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domingo, 30 de março de 2008

A lenda do túmulo vazio

Texto postado orginalmente em:
http://www.jesuspolice.com/common_error.php?id=22
Tradução: Aíla (depois será retomado)
Forum MPHP


O túmulo vazio

- A Posição da Igreja

Mc 16,4-6 E, olhando, viram que a pedra já estava removida; pois era muito grande. Entrando no túmulo, elas viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto.

- A Posição dos Estudiosos
"... O túmulo vazio é uma lenda recente, introduzida pela primeira vez por Marcos na narrativa" (Fuller, 1971, p. 52).

"... critérios internos apóiam a hipótese de que a história do túmulo e a narrativa da Paixão no início não constituíam uma unidade orgânica" (Alsup, 1975, p. 96).

"... a narrativa do sepultamento em Marcos pertence à tradição da Paixão e é antiga. A visita ao túmulo é lendária" (Mann, 1986, p. 660).

"Eu posso assegurar que a história do túmulo vazio, com todos seus detalhes circunvizinhos, inclusive o cenário de Jerusalém, nada mais é que um recente acréscimo lendário à história da fé" (Spong, 1994, p. 180).

"Há um consenso de opinião entre estudiosos contemporâneos que as narrativas do túmulo vazio são acréscimos recentes às narrativas do evangelho e estão separadas dos relatos da paixão" (Thompson, 2006, p. 36).

- A Realidade

A saga do túmulo vazio é um dos principais temas no estudo do Jesus histórico. A menção de Paulo sobre a ressurreição é a primeira referência histórica, mas ele não oferece muitos detalhes; e ainda, o enfoque dele está na importância teológica do evento. É o registro de Marcos sobre a ressurreição que nos oferece o primeiro vislumbre do que poderia realmente ter acontecido, e as histórias nos outros Evangelhos derivam do relato de Marcos. Desde que a história do “túmulo vazio” em Marcos é a escora sobre a qual as outras três histórias dos demais evangelhos se sustentam, então, precisamos voltar nossa atenção a ela.

Túmulo vazio é uma expressão comum usada para descrever o fato de que o corpo de Jesus não foi encontrado no túmulo. Nos três evangelhos (Mateus, Lucas e João), o túmulo não há ninguém, mas no evangelho de Marcos Maria Madalena encontra um "homem jovem sentado ao lado direito, vestido de branco" (16,5). Marcos nunca nos diz quem é este jovem. Jardineiro? Jesus? Um discípulo? Um anjo? Os outros evangelhos ampliarão e modificarão esta cena, mas a linha de fundo é que o corpo de Jesus sumiu e daí vem a expressão "túmulo vazio".

- O túmulo vazio é literário

Cada dos evangelistas tem o seu próprio estilo literário, o exemplo mais famoso é o tema mateano de "Jesus como novo Mosés". Marcos também emprega um estilo literário. Um dos estilos empregados por Marcos é o tema da "reversão da expectativa" (Carrier, 2005). Marcos gosta de chocar o leitor. Um soldado romano é quem reconhece que Jesus é o Messias e não os judeus que assistem à crucificação. São as mulheres que notam o desaparecimento, não os homens. Um estrangeiro (Simão de Cirene) é quem ajuda a levar a cruz, não discípulos, etc. Assim, uma parte desta reversão da expectativa é quando vêm ao túmulo e ele está vazio.

A adoção de um estilo literário não nega o fato que Jesus histórico possa ter feito isto ou aquilo, ou ter dito isto ou aquilo, mas o grande número de exemplos leva-nos a desconfiar disto enquanto relato histórico verdadeiro. Em outras palavras, todas estas coisas inesperadas aconteceram realmente, ou isto faz parte do estilo dramático do evangelho de Marcos?

Não podemos saber com certeza. Mas desde que o túmulo vazio se ajusta tão bem ao estilo literário de Marcos, isto levanta uma "bandeira vermelha" e nos dá razão para olhar mais de perto e ver que evidências existem para este detalhe como evento histórico.

- O túmulo vazio não é original

Carrier (2005) oferece uma ampla análise do conceito “túmulo vazio” no Evangelho de Marcos, apontando alguns antecedentes históricos, religiosos, e literários possíveis…

- o mito de Osíris, que perseguido por 72 conspiradores (o Sinédrio tinha 71 membros + Judas = 72), teve o cadáver selado em um caixão (caverna) e ressurgiu durante a lua cheia (a Páscoa) depois de três dias.

- as passagens dos Salmos, especialmente o pranto de Jesus na cruz (Mc 15,34; Sl 22,1), os insultos dos expectadores (Mc 15,29, Sl 22,7), as sortes sobre as vestes (Mc 15,24, Sl 22,18), o corpo traspassado (Sl 22,16) e a ressurreição no terceiro dia (Sl 24).

- a teologia órfica, datada de aproximadamente 400 AEC, que menciona “um cipreste branco do lado da mão direita” do túmulo (Mc 16,5), os guardiões no túmulo (Mc 16,6) que recomendam aos que buscam o corpo a procurarem em outro lugar (Mc 16,7), e a admoestação para beber das águas sagradas (Mc 14,24).

É provável que os escritores do Evangelho de Marcos estivessem familiarizados com estes mitos e lendas, e isto pode dar conta das semelhanças muito próximas. Realmente, estas nos levam a perguntar se o relato de Marcos é ou não verdadeiramente histórico ou meramente derivado, ou seja, se é uma releitura dos mitos e lendas conhecidos. E sem o relato de Marcos como base firme, qualquer releitura adicional, por Mateus, Lucas e João, fica sem valor empírico.

Novamente, o fato de que o túmulo vazio seja derivado como também literário não significa que não seja histórico, mas levanta perguntas. Continuemos.

- Jesus teria sido sepultado?

Não somente a idéia do túmulo vazio é suspeita, devido aos muitos precursores literários, como esta idéia não se enquadra nas práticas do tempo (Crossan, 1991; Hengel, 1977; McCane, 2003). Para os romanos a crucificação era um castigo e um estorvo, assim eles tendiam a negar o sepultamento aos crucificados. Tipicamente as vítimas eram deixadas na cruz durante dias, com seus corpos apodrecendo ao sol, sendo comidos pelos pássaros e os restos sinistros devorados por cães [1]. Uma exceção seria feita a Jesus? Temos que perguntar: “Por que?” Afinal de contas, conforme os evangelhos, ele foi considerado culpado de blasfêmia pelo Sinédrio e culpado de traição pelos romanos. Na hora de sua morte, ao contrário da opinião comum de que seus seguidores eram um pequeno grupo de pescadores da ralé, Jesus tinha reunido muitos seguidores e um amplo sistema de sustentação financeira. Mostrar clemência ou favoritismo a ele somente iria incentivar seus seguidores e daria razões às suas reivindicações, coisa que os romanos provavelmente não fariam.

- Teria sido dado a Jesus um sepultamento digno?

Além disso, de acordo com Lei judaica, tendo sido considerado culpado de blasfêmia, Jesus não teria sido digno de um sepultamento honroso. Como um criminoso executado, ele teria sido enterrado em um cemitério público e lhe seria negado certas gentilezas como unção, envolturas em linho, deposição em um túmulo, etc (Lowder, 2005; Schonfield, 1965). Dado a sua influência com as autoridades romanas, o Sinédrio seguramente teria insistido em um enterro desonroso, algo para o qual os romanos estariam inclinados de qualquer maneira. Realmente, há evidências de um enterro desonroso no Livro Secreto de Tiago, escrito aproximadamente na mesma época dos Evangelhos de Lucas e João (isto é, no final do século I) que indica que Jesus foi sepultado "na areia” (v. 5) [2].

Crossan (1994) estudou a evidência e concluiu:

“Se os romanos não consideraram o decreto do Deuteronômio, o corpo de Jesus foi deixado na cruz para as feras selvagens... se os romanos levaram em conta o decreto, os soldados, após certificarem-se que Jesus estava morto, o enterraram como parte de seu trabalho" (p. 154).

Spong (1994) afirma: “Seu corpo foi provavelmente deposto, sem as cerimônias, em um sepulcro comum, cuja localização nunca foi conhecido" (p. 225).

- Se Jesus foi sepultado onde está o túmulo dele?

Outro fator que traz uma questão sobre o sepultamento de Jesus em um túmulo é o fato de que não há nenhuma tradição, anterior ao quarto século, de veneração de seu túmulo. Certamente o homem que inspirou milhares de pessoas durante sua vida, e centenas dos milhares depois dela, também teria inspirado as pessoas a visitar seu túmulo, se este existisse! Isto é verdade especialmente porque o túmulo serviria para duas importantes funções espirituais – a morte dele teria servido como expiação para os pecados da humanidade, e a ressurreição dele teria servido como um sinal da divindade dele. Esta omissão faz-se mais pungente quando percebemos que os túmulos de homens menos importantes tornaram-se bem conhecidos na hora de suas mortes. Por exemplo, sabe-se que o túmulo de João Batista estava em Samaria-Sebaste [3]. Herodes Agripa I foi sepultado em Cesaréia, Tiago, o Justo, foi sepultado perto de Jerusalém, o túmulo de Lázaro estava em Betânia, etc (Finegan, 1969).

- O Túmulo Vazio e os fenômenos

Como se todos estes problemas não fossem suficientes para questionar a historicidade do túmulo vazio, temos o problema adicional de outra reivindicação de Marcos cercando a morte de Jesus. Por exemplo, Marcos registra: “Chegando o meio-dia (a hora sexta), houve trevas sobre toda a terra até as três da tarde (hora nona)" (15,33), e depois ele relata: “Então Jesus deu um grande grito e expirou. E o véu do templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo" (15,37-38). Nem um destes eventos é mencionado em qualquer outra fonte fora dos evangelhos, contudo dado a magnitude deles, esperaríamos alguma referência a eles, especialmente nas obras de Josefo ou Plínio. Esta falta da referência conduz muitos autores a concluir que Marcos estava usando simplesmente simbolismos (por exemplo, Spong, 1994), contudo se ele usa simbolismo nestes dois casos, por que o túmulo vazio não é outro caso de simbolismo? Realmente, Carrier (2005) diz exatamente que é este o caso – o túmulo vazio é simbólico, não histórico.

- José de Arimatéia

Sem José, Jesus estaria na lista dos que tiveram morte ignóbil. Olhemos o perfil de José de perto. Os evangelhos dizem que ele é de Arimatéia, mas nunca houve um lugar chamado Arimatéia. Ele aparece no último minuto, nunca é dito nada antes sobre sua missão, mesmo assim ele a realiza e desaparece. As informações sobre ele são variadas: é um seguidor (Marco), um discípulo (Mateus) ou um discípulo secreto (João). Em dois relatos (Marco e Lucas) ele é um membro do Sinédrio e em um relato (Mateus) ele é um homem rico. Em três narrativas ele toma o corpo de Jesus e move a pedra, e em uma (João) ele é ajudado por Nicodemos. Nessas mesmas três narrativas ele envolve Jesus em linho, e no quarto relato incluem-se cem libras de especiarias.

Quando José pede o corpo de Jesus, três dos evangelhos (Mateus, Lucas, João) nos dizem simplesmente que Pilatos o deu a ele. Em Marcos, Pilatos surpreende-se de que Jesus já esteja morto e pede garantia a um centurião, então lhe dá o corpo.

Estas inconsistências não invalidam necessariamente a historicidade de José, mas elas não nos dão uma firme garantia da existência dele. Em todo caso, sendo um bom judeu, José estaria limitado pelas crenças judaicas. Lembre-se, Jesus era um judeu e ele não estava querendo fundar uma nova religião, ele estava buscando reformar a religião existente. Já que Jesus era culpado de blasfêmia (Mc 14,64), a ele não teve uma morte digna, e um bom judeu como José não poderia fornecer isto a ele.

Além disso, quem é José para convencer Pilatos a lhe dar o corpo de Jesus? Não sendo parente de Jesus, José não teria nenhum direito ao corpo. E por que Pilatos o liberaria o corpo para ele? Do que sabemos sobre Pilatos, ele não era o tipo de pessoa que faria algo assim.

- José veloz?

Se você puser de lado todos esses assuntos a respeito de José, você ainda tem que argüir sobre o fator de tempo. Como é que um homem maduro adquire tanta rapidez assim? Thompson (2006) destaca: "José teria que conseguir um mandato para ir a Pilatos, obter permissão para sepultar Jesus, voltar à cena da crucificação, remover o corpo da cruz, envolvê-lo e depositá-lo no túmulo, tudo antes do pôr-do-sol" (p. 43). Considere onde Pilatos estava e onde a cruz estava [4], some a isso o tempo que leva para conseguir uma audiência com Pilatos, etc. e será virtualmente impossível a José realizar estas tarefas.

Todos estes assuntos levam a perguntar se José existiu, ou foi somente uma técnica literária inventada para levar Jesus da cruz a um túmulo. Spong (1994) se refere à história de José como pertencente ao "reino da lenda" (p. 226). Por que esta foi necessária? Porque o sepultamento em uma vala comum não iria tão facilmente permitir uma ressurreição. E sem a ressurreição, como Paulo destacou tantas vezes, não haveria nenhuma história em perspectiva cristã.

- Resumo

O enredo do túmulo vazio é a escora para as histórias da ressurreição, contudo quando examinamos este enredo, encontramos muitos assuntos que questionam sua historicidade. Há três razões para descrer desse enredo: (1) o túmulo vazio tem precursores literários em Osiris e mitologias órficas, muito populares nos séculos I e II, (2) sua existência é parte de um conjunto de cenas literárias usadas pelos escritores do evangelho de Marcos, chamado de “reversão da expectativa” e (3) o mesmo evangelho que também inclui o túmulo vazio menciona a escuridão (eclipse solar?) e irregularidades do templo que são significativas, contudo não são notadas em nenhuma outra história da época.

Pondo estes três assuntos de lado, há diversos outros assuntos que fazem a descrição do sepultamento improvável: (1) sendo um condenado pelos judeus e pelos romanos, Jesus não seria digno de um sepultamento honroso, (2) de fato, considerando-se as práticas em uso na época, ele não teria sido sepultado, mas o corpo dele teria sido deixado às feras e depois seus restos teriam sido lançados em um sepulcro comum, e (3) de acordo com a Lei, tendo sido condenado por blasfêmia, o corpo de Jesus não poderia ser retirado antes de pôr-do-sol.

Para superar estas objeções, o evangelho de Marcos arranja um personagem questionável que, contra suas próprias leis religiosas, e sem muito esforço consegue uma audiência com Pilatos, o qual lhe concede o corpo, embora ele não seja um parente de Jesus. Este mesmo judeu tem um túmulo novo que está situado em um jardim próximo ao lugar onde as pessoas são crucificadas [4], um evento extremamente improvável dado a aversão dos judeus aos mortos como algo impuro. Menos provável ainda é que Pilatos (conhecido pela sua crueldade), que especificamente está em Jerusalém para lidar com rebeldes, permite que seja dado ao corpo de um líder rebelde um tratamento especial.

01/03/2007
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[1] Esta prática explica indubitavelmente porque somente um cadáver de crucificado foi descoberto.
[2] uma igreja foi construída sobre um sepulcro no século IV. Quase mil anos depois, os Cruzados construíram uma catedral ali, algumas ruínas ainda existem.
[3] no Evangelho de João, Pilatos está presente na crucificação, assim a teoria do "José veloz" não é aplicável a este evangelho.
[4] só no evangelho de Mateus é que se afirma que o túmulo pertence a José.

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