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sábado, 7 de fevereiro de 2009

MASHIACH BEN EFRAIM: As Raízes Catastróficas do Imaginário Messiânico Cristão Primitivo


Acreditava-se, até recentemente, que os judeus da Palestina judaica da época de Jesus concebiam a vinda de um só messias, o messias "filho de Davi", que restauraria a realeza. No entanto, novas descobertas - e com elas novas interpretações sobre o imaginário judaico-cristão primitivo - têm mudado essa visão. Mediante essas descobertas, os pesquisadores se tornaram cada vez mais dispostos a conceberem o messianismo judaico da época de Jesus como pluriforme e variado, existindo não só uma ou duas, mas inúmeras concepções sobre o messias.


O presente trabalho traz alguns apontamentos o chamado "messianismo catastrófico", sua antiguidade e sua relação com as tradições cristãs. Esperamos contribuir também para apagar os mitos de que os judeus do primeiro século não foram capazes de conceber um messias que morre e que a concepção messiânica na época de Jesus era homogênea.


Não foram poucos os estudiosos que alegaram que a idéia de um messias sofredor, cujo destino era ser humilhado e assassinado, era uma idéia estranha às tradições messiânicas existentes na Palestina judaica do século I d.C. Rudolf Bultmann (apud, KNOHL, 2001) talvez tenha sido o estudioso que mais contribuiu para a disseminação da visão.


Geza Vermes (2006: 215), por sua vez, não deixa dúvidas de que o modelo de messias que morre é posterior à escrita dos Evangelhos bíblicos, afirmando que a representação do Messias assassinado da tribo de Efraim na literatura rabínica é de pouca valia para o estudo dos Sinóticos, pois nenhum texto fala do Messias assassinado em época anterior à segunda revolta judaica contra Roma durante o reino de Adriano (132-5 d.C.).


Com freqüência, a literatura rabínica faz menção a um messias chamado "Messias ben Efraim", também chamada de "Filho de José" ou "Filho de Efraim", que deveria morrer para salvar Israel. O Talmude Babilônico, Sukka 52ageralmente é concebido como a primeira referência ao messias filho de José na literatura rabínica.


De acordo com o Talmude, Jerusalém se lamenta pelo assassinato do Messias filho de Efraim, cuja morte faria com que o Messias filho de Davi retornasse a terra para estabelecer o reinado messiânico, logo após ressuscitar o Messias filho de Efraim dos mortos.


No entanto, a escritura do Talmude só começou nos séculos posteriores ao cristianismo e, portanto, conforme o exposto por Geza Vermes, o Messias Filho de José pode ser uma invenção judaica criada a partir de Jesus competir para o cristianismo.


Em todo caso, tal modelo de messias era concebido pelos estudiosos como bastante tardio para ser capaz de trazer alguma contribuição aos estudos sobre o cristianismo primitivo, e foram muitos os especialistas que viram na figura messiânica de Efraim, ou Messias filho de José, uma "cópia" deliberada da figura messiânica de Jesus apresentada nos Evangelhos, e por isso não lhe deram crédito e muito menos antiguidade.


No entanto, como ressalta Scardelai (1998: 120), a doutrina messiânica no tempo de Jesus é marcado pela fluidez e espontaneidade, além da quase total ausência de princípios doutrinários cristalizados e de uma forma única. Em outras palavras, não se deve esperar que o messianismo paletino-judaico do primeiro século apareça com uma só forma.


Existiam outros modelos de personagens bíblicos que serviriam para formar outros e diferentes tipos de messias naquela época a serem assimilados por diversos grupos – inclusive o cristianismo.


Um desses modelos seria o do "servo sofredor", tal como apresentada no texto do profeta Isaias (53.3-5) que o retrata como justo, manso e humilde, afirmando que o mesmo foi "desprezado e abandonado pelos os homens", e que levou "nossos sofrimentos sobre si e nossas dores".

Flusser (apud, SCARDELAI, 1998: 299), erroneamente, afirma que a idéia do messias como o "servo sofredor" de Isaias foi exclusiva do cristianismo, afirmando que a exegese judaica não aplica a imagem do "servo de Isaías" às qualificações pessoais messiânicas.


No entanto, essa visão é equivocada. Knohl (2001: 38) afirma que interpretação messiânica de Isaias 53, sobre o "servo sofredor" não foi descoberta na igreja cristã. Ela já havida sido desenvolvida pelo Messias de Qumrã.


O movimento de Qumrã, de acordo com Knohl (2001: 28, 31), já trazia a idéia de que o messias iria padecer, mas que também seria glorificado, que consta nos "Hinos Messiânicos dos Manuscritos do Mar Morto":


"[Quem] foi desprezado como [eu? E quem] foi rejeitado [pelos homens] como eu? Quem, como eu, suport[ou todas as] aflições? Quem se compara a mim [na resist]ência do mal? [...] [Q]uem foi considerado desprezível como eu e, no entanto, quem é igual a mim em minha glória?"


Tendo essa idéia sido explorada, juntamente com a do messias levítico, antes mesmo do cristianismo vir a existir, é lógico conceber que vários movimentos messiânicos e apocalípticos dos primeiros séculos compartilhavam dessas mesmas crenças.


De acordo com Mitchell (MITCHELL, 2008 [online]), esse modelo de "servo sofredor" foi o principal inspirador de um tipo de messianismo diferente do messianismo real e sacerdotal, e que podemos encontrar indícios da existência da crença nesse messias nos Manuscritos de Qumrã. Esse modelo foi chamado de "messianismo efraimita-josefita", ou "Messias filho de Efraim/José".
Para provar a existência desse messias, Mitchell (2008: 03 [online]), compara as afirmações do Talmude Sukka 52b, que faz menção a quatro personagens escatológicos, chamados de "Os Quarto Artesãos", com o manuscrito de Qumrã de 4Q175 (4QTestimonia), uma antologia messiânica e coleção de textos bíblicos fundamentais ou "testemunhos", relacionadas com a crença messiânica. Ambos os documentos trazem o seguintes personagens desse quarteto messiânico: 1) o "Messias filho de Davi"; 2) o "Sacerdote Justo", ou "Melchizedek" (Melquisedeque); 3) Elias; 4) o "Messias da Guerra", que se refere ao "Messias filho de José".

Esse quarto messias é identificado com o personagem bíblico Josué, o general israelita, da tribo de José/Efraim, que comandou Israel na Conquista de Canaã. De fato, Josué foi homem de guerra e sucessor de Moisés, da tribo de Efraim, filho de José. Ele é, sem dúvida, o herói do quarto depoimento, assim como Moisés, a Estrela de Jacó, e os Sacerdotes Levita são os heróis dos três primeiros (MITCHELL, 2008: 01 [online])

Desse modo, Mitchell prova não apenas que a tradição rabínica do Messias filho de Efraim/José é pré-rabínica, como também pode ter influenciado a formação da imagem de culto cristã.
A partir dessas considerações, pode-se deduzir a existência de um modelo de messias hoje esquecido, mas existente e provavelmente bastante popular na época de Jesus, cujo nome era Messias filho de José, identificado como um "novo Josué". Também se pode deduzir o papel desse messias nos eventos escatológicos: lutar contra os inimigos de Israel, ser derrotado, padecer, morrer e ressuscitar dos mortos.


Kraft (2008 [online]) também comenta que uma versão latina de 4 Esdras 7.28f traz a figura do Messias vitorioso denominado "Josué", o qualmorre na transição para o novo mundo e cita uma tradução grega de Habacuque 3.13 que traz: "Tu sais para salvamento do teu povo, por Josué o teu ungido" ao invés de "Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu ungido".


Os Oráculos Sibilinos 5.256-259 (In: KRAFT,2008 [online]), que data do ano de 140 a.C., traz a seguinte passagem messiânica: "[...] uma vez que deve vir do céu, um homem de pré-eminente […] o mais nobre dos Hebreus [...] que em seu tempo fez o sol parar" (tradução nossa).O único personagem bíblico que fez o sol parar foi Josué, na batalha de Aijalon (Js 10.12-14). Desse modo, esse homem "pré-eminente" configura um novo e escatológico Josué. Desse modo, também podemos questionar se o nome de Jesus de Nazaré não é mais que um título messiânico.
Knohl (2001: 41) propôs a hipótese de que a crença no messias que morre e ressuscita ao terceiro dia era uma representação imaginária bastante comum na Palestina do primeiro século – até mesmo muito tempo antes de Jesus ter nascido.

Essa hipótese foi confirmada em julho de 2008, pela descoberta do texto recém publicado chamado "Apocalipse de Gabriel", em que, de acordo com as restaurações textuais de Israel Knohl e de Ada Yardeni, também traz a idéia do messias ressurrecto. Esse texto data do final do século I a.C., o que significa que se trata de um documento pré-cristão (YARDENI, 2008 [online]).

Nas linhas 16-17 há a frase "Meu servo Davi, peça a Efraim [que ele col]oque o sinal..." (YARDENI, 2008 [online], linhas 16-17, p. 01). Infelizmente, a natureza do sinal não é especificada, mas, segundo Knohl (2009 [online]), parece ser o sinal de salvação. No entanto, o fato de Davi ser enviado por Deus para fazer um pedido a Efraim para colocar o sinal pode atestar que Efraim está em uma posição superior. Ele, e não Davi, é a pessoa-chave que é convidada a colocar o sinal; Davi é apenas o mensageiro.

Na linha 80 desse escrito, Gabriel determina ao "príncipe dos príncipes" (o messias) que: "Depois de três dias, viva (ressuscite)!" (YARDENI, 2008 [online],. linha 80, p. 02). Essa passagem - tal como a tradição que serviu de base para Apocalipse de João, cap. 11, como o Apocalipse de Zerubabel, e como o Oráculo de Histaspes – mostra que, em uma época anterior ao cristianismo, existiam expectativas messiânicas ligadas a crença de que o messias morreria e ressuscitaria no terceiro dia.

É importante frisar que as principais "profecias messiânicas" usadas pelos primeiros cristãos para fundamentar biblicamente a crença na ressurreição de Jesus, a saber, Oséias 6.2; 11.1 e Ezequiel 37, etc. fazem referência a união das Casas de Judá e de Efraim. É provável que a associação dessas profecias a Jesus fosse bastante antiga, de modo que permaneceram mesmo após a identidade efraimita do messianismo de Jesus ter sido suplantada e/ou esquecida.

Seja como for, temos várias indicações da presença de elementos efraimitas na tradição evangélica bíblica.

O Evangelho de João, que traz materiais tradicionais bastante antigos sobre Jesus, muitas vezes faz alusão a uma idéia diferente de messias, que se coaduna muito mais ao modelo messiânico efraimita que ao modelo davídico. Pietrantonio (2008 [online]) apresenta algumas indicações no Evangelho de João da influência do messianismo efraimita:

[...] o EvJn (Evangelho de João] 11,54 relata que Jesus permaneceu três meses, segundo sua cronologia, em uma aldeia chamada Efraim. No NT [Novo Testamento] essa é a única vez e o único lugar em que se recorre a esse nome. [...] A razão histórica dada pelo EvJn é que sacerdotes e fariseus (11,47) decidiram matá-lo (11,53). [...] A retirada a Efraim geográfica, na redação do EvJn, requer uma compreensão teológica, profundamente cristológica, enraizada em uma das expectativas messiânicas daquele tempo, a do Messias ben/bar Efraim/José (tradução nossa).

O Evangelho de João 11.50 também faz uma alusão explícita à tradição efraimita, quando afirma que o sumo-sacerdote José Caifás profetizou que Jesus deveria morrer "pela nação e não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos".

Os "filhos de Deus", que andam "dispersos" se referem as Doze Tribos dispersas na época do Exílio Babilônico, que ocorreu no século VII a.C. Reunir as doze tribos e as duas casas de Israel, a saber: a Casa de Judá e a Casa de José/Efraim, era uma das prerrogativas do messias.

De acordo no Talmude Sukka 52a (cf.MITCHELL, In: AVERY-PECK, 2006: 83), quando o messias filho de Davi pede o "dom da vida" para que possa ressuscitar o messias filho de José, que foi morto pelas forças de Gogue e Magogue, o messias filho de José é o "primeiro da ressurreição dos mortos": não somente o messias filho de José é ressuscitado, mas também se realiza a esperança da ressurreição geral de todos os mortos profetizada em Daniel 12.2.

Da mesma forma que Jesus Cristo foi o "primeiro da ressurreição dos mortos" (1Co 15.20; Atos 26.23), o messias filho de José seria o primeiro a ressuscitar no evento da ressurreição geral de todos os mortos justos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. 4ª impressão. São Paulo: Ed. Paulus, 2006.
KNOHL, Israel. O Messias antes de Jesus.Rio de Janeiro: Ed. Imago, 2001.
____________. The Messiah Son of Joseph: "Gabriel's Revelation" and the birth of a new messianic model. In: Biblical Archaeology Review.
KRAFT, Robert A. Was there a "messiah-joshua" tradition at the turn of the era?
MITCHELL, David C. Rabbi dosa and the rabbis differ: Messiah ben Joseph in the Babylonian Talmud. In: AVERY-PECK, Alan J.(Ed.). The Review of Rabbinic Judaism. Ancient, Medieval and Modern. Volume 9. Leiden,The Netherlands: Koninklijke Brill, 2006.
__________________. The Fourth Deliverer: A Josephite Messiah in 4QTestimonia.
PIETRANTONIO, Ricardo. El Mesías Asesinado. El Mesías ben Efraim en el Evangelio de Juan.
SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.
VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.
YARDENI, Ada. Hazom Gavriel in English.The Apocalypse of Gabriel.

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