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domingo, 30 de março de 2008

A lenda do túmulo vazio

Texto postado orginalmente em:
http://www.jesuspolice.com/common_error.php?id=22
Tradução: Aíla (depois será retomado)
Forum MPHP


O túmulo vazio

- A Posição da Igreja

Mc 16,4-6 E, olhando, viram que a pedra já estava removida; pois era muito grande. Entrando no túmulo, elas viram um jovem assentado ao lado direito, vestido de branco, e ficaram surpreendidas e atemorizadas. Ele, porém, lhes disse: Não vos atemorizeis; buscais a Jesus, o Nazareno, que foi crucificado; ele ressuscitou, não está mais aqui; vede o lugar onde o tinham posto.

- A Posição dos Estudiosos
"... O túmulo vazio é uma lenda recente, introduzida pela primeira vez por Marcos na narrativa" (Fuller, 1971, p. 52).

"... critérios internos apóiam a hipótese de que a história do túmulo e a narrativa da Paixão no início não constituíam uma unidade orgânica" (Alsup, 1975, p. 96).

"... a narrativa do sepultamento em Marcos pertence à tradição da Paixão e é antiga. A visita ao túmulo é lendária" (Mann, 1986, p. 660).

"Eu posso assegurar que a história do túmulo vazio, com todos seus detalhes circunvizinhos, inclusive o cenário de Jerusalém, nada mais é que um recente acréscimo lendário à história da fé" (Spong, 1994, p. 180).

"Há um consenso de opinião entre estudiosos contemporâneos que as narrativas do túmulo vazio são acréscimos recentes às narrativas do evangelho e estão separadas dos relatos da paixão" (Thompson, 2006, p. 36).

- A Realidade

A saga do túmulo vazio é um dos principais temas no estudo do Jesus histórico. A menção de Paulo sobre a ressurreição é a primeira referência histórica, mas ele não oferece muitos detalhes; e ainda, o enfoque dele está na importância teológica do evento. É o registro de Marcos sobre a ressurreição que nos oferece o primeiro vislumbre do que poderia realmente ter acontecido, e as histórias nos outros Evangelhos derivam do relato de Marcos. Desde que a história do “túmulo vazio” em Marcos é a escora sobre a qual as outras três histórias dos demais evangelhos se sustentam, então, precisamos voltar nossa atenção a ela.

Túmulo vazio é uma expressão comum usada para descrever o fato de que o corpo de Jesus não foi encontrado no túmulo. Nos três evangelhos (Mateus, Lucas e João), o túmulo não há ninguém, mas no evangelho de Marcos Maria Madalena encontra um "homem jovem sentado ao lado direito, vestido de branco" (16,5). Marcos nunca nos diz quem é este jovem. Jardineiro? Jesus? Um discípulo? Um anjo? Os outros evangelhos ampliarão e modificarão esta cena, mas a linha de fundo é que o corpo de Jesus sumiu e daí vem a expressão "túmulo vazio".

- O túmulo vazio é literário

Cada dos evangelistas tem o seu próprio estilo literário, o exemplo mais famoso é o tema mateano de "Jesus como novo Mosés". Marcos também emprega um estilo literário. Um dos estilos empregados por Marcos é o tema da "reversão da expectativa" (Carrier, 2005). Marcos gosta de chocar o leitor. Um soldado romano é quem reconhece que Jesus é o Messias e não os judeus que assistem à crucificação. São as mulheres que notam o desaparecimento, não os homens. Um estrangeiro (Simão de Cirene) é quem ajuda a levar a cruz, não discípulos, etc. Assim, uma parte desta reversão da expectativa é quando vêm ao túmulo e ele está vazio.

A adoção de um estilo literário não nega o fato que Jesus histórico possa ter feito isto ou aquilo, ou ter dito isto ou aquilo, mas o grande número de exemplos leva-nos a desconfiar disto enquanto relato histórico verdadeiro. Em outras palavras, todas estas coisas inesperadas aconteceram realmente, ou isto faz parte do estilo dramático do evangelho de Marcos?

Não podemos saber com certeza. Mas desde que o túmulo vazio se ajusta tão bem ao estilo literário de Marcos, isto levanta uma "bandeira vermelha" e nos dá razão para olhar mais de perto e ver que evidências existem para este detalhe como evento histórico.

- O túmulo vazio não é original

Carrier (2005) oferece uma ampla análise do conceito “túmulo vazio” no Evangelho de Marcos, apontando alguns antecedentes históricos, religiosos, e literários possíveis…

- o mito de Osíris, que perseguido por 72 conspiradores (o Sinédrio tinha 71 membros + Judas = 72), teve o cadáver selado em um caixão (caverna) e ressurgiu durante a lua cheia (a Páscoa) depois de três dias.

- as passagens dos Salmos, especialmente o pranto de Jesus na cruz (Mc 15,34; Sl 22,1), os insultos dos expectadores (Mc 15,29, Sl 22,7), as sortes sobre as vestes (Mc 15,24, Sl 22,18), o corpo traspassado (Sl 22,16) e a ressurreição no terceiro dia (Sl 24).

- a teologia órfica, datada de aproximadamente 400 AEC, que menciona “um cipreste branco do lado da mão direita” do túmulo (Mc 16,5), os guardiões no túmulo (Mc 16,6) que recomendam aos que buscam o corpo a procurarem em outro lugar (Mc 16,7), e a admoestação para beber das águas sagradas (Mc 14,24).

É provável que os escritores do Evangelho de Marcos estivessem familiarizados com estes mitos e lendas, e isto pode dar conta das semelhanças muito próximas. Realmente, estas nos levam a perguntar se o relato de Marcos é ou não verdadeiramente histórico ou meramente derivado, ou seja, se é uma releitura dos mitos e lendas conhecidos. E sem o relato de Marcos como base firme, qualquer releitura adicional, por Mateus, Lucas e João, fica sem valor empírico.

Novamente, o fato de que o túmulo vazio seja derivado como também literário não significa que não seja histórico, mas levanta perguntas. Continuemos.

- Jesus teria sido sepultado?

Não somente a idéia do túmulo vazio é suspeita, devido aos muitos precursores literários, como esta idéia não se enquadra nas práticas do tempo (Crossan, 1991; Hengel, 1977; McCane, 2003). Para os romanos a crucificação era um castigo e um estorvo, assim eles tendiam a negar o sepultamento aos crucificados. Tipicamente as vítimas eram deixadas na cruz durante dias, com seus corpos apodrecendo ao sol, sendo comidos pelos pássaros e os restos sinistros devorados por cães [1]. Uma exceção seria feita a Jesus? Temos que perguntar: “Por que?” Afinal de contas, conforme os evangelhos, ele foi considerado culpado de blasfêmia pelo Sinédrio e culpado de traição pelos romanos. Na hora de sua morte, ao contrário da opinião comum de que seus seguidores eram um pequeno grupo de pescadores da ralé, Jesus tinha reunido muitos seguidores e um amplo sistema de sustentação financeira. Mostrar clemência ou favoritismo a ele somente iria incentivar seus seguidores e daria razões às suas reivindicações, coisa que os romanos provavelmente não fariam.

- Teria sido dado a Jesus um sepultamento digno?

Além disso, de acordo com Lei judaica, tendo sido considerado culpado de blasfêmia, Jesus não teria sido digno de um sepultamento honroso. Como um criminoso executado, ele teria sido enterrado em um cemitério público e lhe seria negado certas gentilezas como unção, envolturas em linho, deposição em um túmulo, etc (Lowder, 2005; Schonfield, 1965). Dado a sua influência com as autoridades romanas, o Sinédrio seguramente teria insistido em um enterro desonroso, algo para o qual os romanos estariam inclinados de qualquer maneira. Realmente, há evidências de um enterro desonroso no Livro Secreto de Tiago, escrito aproximadamente na mesma época dos Evangelhos de Lucas e João (isto é, no final do século I) que indica que Jesus foi sepultado "na areia” (v. 5) [2].

Crossan (1994) estudou a evidência e concluiu:

“Se os romanos não consideraram o decreto do Deuteronômio, o corpo de Jesus foi deixado na cruz para as feras selvagens... se os romanos levaram em conta o decreto, os soldados, após certificarem-se que Jesus estava morto, o enterraram como parte de seu trabalho" (p. 154).

Spong (1994) afirma: “Seu corpo foi provavelmente deposto, sem as cerimônias, em um sepulcro comum, cuja localização nunca foi conhecido" (p. 225).

- Se Jesus foi sepultado onde está o túmulo dele?

Outro fator que traz uma questão sobre o sepultamento de Jesus em um túmulo é o fato de que não há nenhuma tradição, anterior ao quarto século, de veneração de seu túmulo. Certamente o homem que inspirou milhares de pessoas durante sua vida, e centenas dos milhares depois dela, também teria inspirado as pessoas a visitar seu túmulo, se este existisse! Isto é verdade especialmente porque o túmulo serviria para duas importantes funções espirituais – a morte dele teria servido como expiação para os pecados da humanidade, e a ressurreição dele teria servido como um sinal da divindade dele. Esta omissão faz-se mais pungente quando percebemos que os túmulos de homens menos importantes tornaram-se bem conhecidos na hora de suas mortes. Por exemplo, sabe-se que o túmulo de João Batista estava em Samaria-Sebaste [3]. Herodes Agripa I foi sepultado em Cesaréia, Tiago, o Justo, foi sepultado perto de Jerusalém, o túmulo de Lázaro estava em Betânia, etc (Finegan, 1969).

- O Túmulo Vazio e os fenômenos

Como se todos estes problemas não fossem suficientes para questionar a historicidade do túmulo vazio, temos o problema adicional de outra reivindicação de Marcos cercando a morte de Jesus. Por exemplo, Marcos registra: “Chegando o meio-dia (a hora sexta), houve trevas sobre toda a terra até as três da tarde (hora nona)" (15,33), e depois ele relata: “Então Jesus deu um grande grito e expirou. E o véu do templo rasgou-se em duas partes, de alto a baixo" (15,37-38). Nem um destes eventos é mencionado em qualquer outra fonte fora dos evangelhos, contudo dado a magnitude deles, esperaríamos alguma referência a eles, especialmente nas obras de Josefo ou Plínio. Esta falta da referência conduz muitos autores a concluir que Marcos estava usando simplesmente simbolismos (por exemplo, Spong, 1994), contudo se ele usa simbolismo nestes dois casos, por que o túmulo vazio não é outro caso de simbolismo? Realmente, Carrier (2005) diz exatamente que é este o caso – o túmulo vazio é simbólico, não histórico.

- José de Arimatéia

Sem José, Jesus estaria na lista dos que tiveram morte ignóbil. Olhemos o perfil de José de perto. Os evangelhos dizem que ele é de Arimatéia, mas nunca houve um lugar chamado Arimatéia. Ele aparece no último minuto, nunca é dito nada antes sobre sua missão, mesmo assim ele a realiza e desaparece. As informações sobre ele são variadas: é um seguidor (Marco), um discípulo (Mateus) ou um discípulo secreto (João). Em dois relatos (Marco e Lucas) ele é um membro do Sinédrio e em um relato (Mateus) ele é um homem rico. Em três narrativas ele toma o corpo de Jesus e move a pedra, e em uma (João) ele é ajudado por Nicodemos. Nessas mesmas três narrativas ele envolve Jesus em linho, e no quarto relato incluem-se cem libras de especiarias.

Quando José pede o corpo de Jesus, três dos evangelhos (Mateus, Lucas, João) nos dizem simplesmente que Pilatos o deu a ele. Em Marcos, Pilatos surpreende-se de que Jesus já esteja morto e pede garantia a um centurião, então lhe dá o corpo.

Estas inconsistências não invalidam necessariamente a historicidade de José, mas elas não nos dão uma firme garantia da existência dele. Em todo caso, sendo um bom judeu, José estaria limitado pelas crenças judaicas. Lembre-se, Jesus era um judeu e ele não estava querendo fundar uma nova religião, ele estava buscando reformar a religião existente. Já que Jesus era culpado de blasfêmia (Mc 14,64), a ele não teve uma morte digna, e um bom judeu como José não poderia fornecer isto a ele.

Além disso, quem é José para convencer Pilatos a lhe dar o corpo de Jesus? Não sendo parente de Jesus, José não teria nenhum direito ao corpo. E por que Pilatos o liberaria o corpo para ele? Do que sabemos sobre Pilatos, ele não era o tipo de pessoa que faria algo assim.

- José veloz?

Se você puser de lado todos esses assuntos a respeito de José, você ainda tem que argüir sobre o fator de tempo. Como é que um homem maduro adquire tanta rapidez assim? Thompson (2006) destaca: "José teria que conseguir um mandato para ir a Pilatos, obter permissão para sepultar Jesus, voltar à cena da crucificação, remover o corpo da cruz, envolvê-lo e depositá-lo no túmulo, tudo antes do pôr-do-sol" (p. 43). Considere onde Pilatos estava e onde a cruz estava [4], some a isso o tempo que leva para conseguir uma audiência com Pilatos, etc. e será virtualmente impossível a José realizar estas tarefas.

Todos estes assuntos levam a perguntar se José existiu, ou foi somente uma técnica literária inventada para levar Jesus da cruz a um túmulo. Spong (1994) se refere à história de José como pertencente ao "reino da lenda" (p. 226). Por que esta foi necessária? Porque o sepultamento em uma vala comum não iria tão facilmente permitir uma ressurreição. E sem a ressurreição, como Paulo destacou tantas vezes, não haveria nenhuma história em perspectiva cristã.

- Resumo

O enredo do túmulo vazio é a escora para as histórias da ressurreição, contudo quando examinamos este enredo, encontramos muitos assuntos que questionam sua historicidade. Há três razões para descrer desse enredo: (1) o túmulo vazio tem precursores literários em Osiris e mitologias órficas, muito populares nos séculos I e II, (2) sua existência é parte de um conjunto de cenas literárias usadas pelos escritores do evangelho de Marcos, chamado de “reversão da expectativa” e (3) o mesmo evangelho que também inclui o túmulo vazio menciona a escuridão (eclipse solar?) e irregularidades do templo que são significativas, contudo não são notadas em nenhuma outra história da época.

Pondo estes três assuntos de lado, há diversos outros assuntos que fazem a descrição do sepultamento improvável: (1) sendo um condenado pelos judeus e pelos romanos, Jesus não seria digno de um sepultamento honroso, (2) de fato, considerando-se as práticas em uso na época, ele não teria sido sepultado, mas o corpo dele teria sido deixado às feras e depois seus restos teriam sido lançados em um sepulcro comum, e (3) de acordo com a Lei, tendo sido condenado por blasfêmia, o corpo de Jesus não poderia ser retirado antes de pôr-do-sol.

Para superar estas objeções, o evangelho de Marcos arranja um personagem questionável que, contra suas próprias leis religiosas, e sem muito esforço consegue uma audiência com Pilatos, o qual lhe concede o corpo, embora ele não seja um parente de Jesus. Este mesmo judeu tem um túmulo novo que está situado em um jardim próximo ao lugar onde as pessoas são crucificadas [4], um evento extremamente improvável dado a aversão dos judeus aos mortos como algo impuro. Menos provável ainda é que Pilatos (conhecido pela sua crueldade), que especificamente está em Jerusalém para lidar com rebeldes, permite que seja dado ao corpo de um líder rebelde um tratamento especial.

01/03/2007
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[1] Esta prática explica indubitavelmente porque somente um cadáver de crucificado foi descoberto.
[2] uma igreja foi construída sobre um sepulcro no século IV. Quase mil anos depois, os Cruzados construíram uma catedral ali, algumas ruínas ainda existem.
[3] no Evangelho de João, Pilatos está presente na crucificação, assim a teoria do "José veloz" não é aplicável a este evangelho.
[4] só no evangelho de Mateus é que se afirma que o túmulo pertence a José.

domingo, 23 de março de 2008

Breve História da Apologia Cristã e seu deserviço a humanidade

A apologia cristã é um ramo que começou bem cedo. Podemos percebê-la nas próprias páginas dos evangelhos, nas controvérsias entre Jesus e os judeus que mais refletem os debates do cristianismo posterior, e principalmente nos relatos do Túmulo Vazio, em que os evangelistas se esforçaram ao máximo para demonstrar que Jesus realmente havia morrido, sepultado e que o corpo havia desaparecido.

Como afirma Vermes (2006, p. 208), os evangelistas estavam tentando reforçar a confiabilidade da ressurreição de Jesus, originalmente atestada unicamente pelos relatos de Aparições, mediante um desenvolvimento criativo, teológico e apologético da narrativa do Túmulo Vazio criado por Marcos, que partia de um “desvario” de mulheres em pânico e da ausência de qualquer relato onde Jesus aparecia ressuscitado. Os demais evangelistas prontamente cuidaram de aperfeiçoar o relato, com o fim de dirimir tal medíocre quadro da ressurreição de seu salvador. Desse modo, criaram relatos de testemunhos de primeira mão, declaração por homens dignos de confiança, de que viram Jesus vivo, fazendo de tudo para refutar possíveis “explicações alternativas”, oriunda da boca de judeus e outros oponentes, tais como: O roubo do corpo de Jesus; O reenterro do corpo de Jesus; A “síncope” de Jesus; O túmulo errado, visões e aparições do fantasma de Jesus, etc.

De fato, somente após a cristalização de tais romances históricos foi que a apologia cristã, agora possuindo os livros que mais tarde comporiam o Novo Testamento, iria se concentrar em combater outras idéias, como o gnosticismo, o docetismo, etc., inclusive as heresias que se formavam a partir da própria leitura dos textos neotestamentários.

Desse modo, o Concílio de Nicéia decidiu que Jesus Cristo era Deus, terceiro membro da Trindade Santa, alem de outras peculiaridades teológicas bastante distantes do homem de Nazaré. De fato, se os evangelhos canônicos tivessem sido escritos nessa época, não deixariam de existir relatos em que o próprio Jesus diria: “Sou o terceiro membro da Trindade”.
Foi somente no século XX que a apologia cristã ganhou um novo formato: mais do que rebater objeções, este ramo de atividade cristão começou a almejar uma posição de tamanha grandeza no mundo laico, de modo que suas disciplinas cristãs, como e principalmente o criacionismo ganhasse status de ciência e que os principais artigos de fé não somente fossem vistos como verdade absoluta como eram na Idade Medieval, mas como verdades científicas colocadas lado-a-lado com os demais fatos científicos estabelecidos pela Física, Matemática, Qímica e Biologia. Era a saída do cristianismo do âmbito religioso e sua penetração no mundo laico científico, como já havia feito com a filosofia, na Idade Média.

A pretensão da apologética cristã atingiu seu ápice quando um grupo de “estudiosos” cristãos descobriram que, mediante certo tipo de argumentação, poderiam enquadrar a fé cristã em uma outra ciência tão sedutora quanto as demais: a História.

Como o cristianismo, tal como o judaísmo e o islamismo, se caracteriza como uma religião histórica, cujos fatos que narram seus livros sagrados supostamente aconteceram dentro da história, ao invés de um mundo supraterreno, começou-se a corrida em busca de evidencias para a historicidade de toda a Bíblia.

O arqueólogo cristão W. F. Albrigth foi o mais destacado estudioso a enquadrar os relatos bíblicos dentro da História. Baseado no pressuposto de que a bíblia era a “Palavra de Deus” e que por isso tudo o que fora escrito nela eram fatos, este historiador empreendeu uma batalha intensa com artefatos antigos no objetivo de interpretar as descobertas arqueológicas de acordo com a bíblia. Esse ato “tendencioso” deu ímpeto incrível aos religiosos, que viam nisso mais que uma mera curiosidade: viam a história e a arqueologia “provando” o que a Palavra de Deus já dizia. Foi somente no final do século XX que outros arqueólogos e pesquisadores denunciaram os erros e tendências de Albrigth, exorcizando do mundo acadêmico os demônios do que se chamava “arqueologia bíblica”, cuja tendência era interpretar a história de acordo com a bíblia. No entanto, ao contrário de Albrigth, que havia influenciado não apenas o mundo religioso, mas também o mundo acadêmico, as novas pesquisas arqueológicas que colocaram em xeque a interpretação de Albrigth dificilmente foram assimiladas pelo público em geral. E quando percebidas, logo são rotuladas como tentativas “anti-cristãs” de criar polêmicas jornalísticas.
Albrigth foi o principal responsável pela mentalidade predominante nas igrejas cristãs de que a bíblica é, comprovadamente pela história e arqueologia, a verdade absoluta. Além de se tornar a pedra-base do mito da “Inerrância, ou Infabilidade Bíblica”, essa visão da ciência e da história se tornou característica principal do homem-cristão comum dessa primeira década do século XXI. Poucos são os cristãos que se recusam a aceitar essa visão perfeccionista e absolutista das Escrituras, sendo que poucos são os cristãos que se interessam e/ou tem acesso a recente pesquisa histórica.

As editoras cristãs também ajudam a perpetuar esse mito moderno. A tendência das editoras cristãs é somente publicar livros que “edifiquem”, ou seja, livros que comprovem que o Cristianismo é o certo. Também publicam livros religiosos mascarados de científicos, pois sabem que estes possuem muita saída no meio evangélico das igrejas tanto protestantes quanto católicas.

Desse modo, as editoras cristãs (principalmente as evangélicas/protetantes) selecionam os livros a serem publicados, de modo que não importa a qualidade e atualidade do conteúdo: se o livro “estiver de acordo com a Palavra de Deus” ele será publicado e disseminado entre o público crente.

Os cristãos da atualidade se vangloriam não mais pelo fato de possuírem uma “fé que move montangas”, mas pelo mito de que fazem parte da única religião do mundo inteira que foi comprovada pelas ciências como absolutamente verdadeira, citando, de forma orgulhosa e arrogante, as “descobertas arqueológicas” (sem falar das “científicas”) que supostamente comprovam os relatos da bíblia.

O pior mesmo é que, além desse tipo de coisa incentivar a ignorância e irracionalidade evangélica, viciam a mentalidade crente em direção a essa suposta verdade absoluta da bíblica, e isso ocasiona outras repercussões sociais piores, como a crença na superioridade intelectual cristã acima do âmbito leigo de pesquisa, de forma que prejudica o trabalho acadêmico de tal modo que diversos professores universitários prejudicam o ensino quando pregam as supostas verdades bíblicas e a superioridade cristã na sala-de-aula.

De fato, houve tentativas de se colocar o criacionismo dentro da sala-de-aula, ensinada nos livros de Biologia, de modo que não me surpreendia se esses mesmos cristãos quisessem colocar a ressurreição de Jesus no currículo escolar, alegando que “o fato mais testificado da História” devesse ser incluído nos livros didáticos de História e ensinada na sala-de-aula.
Por enquanto, os cristãos vêm conseguindo convencer e converter universitários acerca da “verdade” da religião cristã, não mais com aqueles apelos emocionais clássicos do cristianismo, mas através uma suposta base “racional” e “científica” adaptada a realidade acadêmica e bastante sedutora.

A forma mais destacada de se fazer isso vem sendo através de um corpo de argumentos construídos, chamados de “Evidencias da Ressurreição de Cristo”.

De fato, a importância da Ressurreição de Cristo para a fé cristã no mundo moderno não deve ser menosprezada, sendo que, repetindo as palavras de Paulo, constitui todo o alicerce da fé.
O mais destacado apologeta cristão a enfatizar a ressurreição de Jesus como fato histórico foi Josh McDowell. Suas publicações constituem toda a base teórica dos apologetas contemporâneos e o material mais popularizado no meio cristão sobre o assunto.

Bem atrás de McDowell, ou bem na sua frente, destaca-se o doutor em teologia e filosofia Willian Lane Craig. Este, aclamado como o “maior debatedor cristão da atualidade” vem disputando (e na maior parte dos casos, vencendo) debates com céticos e críticos da ressurreição. Craig conseguiu sistematizar, de forma prática, suscita e ao mesmo poderosa, os argumentos usados por McDowell, reunindo tudo em quatro itens fáceis de serem memorizados todos os argumentos a serem desenvolvidos.
Craig é bastante claro e objetivo na apresentação de seus argumentos. Por uma razão desconhecida, poucos são os debatedores que analisam sumariamente os argumentos dele. Atualmente, o pesquisador N. T. Wright vem se destacando em seus estudos sobre o Jesus Histórico e sobre as Origens do Cristianismo ao enfatizar e desenvolver o quarto “fato” da argumentação de Craig que leva a conclusão de que Jesus realmente ressuscitou.
Concordamos que a ressurreição de Jesus é a melhor explicação para as “evidencias” apresentadas por Craig. O que não concordamos é que suas “evidencias” sejam realmente evidencias. Construídas da forma como Craig constrói, todo o esquema que ele constrói realmente leva a conclusão de Jesus ressuscitou. Disso não temos duvidas. Temos dúvidas, sim, de que os quatro “fatos” e seus subitens que Craig apresenta realmente sejam salutares evidências históricas, e não meras construções argumentativas confeccionada artificialmente para que se possa chegar a uma determinada conclusão. Por isso, tomados de forma isolada, os argumentos de Craig realmente nos levam na direção que Craig quer que sejamos levados.

A função política das aparições do Jesus ressurreto no cristianismo primitivo

A função política das aparições do Jesus ressurreto no cristianismo primitivo

de Charles Coffer Jr.

Ao alto desenvolvimento teológico nos escritos de Paulo, acompanhado pela quase total ausência das tradições de Jesus presentes no evangelho de Marcos, nos faz pensar o quanto o paulinismo cristão, a forma de cristianismo escrituristicamente mais primitiva que conhecemos, já se distanciara da mensagem original de Jesus.
Dentro desse contexto, somos levados a pensar que a forma de cristianismo que Paulo defendia era apenas uma entre tantas outras.
Pagels apresenta um quadro geral e político dos primeiros anos do movimento cristão:

"As autoridades políticas e religiosas se desenvolveram de modo mais surpreendente. [...] diversas formas de cristianismo floresceram nos primeiros anos do movimento cristão. Centenas de pregadores rivais reivindicavam, todos, pregar a “verdadeira doutrina do Cristo” e denunciavam uns aos outros como impostores. Os cristãos dispersos em igrejas da Ásia Menor à Grécia, Jerusalém e Roma dividiam-se em facções, disputando a liderança da igreja. Todos pleiteavam representar “a autêntica tradição”".

Vermes (2006, p. 83) também apresenta a situação politicamente conturbada das igrejas fundadas por Paulo:

"A igreja de Corinto, fundada por [Paulo] rapidamente cindiu-se em facções rivais. [...]. Havia luta interna, ciúme e rivalidade também na igreja de Filipos, em que os oponentes de Paulo, que ele chamava de cães e de maus operários, pegavam para exasperá-lo (Fl 1:15-17;3:2)".

Paulo era apenas um representante dessas facções, e certamente daquela que “venceu” entre todas as demais. Paulo, um dos grandes líderes cristãos dos primórdios, também nos fala de pelo menos outros três grandes “líderes” na igreja primitiva: Pedro, Tiago e João (Gl 2:9). De acordo com a tradição, estes três grandes líderes na igreja primitiva, ao contrário de Paulo, haviam sido discípulos diretos de Jesus, juntamente com o grupo denominado “Os Doze” e outros discípulos.
No entanto, existe algo que tanto Paulo como esses outros líderes cristãos e discípulos de Jesus tinham em comum: todos haviam visto Jesus Cristo ressuscitado, ou alegavam tê-lo visto (1Co 15:3-7).

Paulo, ao disputar autoridade com diversos outros “líderes” das comunidades cristãs primitivas, chega a afirmar: “Não sou apóstolo? Não vi Jesus nosso Senhor?” (1Co 9:1). De fato, a autoridade de Paulo não vinha de qualquer contato com o Jesus terreno:

"[Paulo] não teve contato com o Jesus terreno; não ouviu o seu ensinamento ou experimentou a sua presença e influencia espirituais. Inteligente como era, ele passou ao largo do terreno escorregadio e imaginou uma abordagem nova, não histórica, do Senhor Jesus Cristo, que não apresentasse desvantagens óbvias para ele. [...] De fato, o seu evangelho não se parece em nada com o relato dos ensinamentos e da vida de Jesus que evoluiu nas décadas subseqüentes, cristalizando-se nas narrativas sinópticas. A sua pregação não se baseava no que Paulo tinha ouvido dos seus predecessores; fiava-se em comunicações e visões celestiais" (VERMES, 2006, pp 85,87).

Paulo havia sido o último a receber a visão do “nosso Senhor ressuscitado”. De acordo com Vermes (2006, p. 80) “o calcanhar-de-aquiles de Paulo era a natureza questionável do seu status como apóstolo. Ele estava convencido de que era um ‘apóstolo de Jesus Cristo’”.
Vermes (2006, p. 82) também afirma que “como resultado [da visão de Jesus ressuscitado] Paulo sentiu-se plenamente autorizado por Jesus, sem precisar de nomeação [...]”. De fato, um vínculo entre “autoridade apostólica” e “visão de Jesus ressuscitado” começa a se tornar explicita dentro desse contexto, não apenas para Paulo, mas de modo geral:

"[...] ao examinarmos o efeito prático, paradoxal, no movimento cristão, podemos ver como a doutrina da ressurreição do corpo também serve a uma função política essencial: legitima a autoridade de certos homens que reivindicam o exercício da liderança sobre as igrejas como sucessores do apóstolo Pedro. Desde o século II, a doutrina serviu para validar a sucessão apostólica dos bispos; base, até hoje, da autoridade papal". (PAGELS, 2006, p. 5).


De fato, o melhor modo dos cristãos primitivos resolverem as diversas disputas teológicas, estabelecerem a ortodoxia dos ensinamentos sobre os “heréticos” e firmarem sua autoridade era através das aparições em que o Jesus ressuscitado, aquele que foi a “única autoridade reconhecida por todos”, delegava o poder (PAGELS, 2006, p. 6).
Pagels apresenta um quadro historicamente plausível (isto é, sem as lendas posteriores sobre a descoberta do Túmulo Vario) do que realmente aconteceu após a morte de Jesus, onde ela aponta para o fato de que as supostas aparições de Cristo ressuscitado possuem mais implicações políticas do que verídicas (ao contrário do que os apologetas cristãos querem sustentar), e que se os cristãos alegavam que Jesus realmente havia ressuscitado é porque eles possuíam motivos bastantes políticos para isso:

"Após a execução de Jesus, seus seguidores se dispersaram, perturbados pela dor e temendo por suas próprias vidas. A maioria assumiu que seus inimigos estavam certos – o movimento morrera com seu mestre. De repente, notícias surpreendentes eletrizaram o grupo. Lucas diz terem ouvido que “O Senhor ressuscitou, de fato, e apareceu a Simão [Pedro]!” (Lc 24:34). O que ele disse a Pedro? O relato de Lucas sugere aos cristãos das gerações posteriores que ele nomeou Pedro seu sucessor, outorgando-lhe a liderança. Mateus diz que, durante a vida, Jesus já havia decidido que Pedro, a “pedra”, seria o fundador de sua futura instituição. Apenas João sustenta que o Cristo ressuscitado teria dito a Pedro que ele deveria tomar o lugar de Jesus como “pastor” do seu rebanho".

E acrescenta:

"Qualquer que seja a verdade sobre essa declaração, não é possível verificá-la nem refutá-la apenas com argumentos históricos. Possuímos apenas testemunhos indiretos de fiéis que afirmam e céticos que negam. Contudo, o que temos como fato histórico é que determinados discípulos – Pedro, em especial – sustentaram que a ressurreição aconteceu. E, mais importante, sabemos o resultado: logo após a morte de Jesus, Pedro assumiu o grupo como líder e porta-voz. Segundo João, ele recebera autoridade da única fonte reconhecida pelo grupo – do próprio Jesus, falando agora além do túmulo". (PAGELS, 2006, p. 6-7).

Pagels faz um outro comentário interessante:

"O estudioso alemão Hans von Campenhausen diz que como “Pedro fora o primeiro para quem Jesus aparecera após a ressurreição”, tornara-se o primeiro líder da comunidade cristã. [...] as igrejas ortodoxas que buscam sua origem em Pedro desenvolveram a tradição – sustentada até hoje pelas igrejas católicas e algumas igrejas protestantes – de que foi Pedro “a primeira testemunha da ressurreição”, e por isso o líder de direito da igreja".

E acrescenta outro comentário mais interessante ainda:

"É possível contradizer a afirmação de Vampenhausen com base em evidências do Novo Testamento: os evangelhos de Marcos e de João nomeiam ambos Maria Madalena, e não Pedro, como a primeira testemunha da ressurreição".

Na verdade, o evangelho de Marcos só coloca Maria Madalena como aquela que, junto com duas outras “testemunhas” do sexo feminino, descobriram o “Túmulo Vazio”. A aparição do Jesus ressurreto as mulheres é um acréscimo posterior. Em todo o caso, o que vemos em Marcos (e que foi copiado em João) é uma aversão do autor as tradições das aparições do Jesus ressuscitado, talvez exatamente porque o autor do evangelho de Marcos já havia notado as implicações políticas que a mesma já tinha. De fato, o que deduzimos da criação redacional do Túmulo Vazio é uma tentativa de obscurecer a tradição das Aparições do Jesus ressuscitado.
Méier (1998, p. 199) faz o seguinte inventário:

"[No que se refere a menção as três mulheres em Mc 16,1 e Lc 24,10] Hengel [...] vê na lista de três testemunhas femininas um fenômeno também observado na lista de Pedro, Tiago e João como núcleo dos Doze nos sinópticos e na de Tiago, Cefas [Pedro] e João como os três pilares da comunidade de Jerusalém em Gl 2,9. Nesse sentido, Hengel sugere que a lista de três mulheres, sempre encabeçada por Maria Madalena, talvez indique autoridade ou prestígio na primitiva comunidade cristã".


Da mesma forma que a “tradição” do Túmulo Vazio não pode ser desvinculada das três mulheres que foram as primeiras a descobrirem os indícios da ressurreição de Jesus, a tradição das Aparições do Jesus ressuscitado não pode ser desvinculada dos três grandes líderes do cristianismo primitivo.

Desse modo, não apenas Paulo contesta a autoridade dos “Três Pilares”, alegando a alegação de sua “aparição” do Jesus ressuscitado para si mesmo, mas também Marcos, antecedendo e ao também antagonizando as aparições de Jesus ao usar as três mulheres no relato da ressurreição. Como se vê, isso se coaduna perfeitamente com os objetivos literários de Marcos.
A busca por uma suavização, ou mesmo uma destituição total da autoridade apostólica dada pela ressurreição, de forma parcial, específica ou geral, não parou em Marcos, e muito menos teve inicio em Paulo. De acordo com Pagels (2006, p. 7):

"No início do século II, os cristãos compreenderam as possíveis conseqüências políticas de terem “visto o Senhor ressuscitado”: em Jerusalém, quando Tiago, irmão de Jesus, disputou, com êxito, a autoridade com Pedro, uma tradição manteve que Tiago, e não Pedro (e com certeza tampouco Maria Madalena), fora a “primeira testemunha da ressurreição”".

De fato, enquanto Pedro se firmava como autoridade na igreja primitiva por causa da primazia na ressurreição, Tiago tentava enfatizar a sua importância por causa de sua revelação e de seu laço de sangue com Jesus, e Paulo corria atrás da mesma autoridade ao afirmar que o “Senhor” havia aparecido a ele também. Marcos, por sua vez, crítico ferrenho de Pedro, João e Tiago (incorporado, em seu evangelho, como filho de Zebedeu e não como o “Irmão do Senhor”), tenta minar essa autoridade destacando mulheres no sepulcro e omitindo por completo as aparições .
Crossan (1995. p. 236) faz a seguinte declaração:

"O que ressalto deste texto (de 1 Co 15,3b-11) [...] são as suas profundas implicações políticas. Eles não estão primariamente interessados em transe, êxtase, aparição ou revelação, mas em autoridade, poder, liderança e prioridade".

Paulo, em 1Co 15 versículo 10 alega que trabalhou “muito mais do que todos eles”, ou seja, do que todos a quem o Jesus ressurreto havia aparecido. Por essas razões, Paulo se considerava apóstolo tal ou até mais do que Pedro, Tiago e os demais. Paulo enfatiza tais aparições não para ressaltar o aspecto sobrenatural da religião cristã, mas para se designar como alguém chamado e escolhido por Deus e por Jesus para tomar um papel de liderança na igreja primitiva. De fato, Paulo se mostrou muito interessado em igualar a sua experiência do Jesus ressuscitado com aquelas de todos os outros antes dele.

Crossan (1995, p. 237) afirma que “não pode haver dúvidas de que a própria experiência de Paulo envolveu o transe, aquele estado alterado da consciência bem conhecido em todas as religiões do mundo”, de modo que “Paulo precisa, em 1 Coríntios 15,1-11, igualar a sua própria experiência com aquela dos apóstolos precedentes – igualar, bem entendido, a sua validade e legitimidade, mas não necessariamente o seu modo ou maneira”.

Paulo não apenas contestou a autoridade de Pedro e Tiago (que a baseavam em supostas aparições do Jesus ressuscitado) enfatizando sua própria experiência, mas também usa um número bastante ampliado (“mais de quinhentos”) de pessoas que também viram Jesus ressuscitado. De fato, este era um excelente argumento a favor Paulo para tornar a situação política mais favorável para si mesmo.

Pagels também faz outra afirmação interessante para os propósitos aqui:

"Essa teoria – de que toda autoridade precede da experiência do Cristo ressuscitado por determinados apóstolos, uma experiência agora para sempre concluída – possui grande implicações para a estrutura política da comunidade. Primeiro, como aponta o estudioso alemão Karl Holl, restringe o círculo de liderança a um pequeno grupo de pessoas cujos membros estão em posição de autoridade incontestável. Segundo, sugere que apenas os apóstolos têm direito a ordenar futuros líderes como sucessores".

Se os itens listados acima se aplicam para a comunidade cristã nos seus mais antigos primórdios (como a autora prova), podemos deduzir que as alegadas aparições do Jesus ressuscitado, apesar de serem provenientes de tradição antiga, como atesta 1Co 15, não são tão antigas a ponto de remontarem aos dias posteriores a morte de Jesus. Como tais aparições possuíam fortes implicações para a estrutura política das comunidades, é lógico que se pode deduzir que as mesmas (ou grande parte, e mesmo a maior parte delas) tiveram origem muito tempo depois da morte de Jesus, ou seja, quando as comunidades cristãs já estavam formadas e quando já possuíam um considerável número de membros.

De fato, 1Co 15:5-9 não deixa implícito que tais aparições tenham ocorrido nos dias posteriores a alegada ressurreição de Jesus.

Da mesma forma que em Paulo, muitas das aparições descritas nos evangelhos não se limitam a apenas enfatizar o caráter sobrenatural de Jesus e do início do movimento cristão, mas também para mostrar a determinada comunidade de cristãos que certo apóstolo possuía mais proeminência e autoridade que o outro.
De acordo com Crossan (1995, p. 242):

"As aparições em ascensão nos evangelhos nada têm a ver, absoltamente, com as experiências em êxtase ou revelações em transe. São encontradas em todas as religiões do mundo, e pode muito bem ter havido muitas delas na cristandade inicial. Contudo, não é isto que está sendo descrito naqueles últimos capítulos dos evangelhos. São questões de autoridade que estão sob discussão, ali. Há um grupo de liderança dentro da comunidade? Deverá haver alguém encarregado da comunidade e do grupo? Que tipo de pessoa deve ser? Quem deverá ser? As respostas vêm do que o Jesus ascendido diz e, especialmente, para quem o Jesus ascendido fala".

Lucas 24:12 narra que Pedro correu até o túmulo de Jesus e, olhando para dentro, o viu vazio, apenas com os lençóis. E depois “voltou pra casa, admirado do que acontecera”.
Lucas 24:33-35 nos diz que “O Senhor ressuscitou de verdade e apareceu a Simão [Pedro]”. Note que Lucas, apesar de não narrar essa aparição, mas somente a alude de forma vaga na boca dos discípulos, coloca Pedro como o primeiro a ver o “Senhor”.

Crossan (1995, p. 240) faz um comentário interessante:

"[...] suponha que você pertencesse a uma outra comunidade ou tradição cristã, que conhecesse muito bem aquela ênfase na liderança de Pedro, mas que desejasse a ela opor-se em favor do seu próprio líder específico. Como fazer isto? Aqui está como João o faz, em favor, como seria de esperar, do não nomeado Discípulo Amado, depois que Maria Madalena relata sobre o túmulo vazio: Pedro e o outro discípulo partiram em direção ao túmulo. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo passou à frente de Pedro e chegou ao túmulo primeiro. Ele curvou-se para olhar lá dentro e viu os lençóis de linho sozinhos, mas não entrou. Então, Simão Pedro veio, seguindo-o, e entrou no túmulo. Ele viu os lençóis de linho abandonados e o pano que cobria a cabeça de Jesus, não junto com os lençóis, mas enrolado num local em separado. Então o outro discípulo, que chegara ao túmulo primeiro, também entrou, e vendo, acreditou." (João 20,3-8, grifos de Crossan).

Logo mais Crossan (op. cit.) ressalta que “a corrida para o túmulo tornou-se um duelo de autoridade”. O autor do Evangelho de João faz Pedro entrar primeiro, conforme Lucas 24:12 exige. Mas diz que o Discípulo Amado acredita. Ele não diz que Pedro acredita ou não acredita, mas enfatiza que o Discípulo Amado o fez.

De fato, “como poderiam aqueles que preferiam a liderança de Pedro reagir contra essa narrativa?” (op. cit.). O que aconteceu foi que, tal como fizeram com Marcos, cristãos posteriores acrescentaram no evangelho de João, que terminada no capítulo 20, mais um capítulo. O capítulo inteiro é sobre a aparição do Jesus ressurreto no mar de Tiberiades. Pedro é o personagem principal desse capítulo. De fato, Pedro é colocado acima do Discípulo Amado.

Da mesma forma como Pedro nega Jesus três vezes em João 18:15-18,25-27, aqui, no capitulo 21, versículos 9,15-17 do evangelho de João, mais uma vez diante de uma “fogueira”, ele reafirma Jesus três vezes. Pedro, então, é encarregado de “apascentar” os cordeiros e as ovelhas de Jesus, isto é, a comunidade geral e o grupo de liderança da igreja. De fato, podemos perceber disputas políticas influenciando até mesmo na confecção dos evangelhos! E o mais interessante é que a mesma disputa que Paulo já praticava nos anos 50, é a mesma que aparece nos anos 80-90 (Lucas), em João (100-110) e nos séculos seguintes (Capítulo 21 de João).

Crítica ao livro Um Judeu Marginal

Crítica ao livro Um Judeu Marginal

por Charles Coffer Jr., graduando em História

Possuo tanto críticas positivas quanto a críticas negativas ao livro Um Judeu Marginal. Na verdade, é uma série de livros cujo no Brasil até agora só foram traduzidos 6.

Lí os três primeiros livros dele e tenho alguns apontamentos a fazer, nada grande e sistematizado, pois não fiz anotações sobre isso.

1) O livro parte do pressuposto de que nem tudo o que está escrito nos evangelhos canônicos biblicos remota a Jesus, incluindo relatos de seus feitos e suas falas. Os cristãos poderão inquirir: "Prove que a biblia inventou essas coisas sobre Jesus!", mas essa pergunta não tem relevancia nos estudos históricos, o qual trata todos os textos antigos, eu disse TODOS, SEM EXCESSÃO, como documentos históricos.

Se os evangelhos foram escritos a partir dos anos 70, ou seja, 40 anos após os eventos que narram, existe um alto grau de certeza de que os relatos e ditos de Jesus tenham sido:

Ser criados espontaneamente;• Sofrer metamorfoses e transformações;

• Sofrer mudanças e alterações brandas ou profundas;

• Ser expandidos e/ou exagerados;

• Ser retidos;• Ser corrigidos;

• Ser desenvolvidos e mais elaboradao;

• Crescer;

• Evoluir;• Ser ampliado por acréscimos;

• Ser embelezados;

• Ser adequadas e adaptados a novas situações, necessidades e exigências;

• Ser distorcidas e deturpadas;

• Ser subtraída, ao ponto de diminuir ou mesmo desaparecer;

• Ser assimilada ou sofrer assimilação por outra tradição;

• Ser combinada a outros elementos originalmente não presentes na tradição;

• Ser simplificada;

• Ser fatiada, fragmentada e selecionada;

• Sofrer cortes e ser excluída parcial ou totalmente;

• Desaparecer parcial ou completamente, temporariamente ou para sempre. Etc.

Meier (1992) afirma que:

"Como estes [quatro Evangelhos Canônicos] estão impregnados da fé pascal da Igreja primitiva e foram escritos entre 40 a 70 anos após os eventos narrados, fica a pergunta: Como podemos distinguir o que vem de Jesus (Estágio I, aproximadamente de 28 a 30 A.D.) do que foi criado pela tradição oral da Igreja primitiva (Estágio II, aproximadamente de 30 a 70 A.D.) e o que foi produzido pelo trabalho de montagem (redação) dos evangelistas (Estágio III, aproximadamente de 70 a 100 A.D)?"

Concordo plenamente com esse pressuposto, e que o mesmo não precisa necessariamente ser provado. É óbvio, natural e comum que o material tradicional seja alterado.

Nesse sentido, Meier não prova que o material foi alterado em momento algum. Apenas parte desse pressuposto para realizar uma pesquisa histórica. Acho isso muito salutar e proveitoso. Para evidencias da alteração do material original de Jesus, ver o livro As Várias Faces de Jesus, de Geza Vermes.

De fato, esse problema é há muito tempo conhecido no campo da pesquisa histórica e neotestamentária:

Mark Goodacre o post Why is the Historical Jesus Quest so difficult? Escrevendo em seu NT Gateway Weblog, este especialista em Novo Testamento da Universidade Duke, USA, diz que, na sua opinião, o estudo do Jesus Histórico é bastante difícil por 7 razões:

• Faltam dados, ou seja, existe pouca coisa sobre Jesus antes do ano 30;

• Os dados existentes são prejudicados pelo viés cristão;

• As fontes são controvertidas, com diferentes avaliações dos especialistas;

• As fontes são, às vezes, contraditórias, dificultando a sua interpretação;

• Nossa distância dos dados é tão grande que projetamos nos textos nossos preconceitos;

• Há uma enorme literatura moderna sobre o assunto, dificultando ainda mais o estudo;

• Jesus é um personagem fundamental para muita gente e tudo o que se fala dele tende a se tornar objeto de controvérsia.


CRÍTICA NEGATIVA

Uma crítica negativa que faço sobre os seus critérios metodológicos que ele usa ao longo de todos os seus volumes para determinar o que vem e o que não vem de Jesus.

Seus principais critérios são três, os quais são:

1) O Critério do Constrangimento.

O Critério do Constrangimento possui como pressuposto a seguinte idéia: "[...] a igreja em seus primórdios dificilmente teria se afastado de sua linha para criar material que pudesse constranger seu criador ou enfraquecer sua posição nas discussões com adversários" (MEIER, 1992, p. 170).

Exemplo: No caso do batismo de Jesus por João, Méier (1992, 170) afirma que sua historicidade foi estabelecida mediante o Critério do Constrangimento, sendo que dificilmente a igreja inventaria um relato que implique a inferioridade de Jesus a João, ou que trouxesse dificuldades teológicas posteriores. De modo que “é bastante improvável” que a igreja tivesse intentado os relatos de João Batista (MEIER, 1992, p. 171).

2) O Critério da Multipla-atestação.

Esse critério alega que um material oriundo de tradições multiplas (ex.: Paulo, Marcos, Evangelho Q, João, Flavio Josefo, Tácido (esses dois últimos a grosso modo), e em diferentes estilos redacionais (parábola, frase, etc.), é bem mais provável ser histórico. (MEIER, 1992, p. 181).

Por exemplo:

A mensagem do REINO DE DEUS; os milagres e exorcismos de Jesus, etc.

3) o Critério da Continuidade.

Esse critério alega que os ditos e feitos de Jesus que se adequam em outros ditos e feitos já corroborados, tem mais chances de ser históricos do que ser ficcionais. (op. cit.).

Esses critérios foram especialmente criados para compensarmos a TOTAL AUSENCIA de evidencias sobre o desenvolvimento das tradições cristãs antigas que culminaram nos evangelhos bíblicos.

Se tivessemos alguma evidencias, com certeza não usariamos tais critérios. Fazem parte dos estudos chamados "Crítica das Tradições" e são razoáveis na pesquisa histórica.

No entanto, tais critérios são falhos.

Crossan afirma que:

“[...] esses critérios já existem há algum tempo e seu emprego não criou consenso a respeito de nada”. (2004, p. 188).

De fato, no que se refere ao critério do Constrangimento, o próprio Meier admite que possui “limitações”, de modo que “não deve ser empregado de forma descuidada e isoladamente” (p. 173).

Meier admite que o que para nós é entendido como "constrangimento" para os cristãos antigos havia um motivo. Ele cita o caso do Lamento na Cruz de Jesus, o qual para os cristãos antigos não seria compativel com a figura do messias para os cristãos posteriores e que por isso deve remontar ao Jesus Histórico. No entanto, o lamento na cruz foi feito a luz das passagens do Servo Sofredor dos salmos e Isaias, de modo que há chance do material ter sido criado pela igreja.

No caso de José de Arimatéia, Raymond Brown, usando esse critério, afirma que é “improvável” que José de Arimatéia seja uma invencionice cristã, desde que é “quase inexplicável” por que os cristãos inventariam uma história sobre um Sanhedrista judeu que faz o que é certo por Jesus.

No entanto, Brown se esquece dos motivos internos para Marcos criar tal personagem: O professor André Chevitarese, da UFRJ, afirma que:

"Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas [e primeiramente o de Marcos] têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de José de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa - sua única função na história é essa."

Crossan (1995. p. 202) ratifica esse argumento, ao afirmar que:

"Considero José de Arimatéia como uma total criação de Marcos em nome, lugar e função. O problema de Marcos é claro: aqueles com poder estavam contra Jesus; aqueles que estavam com ele não tinham pode. Nenhum. Nem para fazer, para pedir, para implorar, nem mesmo para subornar. O que é necessário é um personagem intermediário, alguém de alguma forma ao lado do poder e de alguma maneira ao lado de Jesus. O que é necessário, de fato, é uma pessoa que nunca existiu".

De fato, a julgar o evangelho de Marcos como aquilo que ele realmente é, isto é, uma obra literária que, tal como nas demais obras literárias, o autor se debruça e se fadiga diante de problemas de coerência na narrativa que escreve, é mais do que provável que José de Arimatéia seja um personagem fictício criado por Marcos para cumprir um determinado papel, sem o qual haveria problemas muito maiores do que o argumento do Constrangimento foi capaz de perceber.

Desse modo, fica claro que o Critério do Constrangimento desmorona como critério para estabelecimento de historicidade quando analisado isoladamente, ou seja, sem o conhecimento de certos detalhes que motivariam o autor a narrar uma estória fictícia mesmo que a mesma trouxesse problemas para a igreja em geral.

Ou seja, ainda que um relato trouxesse constrangimentos para a igreja (somando a tudo isso, não se pode estabelecer o grau de constrangimento, o que também pode influenciar a permanência, a criação ou a omissão de certas narrativas!), se o autor achasse que tal relato fosse necessário para estabelecer o seu programa teológico, o mesmo não seria omitido, mas acrescentado e até mesmo ampliado.

Mais do que isso, um fato vem depor contra esse critério:

DIFICILMENTE A IGREJA PRIMITIVA INVENTARIA UM MATERIAL FICCIONAL QUE VIESSE A CONSTRANGER A ELA MESMO POSTERIORMENTE. Por isso, varios materiais que passam pelo Critério do Constrangimento podem, ainda assim, serem meras criações da Igreja.

O Critério da Multipla-atestação.

O Critério da Multipla-atestação é um dos melhores, no entanto, ele cai diante de várias dificuldades:
.
1) Não dispomos de muitas fontes;

2) Não há concenso de que João seja independente de Marcos;

3) Várias fontes independentes pode muito bem usar uma criação fictícia antiga em seu conteudo; Existem vários outros problemas, além do fato de que uma mentira pode muito bem ser atestada por inumeras fontes.

Há também a "ilusão das multiplas fontes", como no caso do relato do Túmulo Vazio. Os estudiosos contemporaneos chegaram a conclusão de que o Túmulo Vazio seja uma criação marcana, e que os demais evangelistas (inclusive João) apenas usaram e modificaram da fonte marcana esse relato. Por isso, fica dificil estabeler o que realmente é uma "Multipla-atestação", sendo que não temos testemunhos suficientes no que se refere aos relatos evangelisticos, muito menos testemunhos de qualidade.

O Critério da Continuidade.

Só tenho uma palavra contra o Critério da Continuidade. Além das críticas que Crossan faz em O Nascimento do Cristianismo, como se pode saber que a igreja primitiva não inventaria um relato e/ou um dito de Jesus fosse de acordo com seus principais e corroborados ensinamentos?

Ademais, Jesus inovou em muitas coisas, trazendo novas concepções à tradição judaica. Na mesma medida, ele seguia muitas coisas da tradição judaica. Por isso, fica dificil usar esse critério como fonte para se determinar o que é histórico e o que não é.

O pior é que Meier usa esses critérios em todos os seus livros. Apesar da seriedade e rigor cientifico de Meier, creio que muitas conclusões serão equivocadas.

Prefiro o método do Crossan, especialmente o que se trata de Crítica Literária. Acredito que se voce determina as intenções do autor e seus motivos por trás das narrativas, comparando com outras fontes, temos mais chances de determinar o que é mito e o que não é.

É isso o que implicitamente faz Geza Vermes em As Várias Faces de Jesus.

É claro que esse método também tem lá as suas limitações. No entanto, o correto é se usar uma boa gama de metodos consideraveis dentro da pesquisa. É por isso que ainda prefito Crossan e Vermes à Meier, o qual, por outro lado, não fica atrás de nenhum outro estudioso do Jesus Histórico. Tenho mais elogios e críticas a obra Um Judeu Marginal, mas por enquanto ficarei somente nessas aqui.

Uma última consideração sobre a obra de Meier. Meier frequentemente critica livros contemporaneos de Jesus por afirmaram que "Jesus fez isso" e "Jesus disse aquilo" com base apenas no texto evangelico.

Ele afirma que essa atitude acrítica prejudica muito a pesquisa histórica. Devemos, por outro lado, analisar e determinar se o texto realmente vez de Jesus antes de afirmar que Jesus disse ou fez isso e aquilo.

Fico pensando naqueles livros esdroxulos que saem nas livrarias, tai como "Jesus, O Maior Psicologo que já existiu", ou "O Modelo de Liderança de Jesus", ou "Jesus, a maior pessoa que já existiu", etc.

Esses livros, sem sombra de duvidas, baseiam suas conclusões (e seus títulos do livro!) não no que Jesus realmente disse ou fez, mas nas criações tanto da igreja primitiva, incorporadas à tradição, como na pena teológica dos evangelistas, que tinham motivos de sobra para retratar Jesus de acordo com suas pressunções - o que realmente fizeram.

Por isso, é essencial - como Meier muito saliente - que para se determinar com mais acuidade algo sobre o Jesus Histórico, se deva primeiramente fazer um levantamento sobre quais fontes e/ou quais conteudos dessa fonte realmente remontam ao Jesus Histórico, e quais são meras criações da igreja primitiva e dos evangelistas.

A Ressurreição de Jesus como fato histórico: existe essa posibilidade?

A Ressurreição de Jesus como fato histórico: existe essa posibilidade?

de Charles Coffer Jr., graduando em História

Nos destituindo de todos os nossos sentimentos e emoções religiosas, apologéticas, céticas e crítica, gostaria de questionar: Será se há como estabelecer a ressurreição de Jesus como um acontecimento histórico?

Essa questão possui bastante relevancia para a História. No entanto, possui fortes implicações na fé. Cito-a porque está sendo objeto de disputa, especialmente entre Crossan (que defende que a ressurreição de Jesus é uma metafora que depois foi transformada em lenda e mito) e N. T. Wrigth (que defende que a ressurreição é um acontecimento histórico).

http://www.airtonjo.com/blog/2006/02/crossan-e-wright-conversam-sobre.html

N. T. Wright, um estudioso britânico eminente, conclui, “como um historiador, eu não posso explicar a ascensão do Cristianismo primitivo a menos que Jesus ressuscitasse e deixasse uma tumba vazia atrás dele”.

Já Crossan afirma que: "O movimento do reino não era o movimento de Jesus, e removê-lo não era remover o Reino. Quando ele foi executado, aqueles que o acompanhavam perderam a coragem e fugiram. Não perderam a fé e o abandonaram. [...] A fé na Páscoa [...] não começou no domingo de Páscoa. Iniciou-se entre aqueles primeiros seguidores de Jesus na Baixa Galiléia, muito antes da sua morte e [...] poderia sobreviver e, de fato, negar a execução do próprio Jesus. É absolutamente insultante para aqueles primeiros cristãos imaginar que a fé começou no domingo de Páscoa através de aparições ou que, tendo sido temporariamente perdida, foi restaurada [...] naquele mesmo domingo".

Gerd Ludemann (no qual estou realizando uma tradução de um artigo muito importante sobre a Ascensão do Cristianismo Primitivo), Professor de Cristianismo Primitivo em Gottigen, Alemanha (e que foi proibido de lecionar Novo Testamento, por causa de suas "idéias radicais", afirma que:

"Para os discípulos de Jesus, a sua morte foi um choque tão grave que exigiu um processo de reconceitualização- que começou na Galiléia e foi marcada por experiências visionárias. Pouco tempo depois da Sexta-Feira Santa, Pedro tinha uma experiência visual e auditiva da presença de Jesus que deu início a uma extraordinária reação em cadeia. [...] Aparições post-mortem de Jesus - tanto a Pedro, que havia repudiado Jesus e depois desertado e para os outros discípulos que tinham fugido anteriormente - foram certamente tomadas com o significado de perdão, e naturalmente o conteúdo dessas experiências foi transmitido aos outros. Sem dúvida, os relatos enfatizam que, longe de abandonar a Jesus, Deus lhe tinha levado para o céu".

O interessante, só para acirrar este debate, é que Ludemann faz essa declaração baseado no pressuposto de que NARRATIVAS DO TÚMULO VAZIO NÃO EXISTIAM NA ÉPOCA DE PAULO. Ou seja, que os relatos dos evangelhos sobre a descoberta do túmulo vazio são criações dos evangelistas.

De fato, há um concenso entre os estudiosos que o TÚMULO VAZIO é criação recente, e não pertence as TRADIÇÕES CRISTÃS ANTIGAS.

“... O túmulo vazio é uma lenda recente, introduzida pela primeira vez por Marcos na narrativa” (Fuller, 1971, p. 52).FULLER, Reginald. The Formation of the Resurrection Narratives, Fortress. 1971

“... critérios internos apóiam a hipótese de que a história do túmulo e a narrativa da Paixão no início não constituíam uma unidade orgânica” (Alsup, 1975, p. 96).ALSUP. John E. The Post-Resurrection Appearance Stories of the Gospel-Tradition Stuttgart: Calwer Verlag, 1975.

“... a narrativa do sepultamento em Marcos pertence à tradição da Paixão e é antiga. A visita ao túmulo é lendária” (Mann, 1986, p. 660). MANN, C.S. Mark. New York, NY: Doubleday, 1986.

“Eu posso assegurar que a história do túmulo vazio, com todos seus detalhes circunvizinhos, inclusive o cenário de Jerusalém, nada mais é que um recente acréscimo lendário à história da fé” (Spong, 1994, p. 180). SPONG, John Shelby. Resurrection: Myth or Reality? San Francisco: Harper Collins, 1994.

“Há um consenso de opinião entre estudiosos contemporâneos que as narrativas do túmulo vazio são acréscimos recentes às narrativas do evangelho e estão separadas dos relatos da paixão” (Thompson, 2006, p. 36).

Martin Hengel e outros afirmam que Paulo, em 1Co 15:4, com a expressão "ressuscitou ao terceiro dia" conhecia o Túmulo Vazio.

Já Crossan e Vermes:

"A tradição transmitida por Paulo ignora o túmulo vazio" (Vermes, 2006, p. 208).

"[...] Paulo não enfatiza um túmulo vazio. Pelo contrário, ele baseia sua confiança na ressurreição de Jesus, nas aparições de Jesus aos seus seguidores e, em última instância, no que ele próprio, Paulo, entende como visões."(Borg e Crossan, 2007, p. 253).

Ou seja, a declaração de Ludemann sobre as aparições do Senhor ressuscitado fazem referencia apenas ao testemunhos de visões em 1Co 15. Na minha opinião, descartando a "tradição" do Túmulo Vazio fica mais facil tormarmos um partido nessa questão. No entanto...

John P. Meier, no livro "Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor" (Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.) faz a seguinte afirmação:

"“Deus fez um milagre nesta cura em particular” é na verdade um julgamento teológico e não histórico. Um historiador pode examinar alegações quanto a milagres, rejeitar aquelas que têm explicações naturais óbvias e registrar casos em que não há explicação natural. Um julgamento puramente histórico não pode seguir além disso". (MEIER, 1996, p. 25).

e:

"[...] na Busca pelo Jesus Histórico, as “regras do jogo” não admitem apelo ao que é sabido ou sustentado pela fé; [...] a fé não pode ser usada como prova ou argumento nos limites extremamente restritos da pesquisa sobe o Jesus da história. (MEIER, 1996, p. 153).

Acho que Meier tem certa razão em tudo isso. Mas, porém, apelar para qualquer explicações externa ao relato sobre a ressurreição (como Ludemann faz ao afirmar que foram alucinações), já sai do âmbito da história para especulação filosófica. O que a tradição cristã antiga alega, do ponto de vista histórico, é que os discipulos simplesmente acreditaram ter visto uma aparição de seu Senhor ressuscitado. Notem as palavras "alegarram" e "acreditaram".

O julgamento histórico precisa ser maduro e crítico:

1) "Alegaram" porque o testemunho é de segunda-mão. Não possuimos fontes diretas para saber se os discipulos realmente disseram ter tido tais visões;

2) "Acreditaram" porque nem sempre o pensamos termos visto é o que é: Como no caso das aparições dos Boto Encantados em Parintins, no Amazonas - todos dizem ser o Boto, mas será que Boto se transforma em gente mesmo?Por isso, creio ser dificil tomar um julgamento nessa questão.

No entanto, também acredito que qualquer tentativa de se estabelecer a ressurreição como um FATO HISTÓRICO está fadada ao fracasso, como Willian Lane Craig e N. T. Wright querem tanto que seja. A questão ainda está em aberto.

Willian Lane Craig, que debateu com John Dominic Crossan em 1998 sobre a ressurreiçaõ de Jesus, coloca quatro "fatos" que indicam, HISTORICAMENTE, que Jesus, REALMENTE, ressuscitou dos mortos:

1) O Sepultamento de Jesus por José de Arimatéia;

2) O túmulo foi encontrado vazio por mulheres;

3) Desde muito cedo, os cristãos afirmaram terem experienciado aparições de Jesus ressuscitado;

4) Os discípulos vieram acreditar de repente e sinceramente que o Jesus foi ressuscitado dos mortos apesar do ter todo predisposição para o contrário.

Contra o fato 1, Crossan (1995. p. 202) afirma que:

"Considero José de Arimatéia como uma total criação de Marcos em nome, lugar e função".

André Chevitarese, professor da UFRJ, afirma que, para a maioria dos estudiosos, a figura de José de Arimatéia, é uma criação literária dos Evangelhos, sendo que o papel de José compreende os objetivos literários do escritor do evangelho de Marcos:

"Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas [e primeiramente o de Marcos] têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de José de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa - sua única função na história é essa".

Por isso, o sepultamento por José carece de historicidade.

No que se refere ao fato 2, Crossan (1995. p. 212-214) afirma que o relato das mulheres no túmulo não possui historicidade, não passando de uma criação marcana.
Crossan (1995. p. 214-217) afirma que o relato do túmulo vazio é fictício, criado por Marcos, e carece de historicidade. Sendo que Marcos é severa e consistentemente crítico dos três principais discípulos nomeados, Pedro, Tiago e João, e que seu tema principal é: aqueles mais próximos de Jesus lhe faltam mais profundamente, para Marcos todos os seguidores de Jesus, masculinos e femininos, são importantes como modelos de falha. Marcos sempre os relata como falhando em relação a Jesus e esse seu tema é peculiar seu – não sendo encontrado nos demais evangelhos – e Marcos, dessa forma, distorce ou mesmo cria relatos para que suas intenções literárias sejam corroboradas em suas narrativas.

O relato do túmulo vazio é um modelo desse tipo de falha dos discípulos – agora, dos do sexo feminino. Sendo que Jesus tinha dito aos discípulos três vezes, e muito claramente, que seria executado em Jerusalém e que se levantaria depois de três dias, se alguém acreditasse nessas profecias, o fato das mulheres terem vindo com ungüentos não foi um ato de fé, mas uma falha de crença.

A mulher do vaso de alabastro (Mc 14,3-9) acredita em Jesus e sabe que, se ela não untá-lo para enterro agora, nunca será capaz de fazê-lo depois. O centurião embaixo da cruz em 14,39b: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!”. Todos esses pessoas anônimas, mas os discípulos, para Marcos, nunca realizaram tais coisas.

Para Crossan, tudo isso é composição literária de Marcos e essa densidade teológica explica por que as mulheres que pretendiam untar o corpo são tão importantes para Marcos e por que a história do túmulo vazio é tão peculiarmente sua, própria.

Os demais evangelistas, ao copiarem para seus evangelhos a narrativa do túmulo vazio, seguiram Marcos apenas no relato, mas não no objetivo literário.
Desse modo, os fatos 1 e 2 podem ser descartados para a pesquisa histórica sobre a ressurreição, por serem acrescimos posteriores, correspondentes aos anos 70 d.C. em diante.

Eu pessoalmente, só considero os fatos 3 e 4 como pertinentes a pesquisa histórica sobre a ressurreição de Jesus e sobre o cristianismo pós-pascal.

Sendo que existe testemunho antigo ALEGANDO que os cristãos bem cedo ACREDITARAM ter tido visões de Jesus ressuscitado, a única conclusão realmente histórica que podemos chegar é:

Existe testemunho antigo ALEGANDO que os cristãos bem cedo ACREDITARAM ter tido visões de Jesus ressuscitado. Só isso.

No que se refere ao fato 4, não creio que uma ressurreição real deva ser invocada como ÚNICA EXPLICAÇÃO para um bando de discipulos desapontados possam ter levado o cristianismo aos quatro cantos do mundo, morrendo pela fé, como N. T. Wrigth afirma.

Notem que essa definição de Wrigth e Craig é errônea e limitada.

Exemplos existem na história de grupos que continuaram mesmo após o líder ter sido brutalmente assassinado. Scardelai (1998, p. 263), afirma que:

"A princípio, o fato de um herói popular, ou pretenso salvador, ser capturado e morto sem haver concluído sua missão, muitas vezes significava que seus propósitos, mais do que nunca, deveriam ser imediatamente retomados por sucessor fiel. [...] No caso de Jesus as evidências apontam para essa possibilidade".

Por isso, agora, acredito que o único "fato" histórico que conhecemos sobre a alegada ressurreição de Jesus seja o fato 3, ou seja, as aparições citadas em 1 Corintios 15 por Paulo. Alegou-se que os discipulos acreditaram ter tido uma visão de Jesus ressuscitado. Essa é a única coisa que temos e a única que sabemos, do ponto de vista histórico, sobre a ressurreição de nosso Senhor.

Resumindo a minha opinião:Os cristãos realmente podem ter 1) visto Jesus ressuscitado (Wrigth e Craig), ou podem ter tido 2) alucinações extáticas (Ludermann e Crossan) ou 3) poderiam estar mentindo. A história não pode fazer o julgamento sobre qual dessas três opções é a correta.
De fato, a única questão sobre a ressurreição de Jesus que importa é: Qual a natureza das visões dos discipulos de Jesus? No entanto, essa questão já foge o âmbito da pesquisa histórica. Assim como determinar o número de folhas que cairam de uma certa árvore da cidade no ano passado, determinar a natureza das visões que os discipulos tiveram é uma tarefa complicada. Afirmar serem alucinações, como Crossan e Ludemann fazem é oferecer apenas uma possibilidade, e mais nada. Da mesma forma, afirmar que ele realmente ressuscitou dos mortos é uma atitude acrítica e bastante problemática, sendo que não existem evidencias suficientes para se adotar essa posição.


FONTES:
MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.

SLATER, Candade. A festa do boto: transformações e desencanto na imaginação amazônica. Tradução: Astrid Figueiredo. Rio de Janeiro: Funarte, 2001.

VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.

SCARDELAI, Donizete. Movimentos messiânicos no tempo de Jesus: Jesus e outros messias. São Paulo: Paulus, 1998.

CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus?: as raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.

LOPES, Reinaldo José. Jesus é 'invisível' no registro arqueológico. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/0,,PIO7819-5603,00.html . Acesso em 14 de março de 2008.

http://www.airtonjo.com/blog/2006/02/crossan-e-wright-conversam-sobre.html

LUDEMANN, Gerd. O QUE REALMENTE ACONTECEU? A ascensão do Cristianismo Primitivo, 30-70 EC. Free Inquiry, Abril/Maio de 2007. http://www.secularhumanism.org/ . (Tradução minha).

BORG, M. J.; CROSSAN, J. D. Última Semana: um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.

Há evidências históricas da ressurreição de Cristo? (Debate W. L. Craig vs. Bart Ehrman). Disponivel na internet.
Outras fontes da internet retiradas de forma avulsa.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Observatório da História

A apologia cristã têm realizado, ao longo da História, grandes deserviços ao desenvolvimento do pensamento científico e ajudando a amplicar a divulgação de informações falsas e errônea sobre todos os tipos de assuntos de seu interesse, além de contribuir para o crescimento do número de pessoa que acreditam em lendas, mitos e folclores no mundo moderno.

A História, principalmente, precisa ser curada desse grande cancêr que corrói sua alma, chamado: MENTIRA.

“Deus fez um milagre nesta cura em particular” é na verdade um julgamento teológico e não histórico. Um historiador pode examinar alegações quanto a milagres, rejeitar aquelas que têm explicações naturais óbvias e registrar casos em que não há explicação natural. Um julgamento puramente histórico não pode seguir além disso. (MEIER, 1996, p. 25).

[...] na Busca pelo Jesus Histórico, as “regras do jogo” não admitem apelo ao que é sabido ou sustentado pela fé; [...] a fé não pode ser usada como prova ou argumento nos limites extremamente restritos da pesquisa sobe o Jesus da história. (MEIER, 1996, p. 153).

MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Mentor. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. II, livro I.