CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Neste e nos próximos tópios abordaremos questões relacionadas ao batismo cristão, enfatizando diversas problemáticas, como sua origem na liturgia cristã e a justificação para sua prática dentro do imaginário do cristianismo primitivo.
A ênfase dada a este tema reside no fato de o batismo de Jesus por João Batista constituir, ao nosso ver, o ponto axial não apenas na tradição mnemônica de Jesus herdada pela posteridade, mas também da própria figura história de Jesus, a qual, ao se submeter ao batismo como requisito (além do arrependimento) “para perdão dos pecados”, comunica-se aos historiadores do presente quem ele realmente foi: um simples pecador, isto é, um homem, uma pessoa como qualquer outra.
Um dos objetivos primordiais da pesquisa acerca do Jesus Histórico é resgatar a pessoa humana de Jesus, o pobre pregador nascido no humilde povoado rural de Nazaré, desentranhando-a de dentro da cristologia que lhe transformou em um ser mítico, de acordo com o universo imaginário de outrora marcado pelo maravilhoso e pelo idílico.
Primeiramente, deve-se enfatizar o status histórico que goza o batismo na pesquisa sobre as origens critãs: diversas fontes, sejam cristãs ou extracristãs, mostram que o batismo constitui uma prática bastante antiga, anterior até mesmo ao próprio movimento que configurou o cristianismo (cf. Gerd Theissen, O Manual do Jesus Histórico).
Analiticamente, o batismo, palavra de raiz etimológica grega baptizou, diz respeito à prática de a) mergulhar b) o neófito c) em água d) para purificá-lo (isto é, o seu ser) de seus pecados e) efetuando assim um dos passos para a redenção completa de seus pecados e assim f) ao emergir, para que g) possa enfim adentrar ao movimento. Trata-se, portanto, de um ritual expiatório, iniciatório e mágico-simbólico – elementos que serão retomados posteriormente para uma abordagem mais meticulosa.
Pois bem, no cenário da Palestina judaica do final dos anos 20 do século I, João Batista surgiu como a principal figura que realizada batismos tanto em Josefo como nos Evangelhos. A despeito das alegações jofefinas que contrariaram a função purificadora e por tanto expiatória stricto sensu do batismo de João (confundindo-a com a função iniciática), a função precípua dessa prática em João era a finalização do processo de remissão do pecado configurada na "purificação", que iniciava-se a partir do arrependimento e do comprometimento em não pecar mais e em seguir os ensinamentos do mestre.
Portanto, o ritual do batismo de João Batista possuía duas funções: i) imediata; ii) mediata. A função imediata era a purificação do ser para assim contribuir para obter a redenção dos pecados (já que, para obter o perdão dos pecados, era necessário não apenas arrepender-se e abandonar a prática, mas também purificar-se espiritualmente deles, lavando-os - o que revela sua natureza mágica, que será abordada mais a frente...). A função mediata era a iniciação em um movimento maior, já que a perca da redenção condizia com a continuidade da prática do pecado.
Vale ressaltar que “pecado” constitui um conceito meramente religioso, isto é, trata-se dos “delitos” praticados contra uma suposta ordem moral de origem e natureza divina defendida pela religião estabelecida. Deve-se ressaltar também que enfatizamos aqui a função purificadora do batismo para distinguí-la de uma função expiatória, já que, hipoteticamente (por razões que serão vistas mais a frente), o batismo também poderia ser usado para purificar o ser de elementos impurificantes distintos dos pecados, devido sua natureza abrangente.
Nesse sentido, propomos, juntamente com alguns pesquisadores, a existência de 2 (duas) relações entre Jesus e o batismo ao qual foi submetido:
A) Purificação dos seus pecados (certamente aqueles cometidos em sua vida pregressa, obviamente durante a década de 20);
B) Iniciação no movimento de João Batista (implicando com isso sua posição como discípulo do Batista).
Quanto ao item A, a conclusão para nós é clara: i) a cristologia que considera Jesus um ser “sem pecado” é uma invenção do imaginário cristão primitivo, retrojetada nas memórias sobre Jesus e até mesmo à sua desconhecida infância. Tal posição é corroborada por diversos textos que deixam claro que a submissão de Jesus ao batismo foi o marco pelo qual VEIO A SE TORNAR um ser além-homem; ii) o batismo de João possuía esta função precípua – selar o processo de remissão dos pecados. As alternativas proporcionadas pelos evangelistas são, como apontou Crossan, meras tentativas de justificar um fato pretérito constrangedor mediante as crenças já estabelecidas no presente, ou seja, anacronismo. Se o batismo desempenha o papel de remir os pecados do batizando, é lógico que Jesus, ao ser batizado, tinha em mente ter seus pecados redimidos por completo. Considerando tratar-se o pecado de uma concepção pré-cristã, não existem justificativas para classificar Jesus dentro de uma categoria distinta a dos diversos “pecadores” que compareceram a cerimônia do Batista para ter seu ser purificado do pecado.
Quanto ao item B, remetemos o leitor a obra “Um Judeu Marginal” de J. P. Meier, no volume especial em que trata da figura de João Batista. Concordamos com seu ponto de vista no sentido de que Jesus tornou-se discípulo de João Batista, ao lado de Cefas (Pedro), entre outras personagens que mais tarde exerceriam papel de destaque no movimento de Jesus (cf. Meier, 1994).
De fato, toda a carreira de Jesus começa a partir de sua entrada no movimento de João Batista, chamado aqui de “Movimento radical do Reino”, em contraposição ao movimento que Jesus criaria após a morte de seu mestre, o chamado “Movimento moderado do Reino”. Não existem fontes documentais qualificadas que proporcionem informações históricas válidas sobre o período que antecede ao batismo de Jesus, a não ser lendas da igreja primitiva conservadas nas partes iniciais dos Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos por volta dos anos 80 e 90 d.C. (fato que indica o fenômeno histórico da significância: apenas é rememorado através da escrita da história fatos significativos. Como nenhum fato histórico sobre Jesus anterior ao seu batismo foi rememorado, infere-se que Jesus não tenha desempenhado de maneira significativa ou digna de nota até então).
A classificação entre Movimento radical e Movimento moderado explica-se pelo fato, observado por Crossan, de que a mensagem de Jesus e a mensagem de João Batista coincidem-se em diversos pontos, menos em um requisito fundamental: quanto ao teor radical. Em outras palavras, enquanto Batista falava em um Reino de Deus violento, abrupto, com fogo, sangue e morte, Jesus falava em um Reino de Deus caloroso, simpático, moderado, enfatizando o amor, a caridade e a vida.
Segundo Crossan, o marco histórico que desencadeou essa mudança conceptual acerca do entendimento sobre o Reino de Deus consistiu na morte de João Batista por Herodes em Maqueronte. Tal fato, na visão de Crossan, exerceu grave impacto na mente de Jesus, fazendo-o reconsiderar alguns pontos da mensagem de seu mentor, sob o risco inclusive de abandonar o movimento e retornar a sua vida pregressa de “pecador”.
Assim, foi necessária uma mudança na doutrina do Reino capaz de explicar a situação sócio-política e existencial vigente. Foi desse modo que Jesus deu prosseguimento ao movimento criado/iniciado por Batista, transformando este movimento segundo suas conveniências e dando ensejo a um, pode-se chamar, “novo movimento”, que exerceria mais influência e prestígio que o de seu mestre – pelo menos para alguns indivíduos até meados do século, quando passaria a não encontrar mais nenhum rival importante.
Nesse ínterim, surge um problema: adotou Jesus a prática do batizador tal qual seu mentor João Batista?
Este é o fato a se comprovar. Os fatos já comprovados que são essenciais para uma abordagem deste fato por comprovar são: i) João Batista batizava; ii) Jesus era pupilo de João Batista; iii) Jesus deu continuidade ao movimento, apesar de tê-lo modificado significativamente; iv) após a morte de Jesus a prática do batismo tornou-se parte do cotidiano cristão, exercendo tanto a função imediata como mediata.
As opiniões dos historiadores são dispares quanto a possibilidade de Jesus ter sido um batizador como seu mestre: enquanto John Dominic Crossan (pesquisador que exclui o Evangelho de João dos estudos das origens cristãs...) rejeita que Jesus tenha praticado batismos, J. P. Meier o aceita sem maiores embargos, pautando-se no texto de João 3.22 em diante (discorrendo também sobre a negação dessa prática em João 4.2). Como justificativa, Meier alega que a prática do batismo por Jesus explicaria a continuidade entre o batismo de João e o batismo exercido pelos discípulos de Jesus e pelas comunidades primitivas em geral (Teoria do Batismo de Jesus).
Contudo, contra essa alegação poderíamos argumentar simplesmente que os cristãos primitivos batizavam em homenagem à prática ao qual o próprio Jesus fora submetido, como uma representação do batismo do mestre, uma figura da morte e ressurreição do salvador na vida do cristão. Assim, não constitui relação necessária Jesus ter realizado batismo e o batismo exercido pelos cristãos posteriores. Trata-se da Teoria da Homenagem como origem do batismo no seio cerimonial cristão.
Entretanto, não vemos problema algum em considerar que Jesus tenha realizado batismo, já que, ao encabeçar um movimento tal qual e nos mesmos moldes do movimento de seu falecido mentor, com toda certeza retomaria não somente sua pregação (ainda que reformulada), mas também vários de seus rituais, sentindo-se, na categoria de mestre, um continuador não apenas das representações (doutrina), mas também das práticas (liturgia) de seu mentor. Além disso, não compartilhamos da radicalização existente na obra de Crossan que tende a rechaçar qualquer tradição conservada ou apresentada pelo Evangelho de João.
Tendo sido realizadas tais tentativas de esclarecer as primeiras questões históricas pertinentes ao tema acerca do batismo primitivo, a partir de agora nos focaremos em questões mais específicas, capazes, talvez, de explicar não somente a adoção do batismo por parte de João Batista, mas também por (possivelmente) Jesus e (certamente) por todo o Cristianismo primitivo.
A primeira questão a ser respondida será a própria razão de ser do batismo: por que a realização do batismo era importante diante de suas funções mediata e imediata? Em outras palavras, o que existe no ato batismal que o faz ser digno ou preferível de ser utilizado para o cumprimento das duas funções, já que outros atos poderiam ser utilizados ao invés deste? Mais estritamente falando: sabendo que, ao esmiuçar-se os componentes do batismo, obtendo-se genericamente 3 (três), a saber: a) ÁGUA; b) MERGULHO; c) EMERSÃO, quais os papeis desempenhados por esses três componentes que justificariam sua prática.
Esta será a questão a ser abordada no próximo tópico, para o qual teremos a ajuda da obra do mitólogo romeniano Mircea Eliade.
12 comentários:
OI, estou estudando um livro "Batismo e Rebatismo" da editora Fonte, um irmão da minha igreja postou o seu texto, ainda não li todo, pois estou de viagem, mas semana que vem lerei com mais atenção, o que posso dizer é que gostei muito da abordagem histórica que vc faz. Tenho um blog também www.colossenses2-5.blogspot.com
Creio que vc está bem inteirado da bibliografia do Jesus histórico, mas apenas como comentário, tem o livro "a dinastia de Jesus" de James Tabor, ele tb participou de um documentário da Discovery ou da National "A tumba secreta de Jesus", tenho esses dois documentos, o documentário dá pra pegar pelo youtube.
No dinastia de Jesus, ele aponta para uma parceria entre Jesus e João e que a Igreja Primitiva Apostólica ressalta apenas o ministério de Jesus, formando assim o que vem a ser o Cristo da Fé.
John P. Meier de forma alguma, absolutamente, abonaria a temerária afirmação “” comunica-se aos historiadores do presente quem ele realmente foi: um simples pecador, isto é, um homem, uma pessoa como qualquer outra.””
E junto com ele é necessário reforçar que historiador nenhum no mundo pode fazer essa afirmação, enquanto historiador, “foi um simples pecador”, pois foge de sua atribuição. Isto é se configura como apologética cética.
Ele é muito injustiçado em certos espaços no Brasil, que o recortam para tentar fazer parecer que ele endossa as visões teológicas ou céticas de alguns. Creio que ele daria uma resposta ríspida se visse muitas coisas que fazem com o nome dele.
Por exemplo, ele escreve no volume que trata de João Batista:
“Que dados nos permitem penetrar no âmago da consciência individual do Jesus histórico para descobrir se ele se julgava um pecador, ou qual de seus atos ele considerava pecaminoso? Em minha opinião, o simples fato de Jesus ter aceito a mensagem e o batismo de João não nos proporciona dados suficientes para formarmos um julgamento neste assunto”. P.153, Imago.
“A confissão dos pecados muitas vezes significava relembrar as ações misericordiosas de Deus para com um Israel ingrato, uma humilde admissão de fazer parte desse povo pecador, uma recontagem das infidelidades e apostasias de Israel desde o início até aquele momento e uma resolução final de mudar e ser diferente dos ancestrais. Mesmo independente da questão dos pecados pessoais do indivíduo, cada um era parte dessa história de pecado apenas por pertencer àquele povo pecador.
Em alguns casos, as grandes preces confessando apostasia no AT são pronunciadas por indivíduos religiosos que na verdade não tiveram participação pessoal na apostasia da nação, apesar de sentirem profundamente seu envolvimento nos atos e no destino do povo de Israel, de onde vem sua identidade”. P. 156
Outros eminentes pesquisadores, como David Flusser (Jesus), N.T.Wright ( Jesus and the Victory of God) e Bruce Chilton (Rabi Jesus), Darrell L. Bock (Acts), Robert Webb ( "Jesus' Baptism: Its Historicity and Implications” ), Bem Witherington iii ( Trouble of Waters), James D. G. Dunn (Jesus and the Spirit) etc., identificam no batismo de Jesus historicamente ele não intencionando um arrependimento de pecado, mas como aceitação da iminência da chegada do Reino e para ficar cheio do Espírito, como que assumindo o drama histórico de Israel, tendo-se iniciado através de um inicial seguimento de João. A interpretação do batismo por eles é mais nacional, coletiva, e não de foco individualista. Era o chamado ao arrependimento coletivo e participação na purificação da nação.
A escolha dentre as interpretações, quanto a que implica que Jesus reconhecera ser pecador, é agradável a certas agendas teológicas (ou anti), mas não se impõe como única.
Oi Kopher,
(Aqui é o Nehemias, que costumava escrever, em outras eras, na Comunidade Jesus Histórico)
Que bom que vc retornou a ativa. Seja bem vindo.
Eu achei oportuna a série, e estou aguardando ansioso os próximos capítulos.
A meu ver, seja o que for que tenha passado na cabeça de Jesus quando se batizou, uma coisa é certa, criou um problema teológico mega para dezenas, quiça centenas de gerações de teólogos cristãos que se seguiram. É interessante como alguns grupos gnósticos, por exemplo, mantém que apenas o Jesus terreno foi batizado, e que o Aeon Cristo "desce" a terra apenas posteriormente ao batismo.
Um ponto que eu fico um tanto em dúvida é distinção entre o Reino radical e o Reino moderado, como diferenciando João de Jesus. Eu sei que o Crossan propõe isso com certa veêmencia, mas essa proposta nunca me convenceu muito. Me parece que Crossan está aqui muito influenciado pela teoria de estratificação de Q, de Kloppenborg, que permite remeter aos extratos mais tardios de Q os elementos mais violentamente apocalípticos. Minha tendência é seguir a linha mais apocaliptica da pesquisa (Erhman, Frederiksen, Meier) de que a pregação de Jesus e o João salvo algumas nuances, seguia forte continuidade. Seja como for, é uma boa idéia de post...[;>
Sobre o batismo, eu havia escrito um pouco como exemplo específico de aplicação do critério do constrangimento, pelo Meier, aqui.
http://adcummulus.blogspot.com/2012/01/quem-eles-dizem-que-eu-sou-os.html. (Foi mal pelo comercial)
Abs,
Nehemias
Nehemias, é sempre um prazer ler seus comentários e opiniões, pois considero você um grande pesquisador e tento espelhar não apenas sua perícia, mas também suas atitudes.
Fique a vontade para comentar e questionar. Sua presença é sempre bem vinda!
Confesso que a tendência apocalíptica defendida por Paula Friedriksen, Ehrman e outros é bastante coerente. Mas prefiro o enfoque de Crossan (o qual, diga-se de passagem, longe está de ser consensual ou de não apresentar problemas...), pois torna, entre outros motivos, mais coerente a relação entre a mensagem e as ações de Jesus.
Mas valeu mesmo pelo apontamento. Vou procurar estudar mais este assunto para mudar ou consolidar a opinião.
Um forte abraço!!
Respondendo ao Informadordeopiniao I
1) A presente abordagem é resultado de pesquisa com alguns pesquisadores (como Crossan, Vermes, Ehrman etc.), não apenas de J. P. Meier - do qual não endossamos diversas de suas ideias e teorias. Por isso, não admira que ele discorde de vários pontos aqui apresentados. Além disso, em nenhum momento “recortamos” algumas de suas opiniões para coaduná-las com nossas conveniências. Antes, as passamos pelo crivo, já que nenhuma posição está acima de críticas;
2) AO CONTRÁRIO DO QUE MEIER AFIRMA, o historiador pode, sim, deduzir as intenções das pessoas que constituem objeto de estudo. As intenções são reveladas através dos atos e atitudes. A consciência individual sempre é reflexa (agora mesmo tal fenômeno reflexivo está a acontecer...). Nós mesmos fazemos isso o tempo todo. Por exemplo, podemos deduzir a atitude de José pai de Jesus ao atuar como carpinteiro (tekton)? É claro que sim! A intenção é alcançar o sustento da família! Historiadores fazem isso o tempo todo (Carlo Ginzburg, por exemplo, adentrou na consciência individual de Menocchio ao escrever seu livro “O Queijo e os Vermes”). Portanto, como adepto da abordagem indiciária da historiografia italiana, não nutro a atitude cética e injustificada de que não se pode conhecer os pensamentos a não ser adentrando, telepaticamente, a mente humana;
3) Parto do pressuposto de que Jesus não deve ser tratado em um patamar acima de ninguém, ou seja, de que tudo o que pode ser atribuído a qualquer pessoa também pode ser atribuído à Jesus. A priori, como saber se Jesus era Deus e não um homem qualquer? A presunção (no sentido jurídico) deve pairar sobre a segunda alternativa, estabelecendo o ônus da prova aos defensores da primeira posição (Jesus como Deus). Por isso, considero uma atitude preconceituosa afirmar que não se pode conhecer as intenções de Jesus diante de seu batismo, pois isso serve apenas para proteger a versão tradicionalista que vê nele um ser imaculado;
4) A posição de J. P. Meier é bastante criticável e repreensível. Inclusive comecei a escrever algo sobre o assunto no ano passado, mas não tive tempo para terminar. Lembro que ao fazer a leitura de seu volume que falava sobre as circunstâncias que rodeiam o batismo de Jesus, o achei simplesmente genial! Porém, quando li sobre sua posição acerca das intenções de Jesus ao ser batizado, considerei uma manifestação pessoal sua de acovardamento, ou simplesmente de suas convicções religiosas preponderando. Ora, o raciocínio é simples: se 7 (sete) bilhões de pessoas que se submetem ao “batismo de João para perdão dos pecados” o fazem para receber “o perdão de seus pecados”, por que com Jesus deveria ser diferente? Pedro foi batizado com este objetivo; Tiago também; todos os discípulos de Jesus o foram com esta intenção; podemos, com elevado grau de certeza, “conhecer a consciência individual” dessas pessoas ao serem batizadas: ter seus pecados perdoados, pois esta era a função (ou uma das funções) do batismo. Ninguém se submete a um batismo “para perdão dos pecados” com o objetivo de alcançar outra coisa... Além disso, a INTENÇÃO DO BATIZANDO É REVELADA NO PRÓPRIO SENTIDO DO BATISMO – o perdão dos pecados. Por isso, não vejo motivos para arengas acerca disso, muito menos para se endossar acriticamente a posição de Meier que, ao meu ver, é mais confessional que profissional.
Respondendo ao Informadordeopiniao II
5) Também não se trata de “agenda teológica” conceber um Jesus pecador, já que o objetivo da pesquisa do Jesus histórico consiste em resgatar precisamente o Jesus enquanto homem, o que, apesar de não significar que se deva necessariamente negar veementemente as alegações acerca de sua natureza divina, deve-se, antes de mais nada, analisa diversas posições teológicas que se relacionam a fatos históricos, como ressalta Crossan:
“Dizer que Jesus é Filho de Deus está teologicamente além do alcance da prova ou da refutação históricas. [...] Mas dizer que ele não tinha pai terreno e que Maria o concebeu virginalmente é declaração histórica sujeita, em princípio, a prova ou refutação. São questões de fato e estão abertas à discussão histórica” (CROSSAN, 2004, p. 67).
As “intenções” de Jesus diante de seu batismo faz parte deste rol dos assuntos abertos à discussão histórica. Agora, se tal assunto influencia, ainda que acidentalmente, a questão acerca da divindade de Jesus, esta é outra história...
6) Já li alguns livros de N.T.Wright, Darrell L. Bock, Ben Witherington iii e James D. G. Dunn e, a despeito de suas grandes contribuições e genialidades em diversos tópicos do assunto, verifiquei que naqueles assuntos mais caros as suas posições confessionais, eles adotam uma postura tradicionalista (como Wright defendendo a “historicidade da ressurreição de Jesus” e utilizando argumentos pífios para isso...). O argumento do “arrependimento coletivo simbólico” é, ao meu ver, um desses argumentos que servem apenas para tutelar crenças, já que na própria narrativa não há indício disso, muito menos que Jesus achasse necessário se submeter a um ritual de purificação apenas para fazer uma referência simbólica a futura redenção nacional de Israel (afirma isso é, além de uma alucinação teórica sem apoio nos fatos, uma forma de “adivinhar” a consciência individual de Jesus).
Futuramente, escreverei algumas coisas acerca das intenções de Jesus ao submeter-se ao batismo para perdão dos pecados, embora sem a pretensão de esgotar ou de “fechar” o assunto. Nesta ocasião, você poderá questionar, se quiser, a posição que trago. Creio que será uma experiência boa pra mim, pois sei que tenho muito a aprender com você.
Um abraço.
Leando.
Seja bem vindo!
O livo "A Dinastia de Jesus" de James Tabor, é um livro bastante interessante, audacioso, apesar de apresentar afirmações temerárias.
Acredito que Jesus e João foram representados na imaginação de diversos grupos cristãos como "dois messias": o de Judá e o de Levi (oriundos do panteão messiânico judaico) - apesar de existir outros grupos cristãos que mesclaram os messias de Judá e de Levi apenas na figura única de Jesus (como fez a cristologia da Epistola aos Hebreus).
Contudo, creio ser bastante questionável que Jesus e Batista tenham atuado, conscientemente, como os "dois messias" do imaginário judaico, ou seja, com este propósito.
Como afirmou Mark Goodacrec (em texto citado e traduzido pelo nosso amigo Nehemias), as fontes são controvertidas, com diferentes avaliações dos especialistas.
[[ historiador pode, sim, deduzir as intenções das pessoas que constituem objeto de estudo. ]]
Ele não pode auferir o íntimo psicológico, auto-análise pessoal, conflitos, etc., sem registros diretos. Fazendo isto, está agindo como romancista, embora isto não o desqualifique de maneira alguma (na verdade, acho que falta muito disto para propiciar bons insights e gestaults para alguns pesquisadores que leio, tal como acaba ocorrendo para muitos cientistas “naturais”).
[[A intenção é alcançar o sustento da família! ]]
Isto não é uma dedução do íntimo psicológico ou de uma auto-análise, o que ocorreria por exemplo, em se tendo um leque de opções para ele e desconsiderar depois a individualidade.
[[ consciência individual de Menocchio ao escrever seu livro “O Queijo e os Vermes”]]
Ele apresentou escritos em que teriam indícios diretos de autocompreensões e expressões externas da consciência exterior, e ainda assim, ele não psicologizou tal com categorias externas à história, e é bom lembrar, “Queijo e os Vermes” não se restringe apenas a historiografia, entra também em esfera de crítica cultural.
[[ Parto do pressuposto de que Jesus não deve ser tratado em um patamar acima de ninguém, ou seja, de que tudo o que pode ser atribuído a qualquer pessoa também pode ser atribuído à Jesus. ]]
O problema é que “tudo o que pode ser atribuído a qualquer um” é vasto demais, e inclui coisas que pode não se aplicar a uma pessoa determinada. Além do fato de que se entra na questão ainda mais complexa de como uma pessoa complexa se via e o que ela pegava do caldo cultural de seu meio.
[[ A priori, como saber se Jesus era Deus e não um homem qualquer? A presunção (no sentido jurídico) deve pairar sobre a segunda alternativa, estabelecendo o ônus da prova aos defensores da primeira posição (Jesus como Deus).]]
O que não se pode é usar a autoridade da história para discussões que a ultrapassam. Um historiador pode discutir isto, mas tem que deixar claro que não fala apenas como historiador nem reivindicar a história como tal. Desta forma, é um debate público aberto ao mérito de alguém como economista, técnico em segurança do trabalho, filósofo, ou sem formação especializada.
[[ Por isso, considero uma atitude preconceituosa afirmar que não se pode conhecer as intenções de Jesus diante de seu batismo, pois isso serve apenas para proteger a versão tradicionalista que vê nele um ser imaculado; ]]
Não, pois é uma atitude decorrente do que se tem como elementos para analisar, e não colocada abstratamente e incondicionalmente. Aliás, ela em si não pesa nada a favor de uma visão teológica particular de Jesus, alguém pode, num outro extremo por exemplo, usá-la para dizer que ele tinha anomia e era esquizóide. Bem, na verdade, nós temos muitos exemplos neste sentido.
[[ considerei uma manifestação pessoal sua de acovardamento, ou simplesmente de suas convicções religiosas preponderando. ]]
Se ele rejeitou o "tu és Pedro", seria fichinha nisso, considerando que na Icar o mais intocável é a eclesiologia. Acho que você está se precipitando neste julgamento.
[[ Ora, o raciocínio é simples: se 7 (sete) bilhões de pessoas que se submetem ao “batismo de João para perdão dos pecados” o fazem para receber “o perdão de seus pecados”, por que com Jesus deveria ser diferente?]]
[[ Ora, o raciocínio é simples: se 7 (sete) bilhões de pessoas que se submetem ao “batismo de João para perdão dos pecados” o fazem para receber “o perdão de seus pecados”, por que com Jesus deveria ser diferente?]]
É um número amostral improcedente e não serve como efeito de retórica então.
E em um contingente de pessoas, há pessoas pensando de forma diferente. Isso se acentua quando uma pessoa se vê imbuída de uma missão especial, ou incumbida de uma responsabilidade especial. O romance “Admirável Mundo Novo” proporciona insights muito úteis para entender essa relação de indivíduo e psicologia de massa, especialmente no tocante a indivíduos que vivenciam situações na vida, indivíduos com mania de buscar momentos solitários de reflexão, que subvertem o senso comum. Kant, Nietzsche, Fitche,Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Kafka, Thoureau, entre tantos, escreveram mto sobre isso. E ele apresentou claramente a questão da identificação coletiva no A.T.
[[ todos os discípulos de Jesus o foram com esta intenção;]]
E se mostraram admirados com posturas e ensinamentos inusitados dele que chocavam com suas compreensões e expectativas.
[[ podemos, com elevado grau de certeza, “conhecer a consciência individual” dessas pessoas ao serem batizadas]]
Somente quando as massificamos.
[[ ter seus pecados perdoados, pois esta era a função (ou uma das funções) do batismo. ]]
O próprio João demonstra dissimilaridades com outros movimentos.
[[Ninguém se submete a um batismo “para perdão dos pecados” com o objetivo de alcançar outra coisa...]]
Isto é afirmação sem rigor, e aliás, ignora os argumentos anteriores.
[[ Além disso, a INTENÇÃO DO BATIZANDO É REVELADA NO PRÓPRIO SENTIDO DO BATISMO ]]
Não, temos que considerar a polissemia. Tanto quanto vemos que Jesus não se encaixa perfeitamente em nenhuma das concepções messiânicas vigentes, ainda que tenha similitudes.
[[ Também não se trata de “agenda teológica” conceber um Jesus pecador]]
Pode servir tanto quanto concebê-lo como sem pecado.
[[ analisa diversas posições teológicas que se relacionam a fatos históricos, ]]
Foi isto o que falei que estava faltando, Francisco.
[[ verifiquei que naqueles assuntos mais caros as suas posições confessionais, eles adotam uma postura tradicionalista (como Wright defendendo a “historicidade da ressurreição de Jesus” e utilizando argumentos pífios para isso...).]]
Os argumentos dele não são pífios, ele tem, junto com a outra obra do Alisson Jr., o melhor livro a respeito, concordando ou não. Isso pode ficar parecendo uma reação que a priori já rotula tudo o que se falar a respeito de pífio.
E quanto a postura deles, o que compete é julgar se estão corretas ou não, se não cai-se em defender que somente o lado oposto pode estar certo, seja como for. Eu não acompanho a visão do Michael Green, p. ex., mas admiro mta coisa.
[[ O argumento do “arrependimento coletivo simbólico” é, ao meu ver, um desses argumentos que servem apenas para tutelar crenças, (...) a consciência individual de Jesus). ]]
Alguém pode rotular justamente a sua posição e dizer “ela é falsa porque serve para x, Y e Z”. Isto não é argumentação. E sem dúvidas, todos eles apresentam robusta argumentação e conhecimento de área.
[[ uma forma de “adivinhar” a consciência individual de Jesus]]
Não, é algo encaixado num quadro coerente com embasamento de dados, passivo de justificar porque alguém pensa assim. Tem que se discutir é frontalmente o mérito dos argumentos, porque foi justamente neste sentido que o texto acabou caindo.
Como eu assinalei, não dá para fechar a questão mesmo para qualquer um, acho que o importante é deixar o registro dos caminhos para o qual a pesquisa aponta, ainda que isto não deve constranger ninguém a expressar sua opinião.
Queria lhe dar parabéns por sua profícua pesquisa, e pelo blog de excelente qualidade, muito útil ainda mais considerando a carência e desconhecimento no Brasil. Estou ansioso pelo seu trabalho em cima do Mircea, que sem dúvida terá muito a nos brindar, eu mesmo conheço só pelas notas de rodapé de outros autores, rsrs.
Oi,parabéns!interessante que pesquises sobre o assunto. O que pensas sobre o sentido do batismo como "imergir em" ou "em o nome de"?
Abraços,
Carol
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