobre o triunfo de Moisés temos apenas uma fonte que nos relata tal fato. Sendo que a questão da escassez das fontes ainda não foi levantada, seria interessante levantar a seguinte questão: o fato dos egípcios não ter relatado o suposto triunfo de Moisés não abre a possibilidade para a não-ocorrência histórica desse evento? Como o foco desse artigo é a historicidade, essa questão é bastante pertinente e deve ser levantada.
Primeiramente, deve-se frisar que o autor do texto é reducionista no que se refere a sua visão geral dos Egípcios. Não é uma questão de ser “interessante” a fulano ou a sicrano, mas sobre a possibilidade de um egípcio escrever sobre o suposto triunfo de Moisés.
A possibilidade existe, sim. As estelas de Kamose, encontradas no templo de Karnak, no Egito, nos anos 30 do século XX, por H. Chevier corrobora essa possibilidade. Nessas estelas, as vitórias e conquistas do povo asiático chamado “Hicsos” são descritas de forma bastante significativa nos relatos dessa estela. A estela revela o estado caótico em que o Egito passava na época da XIV dinastia. Algo mais surpreendente é que a estela revela que o próprio rei Kamose, de Tebas, não foi capaz de realizar o desejo de expulsar os Hicsos do Egito. Para um rei, isso era uma grande derrota. Ainda assim foi relatada. Desse modo, o argumento de que os egípcios não poderiam registrar os triunfos de outros povos em seus escritos cai por terra.
"Suponha que um babilônico inventasse toda uma história como essa e escreve tudo em um pergaminho. Rapidamente esse pergaminho seria destruído pelos egípcios antes que os escravos começassem a ter delírios de grandeza".
O interessante é que os relatos da estela de Kamose haviam sido escritos em uma tabinha achada em Tebas no ano de 1910, e tais informações contidas nesses relatos foram transmitidos por um período de mais de mil até serem escritas, novamente, pelo historiador egípcio Maneton, no século III a.C.. O argumento de que “rapidamente esse pergaminho [relatos] seria destruído pelos egípcios” não passa de uma suposição infundada. Transferindo o significado da expressão “anti-judaismo” para os egípcios, podemos dizer que a frase do autor acima demonstra um espírito “anti-egiptismo” ao conceder aos egípcios tamanha obstinação em esconder fatos desfavoráveis.
“A história de Moisés foi escrita pelo povo que a viveu, os hebreus. Por que não considerar a versão deles? Seria ela tendenciosa e não verdadeira?”
A versão judaica do relato do Êxodo pode e deve ser considerada, no entanto, na presença de outras versões independentes. De fato, não possuímos a versão egípcia do Êxodo bíblico. Segundo o autor acima, isso se deve porque os egípcios não quiseram escrever tal coisa, pois o Êxodo foi “traumático demais” para eles.
O fato é que essa questão demanda uma resposta muito mais séria e complexa do que se pensa. Em um encontro de História Antiga e Medieval, um dos maiores especialistas na história do Egito, Julio Gralha Ph.D, ao ser perguntado se existem indícios e evidencias de que o povo israelita estiveram no Egito, a resposta dele foi incisiva: “Não existem quaisquer indícios que os israelitas estiveram no Egito”. É interessante os egípcios se calarem quanto aos israelitas enquanto aludem em demasia os Hicsos, os quais lhes afligiram derrotas piores a do Êxodo por centenas de anos.
"[...] se a vida de Moises fosse uma farsa [...] logo que tivesse sido contada, fontes internas e externas a Israel a teriam negado e, na Historia, percebemos o inverso".
O autor realmente desconhece a história de Israel. Sua perspectiva ainda está profundamente influenciada pelos relatos bíblicos. Esse argumento é uma velha estratégia apologética cristã para falsear a historicidade dos relatos bíblicos. Tipo “se Elias não tivesse subido em uma carruagem de fogo para o céu, alguém certamente teria aparecido e desmentido toda a estória”, “se o corpo de Jesus ainda estivesse no sepulcro, os judeus poderiam a qualquer momento aparecer com o corpo e desmentir os apóstolos” e “se Pedro não tivesse curado um coxo com sua sombra, alguém teria aparecido e desmentido a estória”. Esse argumento é errôneo, a medida em que presume a existência de um elemento acusador como condição necessária para a existência de mitos na tradição bíblica. Na ausência desse acusador, segue-se que o relato é verdadeiro e histórico. Esse argumento equivale a dizer que se os relatos da Eneida não fossem históricos, certamente teria aparecido alguém para desmentir suas mentiras épicas sobre a fundação de Roma.
É bastante significativo que historiadores antigos, como Tito Lívio, contam que Rômulo foi o fundador e primeiro rei de Roma, se, de acordo com Grimal (1992), “a fundação de Roma está rodeada de lendas”. Onde estão os sabinos para desmentirem a lenda do Rapto das Sabinas? Onde estão os estruscos, os latinos, os samnitas, etc. para refutarem as falsas alegações históricas dos romanos.
É sabidos que possuímos inúmeras fontes independentes, ainda que lendárias, sobre a origem de Roma. Sobre o Êxodo israelita, o suposto acontecimento que deu origem ao povo israelita como um povo livre, só possuímos uma única fonte.
É interessante como o autor quer que os judeus que viveram nos anos posteriores ao Êxodo fossem tão conscienciosos acerca da história de seu povo. As evidencias arqueológicas demonstram que até o século VII a.C., as tradições que compõem as Escrituras judaicas ainda não haviam sido escritas e que a condição do povo israelita era bastante inferior e rudimentar para que compusessem um povo letrado e criterioso.
Tal como em toda a história judaica, apenas um pequeno grupo de pessoas, a elite, era letrada e erudita o suficiente para transmitir a tradição ao populacho humilde e rural. De acordo com o arqueólogo Philip R. Davies, a literatura bíblica é o produto de uma classe profissional, ou seja, de escribas empregados pelo Templo. Nas sociedades agrárias não mais de 5% da população é letrada e “nunca devemos assumir, como tem sido freqüentemente feito pelos estudiosos bíblicos, que ‘tradições’ populares orais naturalmente se transformam em literatura. ‘Literatura popular’ na Bíblia se parece mais com a ‘música popular’ nas obras de Bartok, Janacek ou Vaughan Williams”. Desse modo, afirmar que existia uma tradição oral bastante popularizada do Êxodo de Moisés na época citada pelo autor do texto é uma suposição sem fundamento.
Os leitores devem ser também profissionalmente letrados. “A literatura não é para o conjunto da sociedade, como pressuposto por muitos estudiosos bíblicos. Escreve-se, em boa parte, para o próprio consumo”. Bibliotecas e arquivos estavam associados a templos e cortes, como se vê em Ugarit, Ebla, Mari, Assíria ou Tell el-Amarna (Egito). Alguma evidência de tais arquivos ou bibliotecas em Judá? É possível, se nós pensarmos nas evidências exibidas por Josefo e fontes rabínicas sobre escritos guardados no Templo.
De fato, temos que analisar o que a arqueologia tem a nos dizer sobre a História de Israel.
Primeiramente, temos que esclarecer os objetivos da arqueologia. Segundo o arqueólogo Philip R. Davies:
“Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do ‘Israel’ bíblico para as páginas da história da Palestina [...] Nós temos que extrair nossa definição do povo da Palestina de suas próprias relíquias. [...] o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico”
A velha impressão do inicio do século XX de que a arqueologia provava a veracidade dos relatos foi uma ilusão oriunda do ato de se interpretar a arqueologia de acordo com a visão já predeterminada da Bíblia.
De fato, primeiramente, só para começar, a arqueologia “purificada” do preconceito bíblico nos tem provado que “não há referências extra-bíblicas ao ‘império’ bíblico de Davi e Salomão”. Para Philip Davies, não podemos identificar automaticamente a população da Palestina na Idade do Ferro (a partir de 1200 a.C.) e de certo modo também a do período persa, com o “Israel” bíblico. Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das características do “Israel” bíblico para as páginas da história da Palestina.
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Trabalhando com as definições de ‘Israel’, ‘Cananeus’, ‘Exílio’ e ‘Período Persa’, o autor conclui que é simplesmente impossível pretender que a literatura bíblica ofereça um retrato suficientemente claro do que é o seu ‘Israel’, de modo a justificar uma interpretação e aplicação históricas. E reafirma: o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico.
Trabalhando com as definições de ‘Israel’, ‘Cananeus’, ‘Exílio’ e ‘Período Persa’, o autor conclui que é simplesmente impossível pretender que a literatura bíblica ofereça um retrato suficientemente claro do que é o seu ‘Israel’, de modo a justificar uma interpretação e aplicação históricas. E reafirma: o historiador precisa investigar a história real independentemente do conceito bíblico.
Essa situação piora quando retornamos ao período em que o suposto Êxodo bíblico ocorreu.
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A Bíblia relata que, cerca de 400 anos antes de Moisés, os ancestrais do povo de Israel, liderados pelo patriarca Jacó, deixaram seu lar na Palestina e se estabeleceram no norte do Egito, junto à parte leste da foz do rio Nilo. Os egípcios teriam permitido esse assentamento porque, na época, o mais importante funcionário do faraó era José, filho de Jacó. Décadas mais tarde, um novo faraó teria ficado insatisfeito com o crescimento populacional dos descendentes do patriarca e os transformado em escravos.
Por algum tempo, arqueólogos e historiadores acharam que haviam identificado evidências em favor dos elementos básicos dessa trama. No entanto, não achou-se nenhuma menção aos israelitas ou a José e sua família em documentos egípcios ou de outros reinos do Oriente Médio em toda a alegada época em que os israelitas estiveram no Egito. Pior ainda, até hoje não foi encontrado nenhum sítio arqueológico no Sinai que pudesse ser associado aos 40 anos que os israelitas teriam passado no deserto depois de deixar o Egito.
Ora, pode-se argumentar que os textos existentes são bastante escassos e que os textos que provavelmente citavam os israelitas na Bíblica se perderam ou foram destruídos pelos egípcios e por isso não há referencias egípcias sobre os relatos bíblicos do Êxodo.
Finkelstein e Silberman confirmam que as migrações de Canaã para o Egito são bem documentadas pela arqueologia e por textos da época. O fato é que os arqueólogos já possuem muitos escritos e documentos pertencentes a esse período, de modo que não citar o Israel bíblico seria o mesmo que escritores romanos do século I e II deixarem de citar a existência de cristãos no império. A ausência dessa citação é bastante significativa e na maior parte das vezes proporciona evidência negativa a supostos fatos históricos.
De acordo com Milton Schwantes, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, se combinassemos o relato do Êxodo com o que se sabe sobre o contexto histórico dos egípcios da época da Idade do Ferro, o que teríamos não seria a grandiosa cena bíblica, mas sim “uma cena de pequeno porte -- estamos falando de grupos minoritários, de 150 pessoas fugindo pelo deserto. Em vez do exército egípcio inteiro perseguindo essa meia dúzia de pobres e sendo engolido pelo mar, o que houve foram uns três cavalos afundando na lama”.
A Bíblia relata que, cerca de 400 anos antes de Moisés, os ancestrais do povo de Israel, liderados pelo patriarca Jacó, deixaram seu lar na Palestina e se estabeleceram no norte do Egito, junto à parte leste da foz do rio Nilo. Os egípcios teriam permitido esse assentamento porque, na época, o mais importante funcionário do faraó era José, filho de Jacó. Décadas mais tarde, um novo faraó teria ficado insatisfeito com o crescimento populacional dos descendentes do patriarca e os transformado em escravos.
Por algum tempo, arqueólogos e historiadores acharam que haviam identificado evidências em favor dos elementos básicos dessa trama. No entanto, não achou-se nenhuma menção aos israelitas ou a José e sua família em documentos egípcios ou de outros reinos do Oriente Médio em toda a alegada época em que os israelitas estiveram no Egito. Pior ainda, até hoje não foi encontrado nenhum sítio arqueológico no Sinai que pudesse ser associado aos 40 anos que os israelitas teriam passado no deserto depois de deixar o Egito.
Ora, pode-se argumentar que os textos existentes são bastante escassos e que os textos que provavelmente citavam os israelitas na Bíblica se perderam ou foram destruídos pelos egípcios e por isso não há referencias egípcias sobre os relatos bíblicos do Êxodo.
Finkelstein e Silberman confirmam que as migrações de Canaã para o Egito são bem documentadas pela arqueologia e por textos da época. O fato é que os arqueólogos já possuem muitos escritos e documentos pertencentes a esse período, de modo que não citar o Israel bíblico seria o mesmo que escritores romanos do século I e II deixarem de citar a existência de cristãos no império. A ausência dessa citação é bastante significativa e na maior parte das vezes proporciona evidência negativa a supostos fatos históricos.
De acordo com Milton Schwantes, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, se combinassemos o relato do Êxodo com o que se sabe sobre o contexto histórico dos egípcios da época da Idade do Ferro, o que teríamos não seria a grandiosa cena bíblica, mas sim “uma cena de pequeno porte -- estamos falando de grupos minoritários, de 150 pessoas fugindo pelo deserto. Em vez do exército egípcio inteiro perseguindo essa meia dúzia de pobres e sendo engolido pelo mar, o que houve foram uns três cavalos afundando na lama”.
Estamos citando as contradições geográficas e históricas da narrativa do Êxodo apenas de passagem. Citá-las por completo demandaria um tópico inteiro.
Israel Finkelstein, arqueólogo da Universidade de Tel-Aviv, em Israel, conta que uma série de novos assentamentos associados às antigas cidades israelitas aparecem na Palestina por volta da mesma época em que a estela de Merneptah foi erigida. Acontece que a cultura material -- o tipo de construções, utensílios de cerâmica etc. -- desses "israelitas" é idêntica à que já existia em Canaã antes de esses assentamentos surgirem. Tudo indica, portanto, que eles seriam colonos nativos da região, e não vindos de fora.
Para Finkelstein, isso significa que a história do Êxodo foi redigida bem mais tarde, por volta do século 7 a.C. O confronto com o Egito teria sido usado como forma de marcar a independência dos israelitas em relação aos vizinhos, que estavam tentando restabelecer seu domínio na Palestina. A figura de Moisés, talvez um herói quase mítico já nessa época (talvez associado a legislação israelita antes mesmo de ter sido associado ao Êxodo bíblico), teria sido incorporada a essa versão da origem da nação.
De acordo com Davies, a arqueologia tem nos mostrado que “a estória de Israel do Gênesis a Juízes não deve ser tratada como história” assim como “o resto da estória bíblica, de Saul ou Davi em diante”, mas sim como “obviamente literária”. Ele comenta que “Baseado em dados bíblicos e não-bíblicos, as condições sociais apropriadas para a emergência do Israel bíblico parecem poder ser encontradas no Yehud [Judá] da época persa”.
Davies argumenta, baseado em pesquisas feitas por E. A. Knauf, que o hebraico bíblico não corresponde a nenhuma das línguas israelitas, tais como estão nas inscrições. “Knauf conclui que o hebraico bíblico é a língua de um corpus literário que apareceu, segundo seu ponto de vista, nos períodos exílico e pós-exílico". De modo que não há argumentos lingüísticos para datar a literatura bíblica no período pré-exílico.
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Assim, Davies também comenta que “foi durante os Períodos Persa e Helenístico que a literatura bíblica deve ter sido composta, e é na sociedade desta época que nós devemos agora procurar pelas pré-condições que permitiram e motivaram a geração deste construto ideológico que é o Israel bíblico”.
Assim, Davies também comenta que “foi durante os Períodos Persa e Helenístico que a literatura bíblica deve ter sido composta, e é na sociedade desta época que nós devemos agora procurar pelas pré-condições que permitiram e motivaram a geração deste construto ideológico que é o Israel bíblico”.
O argumento de que “se o Êxodo fosse mentira logo teria sido desacreditado” baseia-se no desconhecimento das reais circunstancias históricas que culminaram na criação desse relato. Davies enfatiza que a sociedade de Israel tem seu verdadeiro inicio no século VII a.C. e que a história literária do Êxodo deu-se aproximadamente da seguinte forma: “[...] a classe dos escribas desta nova sociedade cria uma identidade e uma herança para si mesma na Palestina, uma identidade expressa em um corpus literário vigoroso e marcante. A esta identidade é dado o nome ‘Israel’ (que agora existe ao lado de Judá). A própria sociedade, ou mais propriamente partes desta sociedade, transformar-se-á naquele Israel que ela mesma criou, na medida em que ela aceita a presumida história deste Israel como a sua própria história, aceita sua constituição, crenças e hábitos como seus, e começa a encarnar aquela identidade. Este é, como eu o vejo, um processo chave na transformação de uma sociedade histórica em um ‘Israel’ autoconsciente com uma longa e impressionante história”.
Resumindo, as evidencias arqueológicas nos apresentam as seguintes conclusões:
1. Não há vestígio algum de hebreus no deserto do Egito a Israel. Para o mesmo período, há apenas aldeias rurais da Idade do Bronze, de poucas centenas de habitantes, sempre na região de Israel. Nada significante fora de lá. A formação deste povo, segundo os achados arqueológicos, foi pela junção e crescimento de tais assentamentos.
2. Não há indícios de escravidão hebraica no Egito. Os egípcios sequer escravizavam como relata os detalhes da Bíblia, eles tinham outros tratamentos. Além disso, eles relatavam - e adoravam isso - sobre os escravos de guerra... e não há hebreus no meio.
Julio Gralha também afirma que “a forma de servidão mostrada nos textos bíblicos em nada se parece com os indícios históricos e arqueológicos. Ou seja, é mais uma questão de fé”.
3. Dizer que os egípcios não relatavam suas derrotas é uma invenção cristã. Eles relatavam suas derrotas, empates e vitórias e, em todos os casos, romanceavam o heroísmo do exército e a divindade do faraó. E não há nenhum exército destruído por um mar que se abre.
4. As migrações de Canaã para o Egito e vice-versa são bem documentadas pela arqueologia e por textos da época. A ausência da citação do Israel bíblico é bastante significativa, e sugere que Israel jamais esteve no Egito.
Fienkelstein afirma que “existe indicação abundante de textos egípcios da Idade do Bronze posterior (1550-1150 a.C.) sobre assuntos em Canaã, na forma de cartas diplomáticas, listas de cidades conquistadas, cenas de cercos gravados nas paredes dos templos do Egito, anais dos reis egipcios, obras literárias e hinos”. Ainda assim, não há nem sequer uma pequena indicação de que Israel esteve no Egito.
5. Não há relatos de nenhuma das pragas, por mais que os crentes adorem compará-las com eventos da natureza. Os relatos do Papiro de Ipuur (Papiro de Ipuwer) foram escritos aproximadamente durante o primeiro e o segundo periodo intermediário de Egito, de cerca do ano 1850 a 1600 a.C., de modo que não possuem relação nenhuma com o Êxodo bíblico.
6. Não há relatos de mortes em série de primogênitos, ainda mais o do faraó. E as mortes da família do faraó são registradas fartamente.
7. Nenhum posto ou cidade egípcia, assim como nenhum outro povo do deserto relatam a fuga e a passagem dos hebreus. E haviam milhares no caminho. Até na Bíblia há relatos de confrontos.
8. Não há registros de Moisés, Josué, Abraão.
9. Os achados da suposta época de Salomão, após o Êxodo, mostram aldeias centenas de vezes mais atrasadas e menores que o povo que fugiu do Egito.
10. Afirmar que “alguém” poderia desmentir os relatos do Êxodo se fossem falsos, é ignorar o contexto sócio-histórico da época, em que a lenda ainda estava em pleno desenvolvimento.
"Um fato interessante é que a seqüência dos acontecimentos narrados faz com que Moisés tenha realmente existido. Veja, alguns fatos históricos sobre Israel: 538 a.C. - O Rei Ciro, dos Persas, assina o edito que liberta o povo de judeu do Egito. Esse acontecimento envolve uma outra nação além de Israel, a Pérsia). Se essa referência ao edito do Rei Ciro, encontrada na Bíblia, não fosse verdadeira, os pérsas já teriam exposto provas de que não o é e o Antigo Testamento não teria credibilidade há muito tempo. E outro aspecto interessante que comprova que esse edito é real: Se Esdras (que cita essa passagem) escrevesse algo para enganar o povo, de forma nenhuma ele citaria outras nações ou outros reis, pois se estivesse mentindo, sua farsa seria revelada com mais facilidade".
É fato reconhecido pela História que praticamente todas as nações da terra inventavam lendas e ficções relacionando elas mesmas com as demais. Nem por isso, houve um processo de refutação universal de mentiras forjadas por essas nações em toda a história. Grande parte dessas estórias não eram feitas para serem lidas pelo povo ou pelas nações vizinhas. Apenas uma elite tinha acesso a esse conhecimento, e por isso esses relatos poderiam ganhar prestigio na medida em que se tornavam mais antigos.
"Se Saul existiu e foi rei, logo a história dos Juízes é verdadeira. Imagine se o Presidente Lula saísse falando que ele foi o primeiro presidente da história do Brasil, alguém acreditaria? Não! Pois todos sabemos que ele não o é. Portanto se tivesse existido outros reis antes de Saul e algum desocupado inventasse uma história de que Saul teria sido o primeiro rei, ninguém acreditaria e o boato logo desapareceria. Saul, portanto foi o primeiro rei de Israel e antes dele, a nação era governada pelos juízes".
Como já foi enfatizado, a conclusão dos arqueólogos é que tais relatos foram criados centenas de anos após o periodo em que supostamente ocorreram. São criações tradicionais e literárias cujo objetivo eram sustentar ideologias nacionais. Da mesma forma, se a lenda de Rômulo sobre ter sido o fundador de Roma fosse mentira, ninguém teria acreditado. Mesmo assim os romanos acreditaram nessa lenda que, por sua vez, provou-se, pela arqueologia, ser fictícia. De fato, a simplificação grosseira que o autor faz acima, como se pudesse deduzir a realidade social e cultural daquela época a partir dos próprios preconceitos atuais, não possui fundamento algum.
Daqui em diante, o autor cria uma falsa relação de causa e efeito de forma bastante imaginativa com os relatos bíblicos seguintes, do tipo “se x aconteceu, y também aconteceu; se y aconteceu, logo z também aconteceu”.
Um ponto interessante é quando o autor faz a seguinte afirmação:
“Se a tomada de Jericó aconteceu, logo Moisés existiu”.
De acordo com Finkelstein, “descobertas que revolucionaram o estudo do Israel primitivo lançaram sérias dúvidas sobre as bases históricas das tão famosas estórias bíblicas como as peregrinações dos patriarcas, o Êxodo do Egito, a conquista de Canaã e o glorioso império de Davi e Salomão”.
Finkelstein faz uma afirmação ainda mais interessante: “Os locais mencionados na narrativa do êxodo são reais. Alguns eram bem conhecidos e aparentemente estavam ocupados em épocas mais antigas e em épocas mais recentes - após o estabelecimento do reino de Judá, quando a narrativa bíblica foi pela primeira vez escrita. Infelizmente, para os defensores da historicidade do êxodo, estes locais estavam desocupados exatamente na época em que aparentemente eles exerceram algum papel nas andanças dos israelitas pelo deserto”.
É interessante que na época da suposta queda de Jericó havia um forte governo de Ramsés II presente em Canaã, como se pode ver na fortaleza egípcia de Bet-Shean e em Meguido, de modo que os egípcios em Canaã não ficariam indiferentes a uma destruição tal como a de Josué.
A chamada “arqueologia da conquista”, da primeira metade do século XX, em que arqueólogos cristãos tentaram defender a versão de Josué mediante as escavações de Albright em Tell Beit Mirsim/Debir (1926-1932), dos britânicos em Tell ed-Duweir/Lakish (1930ss) e do israelense Yigael Yadin em Tell el-Waqqas/Hasor (1956) entrou em crise exatamente após serem realizadas novas pesquisas em Jericó, Ai, Gabaon, concluindo que muitas dessas cidades nem sequer existiam no século XIII AEC, fazendo cair o consenso sobre a conquista de Canaã.
Finkelstein afirma que “os príncipes das cidades de Canaã (descritos no livro de Josué como poderosos inimigos) eram, na verdade, pateticamente fracos. Escavações mostraram que [...] não existiam muros em torno das cidades. As formidáveis cidades canaanitas descritas nas narrativas de conquista não eram protegidas por fortificações!”
E continua: “Jericó estava entre as [cidades] mais importantes. Como já observamos, as cidades de Canaã não eram fortificadas, e não existiam muralhas que pudessem desmoronar. No caso de Jericó, não havia traços de nenhum povoamento no século XIII a.C., e o antigo povoado, da Idade do Bronze anterior, datando do século XIV a.C., era pequeno e modesto, quase insignificante, e não fortificado. Também não havia nenhum sinal de destruição. Assim, famosa cena das forças israelitas marchando ao redor da cidade murada com a Arca da Aliança, provocando o desmoronamento das poderosas muralhas pelo clangor estarrecedor de suas trombetas de guerra, era, para simplificar, uma miragem romântica”.
De fato, podemos dizer que, seguindo a linha de raciocínio do autor do texto, se a tomada de Jericó NÃO aconteceu, logo Moisés NÃO existiu.
“Portanto, se Moisés não existiu, Josué não o substituiu; Se Josué não o substituiu, Jericó não foi tomada; Se Jericó não foi tomada, o período dos juízes não aconteceu; Se o período dos Juízes não aconteceu é impossível Saul ter sido o primeiro rei de Israel; Obviamente, Davi não foi perseguido por um rei chamado Saul e não assumiu o trono após ele; Se Davi não foi Rei, o reino não dividiu em duas partes; Se o reino não se dividiu em duas partes... e assim por diante”.
Pela primeira vez em todo o texto, o autor está correto e em plena harmonia com as descobertas da arqueologia contemporânea.
“Portanto, se Moisés não existiu, toda a história de Israel foi inventada. E aí você entra em uma sinuca de bico”.
O problema de se tirar conclusões lógicas sem um profundo conhecimento histórico é esse. As generalizações não param por aí...
"Se Moisés não existiu, 28 escritores (que pouco, ou nunca, se comunicaram) em um período de 800 anos aproximadamente, escreveram mentiras que se tornaram as Histórias do povo de Israel. E o pior, tem que aceitar que o povo aceitou essas mentiras como verdade sabendo que são mentiras!"
Esse é mais um dos clássicos argumentos apologetas cristãos, que se destacam de duas formas: 1) pressupõe que algo, que foi amplamente acreditado por muito tempo e muitas pessoas, não pode ser mentira 2) dar a impressão de que praticamente seria necessário um “milagre grandioso” para que o povo acreditasse numa mentira.
Esse mesmo argumento é usado no caso da ressurreição de Cristo, em que os apologetas acreditam que somente somente algo absolutamente sobrenatural seria capaz de explicar a intensa fé cristã na ressurreição e que é praticamente impossível que tal fé pudesse ter sido forjada.
"Tudo que citei foi no campo histórico".
O interessante é que o autor não cita sequer uma fonte para apoiar suas idéias. Apenas usa de seu “raciocínio lógico” – coisa que funciona muito bem em construções imaginárias, mas que, na pesquisa histórica, deve vir, incondicionalmente, acompanhado de fatos.
"Todos em Israel acreditam que esses preceitos lhes foram dados por um tal de Moisés. Basta fazer o processo acima e ir voltando a fita. Se Moisés não existiu, alguém os entregou isso e conseguiu com que acreditassem que foi um tal de Moisés".
A questão de se todos os judeus acreditam nisso ou não é outra questão. Ainda que acreditem intensamente e até mesmo morram por isso, isso não torna os relatos verdadeiros. A fé de um povo em algo não o torna verdadeiro. Ademais, é interessante frisar que o próprio Finkelstein é um judeu, e que possivelmente os cristãos dão mais crédito a esses relatos bíblicos do que os próprios judeus da atualidade dão.
"Por que essas leis e rituais tiveram aceitação do povo?"
Acredito que uma análise paralela aos povos pagãos ajudaria a responder a essa questão: porque as leis de Licurgo (um personagem fictício) e rituais de mistério tiveram aceitação do povo pagão? Pelo fato de serem pagãos? Não há nada no mundo capaz de impedir um determinado povo a acreditar em uma lenda se os mesmos estiverem propensos a acreditar. E isso é verdade principalmente para os povos da Antiguidade, que acreditavam em coisas que deixariam os contos-da-carrouchina de boca aberta.
"Exatamente porque a pessoa que os entregou tinha credibilidade entre o povo".
Aqui o autor reconstrói um episódio que julga ser histórico de uma forma imaginária. O fato é que não se tem conhecimento de que a situação tenha sido exatamente essa, e que os indícios e evidencias arqueológicas nos levam para um contexto totalmente diferente daqueles oriundos pela imaginação criativa e “lógica” do autor.
"Se fosse um Zé Ninguém que tivesse saído no meio dos arraiais com um novo código de regras ninguém ia aceitar, muito menos levar o nome de um tal de Moisés (que ninguém viu) por vários séculos".
Como frisamos, a real situação histórica não pode e nem é tão simplista como o autor quer que seja.
"Portanto, é mais lógico e mais racional acreditar que Moisés existiu".
Da mesma forma que é mais sensato e honestamente aceitável acreditar, seguindo as recentes descobertas arqueológicas e históricas – as quais são as únicas disciplinas que de fato podem nos ajudar a resolver essa questão -, que o Moisés bíblico nunca tenha existido.
Fica-se, portanto, provado mais uma vez que os apologetas cristãos deturpam, distorcem, omitem e acrescentam coisas de forma desesperada, em um intuito cego e fanático de provar sua fé.
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Esperamos que em um futuro próximo o fanatismo e a ignorancia possam deixar de reinar no seio da cristandade e que a mesma possa desfrutar de uma visão mais abrangente da realidade.
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Charles Coffer Jr.
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